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Prefácio. Arnaldo Franco Junior

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Academic year: 2021

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FRANCO JUNIOR, A. Prefácio. In: MENDES, FM. Realismo e violência na literatura

contemporânea: os contos de Famílias terrivelmente felizes, de Marçal Aquino [online]. São Paulo:

Editora UNESP; São Paulo: Cultura Acadêmica, 2015, pp. 19-22. ISBN 978-85-7983-700-5.

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Prefácio

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V

IOLÊNCIAS PARTICULARES,

INFELICIDADE COMUM

Realismo e violência na literatura contemporânea: os contos de Famílias terrivelmente felizes, de Marçal Aquino, é o feliz resultado

da dissertação de mestrado de Fábio Marques Mendes, realizada sob orientação do Prof. Dr. Márcio Scheel, no Programa de Pós--Graduação em Letras da UNESP/São José do Rio Preto.

Neste estudo, o autor nos oferece tanto uma caracterização da poética de Marçal Aquino quanto uma investigação perspicaz da problemática vinculada ao Realismo no sistema literário brasileiro contemporâneo. No primeiro caso, identifica, com propriedade, os traços temáticos e formais que singularizam o trabalho de Aquino, para o qual concorrem, articulados, sua formação e seu trabalho de jornalista, escritor e roteirista de cinema e televisão; no segundo caso, debruça-se sobre as relações entre Realismo e violência, des-lindando a presença de uma “linguagem da violência” na literatura do autor tanto para caracterizá-la como para discuti-la critica-mente, avaliando seus efeitos e alcance crítico.

Caracterizando a poética aquiniana como calcada numa hibri-dação entre literatura e cinema (frases e períodos curtos e diretos; narrativas constituídas por episódios breves; diálogos cortantes; economia de meios para a definição de ambiente e intriga; cenas

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ágeis), Fábio Marques destaca o fato de que as violências particu-larizadas nos contos de Famílias terrivelmente felizes vinculam-se

ao autoritarismo e à violência historicamente enraizados na socie-dade brasileira. Nesse sentido, situa seu objeto de estudo nos sis-temas sociocultural, artístico e literário do país, abordando os contos de Aquino tanto de uma perspectiva sincrônica, que neles reconhece traços próprios de uma linha de produção artística e li-terária da contemporaneidade, quanto de uma perspectiva diacrô-nica, que neles lê a presença de fraturas socioculturais, políticas e econômicas intocadas ao longo do tempo, configurando uma es-trutura geradora de desigualdades, violências, infelicidades que, dentro e fora da família, núcleo privilegiado pela perspectiva crí-tica dos contos estudados, afigura-se imutável.

Como demonstra Fábio, Famílias terrivelmente felizes é uma

obra importante porque afirma a maturidade literária de Marçal Aquino, reunindo contos que vão de 1981 a 2002, de modo a flagrar, para além da trajetória literária do escritor, também o período que vai do fim da ditadura militar aos anos 1990. Naquele fim de século, o Brasil experimentou, na década de 1980, um aprofundamento da crise econômica herdada da ditadura militar, com dívida externa alta, hiperinflação e alto índice de desemprego, mais um lento pro-cesso de redemocratização, e, de meados da década de 1990 para o início dos anos 2000, uma sucessão de planos econômicos que, de-pois de fracassos, resultou em estabilização da moeda por meio do Plano Real, além do restabelecimento da democracia e uma lenta construção do Estado de direito e da cidadania. A superação da crise econômica dos anos 1980-90 e a passagem da ditadura militar para a ordem democrática não foram capazes, porém, de eliminar as bases estruturais da violência que marca a sociedade brasileira. Essa vio-lência se manifesta de múltiplos modos, dando a ver, dentre suas raízes, uma ordem socioeconômica e política que, dos anos 1960 para cá, acirrou a privatização da educação, da saúde e da segurança pública, aprofundando o apartheid social que historicamente marca

a divisão entre ricos e pobres – ou, talvez mais precisamente, de au-todesignados cidadãos e de heterodesignados não cidadãos – no país.

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É dessa infelicidade de base que as infelicidades particulares repre-sentadas nos contos de Aquino também falam. E isso, como de-monstra Fábio Marques, por meio de uma hibridação da literatura policial com a linguagem cinematográfica na qual se destaca uma perspectivação dos fatos narrados sob o prisma da ironia.

A ironia presente nos contos de Aquino, segundo a hipótese defendida no estudo de Marques, se constituiria em chave de lei-tura capaz de cumprir uma função crítica que, em última análise, apelaria à consciência e à sensibilidade do leitor, instalando uma fissura no circuito de produção e consumo do novo Realismo lite-rário brasileiro e, com isso, desautomatizando-o para ressimbo-lizar a violência com a qual toma contato na literatura e na vida. É aqui que reside a contribuição mais rica e, também, talvez, mais delicada, do estudo de Fábio Marques Mendes e da própria obra literária por ele privilegiada. Em ambos, obra literária e seu es-tudo, pulsa com vigor uma esperança de que a ironia funcione efe-tivamente como chave de leitura crítica e capaz de libertar o leitor dos automatismos que, dada a vinculação do novo Realismo à in-dústria cultural, tendem a lhe amortecer a sensibilidade e a capaci-dade de indignação. O estudo de Fábio enfrenta com acuicapaci-dade o problema sem ter a pretensão ingênua de resolvê-lo, posto que o reconhece como constitutivo da própria realidade da qual emerge a literatura de Marçal Aquino. Alicerçado em bibliografia teórico--crítica consistente, situa o problema do Realismo na história para, a partir daí, abordá-lo sincronicamente, destacando, em sua mani-festação contemporânea no sistema literário brasileiro, suas ten-sões e mesmo contradições constitutivas. Desse modo, demonstra, com base em argumentação bem feita, que a ironia funciona, nos contos de Famílias terrivelmente felizes, como elemento de

resis-tência crítica possível à barbárie denunciada nas histórias narradas e à redução dessa denúncia a mero entretenimento.

É de observar, ainda, que o estudo de Fábio Marques reconhece, na literatura de Marçal Aquino, a presença de uma perspectiva lírica na filtragem dos fatos narrados. Não seria exatamente essa perspec-tiva, muitas vezes articulada à ironia, o elemento que cumpriria, nos

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contos estudados, uma função de resistência e humanização? Não seria exatamente essa perspectiva lírica importante elemento capaz de gerar uma contida comoção no leitor, sensibilizando-o? O estudo empreendido por Marques suscita essas questões. Se aplicadas a uma visão panorâmica, problematizam tanto a linha de produção e con-sumo que caracteriza o novo Realismo dos anos 1980 para cá como, em escala mais ampla, certos valores dominantes do próprio sistema literário e artístico brasileiro.

A postulação da existência de uma “linguagem da violência” na literatura de Marçal Aquino responde, no estudo de Marques, tanto à leitura crítica dos contos que constituem a especificidade do corpus estudado, como à investigação das características temático-formais e das funções que essa linguagem cumpre no sistema artístico brasi-leiro contemporâneo, particularmente na prosa literária e no cinema. Se, por um lado, essa linguagem derrui certa leitura ingênua da noção de homem cordial definida em estudo célebre de Sérgio Buarque de Holanda (a cordialidade, nessa leitura, como fator apenas positivo), por outro lado, impõe, no horizonte da reflexão, o reconhecimento de que tal linguagem, questionadora nos anos 1960-70 sob a opressão da ditadura militar, corre permanentemente o risco de ser neutrali-zada pela indústria cultural que a absorve como linha de produção estética dos anos 1980 para cá, concorrendo para uma naturalização da violência como fato imutável quando, na verdade, se trata de algo construído e passível de enfrentamento e superação.

Captar as possibilidades de resistência no interior do que pa-rece ajustado a uma ordem de produção e consumo que tenta subs-tituir a sensibilidade crítica pelo mero entretenimento é tarefa que o estudo de Marques cumpre com sucesso. Oferece-nos, por isso, um livro capaz de valorizar a literatura de Marçal Aquino por meio de abordagem crítica que nela flagra tensões que iluminam não apenas uma poética singular, mas, também, problemas relevantes da sociedade e do sistema literário contemporâneos.

Arnaldo Franco Junior UNESP/São José do Rio Preto

Referências

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