• Nenhum resultado encontrado

As Representações da Identidade Cultural no Rádio de Fronteira 1 Vera Lucia Spacil Raddatz 2

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "As Representações da Identidade Cultural no Rádio de Fronteira 1 Vera Lucia Spacil Raddatz 2"

Copied!
11
0
0

Texto

(1)

As Representações da Identidade Cultural no Rádio de Fronteira1 Vera Lucia Spacil Raddatz2

Resumo

A partir da teoria das Representações Sociais pretendemos verificar como a identidade cultural do espaço de fronteira está representada no rádio local. Enfocamos o tema, entendendo que a cultura e a identidade são expressões singulares dos povos fronteiriços, fruto das relações que estabelecem com as diversas comunidades que formam e da multiplicidade de manifestações resultantes deste processo. O rádio é uma mídia produtora de sentido e cria representações. Queremos compreender se as representações criadas pelo rádio são a reprodução de uma cultura globalizada ou reforçam a identidade cultural fronteiriça.

Palavras-chave: rádio de fronteira; identidade cultural; representações sociais.

1. Introdução:

Este ensaio é resultado das primeiras reflexões realizadas acerca de nosso objeto de estudo para a tese de Doutorado no Programa de Pós Graduação em Comunicação e Informação da UFRGS. Aqui, procuramos fazer um pequeno recorte da nossa proposta de pesquisa, que visa estudar as representações da identidade cultural no rádio de fronteira. Queremos compreender como o rádio cria representações sobre o universo cultural da fronteira, que identidade é essa e como ela está sendo representada na programação das emissoras. Utilizamos como apoio, principalmente, as concepções de Moscovici sobre as representações sociais e as idéias contemporâneas de Castells para pensar a identidade, partindo para outros autores.

Sabemos que todas as culturas são múltiplas formas de conhecimento, tipos diversos de conhecimento. Funcionam quase como um sistema múltiplo, cujas variações estão ligadas às estruturas sociais correspondentes. Mesmo o senso comum e as superstições podem ser vistos como formas de conhecimento, embora a razão os negue.

1 Trabalho apresentado na Mesa Temática Comunicação, Cultura e Fronteiras, XXVIII Congresso da Intercom. 2

(2)

Moscovici trouxe essa questão de volta ao campo do conhecimento. Maffesoli é partidário da idéia de que o conhecimento e o senso comum são da mesma origem. Poderíamos pensar que as formas menos desenvolvidas são formas primárias do pensamento avançado. E poderíamos ainda questionar se existe mesmo uma hierarquia nesse contexto. O problema da diferença está sempre presente no campo social, o problema é como se trata essa diferença. O importante é construir um diálogo entre os saberes.

Olhar algumas culturas mais atentamente é embrenhar-se na suas particularidades, o que pretendemos agora, ao tentar compreender melhor a identidade cultural da fronteira, pelas representações que são criadas pelo rádio de fronteira, aqui nosso objeto de estudo, a partir da observação da programação das Rádios Cultura, de Foz de Iguaçu, Brasil, e Rádio Parque, de Ciudad del Este, Paraguai, localizadas na fronteira Brasil-Paraguai.

2. As Representações Sociais:

Ao observar a sociedade podemos olhá-la pelo viés das representações. Tudo depende de um lugar, de onde está esse conhecimento, de onde vem, que saberes carrega e as relações que estabelece com o mundo que o cerca. O conteúdo do processo representacional está ligado a um tipo de conhecimento e só a relação intersubjetiva entre os sujeitos proporciona a compreensão das representações. Esse processo implica a existência e a relação entre um sujeito, um objeto e outros sujeitos. Se quisermos entender como isso funciona é preciso entender as relações entre esses elementos.

Segundo Habermas (1989), o processo de representação passa por uma ação comunicativa que prevê um sujeito, um objeto, um contexto e um tempo histórico. Considerando esse contexto, os saberes e os conhecimentos não têm propriedade individual, mas social, e as representações funcionam como processos, através dos quais, o conhecimento é produzido e transformado.

As representações sociais nasceram da idéia original das representações coletivas de Durkheim – para quem a vida é feita de representações sociais – e ganharam forma definida em Serge Moscovici. Para ele, as questões sociais relacionam-se diretamente com a difusão das mensagens pelos veículos de comunicação, ligadas a um contingente de elementos que se processam no cotidiano por meio de teorias, ideologias, experiências e vivências.

(3)

As representações, do ponto de vista de Moscovici (2003, p.46), não devem ser olhadas como um conceito, mas como um fenômeno. “Devem ser vistas como uma maneira específica de compreender e comunicar o que nós já sabemos”. Para o autor (2003, p. 90), deve-se “[...]considerar as representações como meios de re-criar a realidade”.

[...] Para ser preciso, contudo, deve-se dizer que se trata de algo refeito, re-construído e não de algo recém-criado, pois, por um lado, a única realidade disponível é a que foi estruturada pelas gerações passadas. [...] O que nós criamos, na verdade, é um referencial, uma entidade à qual nós nos referimos, que é distinta de qualquer outra e corresponde a nossa representação dela.

A representação social é um tipo de saber que é ação social e é também ação comunicativa. Todo o saber, na sua origem, é um saber local, porque depende de um lugar. As mídias funcionam como lugares onde estes saberes são representados. Mas estes saberes só podem se deslocar de seu lugar local para se transformar em saber universal se tiverem poder e legitimidade.

As representações na mídia podem não ser puramente ideológicas. Justamente vão além do ideológico porque produzem outras funções como, por exemplo, criar identidade. Habermas (1989, p.167) permite pensar que:

[...] os seres humanos também buscam o entendimento e a comunicação e não somente a dominação. [...] se os agentes comunicativos querem executar os seus planos de ação em bom acordo, com base numa situação de ação definida em comum, eles têm que se entender acerca de algo no mundo.

E destaca (1989, p.92) “[...] as regras do Discurso têm elas próprias um conteúdo normativo; elas neutralizam o desequilíbrio de poder e cuidam da igualdade de chances de impor os interesses próprios de cada um”. O ideal de uma ação comunicativa é, portanto que haja interação entre o emissor e o receptor. O mesmo autor (1989, p.79) chama “[...] comunicativas as interações nas quais as pessoas envolvidas se põem de acordo para coordenar seus planos de ação, o acordo alcançado em cada caso medindo-se pelo conhecimento intersubjetivo das pretensões de validez”.

Enquanto se expressam as pessoas criam representações. Dentro desse contexto as representações podem sobreviver – algumas, por algum tempo – e se institucionalizar. Entende-se facilmente porque ocorre essa institucionalização de algumas representações, pois a sociedade precisa de elementos reguladores, precisa de relações relativamente duráveis que dão aos sujeitos status e poder e fornecem para o

(4)

conjunto social as categorias do pensar e códigos de conduta, os elementos que chamo de reguladores da ordem e do bem-estar social. Afinal, se não houver algum grau de controle social não sobrevive a estrutura social.

3. A Fronteira:

A fronteira é, a um só tempo, dois territórios num mesmo espaço. Embora a legalidade das linhas divisórias geográficas, a fronteira ultrapassa limites pela sua natureza. O nacional existe, porque está presente no geográfico, no sentimento de nação, na língua, nos costumes. Mas por outro lado, esse nacional se mescla com elementos do outro nacional, com a cultura do outro, em que também aparece a língua, os costumes, as expressões artísticas. São as fronteiras culturais. É essa fusão, essa mescla que produz outros traços, comuns aos dois, deste lado e do outro lado da linha divisória. Para isso não há limites, embora haja diferenças. A peculiaridade da cultura fronteiriça reside na capacidade de ao mesmo tempo reunir elementos comuns e que guardam sua diversidade. Portanto, a identidade da cultura fronteiriça passa pela diversidade, pela multiplicidade.

De acordo com Pesavento (2002, p.36):

[...] o conceito de fronteira trabalha, necessariamente, com princípios de reconhecimento que envolvem analogias, oposições e correspondências de igualdade, em um jogo permanente de interpenetração e conexões variadas. É por esse viés de compreensão da fronteira que se confrontam as percepções da alteridade e da identidade, ou que se contrapõem as construções imaginárias de referência, definindo-se os outros com relação a nós e vice-versa.

Compreender isso é vital para entender, por exemplo, que a fronteira é também espaço de tensão. O fato de diferentes povos conviverem e partilharem das mesmas preocupações e angústias os aproxima, mas o fato de situarem-se politicamente em territórios diferentes, pode também significar tensão e conflito. É intrínseco da cultura fronteiriça, está internalizado e perpassa a história como os povos atravessam pontes e planícies todos os dias. Não podemos também esquecer que neste espaço convivem ainda todas as influências da cultura globalizada e a idéia do transnacional. É um espaço de complexidades e de diversidade. Diante disso, é importante pensar como o rádio pode dar conta de representar em sua programação essa cultura e como o ouvinte pode se identificar com ela.

(5)

A comunidade fronteiriça tem uma cultura própria, traços que a identificam entre outras culturas, mas é também uma cultura dentro da outra; ligação entre representações que se constroem com o cotidiano e a convivência. Para Pesavento (2002, p.36):

Fronteiras culturais remetem à vivência, às socialidades, às formas de pensar intercambiáveis, aos ethos, valores significados contidos nas coisas, palavras, gestos, ritos comportamentos e idéias. Basicamente, a fronteira cultural aponta para a forma pela qual os homens investem no mundo, conferindo sentidos de reconhecimento.

A fronteira ultrapassa os limites para poder ser e mostrar-se como um território de formas múltiplas, onde convivem diferentes significados. Ela é híbrida e mestiça. Conforme Pesavento (2002, p.37):

Se a fronteira cultural é trânsito e passagem que ultrapassa os próprios limites que fixa, ela proporciona o surgimento de algo novo e diferente, possibilitado pela situação exemplar do contato, da mistura, da troca, do hibridismo, da mestiçagem cultural e étnica.

Esse algo novo e diferente pode ser o que a fronteira gera e cria para auto-definir-se, mas inconsciente do significado disso. Ou seja, aquelas adaptações que os povos fronteiriços fazem em relação à língua, por exemplo, são fruto dessa criação. Não é um ato consciente de representação cultural, mas intencional no sentido de permitir a sociabilidade, a convivência e a comunicação entre culturas diferentes. Uma atitude aparentemente prática, com o tempo, torna-se algo representativo dessas culturas, pela força do contato e da troca. E, na medida em que isso vai sendo vivido, é internalizado e assimilado pelas gerações tornando-se traço comum e próprio delas.

3. A Identidade :

Conforme Castells (2000, p.22) identidade pode ser entendida como “a fonte de significado e experiências de um povo”:

[...] entendo por identidade o processo de construção de significado com base em um atributo cultural, ou ainda um conjunto de atributos culturais inter-relacionados, o(s) qual (ais) prevalece (m) sobre outras fontes de significado. Para um determinado indivíduo ou ainda um ator coletivo, pode haver identidades múltiplas.

A identidade como processo, portanto, se constrói no coletivo, não é um ato individual, porque, segundo Castells (2000, p.23) “vale-se da matéria-prima fornecida pela história, geografia, biologia, instituições produtivas e reprodutivas, pela memória coletiva e por fantasias pessoais, pelos aparatos de poder e revelações de cunho

(6)

religioso.” Portanto, a construção da identidade se dá na sociedade e está ligada à estrutura social, faz parte de tudo que tem significado para o coletivo.

Há uma tendência muito grande à fragmentação, o que impede a identidade, e nesse sentido a institucionalização é importante. Tanto a ação instituída e a institucional são importantes para instituir idéias, projetos e suas representações. Na época de Moscovici uma das grandes preocupações era a popularização das ciências e entender como o saber científico se transforma em senso comum. Mas na verdade, o que se discute ainda é como o saber se transforma em relação aos outros saberes.

Conforme Vassalo de Lopes (2005, p.221):

As identidades coletivas são sistemas de reconhecimento e diferenciação simbólicos das classes e dos grupos sociais e a comunicação emerge como espaço-chave na construção-reconstrução dessas identidades. Por outro lado, a relação conflitiva e enriquecedora com os “outros” permite elaborar estratégias de resistência ao que de dominação disfarçada existe na idéia de desenvolvimento e modernização.

Pode-se argumentar também que a identidade está sempre enraizada numa cultura. É quase impossível pensar, por isso, numa identidade única, mas sim em identidades de caráter diversificado e múltiplo, justamente pelo grande número de elementos que as constituem.

Assim como a música, a língua também é fator importante para a identidade dos povos. Embora Brasil e Paraguai, para ficar no universo das duas emissoras citadas, falem idiomas diferentes, existem situações que as línguas se mesclam, misturam-se vocábulos dos dois idiomas, sem nenhum prejuízo para a comunicação. Mesmo na rádio é comum ouvir locutores usando expressões do país vizinho misturadas às de sua língua materna. Existe uma aceitação natural em relação a isso, e não um cerceamento ou protecionismo lingüístico, resultado até dessa convivência. Afinal, é preciso comunicar-se, entender um ao outro e esse processo provoca quebras e rupturas, mas também faz nascer outros elementos dentro das culturas, que são sinais de uma adaptação ao meio e à cultura do outro. É dessa mescla e dessa diversidade que se constitui a identidade da fronteira.

(7)

O ouvinte quer se ver representado no rádio. Mas antes disso quer se ouvir no rádio. Ele busca na programação uma identificação com o que vivencia no cotidiano. Cabe pensar como o rádio de fronteira estaria representando esse papel e como estaria criando esse elo por meio de sua programação. São dois aspectos, ao mesmo tempo, que permitem observar como esse veículo cumpre sua função e ao mesmo tempo representa um universo cultural com suas características peculiares, como é a região da fronteira.

Encontrar a identidade fronteiriça no rádio pode ser um exercício de observação que inclui outros elementos dentro do processo. Não podemos pensar que o meio reproduz apenas aquilo que o processo de globalização automaticamente vai instituindo como cultura. O rádio, por ser ainda um veículo de comunicação que centra sua pauta mais no local do que em outras esferas, tem seu próprio ritmo e define-se mais pela documentação do que está mais próximo de si, constituindo cotidianamente uma memória coletiva do espaço de fronteira. Vai registrando na sua programação os problemas, as preocupações, os eventos, a política e as histórias daquele lugar que o circunda.

O rádio cria representações da fronteira a partir dos próprios elementos que a fronteira lhe fornece. Mas, não é surdo. Ele ouve também aquilo que está nas redes de comunicação e amplia a dimensão dos fatos locais. Assim, o rádio dá uma dimensão

glocal aos acontecimentos.

Não há como negar que todas as inovações tecnológicas como o satélite, o celular e a internet, permitiram o avanço do rádio enquanto veículo. Dentro de suas características e potencialidades, o rádio adaptou-se a essas tecnologias. Muito do desenvolvimento das técnicas de produção só foi possível graças à incorporação desses elementos tecnológicos. Isso influiu no modo de fazer rádio, mas não modificou o uso da matéria-prima básica: os fatos de interesse local.

As representações do cotidiano aparecem no rádio por força, então dos elementos das formas simbólicas, que se constituem a partir dessa memória local que vai se armazenando na medida em que vai sendo produzida, e dos formatos industriais, que se expressam pela via da globalização instituída, e quase impossível de escapar, porque atende aos interesses de uma comunicação globalizada, a que os meios não estão submetidos, mas sob a qual estão influenciados.

Vassalo de Lopes (2005, p.221) afirma:

(8)

O que experimentamos culturalmente como próprio, em termos nacionais ou latino-americanos, responde cada dia mais ao que a dinâmica e a lógica da comunic ação mediática nos faz sentir como tal. A comunicação, com suas mediações e suas dinâmicas, é dimensão constitutiva das culturas, grandes ou pequenas, hegemônicas ou subalternas. Portanto, a compreensão das transformações culturais implica deixar de pensar a cultura como mero conteúdo dos meios e pensá-la como um processo de comunicação regulado simultaneamente por duas lógicas: a das formas ou matrizes simbólicas , e a dos formatos industriais.

Dar conta de representar essa diversidade num só lugar é tarefa complexa. Daí por que o rádio de fronteira, embora se preocupe com as temáticas do cotidiano e do local, não consegue ignorar ou separar as diferentes manifestações culturais que são próprias da região de fronteira e também de outros lugares.

Compreende-se, assim, por que a Rádio Cultura, de Foz do Iguaçu, veicula em sua programação musical, por exemplo, tanto músicas típicas do Paraguai, como a

rumba, quanto músicas brasileiras. É nessa convivência natural de dois universos

culturais que reside um dos aspectos da identidade fronteiriça, ou seja, a aceitação do outro, do estranho, como algo que integra a sua própria cultura.

Por outro lado, a Rádio Parque, do Paraguai, também veicula em sua programação músicas brasileiras, como o samba, por exemplo, e a música nativista, que no lado brasileiro entrou por influência do grande número de gaúchos que se instalaram no Paraná. Observa-se então um outro processo interessante: como uma manifestação que não é própria do lugar, se enraíza de modo definitivo em determinada cultura e passa a ser uma marca daquela cultura.

Castells (2000, p.23) explica que “quem constrói essa identidade coletiva, e para quê essa identidade é construída, são os grandes determinantes do conteúdo simbólico dessa identidade”. Nesse caso, são os ouvintes, os habitantes do lugar e, consequentemente, a rádio.

O rádio de fronteira é um elemento ativo desse processo porque cria por meio de suas pautas, suas músicas e programas as representações mais diversas desse universo. A instantaneidade do rádio, a portabilidade, o acesso fácil para todas as camadas sociais, no sentido de participar da programação não só como receptores, mas como emissores, assegura ao veículo um papel dinamizador na construção dessa identidade de fronteira. O púbico se ouve no rádio ou está representado nele pela voz dos locutores ou dos entrevistados; também ouve as músicas de que gosta ou até mesmo pode escolhê-las; boa parte das notícias e reportagens que ouve são temas do seu cotidiano, do mundo em

(9)

que habita e das coisas que lhe interessam. Portanto, a comunidade fronteiriça encontra no rádio de fronteira elementos suficientes para identificar-se com ele.

Entretanto, existem outros aspectos importantes para caracterizar essa identidade. Moscovici (2003, p.173) afirma que:

As sociedades se despedaçam se houver apenas poder e interesses diversos que unam as pessoas, se não houver uma soma de idéias e valores em que elas acreditam que possa uni-las através de uma paixão comum que é transmitida de uma geração a outra. Em outras palavras, o que as sociedades pensam de seus modos de vida, os sentidos que conferem a suas instituições e as imagens que partilham, constituem uma parte essencial de sua realidade e não simplesmente um reflexo seu.

Se observarmos a programação da Rádio Cultura, de Foz do Iguaçu, fronteira do Brasil com o Paraguai, por exemplo, percebe-se que não há uma preocupação intencional com a questão fronteiriça e o objetivo da emissora não é exatamente proporcionar uma comunicação voltada para a fronteira. Porém, está explícito na programação um conjunto de pautas que reflete o cotidiano e a realidade da comunidade da fronteira. A sessão de recados enviados pela rádio para a região, tanto em território brasileiro como paraguaio, os pedidos musicais de brasileiros e paraguaios, a reportagem diária direto da Ponte da Amizade, que liga os dois países, as informações sobre a cotação da moeda, o plantão policial, as notícias sobre política e economia referentes aos dois países são indicativos de que há uma gama de temas de interesse comum entre os povos da fronteira.

Ao cruzar a ponte e ingressar em território paraguaio, viajando cerca de 10 km chega-se à Rádio Parque de Ciudad del Este, onde se percebe que as pautas dos programas de radiojornalismo giram em torno dos mesmos temas já referidos em relação à rádio vizinha. Na Rádio Parque, a estrutura de programação é praticamente a mesma da rádio co-irmã, com a presença de um âncora no estúdio e repórteres na rua. Em sua rotina de trabalho, os repórteres paraguaios procedem da mesma maneira que os brasileiros em relação às indicações de pauta. Certamente este comportamento revela uma face da identidade da fronteira, mas é apenas um dos elementos que caracterizam essa identidade.

Dar conta de representar essa diversidade num só lugar é tarefa complexa. Daí por que o rádio de fronteira, embora se preocupe com as temáticas do cotidiano e do

(10)

local, não consegue ignorar ou separar as diferentes manifestações culturais que são próprias da região de fronteira.

6. Conside rações Finais:

O universo da fronteira é multifacetado e agrega múltiplas manifestações culturais que vão se revelando no cotidiano de diversos modos. E a rádio de fronteira, nesse contexto, tem criado representações significativas das identidades fronteiriças.

Enquanto mídia que ultrapassa os limites geográficos, pela propriedade do som à distância e sem fronteiras, ao mesmo tempo em que vai assimilando os falares, os gostos e movimentos de toda uma sociedade fronteiriça, incorpora tudo isso em seu modo de ser e fazer rádio.

Por meio da programação e dos sujeitos que a dinamizam produz representações desta mesma sociedade em que está inserida, reproduzindo os seus falares, suas músicas, seu jeito de viver e suas preocupações de ordem econômica, política e social. O rádio de fronteira revela e cria além de representações identidades. É um olhar sobre a atmosfera fronteiriça, que acompanha seu cotidiano e, portanto, a trajetória de sua gente, que nele encontra afinidade e significações para aquilo que vem construindo.

O rádio de fronteira estabelece com ela uma relação também de identidade, porque manifesta-se por ela e através dela. E nesse exercício parece estar criando também consciência de seu papel junto à sociedade a que pertence, pois tem propiciado espaço para que as diversas representações sociais ali se encontrem, ganhem voz e se expressem, em toda a sua diversidade.

Referências bibliográficas

CASTELLS, Manuel. O poder da identidade. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

HABERMAS, Jürgen. Consciência moral e agir comunicativo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,1989.

MAFFESOLI, Michel. O conhecimento comum. São Paulo: Brasiliense, 1988.

MOSCOVICI, Serge. Representações sociais: investigações em psicologia social. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003.

(11)

PESAVENTO, Sandra Jatahy. Além das fronteiras. In: MARTINS, Maria Helena.(org.) Fronteiras Culturais. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2002.

VASSALO DE LOPES, Maria Immacolata. O conceito de identidade coletiva em tempo de globalização. In: CAPARELLI, Sérgio; SODRÉ, Muniz; SQUIRRA, Sebastião.(orgs.) A comunicação revisitada. Livro da XII Compós 2004. Porto Alegre: Sulina, 2005.

Referências

Documentos relacionados

– Confronto direto. – Três ou mais equipes:.. – Saldo de partidas nos jogos realizados entre si, na etapa ou fase em que ocorreu o empate. – Saldo de pontos nas partidas

Quando as condições de mar impedirem a chegada do prático, a bordo, ou as condições de segurança da embarcação não aconselharem a espera do momento adequado para o embarque

Esses materiais foram escolhidos a fim de proporcionar três imagens bem diferentes para a observação: as estruturas simétricas e regulares de um material não vivo e sob forma de

Os objetivos específicos deste artigo são os seguintes: apresentar a conceituação fundamental relativa à investigação defensiva; comentar sobre a natureza da

Foram identificados, constituindo o plexo braquial do peru, o qual é formado por três troncos que, após ultrapassarem a parede do tórax, unem-se para formar dois cordões nervosos,

Cadeia de valor da Suinocultura Culturas Ração Água Energia Matadouro Processamento Consumidor final Chorume Carcaças Tratamento de efluentes Painéis de evaporação

Primeiramente, as fontes utilizadas foram os registros das fichas de notificacao de Leishmaniose Visceral Humana no periodo de 1999 a 2009, gerada pelo Sistema Nacional de Agravos de

As temáticas de estresse organizacional, cultura organizacional, hospitalidade, qualidade, bem como a história da hotelaria, são debatidas para que, durante o Estágio I, seja