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TEXTO EXTRAÍDO DA OBRA DE HENRI F. ELLENBERGER (PARA A DISCIPLINA DE HISTÓRIA DA PSICOLOGIA) [Tradução de César Rey Xavier]

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TEXTO EXTRAÍDO DA OBRA DE HENRI F. ELLENBERGER (PARA A DISCIPLINA DE HISTÓRIA DA PSICOLOGIA)

[Tradução de César Rey Xavier]

O Pano de Fundo Cultural do Iluminismo:

A história da civilização ocidental é, em larga escala, a história de alguns poucos, porém grandes, movimentos culturais, a saber, a Renascença, o Barroco, o Iluminismo e o Romantismo, cuja sucessão de um após outro veio se verificando desde o período medieval até o século XIX. Cada um deles não apenas mostrou características específicas em suas filosofia, literatura, arte e ciência, mas significaram um novo estilo de vida, culminando na formação de um tipo ideal de homem. Cada um destes movimentos tinha seu centro de origem em uma nação da qual preservava certas características enquanto se espalhava pelo resto da Europa: a Renascença e o Barroco na Itália, o Iluminismo na França, e o Romantismo na Alemanha. [...].

O terceiro grande movimento cultural, o Iluminismo, foi definido por Troeltsch como “o movimento espiritual que conduziu à secularização do pensamento e do Estado”. E de acordo com a bem conhecida definição de Kant:

Iluminismo é o deixar para trás, pelo homem, de sua auto-causada minoridade. Minoridade é a impossibilidade do uso de sua própria razão sem a diretriz de outra. Esta minoridade é auto-causada quando se deve não à falta do poder de raciocínio mas à falta de decisão e coragem para fazer uso desta sem o direcionamento de uma outra. Sapere aude! Tenha coragem de fazer uso de tua própria razão! Este é, pois, o lema do Iluminismo.

O Iluminismo, que se deu intimamente conectado com o alvorecer e consolidação da burguesia, originou-se na França por volta de 1730, espalhou-se

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rapidamente pela Inglaterra e Alemanha, e culminou em 1785. Incorporou diferentes formas em cada um daqueles países. Na França, este movimento tornou-se político e anti-religioso; na Inglaterra foi na economia que desenvolveu um interesse especial, ao passo que na Alemanha manteve-se, o movimento, dentro dos limites da religiosidade estabelecida e foi adotado pelo principado dirigente na forma de um despotismo esclarecido, tipicamente representado por Frederico II, Rei da Prússia. [...] A mais fundamental característica do Iluminismo foi o culto da razão, tida como algo que deveria ser uma entidade universal e permanente, entidade esta que era a mesma para todos os homens de todas as eras e de todas as nações. A razão se opunha à ignorância, ao erro, ao preconceito, à superstição, às crenças impostas, à tirania das paixões e às aberrações da fantasia. Seguindo de perto aquelas idéias estava a noção de que o homem era um ser social e que a sociedade foi criada por ele. O tipo ideal de homem pertencia à aristocracia ou à burguesia, e sua vida era guiada em concordância com as aspirações da razão e da sociedade. [...] A filosofia do Iluminismo era otimista e prática, proclamando que a Ciência poderia e deveria ser aplicada para o bem-estar da humanidade. Qualquer progresso era entendido não apenas em seu sentido material mas também como um progresso qualitativo e moral, significando, com isso, reformas sociais. Outra subseqüente configuração do Iluminismo pairou sobre sua fé e profunda preocupação com a educação.

Na Ciência, o Iluminismo eliminou o princípio de autoridade, e começou a aplicar a análise, utilizada até então na matemática, para outros ramos do conhecimento, incluindo o estudo da mente humana, da sociedade e da política. A Psicologia se esforçava para analisar os elementos básicos da mente:

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sensações e associações e, assim, tentar reconstruir, através da síntese, a completa fábrica da mente humana. [...]

O enorme impacto do Iluminismo na Medicina é geralmente pouco conhecido. Este impacto inaugurou, por assim dizer, a pediatria, a ortopedia, a higiene pública e a profilaxia, entre outros, com sua campanha de vacinação contra a varíola. Isto influenciou a psiquiatria em muitos modos, começando com sua laicização. Muitos sintomas, os quais haviam sido considerados como sendo os efeitos de bruxaria ou possessão, passaram a ser vistos como formas de doença mental. Esforços foram sendo feitos no sentido de entender a doença mental de uma maneira científica. O rápido progresso da mecânica e da física sugeriam a adoção de modelos mecânicos para a fisiologia e, com isso, a redução da vida psíquica à atividade do sistema nervoso. Devido à ênfase dada à faculdade da razão, o distúrbio mental era considerado como sendo essencialmente um distúrbio da razão. Acreditava-se que suas causas eram ou uma lesão física, especialmente do cérebro, ou os efeitos causados pelas paixões descontroladas. Assim sendo, alguns representantes do Iluminismo ensinaram princípios dos quais chamaríamos de higiene mental, baseados no treino da vontade, e da subordinação das paixões à razão. O próprio Kant, em uma de suas obras, escreveu um capítulo intitulado “Do poder da mente para ser a mestra de certos mórbidos sentimentos através da simples decisão”, na qual ele oferecia regras para superar a insônia, a hipocondria, e vários achaques físicos através da correta dieta, correta respiração, e, particularmente, através de exercício sistemático intercalado com períodos de total relaxamento, e o estabelecimento de hábitos sólidos, especialmente a realização freqüente e consciente de atos da

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vontade. O interesse iluminista na doença mental também foi evidenciado pelo crescente número de tratados sobre esse assunto, publicados na segunda metade do século XVIII, alguns dos quais já caracterizavam linhas gerais similares àquelas dos livros didáticos modernos. Porém, mais importante, o Iluminismo foi o período quando esforços eram feitos primeiro no sentido de reformar os hospitais mentais, esforços estes que, pelo final daquele século, foram levados a cabo por homens que estavam entre os mais típicos representantes do Iluminismo: Chiarugi, Tuke, Daquin e Pinel. [...]

A importância histórica e cultural do Iluminismo não pode ser superestimada: esta constitui a espinha dorsal da moderna civilização ocidental [disso não há dúvida]. [Afinal...] Os princípios de liberdade de religião, pensamento e expressão, os princípios da justiça social, igualdade, o Estado Social, a noção do bem-estar público como sendo a função normal do Estado ao invés de simplesmente um ato de caridade, o princípio da educação livre e compulsória, e os alcances positivos das revoluções americana e francesa, todos se deram a partir do Iluminismo, como foi também a fundação da psiquiatria moderna.

No entanto, o Iluminismo também teve seus aspectos negativos. Este movimento tendia a situar todos os homens na mesma categoria e a subestimar diferenças de constituição físicas e mentais, bem como de tradições culturais. Isto promoveu uma concepção unilateral das emoções como sendo [unicamente] um distúrbio da mente racional, [portanto] sem o reconhecimento destas em si mesmas. [...] A despeito de sua forte ênfase na razão, o Iluminismo não foi

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suficientemente crítico, [...] Uma curiosa mistura de racionalismo e especulação irracional poderia ser encontrada em muitos cientistas do Iluminismo. [...]

Nós podemos ver de que modo o nascimento da psiquiatria dinâmica pode assim ser entendido como uma manifestação do Iluminismo, tanto em seu aspecto racional como também em seu aspecto irracional. Mesmer foi fundamentalmente um representante do Iluminismo. [...] [ e seu] magnetismo foi uma criação iluminista. É ainda mais irônico que o magnetismo logo estivesse para ser incorporado e reinterpretado sob uma ótica bastante diferente pela tendência cultural subseqüente, o Romantismo. Mas o antagonismo e a interação entre o Iluminismo e o Romantismo poderia ser trilhada por toda a história da psiquiatria dinâmica, de Mesmer até os tempos modernos. Como veremos [...], os ensinamentos de Janet podem definitivamente ser referendados às questões tradicionalmente consideradas no Iluminismo, ao passo que Freud e Jung podem ser identificados como epígonos tardios do Romantismo.

FONTE:

ELLENBERGER, Henri F. The discovery of the unconscious : the history and evolution of dynamic psychiatry. USA, Basic Books, 1970. pp. 193-199.

Referências

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