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Juliana de Andrade Marreiros 1

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Academic year: 2021

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Juliana de Andrade Marreiros1

Em princípio, a obra e sua mensagem. Ao fim de um ano de estudos para cumprimento de produção acadêmica em sede de Iniciação Científica Voluntária, sob orientação do professor Alcione Correa Alves2, resta-nos a soberania da obra cuja autora, Virginia Brindis de Salas, sagrou seu nome entre os grandes na lista de escritores afrouruguaios do século XX engajados em uma tradição literária, sobretudo na poesia, que “afirma muchos valores positivos de la comunidad negra” e que “apoya los sentimientos de ensayistas e activistas sociales em su búsqueda de liberdad e dignidad a traves de la afirmación de una identidad negra.” (LEWIS, 2011, pág. 70).

Dessa obra, Pregón de Marimorena, extraem-se valores de resistência que não deixam de tangenciar a construção do eu que se enuncia na voz poética e que, tão bem engenhados pela poeta, figuram o lugar da negritude uruguaia. O poemário, introduzido por “A la ribera americana” seguido de “Es verdade, sí señor” abre o caminho para a articulação da identidade étnica com a identidade nacional, uma vez que ao sujeito negro

1 Graduanda em Letras – Língua Portuguesa e Literatura de Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Piauí, Teresina-Piaui. julianamarreiros@hotmail.com

2 Doutor em Letras, Professor adjunto da Coordenação de Letras Estrangeiras da Universidade Federal do Piauí, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Letras e do Núcleo de Pesquisa em Africanidades e Afrodescendência – Ifaradá.

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é relegado o espaço da exclusão e da subserviência nas narrativas da história oficial e da própria produção cultural uruguaia, restando-lhe o apagamento do que naquele país se considera nacional (BURGUEÑO, 2007).

Ao versar em tom pessoal a convivência com as águas da “ribera americana”, metáfora para o Rio Prata, o eu poético3 se insere na experiência histórica americana:

Cuantos anos vieron mojar mis pies las aguas salitrosas

que bordan lar ribera americana La carne de mi cuerpo

bañada en agua hermana bautismo de este río que como mar se ensancha para buscar en la ribera de America, su senda ancha.

Como parte dessa experiência e conhecedor das opressões às quais sua gente é submetida, esse eu poético lança um chamamento político aos povos oprimidos da América para uma mudança de comportamento, em busca de direitos, igualdade e liberdade para além de questões raciais.

Vamos por la ribera

de esta América indígena y mulata em pos de la vereda

que todo lo mata. (...)

Qué el pecho inflame la paz redentora

y diga a todos: id ahora; que nuestra sangre se derrame sin demora

(...)

Quiero posar mi pie moreno en la ribera de los ares de America infinita y verla que del suelo se levanta

3 Segundo Martin Lewis, o eu poético na literatura afrouruguaia opera dentro de uma dupla faceta da construção da identidade, apresentada por Bhabha: a filosófica, de autorreflexão no espelho, e a antropológica, que se auto referencia na existência do Outro, trazendo-lhe questões fundamentais: quem sou eu e como sou percebido pela cultura majoritária? Nesse sentido, “existe una identificación fuerte a partir del ‘Yo’ con la experiência que se trata. El sujeto negro en lugar de ser un mero objeto del discurso

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en sus talleres, sus fábricas, sus minas

y de un formidable pulmón de voces femininas,

que aprieta el fuelle con manos masculinas, oír la canción

en los camiños y en los muelles, plena de redención!

Esse mesmo espirito contestador, crítico, em defesa de uma multidão oprimida, pleno de um realismo de que Virginia não poupa seus versos, próprio de uma poeta cujas influências maiores são o costume e a forma “captados en la vida del pueblo, en lo médio en que se desarollan las penúrias de sus hermanos de abajo”, como descreveu Julio Guadalupe em seu prólogo à primeira edição de Pregón (ORONOZ, 2013), também se verifica em “És verdade, sí señor”:

Hoy los hombres trabajando se asemejan a gladiadores pues se lo pasan luchando con patronos y mediadores. (...)

Que vaya y coma pescado cuando la carne le falta; sea el gula bien loado mientras el hambre assalta (...)

Hay quién vive para comer y quién come para vivir; quién ve para crer

y quién lucha para sufrir.

Como assinalou Cristina Burgueño, “las imagenes de la poesia de Pregón de Marimorena insisten em mostrar a un continente latinoamericano sin ostracismos ni omisiones debidas al origen etnico y en el cualla lucha de los trabajadores contra la explotación tiene un valor fundamental” (BURGUEÑO, 2007, pág. 285).

Entretanto, apesar do chamado a uma América unificada sem distinção de raças, a questão da identidade negra não se afasta da poética de Virginia. Pelo contrário. Afinal de contas, como sublinha Burgueño,

Esta propuesta de unidad racial y de clase trabajadora entre los americanos que muestra la influencia de la ideologia marxista, se

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produjo, paradójicamente, en una epoca en que los obreros europeos, que habian llegado en grandes cantidades a Latinoamerica, eran preferidos a los negros y mejor pagos que ellos. (BURGUEÑO, 2007, pág. 286)

Nesse sentido, note-se o quarteto seguido do dístico (que se repete como refrão) com que o poema “És verdade, sí señor” é iniciado e finalizado:

¿Qué yo soné em los caminos como Antonio y Federico y Nicolás del Caribe y Pales de Puerto Rico? És verdade, si señor si señor, és verdad

No mesmo poema em que a poeta denuncia a opressão sofrida por los de abajo, destaca-se esse outro aspecto relevante: o eu poético se insere como parte de um sonho coletivo, sustentado por uma rede de outros “sonhadores”, Antonio, Federico, Nicolás e Pales. Para além de sonhadores, são intelectuais de movimentos de luta contra as desigualdades instituídas, com grande influência em toda a obra contestadora de Virginia. Aqui, Virginia lança mão de sua experiência pessoal através da voz poética, colocando-se também como protagonista no centro das construções políticas e culturais de colocando-seu tempo. A repetição do refrão “És verdade, sí senõr, sí señor, és verdade” denota a firmeza de seu posicionamento político e literário, reafirmando-nos seu irrevogável desejo de mudança ao longo de todo o poema.

Esse recurso recorrente na obra de Virginia, qual seja, a introdução de sua voz através de um eu poético produtor de discurso, premissa de que parte a definição da poesia afrouruguaia (LEWIS, 2011), encontra motivação no próprio movimento literário que se sedimentava no momento histórico da produção de Pregón de Marimorena. Julio Guadalupe, em seu prólogo, contempla a produção literária de Virginia Brindis de Salas com marco no momento de um impulso literário genuíno na América que contava com a dedicação de muitos intelectuais do continente na observância daquilo que ele denominou de “um viejo y siempre renovado problema intercontinental: o negro” (ORONOZ, 2013, pág. 56).

Marvin Lewis revela ainda, quando de seu estudo sobre a resistência e a identidade na poesia afrouruguaia, que “escribir contra la corriente, oponiéndose a las concepciones

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dominantes, há sido la aproximación que adoptaron los escritores creadores negros desde las primeras apariciones de los periódicos negros como La Conservación hasta las publicaciones actuales” (LEWIS, 2011, pág. 70)

Cristina Burgueño também endossa o impacto deste movimento literário na obra de Virginia:

(...) la tematica planteada en el poemario integra a la colectividad afro al ideal politico de unidad Latinoamericana, ya que en los textos de Virginia Brindis de Salas hay, ademas de una articulación de la identidad etnica con la identidade nacional, una perspectiva politica internacionalista en torno a la hicha de los oprimidos y a la identidade negra. Este internacionalismo se vincula y es parte de una actitud de los pensadores y artistas negros de America del Norte y del Sur, que tambien fue asumida por los dirigentes intelectuales de la colectividad afro-uruguaya de su epoca (BURGUEÑO, 2007, pág.283-284).

Com efeito, Pregón de Marimorena se trata de obra cuja autora foi celebrada e reconhecida pela comunidade afrouruguaia e, mais além, entre os intelectuais e escritores afroamericanos de sua época, como líder intelectual e figura estelar do Círculo de Intelectuales, Artistas, Periodistas (CIAPEN) (LEWIS, 2011). Publicou também na revista de intelectuais negros Nuestra Raza e teve grande circulação nesse grupo. Isso coaduna em via dupla com a perspectiva spivakiana adotada como hipótese geral pela presente investigação: de um lado, Virginia, mulher trabalhadora negra uruguaia, portanto subalterna (no sentido spivakiano), se enuncia em um espaço criado no seio intelectual de que fez parte. De outro, Virginia ela mesma intelectual, tem em suas mãos o poder para abrir espaço e ensejar condições à criação de lugares de enunciação de sujeitos subalternos.

No poema “La hora de la tierra en que tu duermes”, Virginia assume, por meio do eu poético, o lugar da intelectualidade e, desse lugar, desafia em tom provocador os demais escritores uruguaios a produzir Literatura politicamente engajada.

La hora ciega a los otros que viven del outro lado. Amigo, quítate la venda que a ti te ciega en este, quítate la venda.

Es hora de dejar libres pasiones y ócios mentales. Amigo bulle mi sangre

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Mientras la tuya se estanca; quítate la venda, quítate La hora sangro la tierra, Fortalece una simiente; ¿qué cosecharán tus manos, tu dos manos bien inertes?

Esse lugar de intelectualidade, frise-se, é possível ser assumido na obra de Virginia, bem como em toda a poesia afrouruguaia, pelo recurso poético em que o “eu” demarca um discurso identitário. Tal discurso, todavia, não se demonstra nesse poema exatamente pelo uso de verbos e marcadores de primeira pessoa, mas encontra-se implícito nos comandos, que evidenciam uma poeta inquieta e indignada que vislumbra no fazer poético um instrumento para a transformação social.

Há ainda que se enfatizar o caráter absolutamente realista que reveste a obra de Virginia, desde o discurso de cunho político, desprovido de utopias, até a ausência de metáforas ou imagens elaboradas, que prioriza contemplar lugares reais de existência e convivência de sujeitos oprimidos. Aí também repousa a construção identitária negra em sua poética, uma vez que desde esse lugar denuncia a situação de marginalização das comunidades afrouruguaias e, para além disso, ao se apropriar de suas tradições folclóricas e de sua cultura oral, reproduz em seus poemas construções rítmicas que reivindicam em sua raiz o protagonismo da negritude de seu país e se libera do discurso dominante de exclusão dos sujeitos negros (ORONOZ, 2013)

Pregón de Marimorena é obra dividida em quatro partes, duas das quais materializam, seja pela força simbólica do que representam, seja pelo ritmo e musicalidade que as estruturam, algumas das principais manifestações culturais afrouruguaias: os tangos e os pregones. Nesse cerne, Virginia afirma, como já assinalado por Lewis, a construção do eu poético na dimensão antropológica de que trata Bhabha, que através do lugar de fala que enuncia desde a exclusão, tendo sido apagado da identidade nacional, expõe um eu que resiste por meio daquilo que lhe constitui identidade em relação ao outro (LEWIS, 2011), que, por sua vez, nega, desconstrói e/ou a incorpora como se sua fosse, como forma de apagamento de quem lhe é legítimo.

Como ressalta Caroll Mills Young em seu estudo sobre a obra de Virginia enquanto discurso da minoria afrouruguaia,

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Al igual que muchos escritores uruguayos negros, Virginia Brindis de Salas ganó una identidade a partir de sus raíces africanas, como es evidente, en el uso del tango como una forma poética. El poema evoca ritmicamente la danza creada por los esclavos africanos. (ORONOZ, 2013, pág. 42).

Assim, assinalando mais uma vez o lugar de Virginia na tradição poética afrouruguaia de evocação da identidade negra, nos ilustra “Tango número dos”

Tambor

que gime en le piano y es canto

en le bandoneón. (Danza

que bailaron los esclavos, parche y ritmo

en su elemental rueda de gallo) Yimbamba – yimbamba Yimbamba – yimbambé; Son de tus caderas Y tus pies

Ahééé

canta el chico ahóóó

canta el piano.

Ressalte-se aqui e por fim um traço distintivo na obra de Virginia, Pregón de Marimorena, que lhe confere autenticidade criativa e relevância para a poesia afrouruguaia: a captura poética dos pregones - os gritos dos vendedores ambulantes negros que constituem umas das formas artísticas orais mais antigas no Uruguai, cuja origem remonta ao período colonial daquele país.

Assim relata Rúben Carámbula, importante estudioso e músico uruguaio com particular interesse no folclore e em aspectos culturais e da vida dos povos do Rio da Prata, tendo vasta e importante obra que versa sobre a cultura negra entre esses povos:

Los negros e – y especialmente las negras – fueron hábiles em la fabricación de dulces y conservas. Empanadas, pasteles, aliño de aceitunas, preparación de alfajres, tortas, mazamorra, contaron con el afán de los esclavos. También la velería, como acontecia en la de Francisco A. Maciel. Y luego cuando todo estaba pronto e acondicionado, salían a vender la mercancia. Y – para vender – lanzaban al aire sus PREGONES (CARÁMBULA, 1968, pág. 13).

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A captura dos pregones por Virginia representa, em primeira instância, uma quebra com o discurso hegemônico no plano da voz poética, haja vista o emprego de forma oral exclusiva dos negros escravizados do Uruguai colonial. Em segundo plano, representa, como destaca Caroll Young, uma ponte entre o passado e o presente da história afrouruguaia, de modo a denotar a escravização negra de outrora e suas remanescências hodiernas. É através do discurso poético de pregón que Marimorena incorpora à sua subjetividade a herança escravocrata, dele fazendo uso como forma de sobrevivência, como se vê em Pregón número dos:

A las seis de la mañana por las calles de la ciudad gira uma voz por el aire; pregón e Marimorena. ¿Qué noticias, qué noticias del mundo trae la prensa? A las cinco de la tarde; pregón de Marimorena como campana sonora de los barrios populares; pregón de Marimorena! ¿Quién te dio morena vieja esa hermosa gritería que sale de tus pulmones agitando noche y día del mundo las sensaciones?

A repetição do verso “pregón de Marimorena”, ora afirmativo, ora exclamativo (como grito que anuncia), traz para a leitura um tom de exaustão típico de uma rotina cansativa, porém inarredável, fazendo-nos conhecer a personagem em seus passos cotidianos. Aqui Virginia subverte a lógica da exploração e, embora descreva de forma trágica o calvário diário de Marimorena ao longo de todo o poema, transforma seu pregón de cada dia em canto de resistência negra em uma nação que suplanta a existência de sua população afrodescendente daquilo que define como sua identidade. Como nas palavras de Burgueño,

El gemido de los esclavos se transmuta en canto en la cultura popular del Rio de la Plata, de esta manera Virginia Brindis de Salas delimita y reclama el reconocimiento de lo afro en esa cultura y articula su protesta social con una perspectiva etnica que parte del discurso de la minoria afro, pues como lo señala Josaphat Kubayanda em su trabajo sobre el

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discurso afro-latinoamericano, este afirma y reclama sus raíces allí donde la cultura dominante busca borrar a los grupos marginales (BURGUEÑO, 2007, pág. 282).

Outro ponto que merece particular exame são as seleções que caracterizam a personagem central dos pregones. São escolhas que refletem em como, mais uma vez, a poeta lança mão do eu poético como produtor de discurso demarcador de identidade, desde sua enunciação até o que constitui identitariamente a sujeita que protagoniza seus poemas. Se a marcação da identidade segundo a vida dupla de Bhabha (LEWIS, 2011) constitui um traço da poesia afrouruguaia, como já asseverou Marvin Lewis, Virginia é exemplo cabal de uma literatura afro que se reivindica em um marco de resistência e de reconfiguração da cultura nacional de seu país. Nesse sentido e em uma perspectiva spivakiana, tem-se nos pregones a enunciação, transmitida pela figura de Marimorena, de uma poeta mulher negra consciente de sua identidade, que se enuncia a partir do reconhecimento de si em uma América do Sul oprimida e que oprimia sua gente de cor. Nesse sentido, aduz Caroll Young que

Como poeta, escribe desde la perspectiva de uma mujer negra em uma sociedade racista. Como persona y como poeta, ella sufrió las consecuencias de su militância y su candor. Su audácia en la descripción de las condiciones negativas de los afrouruguayos, a menudo alejados de ella, se contrapone con la posición de tros escritores negros que querían impressionar a los demás con la genio intelectual de la comunidade negra uruguaya (ORONOZ, 2013, pág. 47).

Assim sendo, nada mais acertado do que eleger uma mulher negra e pobre para o grande título de pregonera em sua obra. Esse aspecto identitário da construção poética de Virginia encontra ainda fundamento no fato histórico de que, segundo Carámbula, o grito pregonero na Montevideo colonial era em maior quantidade feminino. Isso nos conduz a refletir a marginalização histórica a que vem passando a mulher negra uruguaia, esta que massivamente ocupava as ruas coloniais a pregonar, vendendo mercadorias para seus senhores, e esta (Marimorena) que hoje espalha seus pregones pelas ruas vendendo o produto intelectual daqueles que lhe negam a existência.

Aqui se nota mais uma escolha feliz de Virginia: Marimorena vende jornais e não produto de sua própria lavra. Se antes a mulher negra produzia mas não colhia os frutos de sua produção, agora deve sua sobrevivência ao produto da lavra de outrem, que lhe explora o trabalho duro e sequer lhe reconhece a existência, configurando-se, assim, o mesmo ciclo de subserviência. Tal se observa em Pregón numero uno:

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Cuánto te deben Marimorena, esos que escriben y que tú pagas con tus vintenes, com tus pregones, por la mañana y por la tarde miles de veces; en tu cambio tú pagas com creces; su periodismo,

su propaganda politiqueira todas sus lacras, su egoísmo, sus fementidas torpes carreras Marimorena

todos los días vende los diários; tiene una pena

Marimorena y es su sudário.

Porém, Marimorena, sujeita ativa de seus pregones, ainda que invisível a quem lhe explora, é também peça fundamental que sustenta a engrenagem:

Cuando um señor de la prensa passe a tua lado e te oiga que no se escape de ésta y tus pregones desoiga: para cuando tú no puedas gritar el diário que escribe pues si el pan te quedas y a ti nadie te suscribe (...)

¿Qué harían tantos obreiros si su labor no vendieras? ¿Qué harían con el tiraje sin tu pregón solidário? Admistradores y empleados y otros cómodos sentados? Por dos vintenes um diário, Marimorena,

camino de su sudário.

Adotando como protagonista uma pregonera que figura na base de sustentação de uma cadeia produtiva injusta, Virginia abre o espaço para a enunciação de uma mulher

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subalterna (porém indispensável ao funcionamento desta cadeia), na medida em que transforma sua oralidade em discurso poético que denuncia sua condição de subalternização e que, para além, reclama seu lugar de existência calcado em sua identidade afrouruguaia através de seu canto de sobrevivência em uma sociedade que lhe invisibiliza:

Y Mari Marimorena qué Mari con su pregón; ¡qué antena!

Y Mari Marimorena Qué Mari predisposición; ¡franca y plena!

Y Mari Marimorena Qué Mari mezcla de sol, ¡y luna lenna!

Y Mari Marimorena qué Mari de triste voz ay qué pena!

Y Mari Marimonea qué Mari que no logró aún su cena!

A musicalidade perceptível quando da leitura rápida e ritmada do pregón de número três, por exemplo, através das rimas e construção de estrofes com uso de anáforas, aliterações e assonâncias, nos conduz ao canto pregonero de que Virginia lança mão como forma original e singular de ecoar a enunciação de Marimorena e de todos os trabalhadores que de sua condição subalterna comungam.

Arriba las linotipos, abajo

las rotativas;

pos allá, por tro aldo, hacia el ascensor un hombre cargado; um peón, um peón; el cargueiro es un obrero de la expedición. Correr que corre por el tren a la estación

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un peón, outro peón y outro peón de la expedición,

corre que corre a la estación. (...)

A las seis de la mañana ruge el la calle um pregón; ¡ah, pregón

Que pregón!

Cuando la gente va al trabajo; es uma canción

que siempre oye el de abajo camino de su jornada; y es un atajo para el hundimiento de su sentimento para el hundimiento de su pensamento; es um atajo

cuando la gente marcha al trabajo.

A leitura destes versos, especificamente, não só por meio de seu conteúdo, mas, sobretudo, de seus sons, cria a perfeita imagem do cotidiano apressado dos lugares suburbanos ocupados pela massa trabalhadora, de onde emergem os cantos pregoneros da negritude uruguaia. Marimorena, pregonera, escolhida sua protagonista, se enuncia por seu anúncio de jornais e, com isso, Virginia lhe dá o lugar de existência em sua poética a partir do resgate da oralidade negra colonial e, consequentemente, da demarcação e reivindicação da identidade negra como forma de protesto e insurgência a uma cultura hegemônica que apaga a população negra de sua composição.

Ser pregonera é a condição máxima que constitui a identidade de Marimorena. Ser pregonera lhe identifica, lhe historiciza, lhe dá subjetividade e voz ativa frente às opressões que lhe atingem. Ser pregonera é ser protagonista do que, em vez de subalternizar, emerge como canto de resistência. Ser pregonera é ser sujeita da própria história. Em Virginia, Spivak tem sua premissa concretizada e Marimorena, sua condição de sujeita reconhecida, enfatizada e louvada.

Referências Bibliográficas

BURGUEÑO, María Cristina. Virginia Brindis de Salas – La voz de um ‘Yo’ afro. Marshall Digital Scholar. West Virginia, v. 1.1, p 281-289, 2007.

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LEWIS, Marvin A. Cultura y Literatura Afro-Uruguaya. Montevideo – Perspectivas Post-Coloniales. Montevideo. Edita Casa de La Cultura Afrouruguaya, 2011

OROÑOZ, Isabel. Rompiendo silencios. 1ª Ed. Montevideo. Editorial Cabildo, 2013

SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Pode o subalterno falar? Tradução de Sandra Regina Goulart Almeida, Marcos Pereira Feitosa, André Pereira Feitosa. Belo Horizonte: Ed. da UFMG, 2010.

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