UNIDADE 8
RACISMO, PRECONCEITO
E DISCRIMINAÇAO RACIAL
Unidade 8 – Racismo, preconceito e
discriminação racial
Objetivos:
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Apresentar aspectos importantes e definidores da noção de racismo nas Ciências Humanas e Sociais;•
Diferenciar racismo, preconceito e discriminação racial.1. Introdução
A emergência dos chamados novos movimentos sociais no cenário político, especialmente a partir da segunda metade do século XX, provocou inquietações sociais, políticas e analíticas à medida que introduziram novas demandas, reivindicações, emblemas, símbolos e ideologias ao conjunto dos movimentos políticos. A emergência desses novos agentes políticos descor-tinaram diversas formas de opressão especialmente contra mulheres, negros, homossexuais, indígenas, imigrantes, etc. que haviam permanecido obscurecidos, negligenciados ou, sim-plesmente, silenciados pelas forças políticas dominantes: Estado, partidos políticos, movimen-tos populares, sindicamovimen-tos, centrais sindicais etc. Ora, tal evidência representou em boa medida a constatação segundo a qual as lutas reivindicativas, por exemplo, dos partidos políticos e das organizações sindicais, deveriam ampliar seu leque de preocupações para inserir em seus programas as lutas políticas identitárias que esses grupos oprimidos experimentavam no seu cotidiano, processo que significou a necessidade de politizar as reivindicações identitárias e, ao mesmo tempo, esvaziar a representação dominante acerca dessas demandas.
É nesse cenário, portanto, que termos como sexismo, racismo, xenofobia e xenofobismo, ho-mofobia e homofobismo etc. passam, com maior frequência,a estar cada vez mais presente no debate teórico e político contemporâneo.
Esses questionamentos significavam colocar na ordem do dia uma série de problemas, concei-tos e agentes políticos que, até então, continuavam silenciados ou negligenciados pela forma tradicional de se pensar e fazer política. Nesse contexto, conceitos como diferença, reconheci-mento, identidade, etnicidade, democracia, multiculturalismo, etc. passavam a informar mais e mais os embates políticos e teóricos na atualidade.
Uma posição que tem assumido grande destaque na teoria social contemporânea, diz respeito às lutas por reconhecimento. Essa concepção tem sublinhado que as demandas e as lutas dos grupos, ao contrário de reivindicações meramente materiais, aspiram, na verdade, ao reco-nhecimento da sua identidade de grupo, de seus traços, características e heranças culturais.
2. Racismo, preconceito e discriminação racial
As lutas por reconhecimento têm questionado as bases normativas da sociabilidade atual à medida que sublinham que os padrões culturais podem engendrar formas de opressão, desi-gualdades e sofrimentos, precisamente por não reconhecerem as particularidades culturais. Para Taylor (1993), por exemplo, a política do reconhecimento implica em acentuar os nexos entre identidade e reconhecimento, pois, para ele, uma luta baseada nesta última categoria é uma luta pela diferença.
Neste sentido, na relação entre brancos e negros, sublinha Taylor (1993), estabeleceu-se uma imagem depreciada da população negra projetada pelos brancos durante vários anos, que alguns negros não deixaram de adotar. Dessa forma, autodepreciação se constitui em um dos principais, eficazes e poderosos instrumentos de sua própria opressão. Por isso, o falso reco-nhecimento não apenas evidencia a ausência de respeito merecido, mas pode, igualmente, causar uma ferida dolorosa, que provoca em suas vítimas efetivas uma aversão mutiladora contra si mesmas. Portanto, conclui Taylor, “o devido reconhecimento não é somente uma cortesia que devemos ao outro: é uma necessidade humana vital” (TAYLOR, 1993, p. 45). No mesmo contexto teórico, mas com outra finalidade política, a filósofa americana Nancy Fraser analisa o que denomina coletividades ambivalentes (são aquelas que sofrem opressões ou injustiças simultaneamente de natureza econômica e cultural. Um exemplo de coletividade ambivalente analisado por Fraser (2001) encontra-se na luta contra o racismo. “Raça”, assim como classe, é uma categoria essencial da economia política. Nesse sentido, “raça” estrutura a divisão do trabalho na sociedade capitalista. De fato, “raça” legitima a divisão no interior do trabalho assalariado entre profissões mal pagas, sujas, desqualificadas e desprestigiadas, ocupadas quase sempre por “pessoas de cor” (negros, indígenas etc.) e profissões técnicas, científicas, liberais, etc. bem pagas e dotadas de reconhecimento e prestígio social, dominadas primordialmente por brancos.
A divisão do trabalho na atualidade, diz Fraser, como herança histórica do colonialismo e da escravidão, cria e reproduz classificações raciais para legitimar as formas de exploração e apropriação cruel que se abatem, especialmente, sobre os negros (FRASER 2001). Na forma atual do capitalismo, a “raça” aparece como um importante marcador que informa a maneira como os indivíduos e coletividades têm acesso ao mercado de trabalho, cujo resultado é a transformação de amplos contingentes da “população de cor” em “subproletariados degra-dados e supérfluos” (FRASER 2001: 263). Além do mais, o produto social de tudo isso é a reprodução de uma estrutura político-econômica que cria mecanismos de exploração, margi-nalização e exclusão sistemáticas que se fundamentam na “raça”.
O desenvolvimento do debate teórico e político exposto brevemente acima nos coloca o desa-fio de elaborar uma definição de racismo, preconceito e discriminação dialogando as teorias do reconhecimento. Neste sentido, não parece fora de propósito conceber o racismo como
sociais antirracistas visa combater as práticas e as representações que afetam o autorrespeito e a autoestima de indivíduos e coletividades que têm o reconhecimento denegado. Por isso, o racismo carrega consigo a desigualdade entre identidades, em outros termos, é a “negação da identidade igualitária”, cujos desdobramentos “relegam os indivíduos racialmente inferioriza-dos a um status de cidadão de segunda classe, apesar da igualdade de direitos e de atribuição formalmente reconhecidas pelo Estado” (d´ADESKY, 2001, p. 32). Isto implica, em um só movimento, reconhecer a dignidade identitária individual e coletiva daqueles que são alvos de práticas cotidianas de injustiça social.
IMPORTANTE
Preconceito racial é o reconhecimento de condutas morais, atributos intelectuais, estéticos, físicos e psíquicos como propriedades de “raça”, independente da experiência social que se tenha com os supostos integrantes de tal ou qual grupo e independente da inexistência da noção de “raça” como realidade biológica. É uma atribuição por antecipação, e como tal pode assumir diversas formas: estética, escrita, oral, privada e pública. Discriminação racial, por seu turno, refere-se ao comportamento e ações efetivas, reconhecidas como legítimas, a partir da ideologia racial.
SAIBA MAIS
FERNANDES, Florestan. Significado do protesto negro. São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1989.
FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes. São Paulo: 3. ed. Editora Ática, 1978
FRY, Peter. O que a Cinderela negra tem a dizer sobre a “política racial” no Brasil. Revista USP, São Paulo, nº 28, 1995-1996. p.122-135
GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Tradução Márcia Bandeira de Mello Leite Nunes. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1975
GUIMARÃES, Antônio Sérgio Alfredo & HUNTELY, Lynn (org.). Tirando a máscara: ensaios sobre o racismo no Brasil. São Paulo: Paz e terra, 2000
GUIMARÃES, Antônio Sérgio Alfredo. Classes, raças e democracia. São Paulo: Editora 34, 2002.
Referências
D´Adesky, Jacques. Pluralismo étnico e multiculturalismo: racismos e anti-racismos no Brasil. Rio de Janeiro: Pallas, 2001.
FRASER, Nancy. Da redistribuição ao reconhecimento? Dilemas da justiça na era pós-socialis-ta. In: SOUZA, Jessé (org). Democracia hoje: novos desafios para a teoria democrática contem-porânea. Brasília (DF): Editora Universidade de Brasília, 2001, p. 245-282.
SILVA, Jair Batista da.Racismo e sindicalismo – reconhecimento, redistribuição e ação política das centrais sindicais acerca do racismo no Brasil (1983-2002). 2008. 374p. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, UNICAMP, Campinas (SP). TAYLOR, Charles. El multiculturalismo y “la política Del reconocimiento: ensaio de Charles Taylor. Traducción MônicaUtrilla de Neira. México, Fondo de Cultura Económica, 1993.