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do programa de Pós-Graduação em artes Cênicas

XIX COLÓQUIO

PPGAC - UNIRIO

CORDEIRO, Luiza R. “FALE SOBRE MIM” – TEATRO E AUTOFICÇÃO NA ESCOLA PÚBLICA. PPGEAC UNIRIO; PCE; Mestrado Profissional; Rosyane Trotta; luiza.rangel2@gmail.com; https://orcid.org/0000-0002-8934-0890

RESUMO: Este artigo expõe as principais reflexões e referências do processo de criação do espetáculo “Fale sobre mim”, pesquisa prática-teórica que terá como dispositivo indexador o uso de material autobiográfico de seis alunos de uma escola pública da periferia da Zona Oeste do Rio de Janeiro e sua antiga professora de Artes Cênicas. Deste processo resultará uma encenação e dramaturgia que valorizem as experiências de vida e o arquivo histórico de cada indivíduo. Tendo em vista que não se pode separar a história pessoal da história social, esta experiência artístico-pedagógica é uma tentativa poética de construir uma escritura cênica capaz de desterritorializar o modelo vigente e oxigenar modos de agir no palco e no mundo.

Palavras-chave: Autoficção; Teatro Documentário; Memória; Decolonialidade

ABSTRACT: This article exposes the main reflections and references of the creation process of the show “Fale sobre mim” (Talk about me), a practical-theoretical research that will use as an indexing device the use of autobiographical material by six students from a public school on the periphery of the West Zone of Rio de Janeiro and his former professor of Performing Arts. This process will result in a staging and dramaturgy that value life experiences and the historical archive of each individual. Bearing in mind that personal history cannot be separated from social history, this artistic-pedagogical experience is a poetic attempt to build a scenic writing capable of deterritorializing the current model and oxygenating ways of acting on stage and in the world.

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“FALE SOBRE MIM”

TEATRO E AUTOFICÇÃO NA ESCOLA PÚBLICA

Luíza R. Cordeiro

“Fale sobre mim” é o nome do espetáculo que se encontra em fase inicial de pesquisa e criação. Seis adolescentes - alunos de uma escola pública da periferia da Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro - pesquisam junto a sua antiga professora de artes cênicas uma dramaturgia que valorize suas experiências de vida, fundando o grupo de teatro de ex-alunos do primário Vera Lúcia Chaves da Costa (escola em que estudaram no ensino fundamental 1 nos anos de 2017 e 2018). A pesquisa dramatúrgica de “Fale sobre mim” se debruçará sobre os estudos e práticas do teatro contemporâneo que tem como eixo norteador a autoficção e a memória, enaltecendo a capacidade de narrar e lembrar – ações que estão fortemente ligadas à construção da identidade social do sujeito. Lembrar torna-se, portanto, um ato de resistência à lógica da colonialidade, cujo projeto apagou nossas memórias ancestrais e centralizou narrativas, suprimindo outras tantas.

As composições cênicas partem de uma perspectiva particular (depoimento pessoal) em tensionamento com os acontecimentos do Brasil entre 2017 e 2019. Trata-se de um projeto decolonial que valoriza os saberes e a potência artística dos alunos e alunas da rede pública e não se limita apenas ao que os renomados teóricos ou dramaturgos - com suas lógicas eurocentradas - dizem sobre a escola e a juventude. Neste sentido, são bem-vindas as contribuições teóricas que buscam problematizar a Colonialidade - conceito desenvolvido pelo peruano Aníbal Quijano - e a Modernidade - narrativa que a civilização ocidental construiu para celebrar suas conquistas e que, no entanto, esconde a Colonialidade, considerada por Walter Mignolo como o seu lado mais obscuro. Pretende-se, portanto, aventurar-se por outras lógicas de criação dramatúrgica,

que valorizem as experiências destes corpos periféricos latino-americanos.

A dramaturgia será estruturada em dois atos. No primeiro ato, Luiza Rangel, professora de Artes Cênicas da Escola Municipal Vera Lúcia Chaves da Costa e autora deste artigo apresentará um panorama de suas primeiras impressões ao entrar em uma sala de aula, em Fevereiro de 2017, narrando seu estranhamento diante de uma realidade árida, de extrema pobreza e violência - e ao mesmo tempo de intensa alegria e potência artística. Já o segundo ato, será justamente uma criação de seus ex-alunos e ex-alunas, moradores do Conjunto Habitacional

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Urucânia (localizado no limite entre os bairros de Paciência e Santa Cruz) expondo e tecendo suas relações com a escola, com o bairro e com sua história de vida.

Como falar sobre escola, juventude, sonhos, violência, docência em 2019? Como re-conhecer o conhecido? O que interessa que esteja na história oficial? Como contar outras histórias? Que vocabulários podemos desconstruir dentro das instituições das quais fazemos parte? Essas reflexões se fazem necessárias na medida em que as terminologias e as classificações utilizadas como parâmetros para as diversas esferas sociais e políticas nos foram rigidamente estabelecidas, senão ditadas. A palavra “Infância”, por exemplo, etimologicamente se origina do latim Infantia: Fari = falar, Fan = falante e In = Negação. Sob esta perspectiva, seria a criança alguém que ainda não é capaz de expressar e perceber sua realidade de modo crítico? Por que não uma história contada a partir da perspectiva da criança e do adolescente?

No texto “Reconstitución epistémica/estética: la aesthesis decolonial uma década despeués”, Walter Mignolo afirma que uma reconstituição epistêmica envolveria necessariamente

desaprender, isto é, desnaturalizar a prática do pensar e do sentir tal como se configura hoje.

Em um país latino-americano como é o caso do Brasil - marcado pelas feridas coloniais - como fazer da prática artística-docente um espaço de preservação e de resistência, que inaugure outras lógicas e outros vocabulários que não os impostos pelos invasores?

La administracion de heridas coloniales abarca desde las experiências cotidianas hasta las esferas disciplinarias que se insertam en las políticas estatales, en las instituiciones econômicas, en las creencias y – en fin- en todo el âmbito del vivir. (MIGNOLO, 2019, p.24)

A maior parte dos alunos envolvidos tem sua vida diretamente afetada por situações de opressão: racismo, naturalização da violência do estado, miséria. As periferias seguem sendo dominadas tanto em sua estrutura econômica e organizacional quanto em seu imaginário coletivo. É neste espaço que o lado obscuro da Modernidade se apresenta sem máscaras: vidas humanas passam a ser absolutamente descartáveis e vulneráveis. No Brasil, aprende-se desde cedo que uma vida pode ter valor diferente de outra, a depender de sua condição social, econômica e do poder institucional ao qual pertence. É o conceito de descartabilidade das vidas humanas, trazido por Walter D. Mignolo no texto "Colonialidade - o lado mais escuro da modernidade":

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Assim, ocultadas por trás da retórica da modernidade, práticas econômicas dispensavam vidas humanas, e o conhecimento justificava o racismo e a inferioridade de vidas humanas, que eram naturalmente consideradas dispensáveis. (MIGNOLO, 2017, p.4)

A Modernidade sempre usou a ciência, o conhecimento, para legitimar lógicas opressoras com fundamentos racistas e patriarcais, exercendo um domínio no controle da economia, do gênero, da sexualidade, do saber e da subjetividade. Quantas vezes os cabelos cacheados e crespos das alunas Maria Paula e Anália (integrantes do espetáculo “Fale sobre mim”) foram negados? Seus cachos e crespos, sua pele negra tem sido negados há séculos - herança colonial que construiu o racismo estrutural, projeto que determina superioridade de raças na qual o homem branco, heterossexual, cristão possui uma fala universal.

O autor aponta, ainda, possíveis caminhos e ações que poderiam contribuir com uma descolonização do conhecimento dentro da própria academia: decolonizar as teorias, fazer surgirem outros paradigmas, incorporar as vozes periféricas e os movimentos sociais a nossas pesquisas e deshierarquizar os saberes. O convite de Walter Mignolo é no sentido de que nós, artistas, professores, comprometidos com a produção de conhecimento, possamos pensar a modernidade e os estatutos da arte de forma crítica.

Segundo Lila Bisiaux, no texto “Deslocamento Epistêmico e Estético do Teatro Decolonial”, é preciso pensar novas práticas inteligíveis, que não privilegiem somente a racionalidade mas sim a experiência sensível, indo na contramão da primazia das estéticas hegemônicas.

Tomar consciência da existência dessas estéticas nos convida a pensar sobre a necessidade de reformular as ferramentas das análises dramáticas e cênicas eurocêntricas, modernas e coloniais. Essa reforma passa pelo reconhecimento da localidade dessas obras, cuja ocultação é suscetível de reproduzir um esquema colonial. Essas ferramentas são inaptas para a análise das estéticas em questão, e colocam em causa a crença de acordo com a qual a modernidade/colonialidade e suas formas estéticas teriam sido impostas de forma unilateral, mas elas também reproduzem uma violência epistêmica e acadêmica. Talvez, seja a confrontação a estéticas decoloniais que torne possível a emergência de novas ferramentas teóricas e de análise que se afastem da matriz colonial do poder. (BISIAUX, 2018, p.17)

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A autora propõe o diálogo entre o conceito de Colonialidade do poder e a teorização histórico-estética do Teatro. Assim como a Modernidade valoriza sua visão de emancipação e esconde sua lógica obscura, o Teatro também pode estar reproduzindo uma lógica opressiva.

Nas Artes da cena, o drama burguês se estruturou como marco estético do teatro moderno, ele garantia a primazia do texto e representava o mundo como uma totalidade, com uma universalidade. O teatro pós-dramático, de certa forma, tentou romper com o drama, trazendo um pluralismo e um hibridismo das artes, dando ênfase ao corpo e à visualidade. O texto não é privilegiado em detrimento dos outros elementos, como consequência, a estrutura da fábula e a ideia de linearidade perdem lugar. Contudo, a autora conclui que ao tentar essa ruptura com o drama, o teatro pós-dramático o reifica como modelo ou anti-modelo, sem descartá-lo. Logo, o deslocamento neste caso acontece somente ao nível estético, não ao epistêmico.

Traçando um paralelo com tais reflexões, a escolha pelo Teatro Documentário como categoria histórica disparadora de uma concepção estética e ética do espetáculo “Fale sobre mim” justifica-se pelo fato de que o Teatro Documentário (ou teatro do real), sempre questionou as fronteiras entre realidade e ficção e, desde Piscator, nos anos vinte e trinta, buscou a investigação de uma cena documental que se mostrava estética e politicamente engajada com as lutas de seu tempo. Na maioria das vezes, fazendo uso de fontes e documentos históricos com o objetivo de realizar uma revisão historiográfica, isto é, problematizar fatos históricos e colocar em cena outros pontos de vista, outros corpos, outras sonoridades, abrindo mão de uma narrativa linear, enaltecendo os conhecimentos populares, propondo protagonismo para os excluídos, para os que estão à margem, para os que ocupam o outro lado da linha que divide o universo em humanos e sub-humanos. A ver, pro exemplo, o Teatro Jornal, de Augusto Boal, considerado junto a Maria Piscator um dos pioneiros em Teatro Documentário no Brasil, e o espetáculo Br-Trans, de Silvero Pereira, entre outros.

Ao propor releituras de um mesmo fato, o trabalho com a autoficção, faz ruir estes abismos e ausências. O narrador passa a ser personagem, podendo se pronunciar em 1ª pessoa; a memória torna-se documento; a realidade - como construção social - é mediada pela ficção, utilizando diferentes suportes e dispositivos tecnológicos. Boaventura de Sousa Santos nos lembra que a produção de ausências está presente até hoje, tanto quanto estava no período colonial.

Estas formas de negação radical produzem uma ausência radical, a ausência de humanidade, a sub-humanidade moderna. Assim, a exclusão torna-se simultaneamente radical e inexistente, uma vez que seres sub-humanos não são considerados sequer

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candidatos à inclusão social.A humanidade moderna não se concebe sem uma sub-humanidade moderna. A negação de uma parte da sub-humanidade é sacrificial, na medida em que constitui a condição para a outra parte da humanidade se afirmar enquanto universal. A minha tese é que esta realidade é tão verdadeira hoje como era no período colonial. O pensamento moderno ocidental continua a operar mediante linhas abissais que dividem o mundo humano do sub-humano, de tal forma que princípios de humanidade não são postos em causa por práticas desumanas. (SANTOS, 2007, p.7)

Conclui-se que a ausência de certas narrativas provocaram lapsos na dramaturgia ocidental ao longo da história. Sob esta perspectiva, “Fale sobre mim” é uma possibilidade e um desejo de aventurar-se em uma pesquisa decolonial de criação cênico-dramatúrgica que resgate experiências que foram invisibilizadas, tensionando tempos históricos, propondo uma horizontalidade de autorias e privilegiando a via da experiência sensível.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1985.

BISIAUX, Lila. Deslocamento Epistêmico e Estético do Teatro Decolonial. Revista Brasileira

de Estudos da Presença, Porto Alegre, v. 8, n. 4, out./dez. 2018

GIORDANO, Davi. Breve Ensaio sobre o Conceito de Teatro Documentário. Revista Performatus, Inhumas, ano 1, n. 5, jul. 2013.

MIGNOLO, Walter D. Colonialidade - o lado mais escuro da modernidade. RBCS Vol. 32 n° 94, jun. 2017.

MIGNOLO, Walter D. Reconstitución epistémica/estética: la aesthesis decolonial uma década despeués. Calle 14. Revista de Investigación en el campo de arte. 2019.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Para Além do Pensamento Abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. Revista Crítica de Ciências Sociais, n. 78, out. 2007.

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