BarbaraChristine Nentwig Silva
Professora do Programa de PósGraduação em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Social / Universidade Católica do Salvador
barbarans@ucsal.br
Diversos estudos, realizados em diferentes contextos e escalas, têm destacado a grande importância, para toda a sociedade, da organização social em associações civis, em termos de eficácia e de introdução de inovações. Assim, o presente trabalho realiza um mapeamento da distribuição geográfica do capital social na escala do Brasil, das Grandes Regiões e dos Estados. O capital social é definido por Putnam (1996, p.177) como o conjunto de “características da organização social, como confiança, normas e sistemas, que contribuem para aumentar a eficiência da sociedade, facilitando as ações coordenadas”.
Para tanto, adotase como um abrangente indicador do capital social a distribuição das Fundações Privadas e Associações sem Fins Lucrativos (FASFIL) no Brasil, tal como fornecida pelo IBGE, em parceria com o IPEA, a ABONG e o GIFE (2002). As análises efetuadas caracterizam, inicialmente, a estrutura nacional deste capital social e sua dinâmica entre 1996 e 2002, quando ocorreu um crescimento de 157%.
1. Análise geral das informações
Os tipos de fundações privadas e associações sem fins lucrativos levantados pelo IBGE são os seguintes:
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Quadro 1 Tipos de fundações privadas e associações sem fins lucrativos Habitação Saúde Hospitais; Outros serviços de saúde Cultura e recreação Cultura e arte; Esportes e recreação Educação e pesquisa Educação infantil; Ensino fundamental; Ensino médio; Educação superior; Estudos e pesquisas; Educação profissional; Outras formas de educação/ensino Assistência social Religião Associações patronais e profissionais Associações empresariais e patronais; Associações profissionais; Associações de produtores rurais Meio ambiente e proteção animal Desenvolvimento e defesa de direitos Associações de moradores; Centros e associações comunitárias; Desenvolvimento rural; Emprego e treinamento; Defesa de direitos de grupos e minorias; Outras formas de desenvolvimento e defesa de direitos Outras fundações privadas e associações sem fins lucrativos não especificadas anteriormente
Fonte: IBGE.As fundações privadas e associações sem fins lucrativos no Brasil 2002. 2.ed. Rio de Janeiro, 2004.
Já a tabela 1, mostra o número total de fundações privadas e associações sem fins lucrativos por ano de criação e por setores de atuação:
No período de 1971 a 1980, foram criadas em média 3.285 fundações e associações por ano, entre 1981 e 1990, 6.197 por ano, já sob o efeito da redemocratização (1985) e da implantação da nova Constituição (1988), entre 1991 e 2000 o número sobe para 13.918/ano e entre 2001 e 2002, o número de novas fundações e associações por ano cresce para 15.441. Devese salientar, como resultado, que em 2002, o Brasil tinha 25 vezes mais fundações e associações que em 1970, o que expressa um importante indicador da ampliação da capacidade organizacional da sociedade brasileira.
Tabela 1
Brasil – Fundações privadas e associações sem fins lucrativos por ano de criação – 2002
Destacase que, em termos absolutos, o setor Habitação apresenta com 322 fundações o menor valor, seguido pelo setor de Meio Ambiente e Proteção Animal com 1.591 fundações ou associações, o que não deixa de ser surpreendente em um período de tantas discussões e ações sobre questões ambientais. Religião, com 70.446 fundações ou associações, representa o maior número. Já a tabela 2 permite analisar a proporção do crescimento das fundações e associações entre 1970 e 2002, classificadas por setores de atividade. Assim, o setor que mais cresceu, em termos relativos, foi o de Desenvolvimento e Defesa de Direitos que aumentou 198,07 vezes no período analisado. O do Meio Ambiente teve uma ampliação de 93,59 vezes entre 1970 e 2002. Por outro lado, o setor Saúde conheceu um crescimento de somente 4,26 vezes.
Tabela 2 Brasil – Proporção do crescimento das fundações privadas e associações sem fins lucrativos – 19702002 Classificação das entidades sem fins lucrativos Proporção do crescimento 19702002 Total 25,09 vezes Habitação 64,40 vezes Saúde 4,26 vezes Cultura e recreação 19,59 vezes Educação e pesquisa 11,92 vezes Assistência social 17,25 vezes Religião 22,58 vezes Associações patronais e profissionais 67,44 vezes Meio ambiente e proteção animal 93,59 vezes Desenvolvimento e defesa de direitos 198,07 vezes Outras fundações privadas e associações sem fins lucrativos 27,67 vezes Fonte: Calculado com base em IBGE. As fundações privadas e associações sem fins lucrativos no Brasil – 2002. 2.ed. Rio de Janeiro, 2004.
A seguir, uma série de figuras mostrará as fundações privadas e associações sem fins lucrativos por ano de criação. Em todas elas, à exceção de Habitação, o período de maior incremento é o de 1991 a 2000. Na Habitação, o período de maior crescimento é o de 1981 a 1990 quando ainda havia o impacto de importantes políticas públicas na área que demandavam que os grupos sociais estivessem organizados. Figura 1 Brasil – Fundações privadas e associações sem fins lucrativos por ano de criação – 2002 60 50 40 30 20 10 0 P e rc e n tu a l Habitação Até 1970 1971 a 1980 1981 a 1990 1991 a 2000 2001 e 2002 60 50 40 30 20 10 0 P e rc e n tu a l Saúde Até 1970 1971 a 1980 1981 a 1990 1991 a 2000 2001 e 2002
60 50 40 30 20 10 0 P e rc e n tu a l Cultura e recreação Até 1970 1971 a 1980 1981 a 1990 1991 a 2000 2001 e 2002 60 50 40 30 20 10 0 P e rc e n tu a l Educação e pesquisa Até 1970 1971 a 1980 1981 a 1990 1991 a 2000 2001 e 2002 60 50 40 30 20 10 0 P e rc e n tu a l Assistência social Até 1970 1971 a 1980 1981 a 1990 1991 a 2000 2001 e 2002 60 50 40 30 20 10 0 P e rc e n tu a l Religião Até 1970 1971 a 1980 1981 a 1990 1991 a 2000 2001 e 2002 60 50 40 30 20 10 0 P e rc e n tu a l Associações patronais e profissionais Até 1970 1971 a 1980 1981 a 1990 1991 a 2000 2001 e 2002 60 50 40 30 20 10 0 P e rc e n tu a l Meio ambiente e proteção animal Até 1970 1971 a 1980 1981 a 1990 1991 a 2000 2001 e 2002
60 50 40 30 20 10 0 P e rc e n tu a l Desenvolvimento e defesa de direitos Até 1970 1971 a 1980 1981 a 1990 1991 a 2000 2001 e 2002 60 50 40 30 20 10 0 P e rc e n tu a l Outras fundações privadas e associações sem fins lucrativos Até 1970 1971 a 1980 1981 a 1990 1991 a 2000 2001 e 2002 Fonte: Elaborado com base em IBGE. As fundações privadas e associações sem fins lucrativos no Brasil 2002. 2.ed. Rio de Janeiro, 2004. 2. Análise regional das informações
Objetivando conhecer a distribuição geográfica das fundações privadas e associações sem fins lucrativos, a Tabela 2 mostra o total destas instituições pelos Estados da Federação, relativizando as informações com o número médio de pessoas por fundação e associação.
Tabela 2
Brasil – Unidades da Federação – Pessoas por fundações privadas e associação sem fins lucrativos – 2002
O resultado expressa simplesmente o cálculo do total da população pelo número de fundações e associações. Isto significa dizer que, em princípio, quanto menor for o número de pessoas por fundações e associações maior será o capital social do Estado.
Observase que os três Estados da Região Sul lideram este levantamento, seguidos por dois do Sudeste e pelo Distrito Federal. Surge aí já uma primeira associação com a idéia de desenvolvimento, a ser mais tarde desdobrada. Uma exceção importante é a presença do Estado de Piauí à frente de vários Estados mais desenvolvidos, o que coloca a necessidade de um aprofundamento posterior para o entendimento da questão. A Figura 2 baseia se nos dados da Tabela 2 com uma classificação em quintis. Figura 2 Brasil – Unidades da Federação Pessoas por fundações privadas e associações sem fins lucrativos – 2002 Fonte: Elaborado com base em IBGE. 2. ed. Rio de Janeiro, 2004. As fundações privadas e associações sem fins lucrativos no Brasil – 2002. Pessoas por fundação/associação 326 – 584 585 – 680 681 – 812 813 – 965 966 – 1.663 0 400 800 km
Avançando na análise, várias relações gráficas foram realizadas. Em nível regional, a Figura 3 relaciona o número de pessoas por fundações e associações e o PIB per capita das Regiões brasileiras.
Figura 3 Brasil – Regiões – Relação entre PIB per capita e número de pessoas por fundações sem fins lucrativos – 2002 Sul Sudeste CentroOeste Nortdeste Norte 408 620 676 803 1.172 Regiões Pessoas por fundações e associações (2002) Regiões Sudeste Sul CentroOeste Norte Nordeste 9.240 8.326 7.176 4.254 3.233 PIB p (2002) er capita Fonte: Calculado com base em IBGE. 2. ed. Rio de Janeiro, 2004. IBGE. As fundações privadas e associações sem fins lucrativos no Brasil – 2002. Produto Interno Bruto Municipal – 2003. Entre o Sul e o Sudeste há uma inversão do 1º para o 2º lugar, o Centro Oeste permanece nas duas medidas no 3º lugar e o Nordeste, 4º lugar em organização social, cai para o último em PIB per capita, enquanto o Norte sobe do último para o 4° lugar.
A Figura 4 mostra a mesma relação hierárquica para os Estados onde aparece uma grande diversidade em função de realidades específicas de cada Unidade da Federação, sobretudo quanto ao PIB per capita. É o caso do Distrito Federal, com o peso de toda a máquina pública que eleva o PIB, e o do Amazonas, com a importância do pólo industrial da Zona Franca de Manaus, também fazendo subir o PIB. Em termos gerais, podese dizer que não há uma boa relação entre pessoas por fundações e associações e PIB per capita tomando como base as Unidades da Federação.
Figura 4 Brasil – Unidades da Federação Relação entre pessoas por fundações privadas e associações sem fins lucrativos (2002) e PIB per capita (2002) Distrito Federal Rio de Janeiro São Paulo Rio Grande do Sul Santa Catarina Amazonas Paraná Espírito Santo Mato Grosso do Sul Minas Gerais Mato Grosso Goiás Sergipe Rondônia Amapá Bahia Pernambuco Roraima Rio Grande do Norte Pará Acre Paraíba Ceará Alagoas Tocantins Piauí Maranhão 16.360,45 11.458,50 11.352,22 9.958,06 9.271,16 8.330,65 8.240,83 7.630,89 7.091,70 6.774,66 6.772,36 5.921,15 5.082,22 5.020,79 4.995,90 4.631,39 4.482,30 4.190,69 4.038,57 3.898,30 3.707,44 3.311,23 3.128,61 3.011,54 2.893,58 2.112,84 1.949,21 Unidades da federação PIB (2002) per capita Santa Catarina Rio Grande do Sul Paraná Minas Gerais Espírito Santo Distrito Federal Piauí Mato Grosso do Sul Mato Grosso São Paulo Rio de Janeiro Ceará Paraíba Rondônia Bahia Tocantins Goiás Acre Rio Grande do Norte Roraima Sergipe Maranhão Pernambuco Pará Alagoas Amapá Amazonas 326 410 475 533 571 575 593 620 626 659 669 669 690 696 749 758 795 829 841 876 890 939 991 1.389 1.605 1.614 1.663 Unidades da federação Pessoas por fundações e associações (2002)
A melhor relação foi obtida entre as pessoas por fundações privadas e associações sem fins lucrativos e o IDH Índice de Desenvolvimento Humano, o que demonstra o caráter mais social e menos econômico da perspectiva do capital social tomado a partir das fundações e associações (Figura 5). Ressaltese, entretanto, que no cálculo do IDH está presente a renda per capita ao lado da longevidade e da escolarização.
Para as onze primeiras Unidades da Federação, a relação é bastante favorável, com exceção novamente do Piauí. Em geral, os Estados do Norte e Nordeste com baixos indicadores de pessoas por fundações e associações têm
também baixos valores do IDH, embora com variações nas posições hierárquicas. Figura 5 Brasil – Unidades da Federação Relação entre pessoas por fundações privadas e associações sem fins lucrativos (2002) e IDH (2000) Santa Catarina Rio Grande do Sul Paraná Minas Gerais Espírito Santo Distrito Federal Piauí Mato Grosso do Sul Mato Grosso São Paulo Rio de Janeiro Ceará Paraíba Rondônia Bahia Tocantins Goiás Acre Rio Grande do Norte Roraima Sergipe Maranhão Pernambuco Pará Alagoas Amapá Amazonas 326 410 475 533 571 575 593 620 626 659 669 669 690 696 749 758 795 829 841 876 890 939 991 1.389 1.605 1.614 1.663 Unidades da federação Pessoas por fundações e associações (2002) Unidades da federação Distrito Federal Santa Catarina São Paulo Rio Grande do Sul Rio de Janeiro Paraná Mato Grosso do Sul Goiás Minas Gerais Mato Grosso Espírito Santo Amapá Roraima Rondônia Pará Amazonas Tocantins Rio Grande do Norte Pernambuco Ceará Acre Bahia Sergipe Paraíba Piauí Alagoas Maranhão 0,844 0,822 0,820 0,814 0,807 0,787 0,778 0,776 0,773 0,773 0,765 0,753 0,746 0,735 0,723 0,713 0,710 0,705 0,705 0,700 0,697 0,688 0,682 0,661 0,656 0,649 0,636 IDH (2000)
Finalmente, é feita uma comparação entre os salários médios pagos pelas fundações privadas e associações sem fins lucrativos. (Figura 6)
Figura 6
Brasil – Regiões Salários médios mensais pagos pelas fundações privadas e associações sem fins lucrativos – 2002
Fonte Elaborado com base em IBGE. 2. ed.
Rio de Janeiro, 2004 : As fundações privadas e associações sem fins lucrativos no Brasil – 2002. Norte 12 10 8 6 4 2 0 12 10 8 6 4 2 0 S a lá ri o m é d io s m e n s a is S a lá ri o m é d io s m e n s a is Fundações e associações Fundações e associações 12 10 8 6 4 2 0 S a lári o m é di o s m en s a is 12 10 8 6 4 2 0 S a lári o m é di o s m ensai s Fundações e associações 12 10 8 6 4 2 0 S a lá ri o m édi os me n s ai s Fundações e associações Fundações e associações Nordeste Sudeste Sul CentroOeste Habitação Saúde Cultura e recreação Educação e pesquisa Assistência social Religião Associações patronais e profissionais Meio ambiente e proteção animal Desenvolvimento e defesa de direitos Outras instituições privadas sem fins lucrativos
Observase que o Norte e o Nordeste apresentam os mais baixos salários, contrastando com o Sudeste, o Sul e o CentroOeste.
Concluindo, é preciso reconhecer o caráter preliminar desta análise sobre a distribuição do capital social no Brasil através das informações sobre fundações privadas e associações sem fins lucrativos. Há uma grande diversidade na distribuição e nas relações com outros indicadores sociais, o que justifica uma continuidade da pesquisa tentando integrar os resultados obtidos com os contextos históricos, geográficos, sociais, culturais, econômicos e políticos de cada Estado comparativamente aos demais. É possível também detalhar a pesquisa, com base na mesma fonte do IBGE, para os municípios o que possibilitaria instigantes comparações nesta escala de análise. Entretanto, já é possível afirmar que para os Estados com melhor relação entre pessoas por fundações e associações há, em termos gerais, uma correspondência com bons Índices de Desenvolvimento Humano, o que aponta para a relação positiva entre capital social e desenvolvimento social.
Referências
IBGE. As fundações privadas e associações sem fins lucrativos no Brasil – 2002. 2.ed. Rio de Janeiro, 2004.
IBGE. Produto Interno Bruto dos municípios – 19992003. Rio de Janeiro: IBGE, 2005.
IPEA. Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil. Rio de Janeiro, 2000. PUTNAM, R.D. Comunidade e democracia: a experiência da Itália moderna. Rio de Janeiro: FGV,1996.