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SIMBOLISMO EM PORTUGAL: SÍMBOLO E IMAGÉTICA

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Academic year: 2021

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Publicado na 11° Edição (Novembro e Dezembro de 2009) da Revista Linguasagem

www.letras.ufscar.br/linguasagem

SIMBOLISMO EM PORTUGAL:

SÍMBOLO E IMAGÉTICA

Danilo Souto Maior1

1. INTRODUÇÃO

"Descrever um objeto é suprimir três quartos da fruição de um poema, que é feito da felicidade de adivinhar, pouco a pouco. Sugeri-lo, eis o sonho."

(Mallarmé)

O simbolismo em Portugal caracterizou-se por um movimento na literatura, partindo dos ideais decadentistas vindos da França, e teve como principais autores inspiradores Mallarmé, Baudelaire ou Verlaine.

Este trabalho traz em si algumas das características que marcaram mais profundamente este movimento e que serviriam de base, mais tarde, para importantes

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movimentos de vanguardas européias, tais como o Futurismo, o Cubismo, o Expressionismo, dentre outros.

Uma das principais características, e que se pode destacar aqui, deste movimento, tem a ver com questões de estética. No contexto simbolista a concepção de estética é baseada em termos essenciais da intuição e não da noção, como assinala Marcuse, que acrescenta:

"Seja qual for o objeto (coisa ou flor, animal ou homem) é representado e julgado não em termos de sua utilidade, não de acordo com algum intento ou propósito a que possa talvez servir e também sem ter em vista a sua finalidade e compleição "internas". Na imaginação estética, o objeto é representado, de preferência, como algo inteiramente livre de tais relações e propriedades, como ser que se é livremente." (MARCUSE, p.160).

Assim, o reino da estética é essencialmente "irrealista".

Baseados nisso, passemos aos estudos de alguns escritores desta época, e seus poemas, como se seguem.

2. ANÁLISE DE TRÊS POEMAS NO CONTEXTO SIMBOLISTA.

Comecemos por Eugênio de Castro, o introdutor do simbolismo em Portugal.

2.1 Um Sonho2

1

Graduando do curso de licenciatura plena em Letras, Universidade de Pernambuco, pólo Nazaré da Mata.

2

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1. Na messe, que enlourece, estremece a quermesse... O sol, celestial girassol, esmorece...

E as cantilenas de serenos sons amenos Fogem fluidas, fluindo a fina flor dos fenos...

5. As estrelas em seus halos Brilham com brilhos sinistros... Cornamusas e crotalos,

Cítolas, cítaras, sistros, Soam suaves, sonolentos, 10. Sonolentos e suaves, Em Suaves,

Suaves, lentos lamentos De acentos

Graves 15. Suaves...

Flor! enquanto na messe estremece a quermesse E o sol, celestial girassol, esmorece,

Deixemos estes sons tão serenos e amenos, Fujamos, Flor! à flor destes floridos fenos...

20. Soam vesperais as Vésperas... Uns com brilhos de alabastros, Outros louros como nêsperas, No céu pardo ardem os astros...

Obra na íntegra em: <http://www.astormentas.com/din/poema.asp?key=5814&titulo=Um+Sonho> 10, maio de 2008.

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Como aqui se está bem! Além freme a quermesse... 25. – Não sentes um gemer dolente que esmorece? São os amantes delirantes que em amenos Beijos se beijam, Flor! à flor dos frescos fenos...

[...]

85. Três da manhã. Desperto incerto... E essa quermesse? E a Flor que sonho? e o sonho? Ah! tudo isso esmorece! No meu quarto uma luz, luz com lumes amenos,

Chora o vento lá fora, à flor dos flóreos fenos...

Ao analisarmos o poema acima, podemos destacar o que mais caracterizou este autor, que abre caminho a uma expressão surrealizante. Um poema feito em versos regulares, mas que consegue compor a expressão dos sentimentos. É constituído de rimas perfeitas, ricas e raras:

vésperas: nêsperas (vs. 20 e 22)/ alabastros: astros (vs. 21 e 23)/ halos e crotalos (vs. 5 e 7), entres outras.

Com as palavras o autor faz uma mixagem de sons, tornando o poema mais harmonioso. Não que os poemas anteriores ao movimento não fossem dotados desta harmonia, mas é que, no simbolismo, a impressão é mais forte. Nos seus versos, percebemos como os sons das fricativas [ s ], [ f ], [ v ] e [ R ] tornam o poema mais melódico, e que é uma característica do simbolismo, ora com a interposição de uma lateral alveolar [ l ]:

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v. 4. Fogem fluidas, fluindo a fina flor dos fenos.

ora trava com segmentos oclusivos, [ k ] ou [ t ]:

v. 7. cornamusas e crotalos,

v. 8. Cítolas, cítaras, sistros, (...)

O uso da paranomásia, já no primeiro verso, um recurso estilístico, onde há uma semelhança de forma ou som na formação das palavras, muito utilizado entre poetas de todas as épocas:

v. 1. Na messe, que enlourece, estremece a quermesse...

Foi quem melhor trabalhou em seus versos as questões de rima, ritmo e vocabulário, muitas vezes exótico, com palavras pouco usuais, como nos exemplos acima. Explorou tais recursos até a exaustão, tornando os seus poemas, às vezes, um tanto artificiais. Outro recurso de que faz uso o autor no poema ilustrado é a aliteração, recurso estilístico que consiste da repetição de fonemas no começo das palavras nos versos:

vs. 9 a 12. Soam suaves, sonolentos,

Sonolentos e suaves,

Em suaves,

Suaves, lentos lamentos (...)

ou da repetição de palavras e até mesmo de versos, o chamado paralelismo, como pudemos perceber. Este recurso o autor utiliza para enfatizar o seu devaneio, cujo conteúdo está

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relacionado com o místico e o subconsciente. Estas características podemos identificar na última estrofe, versos 85 a 88, onde o autor sugere um sonho representante de uma realidade fantasiada e de um conhecimento intuitivo e não lógico:

Três da manhã. Desperto incerto... E essa quermesse? E a Flor que sonho? e o sonho? Ah! Tudo isso esmorece! No meu quarto uma luz, luz com lumes amenos,

Chora o vento lá fora, à flor dos flóreos fenos...

2.2 Paz!3

1. E a Vida foi, e é assim, e não melhora.

Esforço inutil, crê! Tudo é illuzão...

Quantos não scismam n'isso mesmo a esta hora

Com um taça, ou um punhal na mão!

5. Mas a Arte, o Lar, um filho, Antônio? Embora!

Chymeras, sonhos, bolas de sabão.

E a tortura do além e quem lá mora!

Isso é, talvez, minha unica afflicção...

Toda a dor pode suspportar-se, toda!

10. Mesmo a da noiva morta em plena boda,

3

NOBRE, Antônio. Só. Virtual books.

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Que por mortalha leva... essa que traz...

Mas uma não: é a dor do pensamento!

Ai quem me dera entrar n'esse convento

Que há além da Morte e que se chama A Paz! (Versão original. Paris, 1891; p. 58).

Em termos de classificação, temos aqui um soneto, "um pensamento de ouro num cárcere de aço", com rimas alternadas (abab), perfeitas: melhora: hora (vs. 1 e 3)/ illuzão: mão (vs. 2 e 4); e ricas, já que, em alguns versos, as rimas são formadas com palavras de classe gramatical diferente: Embora!: mora! (vs. 5 e 7)/ traz : Paz! (vs. 11 e 14).

Antônio Nobre, um poeta defensor do nacionalismo português, e que liberta já a poesia simbolista do artificialismo e do convencional. Um dos aspectos que podemos apontar em seu poema "Paz" é a singeleza com que o autor dispõe os versos, numa linguagem mais coloquial, ao gosto dos românticos, mas também mais trabalhada, "para que se torne mais sugestiva, para que evite o derramamento emotivo" (GOMES, p. 7), com certas particularidades, tais como: a resignação ao destino e uma atitude passiva diante da vida, herança do fenômeno pessimista schopenhauriano:

vs. 1 e 2. E a Vida foi, e é assim, e não melhora./ Esforço inutil, crê! Tudo é illuzão...

e que reflete o gosto por uma vida sedentária e decorosa no usufruto das coisas belas e espirituais:

vs. 13. e 14. Ai quem me dera entrar n'esse convento./ Que há além da Morte e que se chama A Paz!

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sua obra, e que foi uma das máximas do simbolismo português.

2.3 Estátua4

1. Cansei-me de tentar o teu segredo: No teu olhar sem cor, – frio escalpelo, O meu olhar quebrei, a debatê-lo, Como a onda na crista dum rochedo.

5. Segredo dessa alma e meu degredo E minha obsessão! Para bebê-lo Fui teu lábio oscular, num pesadelo, Por noites de pavor, cheio de medo.

E o meu ósculo ardente, alucinado, 10. Esfriou sobre o mármore correcto Desse entreaberto lábio gelado...

E, por último, Camilo Pessanha, que é tido como um dos líricos portugueses mais típicos, e o representante mais completo e exemplar do simbolismo português.

Temos aqui um soneto, com rimas interpoladas (abba), perfeitas: segredo: rochedo (vs. 1 e 4); ricas e preciosas: escalpelo: debatê-lo (vs. 2 e 3).

Na primeira estrofe, percebemos um vago sentimento de revolta; na segunda, a consternação; na terceira, a prostração e na última estrofe, a desolação e entrega.

Em seu poema “Estátua”, tendenciosamente voltado ao devaneio racional, “o sentimento do poeta é provocado por uma dor espiritual desconhecida” (GOMES, p. 25):

4

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v. 1 e 5. Cansei-me de tentar o teu segredo:/ Segredo dessa alma e meu degredo

Ainda: dadas certas características que tornam o poema mais eufônico e, portanto, mais ao gosto dos nefelíbatas autores do movimento simbolista, outro ponto que se pode por em evidência no poema "Estátua", do citado autor, é a lassidão expressa e o excesso de adjetivos ou locuções adjetivas: sem cor; frio; oscular; de pavor; alucinado (vs. 2, 7, 8 e 9); dentre outros. Isso contribuiu para criar a atmosfera de evanescência mística, proposta pelo autor e que refletem certos estados da alma, embora que sem o emocionalismo dos românticos. Aliás, "ser emocional não era dos simbolistas".

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Nos poemas acima analisados, pudemos observar que os autores pouco interesse demonstram pelo enredo e ação na narrativa, fator comum entre os poetas simbolistas, que cultivavam, dentre mais nada, a expressão da arte-pela-arte – ad infinitum – e o desprezo à natureza, em troca do místico e sobrenatural. Uma busca incessante pela seleção dos elementos que podiam contribuir para a fantasia, característica de algumas figuras de palavra, como as metáforas ou a que nos pode chamar mais a atenção: a sinestesia: “No teu olhar sem cor, frio escalpelo,” (PESSANHA, v. 2); ou os que apresentavam a essência em vez da realidade: “E a tortura do além e quem lá mora!” (NOBRE, v. 7)// “Fui teu lábio oscular, num pesadelo,” (PESSANHA, v. 7)// “Outros louros como nêsperas,”/ “No céu pardo ardem os astros...” (CASTRO, vs. 22 e 23); realidade esta que a dimensão da estética não pode validar, como se afirma no início deste trabalho. Isto tem a ver com a nova concepção de estética estabelecida em Kant como algo “pertinente ao belo, especialmente na arte”, e definida aqui por Marcuse em seus estudos sobre a filosofia de Kant, baseada nos ideais da psicanálise de Sigmund Freud.

O que se pode deixar claro é que, embora o simbolismo tenha sido um movimento literário de curta duração, como foi, se prestou com eficiência naquilo que se lhe propôs. Os

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autores uns em maior outros em menor medida, porém todos com a idéia impar de que o poema deve ter uma concepção estética acompanhada do prazer de descrever o sonho como representação sublime da realidade, como um princípio constitutivo em se fazer arte-pela-arte.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

CADORE, Luís Agostinho. Curso prático de Português. 2º grau. São Paulo: Ática, 1994. p. 315 - 319;

GOMES, Álvaro Cardoso. O Simbolismo. Série Princípios. São Paulo: Ática, 1994.

MARCUSE, Herbert. Eros e Civilização: Uma Interpretação filosófica do Pensamento de Freud. Trad. Álvaro Cabral. 3ª ed. Rio de Janeiro: Zahar editores, 1968. Cap. 9, p. 156 - 173;

SOCIEDADE dos Poetas Mortos. Direção: Peter Weir. Produção: Steven Haff, Paul Junger Witt e Tony Thomas. Intérpretes: Robin Williams e outros. Roteiro: Tom Schulman. Música: Maurice Jarre. Los Angeles: Touchstone Pictures. [ S.I. ] 1 DVD ( 129 min. ) Wide Screen, color. Edição especial.

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