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"Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e não mais lutando por dinheiro e poder, então nossa sociedade poderá enfim evoluir a um novo
Dedico este livro a alguém único!
De todas as coisas que conquistei na vida Você tem um lugar de destaque. Obrigado por existir.
A vida é bela e breve com o gotas de orvalho Em instantes aparece e logo se dissipa Aos prim eiros raios do tem po. Por ser fascinante e efêm era, deveríam os Transform ar lágrim as em sabedoria E perdas em m aturidade
Escrever os capítulos m ais nobres nos dias m ais tristes E ser um explorador não apenas do planeta Terra, Mas do planeta Mente.
Copy right © 2016 por Augusto Jorge Cury
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As passagens bíblicas citadas neste livro usaram com o referência as seguintes versões: Bíblia Septuaginta, Bíblia King Jam es,
Bíblia de Jerusalém , Bíblia João Ferreira de Alm eida.
edição: Rafaella Lem os revisão: Alice Dias e Luis Am érico Costa projeto gráfico e diagramação: Valéria Teixeira
capa: Raul Fernandes
imagem de capa: Christophe Dessaigne/ Trevillion Im ages adaptação para e-book: Marcelo Morais CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
C988h
Cury, Augusto
O homem
mais inteligente
da história
[recurso
eletrônico] /
Augusto Cury.
Augusto Cury.
-1. ed. - Rio de
Janeiro: Sextante,
2016.
recurso digital
Formato: ePub
Requisitos do
sistema: Adobe
Digital Editions
Modo de
acesso: World
Wide Web
ISBN
978-85-431-0436-2
(recurso
eletrônico)
1. Romance
1. Romance
brasileiro. 2.
Livros
eletrônicos. I.
Título.
16-35648
CDD: 869.3
CDU: 821.134.3(81)-3
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P
PREFÁCIO
rovavelm ente fui m ais cético e crítico do que os grandes ateus da história, com o Marx, Nietzsche, Diderot, Freud, Sartre. Ao produzir um a das poucas teorias da atualidade sobre o funcionam ento da m ente e o processo de form ação de pensadores, tornei-m e há m uitos anos um ateu científico, enquanto a m aioria dos ateus notáveis foi, na realidade, com posta de antirreligiosos.
Apesar dos m eus lim ites, resolvi estudar de form a detalhada a m ente do personagem m ais fam oso da história sob critérios psicológicos, psiquiátricos, psicopedagógicos e sociológicos. Esperava, ao estudar a personalidade de Jesus, encontrar um a inteligência com um , pouco criativa, pouco analítica, pouco instigante, sem gestão da em oção, ou então um “herói” m al construído por galileus. Entretanto, fiquei perplexo. Tornei-m e um ser hum ano sem fronteiras.
O resultado dessa prolongada pesquisa, que levou m ais de 15 anos, com põe esta obra, O homem mais inteligente da história, que se constituirá de vários volum es. Creio que, se não tivesse 30 anos de experiência com o pesquisador e profissional de saúde m ental – com m ais de 20 m il atendim entos –, não teria condições de escrevê-la. Apesar disso, a fim de ter m ais liberdade para expressar m eu processo de produção de conhecim ento, preferi escrever em form a de rom ance.
E fico feliz com o fato de que, assim com o alguns de m eus livros estão sendo adaptados para as telas do cinem a pela Warner/Fox – com o
O vendedor de sonhos, O futuro da humanidade e Petrus Logus –, esta obra se tornará um seriado internacional. Recentem ente, um notável cineasta m e pegou pelo braço e confessou que film ar um a série baseada em O homem mais inteligente da história será seu m ais im portante proj eto de vida!
O psiquiatra e cientista Marco Polo é o protagonista desta obra. Durante um a im portantíssim a conferência prom ovida pela ONU em Jerusalém para discutir o futuro do planeta Terra, ele abalou os presentes ao falar sobre a preservação de outro planeta, o planeta emoção: “Antes de os recursos da Terra se esgotarem , esgota-se prim eiro a m ente hum ana”, declarou ele.
Questionado sobre quais pensadores foram bons gestores da em oção, Marco Polo com entou: “Todos os que eu estudei falharam : Freud, Einstein, Gandhi, Nietzsche...”, deixando a plateia em choque. Mas, em seguida, um a socióloga am ericana lançou a pergunta fatal: “E Jesus? Ele foi um bom gestor da em oção?” Marco Polo foi categórico: “Com o sou ateu, não discuto religião em m inhas conferências.”
Porém a plateia de intelectuais, sabendo que ele estudava o processo de form ação de pensadores, o desafiou a estudar a m ente de Jesus sob a luz das ciências hum anas. Ele resistiu m uito, m as por fim m ontou um a m esa de notáveis para refletir e analisar a inteligência de Cristo.
Talvez pela prim eira vez na história o intelecto de Jesus será estudado sob parâm etros seríssim os com o habilidade de lidar com perdas e frustrações, resiliência, autocontrole, capacidade de proteger a em oção e ferram entas para form ar m entes brilhantes.
Marco Polo pouco a pouco descobrirá que ele m esm o, as ciências hum anas e todas as religiões erraram dram aticam ente em não ter estudado Jesus em term os científicos. A m ente do m ais fam oso personagem de todos os tem pos é m uito pouco conhecida, inclusive pelos bilhões de seres hum anos das m ais diversas religiões que o adm iram ...
Com a avalanche de estím ulos estressantes que viveu desde a infância, Jesus tinha m uitos m otivos para ter depressão e ansiedade. Mas ele geriu sua em oção? Desenvolveu um a saúde m ental sólida? Teve autocontrole nos focos de tensão? Com o educador, tinha tudo para fracassar, pois escolheu um tim e de j ovens com vários transtornos de personalidade e que só lhe davam dor de cabeça. Mas será que ele usou técnicas psicológicas m odernas para transform ar pedras brutas em obras de arte? Ele teve êxito?
O m undo com em ora o nascim ento de um m enino cuj a personalidade não conhece e não sabe com o se form ou. Surpreendi-m e m uitíssim o com essa análise e provavelm ente m uitos ficarão surpresos e até perplexos com O homem mais inteligente da história.
Julgue por si m esm o!
O
1
A ERA DOS MENDIGOS EMOCIONAIS
Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas, a ONU, deu início à reunião de em ergência sobre a violência no m undo. Os principais líderes políticos das nações, assim com o pensadores das m ais diversas áreas, estavam presentes. Os núm eros m ostravam um aum ento assustador da violência não apenas nos países pobres e em ergentes, m as tam bém nas nações m ais ricas.
– Bullying nas escolas, violência contra m ulheres e crianças, assédio m oral nas em presas, agressões sexuais, corrupção na política, sabotagem no m ercado, exclusão de im igrantes, suicídios, hom icídios, terrorism o. Enfim , o leque de violência nas sociedades m odernas é enorm e. Vivem os o apogeu do progresso m aterial, o ápice da era digital, m as não estancam os a hem orragia da violência ao redor do m undo. Ao contrário, ela está aum entando... É incom preensível! – concluiu, preocupado. – Está aberto o debate para encontrarm os soluções sustentáveis.
Muitos presidentes, m inistros e parlam entares fizeram suas considerações. Alguns poucos sociólogos tam bém m encionaram o adensam ento populacional, as crises econôm icas, a exclusão social e outros tantos problem as com o fatores agravantes.
Quando a conferência se aproxim ava do fim e os presentes j á estavam cansados de ouvir as m esm as discussões, o Secretário-Geral retom ou a palavra:
– A ONU agradece a participação dos líderes m undiais nesta grande conferência sobre as causas e soluções para a violência na era m oderna. Farem os um relatório que será enviado a todas as nações, em bora eu tenha a im pressão de que ainda falta um diagnóstico adequado da questão.
– E falta m esm o! – proclam ou Marco Polo, um psiquiatra pesquisador que estava entre os espectadores.
Estressado, o Secretário-Geral advertiu:
– Sinto m uito, senhor, m as o debate não está aberto à plateia.
– As grandes ideias não são propriedade das lideranças políticas, m as da m ente de quem as pensa – confrontou-o Marco Polo.
Pego de surpresa, o Secretário-Geral da ONU pensou m elhor. – Abrirei um a exceção. Seu nom e?
– Marco Polo – apresentou-se de form a breve.
– Sej a rápido, por favor. A hora está avançada – pediu delicadam ente o Secretário.
Polêm ico, ousado, provocador, Marco Polo sentiu-se à vontade:
– Senhoras e senhores, não apenas pisam os na superfície do planeta Terra, m as tam bém na cam ada superficial do planeta emoção. Está em curso um a verdadeira explosão de transtornos psíquicos e sociais. E um a das grandes razões para isso é o fato de a educação clássica ter se tornado excessivam ente cartesiana, lógica, linear, desprezando as habilidades socioem ocionais capazes de proteger a psique. Se não m udarm os o paradigm a fundam ental da educação, serem os um a espécie inviável!
A plateia se agitou.
– Mudar o paradigm a da educação? Com o assim , senhor Marco Polo? – questionou um intrigado m inistro canadense que estava na prim eira fila.
– A educação m undial precisa passar da era da inform ação para a era do Eu com o gestor da m ente hum ana! A prim eira gera gigantes na ciência, m as crianças no território da em oção; a segunda cria seres hum anos bem resolvidos, coerentes e altruístas.
O tem a era com pletam ente novo e, ao m esm o tem po, perturbador. As pessoas que haviam bocej ado nos últim os discursos m ostravam -se agora despertas.
– O que é ser gestor da m ente hum ana? – questionou um a senadora am ericana. – Nunca ouvi falar dessa tese!
– Ser gestor da m ente hum ana é saber gerenciar os pensam entos, proteger a em oção, libertar a criatividade e se tornar protagonista da própria história. A educação clássica crê que a m aneira de form ar m entes brilhantes é bom bardear o cérebro com m ilhões de dados e fazer os alunos assim ilá-los. Isso é um grande engano!
– Mas há séculos a educação é assim , detentora e transm issora das inform ações m ais relevantes da sociedade – retrucou o m inistro da Educação da França.
– Sim , doutor, m as essa educação não funciona m ais, pelo m enos não coletivam ente. A m ente dos nossos alunos m udou m uitíssim o. Assim com o não é possível dar tinta e pincéis a um a m áquina e esperar que ela crie obras-prim as com o as que Da Vinci, Van Gogh e Rafael pintaram , não é possível form ar obras-prim as na tela da m ente hum ana com esse estilo de educação. As pessoas precisam aprender a pensar coletivam ente, a ser altruístas, a se colocar no lugar do outro e ser tolerantes às frustrações!
Nesse m om ento, Marco Polo pediu licença para fazer algum as proj eções no telão. Ele sem pre levava consigo um pen-drive com os vídeos e as anim ações que costum ava utilizar em suas palestras. No entanto, seu pedido foi negado.
– Não será perm itido. Está tarde, senhor – falou com arrogância um assistente do Secretário-Geral.
segurança Marco Polo.
Isso fez a plateia chiar. Os espectadores agora pareciam sedentos por ouvir as novas ideias que o psiquiatra trazia.
O pedido foi então reconsiderado. Autorizado pelo Secretário-Geral, Marco Polo entregou seu pen-drive ao técnico responsável e com eçou a m ostrar im agens reais: carros sendo conduzidos de m aneira irresponsável, em alta velocidade, desrespeitando as norm as de trânsito e causando acidentes horríveis. Em seguida com pletou:
– Nosso intelecto é um veículo m ental com plexo e o dirigim os de form a irresponsável. Por quê? Porque as escolas e as universidades não educam o Eu, que representa a capacidade de escolha, o livre-arbítrio, a consciência crítica para estar ao volante. Um olhar atravessado estraga o dia, um a crítica asfixia a sem ana, um a traição pode com prom eter um a vida.
– Está sugerindo que estam os na infância do Eu com o diretor da m ente? – indagou o prim eiro-m inistro francês, indignado.
– Sim . É isso que estou afirm ando! – respondeu com convicção.
Em seguida, com o cuidado de preservar a identidade das pessoas envolvidas, proj etou no telão situações gravíssim as que m ostravam j ovens contrariados se m utilando e garotas anoréxicas, só pele e ossos.
– E sabem por que essas m eninas estão m agras com o os pobres fam intos da África subsaariana? – indagou Marco Polo. – Porque se sentem gordas. A ditadura da beleza está m atando nossos j ovens por dentro.
Em seguida m ostrou cenas de pessoas anônim as com etendo os m ais diversos tipos de violência e até assassinatos por m otivos banais.
– Pequenas contrariedades geram reações desproporcionais. Estam os na era do descontrole em ocional.
Era possível perceber a perplexidade no rosto dos que assistiam à apresentação de Marco Polo. Um político fam oso que estava na prim eira fileira lem brava silenciosam ente que no dia anterior gritara com a esposa com o se ela fosse sua escrava: “Saia da m inha frente, sua débil m ental! Esse terno não com bina com essa gravata!” Sentia-se envergonhado.
Marco Polo seguia com a apresentação:
– As vacinas nos protegem contra viroses, m as quais vacinas podem prevenir a violência e os transtornos psíquicos? Sem m udar a educação, é im possível. Qual delas você daria a quem você am a? Norm alm ente nenhum a! Estam os acostum ados a dar broncas, apontar falhas, tecer críticas...
– Mas quem tem dentro de si um m anual de regras de com portam ento não faz um bom trabalho educacional? – questionou um senador republicano dos Estados Unidos.
– Desculpe-m e, m as quem possui apenas um m anual de regras está apto a consertar m áquinas, não a form ar m entes brilhantes.
Depois desse com entário, Marco Polo ainda com plem entou:
– A falta de proteção da em oção é a m aior de todas as violências, e a com etem os contra nossos próprios filhos!
– Com o podem os m udar isso, doutor Marco Polo? – perguntou o Secretário-Geral, abalado.
– Há m uitas ferram entas à nossa disposição: podem os ser m ais lentos para reagir e m ais rápidos para pensar; ser em páticos e nos im portar com a dor dos outros; ter consciência de que por trás de alguém que fere há um a pessoa ferida; pensar com o hum anidade e não apenas com o grupo social... E todas essas ferram entas estão relacionadas com a gestão da própria m ente.
Em seguida o pesquisador m ostrou que na atualidade levam os o veículo m ental, a construção dos pensam entos, a um a velocidade nunca antes vista. Por isso é fácil perder o autocontrole!
– Mas... m as... nunca ouvi falar nisso – com entou um líder alem ão. – Mas agora é tem po de ouvir! Hoj e um a criança de 7 anos possui m ais dados que im peradores rom anos. Um a de 9 anos possui m ais inform ações que Sócrates ou Platão. Isso não é suportável. O excesso de inform ações não utilizadas torna-se lixo intelectual. Esgota o cérebro. Em m édia, quem tinha m ais inform ações: Einstein ou os bons engenheiros e físicos da atualidade?
– Einstein? – disse um m inistro da Educação europeu.
– Errado, senhor. São os engenheiros e físicos da atualidade. Mas por que não produzem ideias com plexas com o as que o j ovem Einstein produziu aos 27 anos, no tosco escritório de patentes em que trabalhava? O que form a um pensador não é a quantidade de dados, m as sua organização.
Marco Polo proj etou algum as anim ações reveladoras. Crianças e adolescentes conectados o dia todo no celular, m as desconectados de si m esm os. De repente, diante da m enor contrariedade, tinham reações explosivas. Tam bém m ostrou crianças dorm indo m al e outras acordando de m adrugada para acessar as redes sociais. Pareciam zum bis.
– Mas a era digital trouxe ganhos inegáveis! – questionou um a líder indiana. – Sim , inclusive um aum ento cognitivo e um a m elhora do raciocínio lógico e da produtividade. Mas tam bém trouxe prej uízos gigantescos. Não podem os fechar os olhos para isso. Milhões de j ovens são vítim as de intoxicação digital. – E Marco Polo explicou m elhor: – Tire-lhes os celulares e m uitos terão sintom as de abstinência com o as geradas pela dependência de drogas! Ansiedade, insatisfação crônica, im paciência, baixa tolerância a frustrações, um tédio atroz quando sentem que não têm nada para fazer.
– Mas estam os na era da dem ocracia, som os livres em nossas escolhas... – defendeu um filósofo suíço.
– Mas, senhor, eu asseguro, nunca nas sociedades dem ocráticas houve tantos escravos no único lugar em que é inadm issível ser um prisioneiro: na própria
m ente.
– Mas o desenvolvim ento tecnológico levou ao aum ento da expectativa de vida. Não podem os condená-lo. Vivem os o dobro do tem po que os rom anos viviam ! – disse um a líder italiana, especialista em saúde pública.
– A tecnologia levou a ganhos im portantíssim os. No passado um a am igdalite m atava. Mas precisam os ver o outro lado da m oeda social. Vivem os em m édia 80 anos, m as a m ente hum ana está tão estressada pelo excesso de inform ações que hoj e em dia 80 anos passam com o se fossem 20 no passado.
– Então nosso sistem a virou um a fábrica de doidos. Para o senhor, estam os vivendo m ais em term os biológicos e m orrendo m ais cedo em term os em ocionais, é isso? – indagou um político francês.
– Tenho certeza de que estam os vivendo esse paradoxo. Essa é um a violência sublim inar contra nós m esm os, m as não catalogada pela ONU nem discutida neste debate. Não parece que dorm im os e acordam os com a idade que tem os hoj e, senhoras e senhores?
– O doutor Marco Polo tem razão. Algum as pesquisas indicam que esse ritm o frenético nos torna m ais individualistas e insatisfeitos. Estam os na era da indústria do lazer, m as nunca tivem os um a geração tão triste. Esse é outro grande paradoxo – afirm ou Michael, um neurocientista que m ais tarde se tornaria am igo de Marco Polo.
– Estam os na era dos m endigos em ocionais – concluiu Marco Polo. – Muitos dos senhores aqui traj am ternos e gravatas de m arca, m as não poucos m endigam o pão da alegria. Essa é outra autoviolência.
Houve um burburinho na plateia.
– Quer dizer então que as sociedades m odernas viraram um m anicôm io a céu aberto? – bradou um político russo.
As pessoas ficaram inquietas. Estavam ali para discutir a violência dos outros, e não sabiam que eram violentas consigo m esm as. Marco Polo m encionou tam bém a m ultiplicação do núm ero de m endigos na França do século XVIII. Devido às guerras, corrupção política e conflitos sociais, produziram -se tantos m iseráveis que era possível tropeçar nos fam intos que viviam nas ruas. Mas hoj e estam os na era dos m iseráveis em ocionais. E citou um país j ovem , ensolarado e alegre, o Brasil:
– Por exem plo, na cidade de São Paulo, no período de 2002 a 2012, o índice de suicídios entre j ovens aum entou 42%.
– Que loucura é essa? Se isso acontece no Brasil, para onde cam inha a hum anidade? – com entavam as pessoas um as com as outras.
Marco Polo com pletou:
– A FAO, órgão da ONU responsável pela segurança alim entar, com o os senhores devem saber, detectou que há 800 m ilhões de pessoas passando fom e no m undo. Um problem a intolerável. – E, fitando os olhos do Secretário-Geral,
que estava perturbado com a exposição, apontou: – Mas as estatísticas não dizem que há bilhões de m endigos em ocionais, alguns m orando em belos apartam entos e em casas confortáveis.
A plateia irrom peu em aplausos. Marco Polo ia encerrar sua fala, m as as pessoas solicitaram que continuasse. Um político argentino inclusive com entou algo m uito sério, m as de m odo engraçado:
– Onde há um restaurante em ocional, doutor Marco Polo? Sou im paciente, reclam o m uito, detesto quando m eu notebook ou celular dem ora para ligar. Sou um fam into em ocional.
Muitos sorriram e o aplaudiram . Marco Polo com entou:
– A principal característica dos m endigos em ocionais é fazer pouco do m uito. Por exem plo, os pais têm pavor de que os filhos se tornem dependentes de drogas, m as, sem perceber, viciam o cérebro deles com excesso de estím ulos.
De repente, um a das m aiores em presárias da Espanha, que dava o m undo aos filhos, m ostrou-se preocupadíssim a:
– O excesso de presentes pode prej udicar nossos filhos?
– Pode ser um a violência contra a saúde em ocional deles, senhora. Pode levá-los a precisar de cada vez m ais estím ulos para sentirem algum as m igalhas de prazer. Não são apenas as drogas que causam dependência – alertou Marco Polo.
Os líderes estavam m uito perturbados; m uitos caíam nessa arm adilha. Então o psiquiatra proj etou a im agem de um a criança africana soltando pipa, feliz da vida. Depois a de outra correndo atrás de anim ais, sorrindo, com o se tivesse m ergulhado num oásis de prazer. A seguir, m udou a paisagem , m ostrando um a anim ação em que um m enino fazia birra: “Eu quero m ais!” Outra gritava com a m ãe: “Você tem que m e dar um celular novo!” Com portavam -se com o pequenos reis que faziam dos pais seus serviçais.
“Meu Deus, o que estou fazendo com m eus dois filhos...”, disse a si m esm a a em presária. “Dou presentes quase todos os dias e quanto m ais dou, m enos agradecem , m ais reclam am e m ais infelizes ficam .”
– O risco de pais abastados gerarem desnutrição em ocional e ansiedade é m aior do que o de pais pobres... – com pletou Marco Polo.
Os líderes m undiais esfregavam as m ãos no rosto, assustados. Representavam a elite de seus países.
– Você nos tirou o chão, doutor Marco Polo. Discutim os violência neste congresso, m as não a que praticam os com nossos filhos – falou o m inistro da Defesa da Alem anha. – Para m im , basta. Precisam os repensar nossas atitudes violentas.
Marco Polo não podia m ais se calar. Antes da saída do m inistro da Defesa, ele j ogou m ais um a bom ba em ocional no colo da plateia:
sua presença e sua história. Ensinem -lhes a contem plar o belo. Esse é o presente dos presentes!
– Contem plar o belo é o m esm o que adm irar o belo? – indagou o m inistro ainda de pé.
A resposta o fez sentar-se:
– Não! Até um psicopata com o Adolf Hitler adm irava o belo. Ele acariciava sua cadela Blondi com um a das m ãos e com a outra telefonava aos seus subordinados ordenando guerras irracionais. Era vegetariano, não queria que os anim ais sangrassem , m as não se im portava que crianças e m ulheres sangrassem nos cam pos de concentração. Adm irar o belo é um a experiência fugaz. Contem plar o belo é se entregar atenta e detalhadam ente.
As pessoas se entreolhavam . O Secretário-Geral da ONU indagou: – Os grandes pensadores da história porventura contem plavam o belo? – Raram ente. Einstein era depressivo; Kafka, pessim ista; Van Gogh, hipersensível; Nietzsche, m órbido. O sucesso financeiro, político, intelectual, se não for trabalhado, gera insucesso em ocional, leva a um a psicoadaptação ao próprio sucesso, fazendo com que as pessoas precisem de “m uito” para sentir “pouco”. Celebridades, à m edida que ascendem na carreira, asfixiam o prazer de viver...
Term inou com entando que m uitos m ilionários, conform e enriquecem m ais e m ais, tornam -se sem perceber m iseráveis m orando em palácios.
– Estou assustado... Entrei rico e saí m endigo da sede da ONU! – brincou um em presário do Vale do Silício.
Todos deram gargalhadas.
– A em oção é dem ocrática, senhoras e senhores, ela se alim enta especialm ente das coisas sim ples e anônim as da vida.
De repente, um a pergunta inesperada e dificílim a de responder tum ultuou ainda m ais o am biente:
– E Jesus Cristo, sabia contem plar o belo? – indagou um líder do Parlam ento britânico.
Marco Polo parou, respirou profunda e prolongadam ente e respondeu: – Respeito os que aderem a algum a religião, m as sou ateu. Para m im , Deus é um a ideia construída pelo cérebro hum ano, que, por ser apaixonado pela vida, não suporta seu caos na solidão de um túm ulo... Portanto, não vou discutir religião aqui.
Mas o líder do Parlam ento britânico o confrontou:
– Eu não perguntei se o senhor crê em Deus ou não. Perguntei se o personagem Jesus era saudável, feliz, se contem plava o belo! – insistiu.
Marco Polo respirou lentam ente. O clim a ficou tenso na reunião da ONU. – Nunca estudei sua personalidade, m as as religiões cristãs vendem a ideia de que Jesus Cristo era um hom em triste, intim ista, que carregava o m undo nas
costas, com baixo nível de alegria.
De repente, um a ouvinte ficou de pé e, em sintonia com o político inglês, desafiou Marco Polo:
– Sei que você estuda o processo de form ação de pensadores, doutor. Você é m uito ousado, m as parece que tem m edo de investigar a m ente de Jesus sob o ângulo das ciências hum anas – com entou aquela psicóloga sem m eias palavras.
Todos ficaram espantados com a audácia da m ulher. – Medo, eu? – disse Marco Polo, olhando bem nos olhos dela.
– Sim , m edo, o velho cárcere hum ano! Por que você não aceita o desafio de investigar os am plos aspectos da inteligência de Jesus?
Silêncio geral na plateia. Marco Polo partiu para o ataque:
– A senhora acha correto m e pressionar diante desta nobre plateia de líderes m undiais? – falou, aparentem ente indignado.
– Sem dúvida que sim ! – afirm ou ela.
Um burburinho tom ou conta do lugar. O Secretário-Geral da ONU se levantou para tentar m oderar a situação. Em seguida Marco Polo indagou, m ais sério ainda:
– Qual é o seu nom e? – Anna.
Então ele abriu um sorriso e com entou:
– Vou pensar no seu questionam ento, Anna. Mas antes quero dizer publicam ente que eu te am o...
Ninguém entendeu nada. Após um silêncio cálido, ele explicou:
– Bom , preciso gerir m inha m ente, pois até m inha esposa está m e estressando...
Quando ficaram sabendo que Anna era sua m ulher, todos sorriram , se levantaram e irrom peram em aplausos. Enxergaram neles um casal incrível, espontâneo e inteligente. E nesse clim a Marco Polo encerrou sua participação.
Muitos saíram da reunião da ONU transform ados; alguns, reflexivos; outros, atordoados. Perceberam que não sabiam dirigir o veículo m ental, queriam liderar o m undo, m as não eram líderes de si m esm os. Estavam no rol dos m endigos em ocionais, vivendo de m igalhas de prazer.
A
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TERREMOTOS EMOCIONAIS
nna, a m ulher de Marco Polo, era um a psicóloga brilhante. Sua m ãe sem pre fora depressiva e, infelizm ente, havia tirado a própria vida quando ela ainda era criança. Teve de se reinventar para sobreviver. Seu pai, Dr. Am adeus, era um exem plo clássico do hom em que em pobreceu à m edida que enriqueceu. Era autoritário, insensível, controlador, cobrador.
A doença de sua m ãe a estim ulou a especializar-se em depressão, o últim o estágio da dor hum ana. Marco Polo foi um ponto de virada em sua história, um novo capítulo em sua biografia, que contribuiu m uito para que ela se tornasse dócil e resoluta, generosa e determ inada. Seu obj etivo principal com o profissional de saúde m ental era instigar seus pacientes a serem autônom os.
Seu pai tentou de todas as form as im pedir a relação dos dois. Ter um a filha psicóloga j á era com plicado para um m egaem presário cuj o deus era o dinheiro. Agora, ter um genro psiquiatra, am igo dos “esquizofrênicos”, era intragável e revelava as próprias loucuras do Dr. Am adeus.
– Minha filha, você tem um a vida de rainha. Viver com esse psiquiatrazinho sem dinheiro e saturado de rom antism o intelectual fará com que você, cedo ou tarde, caia na realidade. Certam ente engordará as estatísticas dos relacionam entos fracassados.
Marco Polo chegou sem que fosse notado e ouviu a conversa do pai com a filha. Sem pre seguro, interveio com convicção:
– Quem am a sem riscos am a sem glórias!
Pego de surpresa, Dr. Am adeus não pediu desculpas. Aliás, desculpas não faziam parte do dicionário de sua vida. Confrontou-o:
– Só que alguns riscos são estúpidos e irracionais... O padrão de vida da m inha filha vai despencar e você não vai conseguir supri-lo sem m inha aj uda.
– Não precisarem os da sua aj uda – afirm ou Anna.
– É o que os filhos rebeldes sem pre dizem – rebateu o pai com raiva, afastando-se.
Refém do passado, no início do relacionam ento Anna era possessiva, cium enta, hipersensível, sem pre procurando um a atenção desproporcional de Marco Polo. Um a pequena distração que fosse gerava dram áticas cobranças. O m édico estim ulava sua consciência crítica, pois sabia que ninguém se casa apenas com um a pessoa, m as tam bém com os fantasm as do seu passado e com sua fam ília.
sem pre procura no outro o que não tem dentro de si, dizia.
Anna se abalava com as palavras do nam orado. Procurava digeri-las dia e noite.
– Eu sei, Marco Polo. Não quero que seu am or m e liberte. Tenho que aprender a ser livre. Mas o que quero, na verdade, é que seu am or m e dê asas para voar m ais longe.
– O ciúm e é a falta de si m esm o em prim eiro lugar, e não do outro. Se você se abandonar, serei incapaz de saciá-la – dizia Marco Polo com frequência.
Anna aos poucos resolveu a difícil equação da possessividade. A partir daí com eçaram a ter um a relação riquíssim a. Por fim , contra todos os esforços de seu pai, casaram -se. Porém a convivência tum ultuada com o Dr. Am adeus se abrandou – em bora j am ais tenha sido solucionada – com o nascim ento do único filho do casal, Lucas, um garoto esperto, sociável e bem -hum orado.
Com o passar dos anos Marco Polo conquistou fam a internacional. Era ousado, tranquilo, um profissional hum ilde e notável, acim a de tudo um pesquisador perspicaz. Era capaz de m anter a serenidade m esm o em tem pos de crise. Porém todo ser hum ano tem seus lim ites. Manter o autocontrole diante da dor dos outros é um a coisa, m as diante da nossa própria dor, sobretudo quando perdem os quem m ais am am os, é outra coisa. Havia chegado o seu m om ento de beij ar a lona da fragilidade.
Marco Polo vertia lágrim as inconsoláveis. Estava perdendo sua eterna nam orada, Anna.
– Por quê? Por quê? – se perguntava.
Colocava as m ãos sobre a cabeça, enxugava as lágrim as de seu rosto e andava de um lado para outro.
– Eu te am o, querida. Não parta tão cedo! – dizia a si m esm o em voz alta. – Vi tantas pessoas devastarem sua personalidade por causa de perdas irreparáveis. Agora estou sendo devastado! Que dor é essa...?
A solidão branda é criativa, a solidão intensa é abortiva. Marco Polo sentou-se na poltrona em que costum ava ler as biografias dos grandes personagens da história e escrever seus textos, m as não conseguia pensar. A m esa de m árm ore travertino polido nunca fora tão fria. À sua frente, vários de seus livros em pilhados, alguns deles publicados em diversos países. Naquele m om ento Marco Polo não era o psiquiatra fam oso nem o cientista e escritor arguto, m as um ser hum ano fragm entado tentando assim ilar o próprio caos.
Era com um ter surpresas agradáveis quando se sentava nessa poltrona. Anna, sem pre generosa, trazia-lhe um a fruta, um café, um suco ou lhe fazia um a carícia na cabeça.
– Você não m e deixa pensar – brincava ele.
Questionadora, ela frequentem ente lhe fazia perguntas sobre os textos que elaborava. Marco Polo lem brou-se de seus últim os questionam entos.
– Que pensador você está estudando agora?
– Alguns filósofos existencialistas: Nietzsche, Merleau-Ponty, Sartre. – Com o eles saíram da curva e produziram novas ideias?
Marco Polo falava das suas anotações com entusiasm o. Tinham longas e agradáveis conversas. Estudar o processo de form ação de pensadores era extenuante, m as ter Anna ao seu lado era com o ter um perfum e a inspirar sua m ente. Nesse dia ele produziu algum as conclusões que a deixaram m uito pensativa:
– Qual é a m aioridade civil, Anna?
– Dezesseis ou 18 anos, dependendo da sociedade. – E qual é a m aioridade em ocional? – indagou ele. – Nunca refleti sobre isso.
– Há m uitas pessoas de 50 ou 60 anos que ainda são im aturas. Não sabem sequer ser contrariadas nem reconhecer m inim am ente seus erros. O m undo tem de girar à sua volta, pois têm a idade em ocional de 10 ou 12 anos.
– Que idade em ocional terá m eu pai? – indagou ela pensativa.
– É um garoto no corpo de um hom em de m eia-idade. – Depois, respirando lentam ente, ele brincou com ela: – Não foi fácil cativar você.
– Eu é que conquistei você, m ocinho. Ainda bem que você sabe fazer escolhas... – disse ela agarrando sua cam isa e o beij ando.
Era assim a relação entre Anna e Marco Polo, regada de afeto, serenidade e bom hum or. Mas agora ele estava experim entando a solidão árida de um deserto. Anna estava m orrendo. Subitam ente, seu celular tocou, trazendo-o de volta para a duríssim a realidade.
– Marco Polo?
Seu coração disparou. A notícia m ais am arga que um ser hum ano poderia receber estava prestes a ser anunciada.
– Sim !
– Aqui é... Matheus. – Era seu am igo pneum ologista. – Matheus, com o Anna está?
Matheus em bargou a voz. Não conseguia proferir aquelas palavras, pois era m uito am igo de Anna tam bém .
– Eu j á sei, am igo... Anna fechou os olhos... para a vida... – antecipou-se o psiquiatra, que há pouco deixara o hospital.
– Ainda não, m eu am igo – com entou o pneum ologista com a voz em bargada. – Ah, felizm ente. Com o ela está? – indagou Marco Polo, com os olhos cintilantes pelas lágrim as que brotavam .
Conseguim os ressuscitá-la, m as... m as... dificilm ente suportará um a terceira... Está com falência m últiplas de órgãos...
– Falência m últipla?! – exclam ou Marco Polo, inconform ado. Estava vivendo um verdadeiro terrem oto em ocional.
– Sinto m uito, am igo... Você está perdendo sua esposa... E eu e Cláudia, um a grande... am iga – disse o Dr. Matheus, não contendo tam bém suas lágrim as. – Bom , você está m ais preparado... para suportar essa perda... Agora é tem po de preparar o Lucas...
Dar a um filho a notícia de que nunca m ais ouviria a voz da m ãe ou teria seus abraços e beij os é a últim a coisa que um pai espera fazer. Marco Polo sentou-se novam ente na poltrona e refletiu sobre isso. A saudade retirava o oxigênio da sua em oção.
Lucas estava em Miam i, passando férias na casa do avô. Logo que o filho partiu, Anna com eçou a m anifestar os sintom as de um a doença pulm onar autoim une rara e de evolução rápida, pegando todos os m édicos de surpresa, inclusive Marco Polo. Esperava diariam ente que ela se recuperasse, por isso não contara a gravidade da doença para Lucas. Mas Anna piorava cada vez m ais.
Quando Marco Polo pegou o celular para lhe dar a triste notícia, outro terrem oto em ocional abalou ainda m ais seus alicerces. Ele recebeu a ligação de um policial am ericano.
– Mister Marco Polo? – Pois não.
– Aqui é da polícia de Miam i, 25o distrito. Marco Polo gelou por dentro.
– Aconteceu algum a coisa com m eu filho Lucas? – Infelizm ente sim !
– Um acidente? – indagou quase sem voz. – Não.
Marco Polo respirou um pouco m ais aliviado. O chefe do distrito continuou: – Porte de drogas!
– Porte de drogas? Um m enino de 16 anos está portando drogas? Mas ele nunca usou drogas!
De fato, Lucas nunca usou drogas. Até 15 dias antes. – Os pais são sem pre os últim os a saber. – Que drogas?
– Cinco gram as de cocaína.
– Cocaína? Mas ele nem sequer tem dinheiro para com prar isso! – E com eteu outra infração. Estava dirigindo sem licença.
– Com o é possível? Não tem carro à disposição dele, que está passando férias na casa do...
– Doutor Am adeus...
– O quê? – indagou o chefe do distrito policial. – Pensei alto. Posso falar com m eu filho?
– Sim – respondeu o policial e passou o telefone a Lucas. – Filho...? Lucas...?
Mas Lucas só chorava. – Filho, fale com igo.
– Me desculpe, papai... Me desculpe... – disse o garoto aos prantos. – Sem pre estim ulei você a valorizar a vida, filho... Cocaína cria um a gravíssim a dependência psicológica. Gera um cárcere em ocional terrível.
– Eu sei, papai. Foram só algum as experiências... Sou o pior filho do m undo... Marco Polo não sabia qual dor era m aior, a perda da esposa ou a perda do filho.
– Não diga isso, m eu filho. Eu te am o. Quando você com eçou a usar? Sej a honesto, por favor!
– Foi aqui em Miam i. Experim entei no segundo dia depois que cheguei. Alguns am igos que conheci aqui...
– Não são am igos, m eu filho. Lucas continuava m uito abalado, chorava. – Acalm e-se, filho... Existem dores piores que essa...
– Piores, papai? Com o? O vovô está furioso. Disse que sou um m erda, que envergonho a fam ília, que não vou ser nada na vida!
– Não, não, m eu filho... você é um garoto m aravilhoso. Vam os transform ar esse erro num grande acerto. Deixe-m e falar com seu avô.
O Dr. Am adeus pegou o telefone falando de m aneira ríspida:
– Que educação você deu para seu filho? Você não é um psiquiatra fam oso? – Sou um ser hum ano suj eito a erros. Não dim inua seu neto, doutor Am adeus. Ele precisa de você neste m om ento difícil.
– Tenho que lim par a suj eira dele. E você ainda vem m e dar lição de m oral? – disse o sogro, sem qualquer com paixão.
Nem sequer perguntou sobre o estado de saúde da filha, m esm o sabendo que ela estava na UTI.
Marco Polo, profundam ente ferido, elevou o tom de voz:
– Você deu dinheiro sem controle ao Lucas e deixou um carro à disposição dele sem que ele tivesse licença para dirigir?
– Está m e cham ando de irresponsável? Você fracassa com o educador e ainda m e culpa, seu... seu...
– Nem perguntou sobre sua filha. Não consegue ser generoso nem quando Anna... está perdendo a vida...
Quando Marco Polo falou do estado de Anna, o Dr. Am adeus caiu em si e silenciou pela prim eira vez. Trem endo, disse:
– Anna está...?
Lucas ouviu as palavras do avô e entrou em pânico. – O que foi, vovô?
– Infelizm ente Anna teve duas paradas cardíacas... – inform ou Marco Polo. – Está respirando com a aj uda de aparelhos... Eu estava prestes a ligar para vocês.
– Minha filha está m orrendo... – disse o Dr. Am adeus, que nesse m om ento ficou m udo e deixou o telefone cair.
Desesperado, o m enino pegou o aparelho e falou com o pai: – Pai... papai... a m am ãe está m orrendo?
– Ah, m eu filho, ela ainda está viva... – A doença dela é séria?
– Infelizm ente é. Ela respira com a aj uda de aparelhos. – Não! Não! Mam ãe não pode m orrer! – disse Lucas, aos prantos. – Mas vam os ter esperança... É m elhor ficarm os j untos. Volte para casa. Lucas desligou o telefone, desesperado. Eles foram liberados do distrito policial devido à urgência m édica de sua m ãe. O garoto teria de apresentar-se a um tribunal e passar por um a correção educativa em sua cidade. Seu avô deveria com parecer posteriorm ente para m ais esclarecim entos. Apesar de detestar hospitais, o Dr. Am adeus não podia se recusar a visitar a filha num m om ento tão delicado.
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3
PERDAS IRREPARÁVEIS
egaram o prim eiro voo para Los Angeles. A quarta esposa do Dr. Am adeus os acom panhava. Quando chegaram ao hospital, Marco Polo avistou o filho de longe. Correram um ao encontro do outro. Choraram j untos. Foi um m om ento em ocionante que com oveu a todos os que estavam por perto. Em seguida estendeu as m ãos para Dr. Am adeus, que o cum prim entou form alm ente.
– Com o está a m am ãe?
– Estou aguardando as últim as notícias.
Surgiu o Dr. Matheus, vindo da UTI. Com balido, aproxim ou-se do m enino com os olhos úm idos. Esfregou as m ãos na cabeça.
– Olá, Lucas! – E deixou escapar um a lágrim a. – Mam ãe m orreu?
– Sinto m uito. – O pneum ologista respirou fundo e m eneou a cabeça, confirm ando. Depois pediu algo im possível para um filho que acabou de perder um dos pais: – Sej a forte.
– Você tem todo o direito de chorar, filho. Chore sem m edo – disse Marco Polo, devastado.
– Não! Não! Eu quero a m inha m ãe...!
O pai de Anna, Dr. Am adeus, retirou-se trêm ulo. Foi para um hotel e se entupiu de tranquilizantes, com o sem pre fazia quando enfrentava algum problem a. Interiorizar-se e pensar na vida dava-lhe pavor. Marco Polo levou o filho para ver o corpo. Ele abraçou a m ãe.
– Mam ãe... Mam ãe, por que você se foi? – balbuciava Lucas repetidam ente, beij ando-a.
No dia seguinte, aconteceu o velório. Era um dia ensolarado, m as profundam ente triste. E não apenas Lucas chorava. Mais de duzentas crianças e adolescentes que viviam nos quase vinte orfanatos de que Anna cuidava choravam a sua m orte.
Cada grupo de m eninos e m eninas abandonados trazia um cartaz. Um dizia: “Você foi em bora, m am ãe, m as viverá para sem pre dentro de nós! – Orfanato Saint Claire.” Outro dizia: “Nossos pais nos abandonaram , m as seu coração nos acolheu, Anna. Você é inesquecível! – Orfanato Los Angeles.” Outro ainda: “Obrigado por ter dado o m elhor que você tinha para os que pouco tinham . Te am am os. Orfanato Hij os de María – San Diego.”
Marco Polo era abraçado não apenas por Lucas, m as por todos seus “filhos adotivos”. Foi o velório m ais em ocionante que aquele cem itério j á havia
presenciado. Apesar do cenário m arcadam ente triste, Marco Polo hom enageou a esposa:
– Anna foi m inha eterna nam orada. Viver ao seu lado foi um privilégio. Era gentil, generosa, paciente e tolerante. Soube suportar os capítulos m ais im portantes de sua vida nos m om entos m ais desesperadores de sua história.
Lucas tam bém falou:
– Mam ãe m orreu tão cedo... Mas ela viverá para sem pre dentro de m im . Ela m e am ou, acolheu, foi paciente, foi... foi... – E não conseguiu m ais proferir suas palavras.
Em seguida o religioso teceu as suas:
– Anna é com o um a daquelas raras flores que nascem no j ardim da hum anidade e prem aturam ente são colhidas. Ela procurava a assinatura do Autor da Vida nas entrelinhas da existência. Era um ser hum ano e um a profissional notável. Há alguns dias ela nos deixou um a m ensagem por escrito, para ser lida caso partisse:
Por mais longa que seja, a vida extingue-se rapidamente no parêntese do tempo. Deslumbrar-se com ela é a maior responsabilidade de todo mortal. Lucas e Marco Polo, meus queridos, vou amá-los para sempre, mesmo que meus olhos estejam fechados. A todos os meus filhos adotivos dos orfanatos e meus queridos amigos e amigas, não chorem por mim... Se mereço ser honrada por todos vocês, honrem-me sendo mais felizes, honrem-me deslumbrando-se com a existência, pois a vida é um grande teatro, e a morte é apenas um ato. Continuarei encenando meu texto na eternidade.
Beatrice, Julia e Hillary choravam sem parar. Ao ouvirem essas palavras, bateram longas palm as em hom enagem à sabedoria da am iga Anna. Todos os presentes as acom panharam . Honraram Anna com o cálice da alegria.
Durante a saída do velório, o Dr. Am adeus se aproxim ou de Marco Polo. Parecia que finalm ente aquele hom em idoso quebraria sua m áscara e se curvaria em generosidade. Ledo engano. Olhando para as crianças dos orfanatos, ele disse com arrogância:
– Você e m inha filha fizeram coisas interessantes. Mas não se esqueça, doutor Marco Polo: se a vida é um teatro, você abreviou a peça da existência da m inha filha. Você não colocou Anna nas m ãos dos m elhores m édicos! Investigarei sua conduta!
Depois beij ou o neto na testa e saiu sem dizer m ais nada. O m ultim ilionário partiu para seu cárcere, um enorm e palacete em Miam i, rodeado de pessoas pagas para falar todos os dias que ele era um grande hom em ... Sociopatas financeiros não têm am igos, m as baj uladores...
Um ano depois
Marco Polo era professor na faculdade de m edicina e de psicologia. Apesar de ser um intelectual aplaudido, não escondia suas falhas debaixo do tapete da intelectualidade. Certa vez estava na sala dos professores do departam ento de psicologia com o Dr. Robert, um renom ado psicólogo, professor na m esm a instituição.
– Com o está Lucas? – perguntou o am igo.
– Continua usando drogas – disse Marco Polo levando as m ãos à cabeça. – Sinto m uito...
– Me angustia ouvir a variação da fam osa frase “Médico, cura a ti m esm o!” para “Psiquiatra, cura teu próprio filho!”.
– Ele é resistente ao tratam ento?
– Lucas j á passou por cinco psicólogos e três psiquiatras. Mas sem pre acaba desistindo. Tento aj udá-lo, m as é difícil. Ele é um cofre, não se abre. Precisa se reinventar, m as sua m otivação é insustentável. Quando entra nas j anelas traum áticas, fecha o circuito da m em ória, prefere se punir, sente-se im potente, esquece de tudo...
O Dr. Robert procurou levar esperança para Marco Polo, alguém que ele adm irava e que o aj udou em sua form ação. Todavia, era difícil aj udar o próprio m estre.
– Você é um excelente psiquiatra, treinou m uitos de nós. Tenho certeza que de algum a form a vai conseguir aj udá-lo a dar a volta por cim a.
– Sonho dia e noite com isso. Mas tenho m edo de perdê-lo! – Depois respirou profundam ente e com entou: – É difícil aceitar o fato de que aj udei inúm eros pacientes, treinei psiquiatras e psicólogos, m as falhei na hora de cuidar de quem estava em m eus braços...
O Dr. Robert disse:
– Você desenvolveu um a teoria sobre o funcionam ento da m ente, sabe m elhor do que ninguém que não tem os controle sobre o processo de form ação da personalidade. Psiquiatras, psicólogos, líderes, celebridades tam bém form am filhos doentes... Não se culpe, Marco Polo. Você sem pre foi um pai presente e am oroso.
– Pais presentes tam bém falham . Não falhei em dar am or nem em apoiar m eu filho. Mas fracassei em oferecer ferram entas para aj udá-lo a ser autor da própria história.
– Todos nós falham os nesse quesito – lam entou o Dr. Robert.
– Infelizm ente só desenvolvi essas ferram entas quando ele j á era adolescente... Meu filho não sabe gerenciar sua ansiedade nem proteger sua m ente.
a própria em oção? São ótim os para os outros, m as se esquecem de si m esm os. Meus filhos tam bém cresceram com dificuldades. Laura é consum ista e Pedro é agitadíssim o...
– Ensinam os valores com o ética e honestidade, e acham os estupidam ente que isso é suficiente. Atiram os nossos filhos na cova dos leões, nesta sociedade estressante, sem habilidades para sobreviver. A hum anidade tornou-se um a fábrica de loucuras e nós som os seus construtores...
De repente seu celular tocou. Era alguém inform ando o paradeiro de Lucas. Marco Polo havia contratado um detetive para saber onde e com quem o filho com prava drogas.
– Com o? Onde o Lucas está?
Marco Polo saiu apressado, sem nem conseguir se despedir do am igo. Pegou o carro e, dirigindo com rapidez, foi até um a região perigosa, onde im perava um a rede de tráfico. Não sabia que seu filho conhecia traficantes perigosos. Havia falado com o chefe de polícia da região durante o traj eto.
– Sei onde m eu filho está!
Chegando lá, entrou num a casa m al ilum inada. Havia prostitutas no local. Várias pessoas estavam usando drogas, algum as deitadas no chão, dopadas. De repente, chegou a um a sala onde alguns traficantes discutiam seus negócios. Eles ficaram tensos com a presença do intruso. Marco Polo fechou rapidam ente a porta e continuou a procurar o filho.
Subitam ente, a im agem que um pai j am ais im aginaria presenciar: Lucas estava estendido no chão com crise convulsivas. Seus olhos estavam virados, a boca espum ava e seus m em bros tinham espasm os. Ele estava sofrendo um a overdose.
– Filho! Filho! – gritou desesperado.
Subitam ente, Lucas teve um a parada cardiorrespiratória. Estava m orrendo... – Lucas, m eu filho, não m orra! – disse Marco Polo chorando.
Deu um soco no peito de Lucas para tentar ressuscitar seu coração, m as ele não voltou. Com eçou a m assagear seu tórax com força e em seguida fez respiração boca a boca. Havia perdido a esposa de form a trágica, agora estava perdendo o filho de form a calam itosa.
Nesse ínterim , a polícia chegou ao local e com eçou a caçar os traficantes. Marco Polo continuava suas m anobras. Felizm ente o coração de Lucas voltou a bater. O garoto tossiu. Marco Polo o abraçou forte e m ais um a vez derram ou lágrim as.
– Pai... o que aconteceu...? – disse Lucas em voz baixa.
– Você voltou, m eu filho... Você voltou... – disse, tentando enxugar as lágrim as enquanto segurava a cabeça de Lucas j unto a seu peito.
Levantou-o lentam ente e, com o apoio de um policial, com eçou a levá-lo para o carro. Os traficantes passaram por eles algem ados, uivando de raiva.
Foram apreendidos dez quilos de cocaína e m ilhares de pedras de crack. O chefe do tráfico, fitando Marco Polo, sentenciou:
– Nenhum lugar deste planeta é longe dem ais para eu encontrar você. O psiquiatra continuava apoiando Lucas. Ficou tem eroso, m as o chefe de polícia, que era seu am igo, lhe disse:
– Não se preocupe, doutor. Eles sem pre dizem isso.
Em seguida, os traficantes foram em purrados pelos policiais para os carros. Lucas foi internado num hospital geral. Um a vez restabelecido, pediu para o pai:
– Eu quero ser internado num a clínica especializada!
– Você j á foi, m eu filho. Não adianta apenas se isolar. Você tem de querer se tratar, tem de desej ar m apear os fantasm as que o assom bram !
– Não tenho controle, pai. Desta vez eu quero, eu preciso.
E assim , pela segunda vez, ele foi internado. Passaria três m eses longe de tudo e de todos, m as não dos vam piros em ocionais que estavam nos porões de sua m ente. Precisaria deixar a luz da razão penetrar nos solos inóspitos de sua psique para poder biografar sua história – e não ser biografado por seus traum as.
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HUMANIDADE EM CHAMAS
xplosões ensurdecedoras convidavam ao pânico. Enlouquecidos, hom ens gritavam com o anim ais em punhando baionetas contra inim igos criados nos gabinetes dos governantes. Era a Prim eira Guerra Mundial. De repente a im agem m udou. Trens carregados de crianças, m ulheres e outros inocentes paravam na estação m ais fúnebre da hum anidade, na Polônia. Gem idos inexprim íveis. Em seguida o cálice da m orte se form ou em Hiroshim a. O Japão ardia em dor. Medo inim aginável!
Raj adas de m etralhadoras serrilhavam a floresta no Vietnã. Hom ens tornavam -se predadores de si m esm os. Subitam ente seres espantados olhavam para o alto. As torres gêm eas desabavam ! A realidade nua era m ais cruel que a ficção. Ataques terroristas se m ultiplicavam , o vírus da corrupção infectava as nações, fluxos de im igrantes, intolerância às frustrações, culto às celebridades... A hum anidade estava em cham as.
De repente, a com issária de bordo cham ou o passageiro: – Senhor, senhor... acorde!
– O quê? – disse Marco Polo, assustado. Estava tendo um pesadelo. – Por favor, trave sua m esa e retorne o encosto da poltrona à posição inicial. Vam os pousar em Jerusalém – solicitou a com issária.
– Ah, sim !
Desde que im pactara os políticos na conferência da ONU sobre causas e soluções para a violência, Marco Polo tornara-se consultor da organização. Fora convidado para dar um a conferência no m ais im portante congresso internacional para a preservação dos recursos naturais do planeta, prom ovido pela entidade. O tem a era “Aquecim ento Global – O futuro da Terra”. As principais cabeças pensantes das nações estavam reunidas: j uristas, am bientalistas, executivos, líderes políticos, sociólogos, psicólogos, educadores. Mas Marco Polo falaria dos recursos naturais de outro planeta: o planeta emoção.
Os últim os anos tinham sido os m ais quentes j á registrados pelo hom em , e as respostas dos países ao aquecim ento global eram tím idas. “Estam os preparando as m ais dram áticas arm adilhas para nossos filhos. Não sabem os os segredos das tam areiras. Quem as planta não colhe seus frutos, m as o faz para as próxim as gerações. Som os um a espécie irresponsável”, pensava Marco Polo.
Na entrada do salão nobre do congresso, um ecologista francês com entou para um colega alem ão:
pesquisador, doutor Marco Polo, que falará sobre “A sustentabilidade do planeta em oção”. Nunca ouvi falar desse tem a.
– Eu tam bém não. Não entendo qual a relação disso com aquecim ento global. Havia várias palestras acontecendo sim ultaneam ente, m as, no salão nobre, chegara o m om ento da conferência m agna do dia. Logo após ser apresentado, Marco Polo pegou o m icrofone e, sem m eias palavras, abalou de im ediato a plateia com m ais de 500 participantes:
– Antes de a Terra falir, falirá prim eiro a em oção do Homo sapiens. Não adianta falar da preservação dos recursos naturais deste planeta azul sem falarm os prim eiram ente da preservação dos recursos do planeta em oção. Pesquisas dem onstram que um a em cada duas pessoas desenvolverá um transtorno psíquico: ansiedade, depressão, síndrom e do pânico, doenças psicossom áticas. São m ais de três bilhões de seres hum anos. A cada 40 segundos, um a pessoa tira a própria vida. Cerca de 70 m ilhões de pessoas são portadoras de transtornos alim entares, com o bulim ia e anorexia. Apenas 3% das m ulheres se veem belas, o que dem onstra um assassinato coletivo da autoestim a. Eis a falência da em oção.
As pessoas olhavam um as para as outras preocupadas. Muitas ficaram reflexivas. Depois disso, o Dr. Marco Polo falou de form a crua e transparente:
– Estam os na era do desperdício em ocional. Desligam os nossos aparelhos, m as não a nossa m ente. Freud com entou que os traum as na prim eira infância determ inariam o adoecim ento psíquico do adulto, m as podem os adoecer em qualquer época se o índice GEEI for alto.
Quando Marco Polo falou sobre o índice GEEI, psicólogos, sociólogos e pedagogos ficaram saturados de dúvidas. Nunca tinham ouvido falar desse índice.
Logo um a socióloga, a Dra. Michelle, professora de um a universidade de Paris, que estava sentada na segunda fileira, se levantou e o interrom peu:
– Desconheço o que é esse índice GEEI, doutor Marco Polo. Ele esperava por essa pergunta. Deu um leve sorriso e dissertou:
– O índice GEEI significa “Gasto de Energia Em ocional Inútil”. Não adoecem os apenas por traum as ou déficit de neurotransm issores, m as tam bém por um gasto irresponsável de energia em ocional.
– Mas quais com portam entos com põem esse índice? – questionou um am bientalista canadense.
– Se eu lhe contasse, o aquecim ento global do seu planeta cérebro iria às alturas! – brincou. Todos sorriram . Em seguida solicitou: – Relaxem pernas e braços e, por favor, sorriam , pois o caso é de chorar.
Todos sorriram m ais um a vez diante do bem -hum orado professor. Mas o que ele estava falando era sério.
em oção: ser um agiota da em oção.
Ninguém entendeu o que ele queria dizer. Marco Polo continuou: – O agiota financeiro em presta a j uros altos e, às vezes, im pagáveis. Do m esm o m odo, o agiota da em oção se doa para quem am a, m as cobra j uros em ocionais exorbitantes. São os pais que não suportam a m ínim a contrariedade dos filhos, professores intolerantes, incapazes de abraçar os alunos rebeldes, parceiros especialistas em criar atritos, executivos incapazes de dar risadas da própria estupidez. Sej am os honestos: quem é um agiota da em oção no seu íntim o?
Muitos na plateia levantaram as m ãos.
– Estou com eçando a entender que esgoto m eu cérebro e o dos outros com facilidade – com entou um j urista para outro.
Em seguida Marco Polo m ostrou im agens que abalaram a plateia. Executivos batendo na m esa, cobrando de seus funcionários com o se fossem servos. Um dizia: “Seus incom petentes!” Outro bradava: “Caiam fora, estão despedidos!” Pais rasgando a prova do filho: “Você é um a aberração, m enino! Na sua época eu tirava nota m áxim a!”
– E há outros tipos atrozes de cobradores, aqueles que cobram dem ais de si m esm os – continuou. – São os autoagiotas da em oção. Quem cobra dem ais de si e dos outros está apto para trabalhar num a financeira, m as não para ter um a bela história de am or com a própria saúde em ocional.
Todos sorriram , em bora o caso fosse de chorar. Marco Polo seguiu: – Rum inar perdas e frustrações e sofrer por antecipação são outros com portam entos que destroem o planeta em oção e infectam o presente: o único tem po em que é possível ser feliz, realizado e relaxado.
Um dos presentes, um advogado j udeu ativista dos direitos hum anos, o Dr. Moisés, levantou as m ãos e brincou:
– Professor, onde m e interno? Meu índice GEEI é altíssim o! – A plateia riu e aplaudiu seu bom hum or. Então ele ficou sério e concluiu: – Muitos de nós som os ótim os para a sociedade, m as, ao m esm o tem po, carrascos de nós m esm os. Com o vam os cuidar do planeta Terra se som os irresponsáveis com o planeta em oção?
– Você entendeu m inha tese! – afirm ou Marco Polo. Em seguida m ostrou closes de pessoas nos m ais diversos escalões suando, colocando as m ãos na cabeça, desesperadas, ofegantes. Era possível im aginar seu coração batendo num ritm o alucinante. – São os escravos da era m oderna. Algem ados na própria em oção!
Um psiquiatra chinês, o Dr. Ma Tao, ficou tão im pactado com a exposição que perguntou:
– Fadiga ao acordar, dores de cabeça, queda de cabelo, dificuldade de conviver com pessoas lentas podem ser considerados sintom as de que os recursos
do planeta em oção estão esgotados?
– São m ais do que sintom as, são gritos de alerta do cérebro. Mas som os surdos – confirm ou o Dr. Marco Polo. – Inclusive, senhores, o déficit de m em ória corriqueiro, de que sofrem quase todos nas sociedades m odernas, é um a súplica cerebral para m udar o rum o da vida. Sonho que o índice GEEI dim inua e se transform e num índice GEEU, Gasto de Energia Em ocional Útil, inclusive para dar respostas coraj osas para m itigar o aquecim ento global.
Os aplausos da plateia ecoaram . O Dr. Marco Polo continuou:
– A hum anidade está em cham as. Sem gestão da em oção, ricos se tornam m iseráveis, casais com eçam seus rom ances no céu do afeto e os term inam no inferno dos atritos, j ovens asfixiam sua criatividade, profissionais sabotam suas habilidades. Sem gestão da em oção, o céu e o inferno psíquico convivem na m esm a m ente...
O Dr. Marco Polo estava lançando o prim eiro program a m undial de gestão da em oção. Sonhava em contribuir para o futuro da hum anidade.
– Um dos com portam entos m ais violentos de antigestão e que m ais esgotam o planeta em oção é a necessidade neurótica de m udar os outros. Ninguém muda ninguém; temos o poder de piorar os outros, não de mudá-los. Quem j á tentou m udar algum a pessoa teim osa?
Quase todos levantaram a m ão.
– Sinto m uito, m as vocês a pioraram . – Muitos caíram na gargalhada, m as deviam estar preocupados. O psiquiatra com pletou: – Só a própria pessoa pode se reciclar. Existe um fenôm eno que arquiva todas as experiências no córtex cerebral sem a autorização consciente do Eu.
E proj etou na tela um a representação do fenôm eno RAM (registro autom ático da m em ória) atuando num im enso cérebro. Um a rej eição, algum a ofensa, um tom de voz elevado, um a crítica, algum pensam ento perturbador: tudo era registrado em frações de segundo, form ando arquivos que m udavam a paisagem da m em ória. Ele usou a m etáfora de um a cidade para ilustrar a explicação. Era com o se as praças deixassem de ser arborizadas e ilum inadas, os bairros fossem perdendo seu brilho, as ruas se enchessem de buracos.
– Cuidado, senhoras e senhores, as técnicas que usam os para tentar m udar os outros geram j anelas traum áticas que cristalizam neles tudo aquilo que m ais detestam os: elevar o tom de voz, criticá-los excessivam ente, passar serm ões, com parar e pressionar!.
Marco Polo fez m uitos outros com entários im portantes e com plexos. Discorreu sobre a natureza dos pensam entos, o gerenciam ento do estresse, autonom ia, reedição da m em ória... Tudo parecia transcorrer de form a brilhante em sua conferência.
Quando ele j á se aproxim ava do fim , um a inesperada tem pestade em ocional com eçou. George, um filósofo existencialista, especialista em Sartre, pediu a
palavra:
– Eu sem pre ensinei que o ser hum ano está condenado a ser livre, m as, segundo sua explanação, doutor Marco Polo, sem gestão da em oção podem os ser escravos vivendo em sociedades dem ocráticas.
– Correto, professor!
– A m inha questão é a seguinte: seu program a não é utópico dem ais para ser colocado em prática num a sociedade digital e lógica?
– Se não fizerm os isso, vam os nos tornar um a espécie inviável!
– Mas você conhece intelectuais que brilharam na história com o gestores de sua em oção? Pensadores, artistas, líderes, religiosos?
– Estudo o processo de form ação de pensadores, m as desconheço hom ens que tenham sido m odelos em gestão da em oção – com entou Marco Polo.
– Nenhum ? – insistiu o filósofo.
Marco Polo com eçou a dar exem plos surpreendentes:
– Freud baniu da fam ília psicanalítica os que contrariaram suas ideias. Einstein tinha traços depressivos e, além disso, internou um dos filhos em um m anicôm io e nunca m ais o visitou. Gandhi foi um pacifista, m as não pacificou os fantasm as de um de seus filhos, que era alcoólatra. Franz Kafka era pessim ista. Schopenhauer era de um a perspicácia trem enda, m as chafurdava na lam a da angústia. Kant encastelou-se em sua pequena cidade. Sócrates foi um m estre na arte de questionar, m as não questionou outras alternativas à cicuta, m esm o diante das súplicas de Platão e de outros discípulos. Enfim , respondendo à sua pergunta, desconheço hom ens inteligentes que tenham sido peritos em gerir sua em oção nos focos de tensão.
– E o senhor? Com o autor desse program a de gestão em ocional, não é um perito na área? – indagou um psiquiatra j aponês.
A plateia ficou em udecida. Marco Polo saiu do anfiteatro e viaj ou em sua m ente, fazendo um breve resgate de sua história. Anna estava ofegante. Ele, desesperado. Segundos depois ela não estava m ais em seu leito. Marco Polo chorava aos pés de sua cam a. “Anna, m inha querida, por que m e deixou? Fui tudo tão rápido!” Em seguida a paisagem m ental m udou novam ente. Pensou em seu filho. Lucas estava dizendo: “Por que está tão preocupado com igo? O grande Marco Polo está com m edo?” “Sim , m eu filho. Sou um pequeno pai que tem m edo de perder você!”, respondeu.
De repente ele voltou para a plateia, que estava esperando um a resposta. Todos queriam saber se ele era ou não um m odelo de gestão da em oção. Marco Polo confessou com lágrim as nos olhos:
– Sofro por antecipação, tenho m edo de perder alguém que am o. Rum ino tam bém o passado, resgato a perda de quem am ei e m e angustio. Sou um aprendiz na gestão da em oção, um ser hum ano em construção.
de Marco Polo.
– Se esse suj eito, com essa inteligência, é um ser hum ano em construção, então eu sou um em brião – falou um am igo para outro na prim eira fileira.
Depois do m om ento cálido de reflexão, quando a tem pestade em ocional parecia ter deixado o am biente, ela voltou com m ais força.
– E Jesus Cristo? – indagou um a socióloga am ericana. – De novo? – falou baixinho Marco Polo, para só ele ouvir.
Lem brou-se de sua esposa Anna, que publicam ente o incitara a responder um a pergunta sim ilar. Agora questionavam outra área psíquica do m esm o personagem . E de novo ele declarou:
– Desculpe-m e, m as sou ateu. Não discuto religião em m inhas conferências – falou, m as não evitou outro questionam ento.
– Mas quem disse que estou discutindo religião? Estou m e referindo ao hom em Jesus Cristo, a figura histórica. Estou indagando se ele foi ou não um perito em gestão da em oção.
Marco Polo respirou fundo e perguntou o nom e da socióloga. – Anna.
– Anna? Que incrível! – Sim , Anna. Por quê?
Ele ficou com os olhos úm idos e disse:
– Desculpe-m e... Lem brei de um a pessoa m uito querida... Já fui desafiado a estudar a m ente de Jesus, m as só analiso biografias confiáveis. Sem pre considerei as suas biografias, ou evangelhos, um a tentativa de um grupo de galileus de produzir um herói para se livrarem do j ugo de Tibério César, o tirânico im perador rom ano...
Houve um alvoroço na plateia. De repente caiu um raio no m eio da tem pestade em ocional.
– Doutor Marco Polo, sua tese sobre o índice GEEI e a gestão da em oção são inteligentíssim as, m as o senhor não acha que esse com portam ento expande esse índice? – questionou a Dra. Sofia.
Silêncio geral na plateia. O psiquiatra ficou sério por alguns instantes, m as depois abriu um largo sorriso. Todos deram risadas com ele. Depois de um a breve tossida, ele disse:
– Acho que sou um bom m estre, pois perm ito que até m inha assistente, a Dra. Sofia, m e coloque contra a parede!
Ele foi aplaudido. E em seguida falou com transparência:
– O preconceito sem dúvida é um a form a tola de desperdiçar energia em ocional tanto da pessoa excluída quanto do agente da exclusão. O preconceito nutre os vam piros que estão nos porões da nossa em oção. Um dia terei de analisar o personagem Jesus sob o ângulo das ciências hum anas... Alguém m ais quer m e estressar? – brincou. Em seguida encerrou a conferência: – Muito
obrigado por m e ouvirem ...
E assim , o instigante pensador term inou sua fala sobre “A sustentabilidade do planeta em oção”. Foi aplaudido de pé prolongadam ente. Em seguida várias pessoas o rodearam para cum prim entá-lo e pedir que autografasse seus livros. Aquela cidade era m ágica e costum ava produzir im pactos m entais im previsíveis em seus visitantes. Jerusalém abalaria os alicerces de Marco Polo.