• Nenhum resultado encontrado

Jorge Sequeira DAR AO PEDAL. Um guia para a vida toda

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Jorge Sequeira DAR AO PEDAL. Um guia para a vida toda"

Copied!
16
0
0

Texto

(1)
(2)

DAR AO PEDAL

Um guia para a vida toda

(3)

DESCULPAS

Se queres limpar o mundo, começa por varrer a soleira da tua porta.

Provérbio russo

«Até ia jantar convosco, mas está tanto frio e o teu primo é tão chato!» Pronto, já tenho um bom motivo para declinar o convite. «Por mim tudo bem, o problema é a minha mulher, nunca está bem com a vida que tem!» Maravilha, o homem ficou bem na fotografia, sacudiu a água do capote e o inferno são os outros! «Se temos muitas reclamações é porque demoramos muito tempo a atender os clientes!» «Pergunta à Rita da receção, não sou eu quem passa o tempo a pintar as unhas e a falar ao telefone com o namorado...» Está explicado o decréscimo nas vendas! «Mas o pior mesmo foi aquele gajo que lhes perdoou um penálti no último minuto! Percebeste agora a razão da nossa derrota?» De salientar a singeleza dos dois vocábulos que acabei de redigir em itálico, pois além da questionável veracidade dos factos, não quero, desde já, hipotecar a elevação deste texto.

Como acabámos de ver, frequentemente enjeitamos as respon-sabilidades e, sempre que possível, procuramos um bode expia-tório ao qual atribuímos a autoria do que não nos correu de feição. Não escolhemos apenas pessoas como fiéis depositários das nos-sas falhas – também o azar, bem como o destino ou até o próprio

(4)

karma, são bons aliados neste jogo do empurra, onde o mais importante é salvaguardar a autoestima. O pior é que, assim, a culpa continua a morrer solteira, daí que ao longo dos últimos anos tenha proferido, junto de variadíssimas empresas, uma pales-tra intitulada «O Casamento da Culpa». É com base nesta expe-riência, investigação e múltiplas leituras que agora escrevo este capítulo, para que possamos arranjar -lhe um noivo e finalmente levá -la ao altar. Está disposto a dizer «sim»?

PERCEBER

Após uma lua de mel encantadora, o jovem casal finalmente che-gou à sua nova casa. Na manhã seguinte, ao pequeno -almoço, a mulher ficou irritada por ver a roupa suja da vizinha a secar mesmo em frente ao seu nariz. O marido desdramatizou, dizendo--lhe para não se aborrecer com aquilo. Contudo, uma semana depois, o lamento aumentou de tom: «Que nojo, estou cheia de viver aqui, não tenho de gramar a badalhoquice dos outros!» O condescendente marido observou: «Tem paciência, querida, o mais importante é o nosso amor...» Porém, no final do mês, a bomba estoirou: «Vou -me embora, não aguento mais levar com a roupa daquela porca, amanhã pela fresca ponho -me a andar!» Parecia o culminar de um conto de fadas. Todavia, pela alvorada, o marido vê a esposa na cozinha, contente e feliz. A mulher cha-mou -o e disse -lhe: «Já viste, a roupa continua a secar, mas está tão branca e imaculada, até cheira a lavado, o que será que aconteceu?» Ao que o bom homem respondeu: «Sabes, mulher, hoje acordei mais cedo e decidi limpar o vidro das nossas janelas.»

Ao invés do que aconteceria numa novela mexicana, no romance anterior não foi a vizinha quem deu cabo da estória; antes pelo contrário, inadvertidamente, revelou ao marido a essência da bela prenda que recebeu no casamento. Sem querer fazer uma interpretação psicanalítica profunda, é possível admitir

(5)

aqui a ocorrência de um mecanismo de defesa apelidado de pro-jeção. Neste caso, ao perspetivar que são os demais quem tem o verdadeiro problema, consegue distorcer a sua realidade, de tal modo que chega mesmo a acreditar no filme que criou. Estes indivíduos, por estarem cegamente convencidos, negam assim as suas verdadeiras carências. Ao pedirem aos outros para se com-portarem como eles gostariam, acabam por se expor, transfor-mando quem acusa em alguém que se confessa. No entanto, esta forma patológica de encarar muitas situações é travestida de normalidade, como acontece, por exemplo, em pessoas sujeitas a maus -tratos físicos ou morais que, mesmo assim, continuam a projetar uma imagem positiva dos seus parceiros, revelando enorme condescendência através de um discurso desculpabiliza-dor do tipo: «Se ele tem ciúmes é porque me ama e se preocupa comigo, daí cometer alguns excessos, mas quando se gosta, tudo se ultrapassa...» Aqui, uma vez mais, a negação funciona como uma boia de salvação para ocultar uma existência cuja crueldade prefere não encarar.

A causa das coisas

As atribuições causais são constituídas por tudo aquilo que acre-ditamos ser a causa dos nossos comportamentos, pois tentamos sempre encontrar explicações para o que nos acontece. Neste modelo interpretativo, normalmente são tidas em conta três dimensões essenciais, a saber: o locus de causalidade, a estabili-dade e a controlabiliestabili-dade. A primeira distingue razões internas, que colocam a responsabilidade no próprio indivíduo, e causas externas, onde o «sistema» e os «outros» assumem o papel de principais culpados. «Estou em má forma» por oposição a «O treinador não gosta de mim» ilustram bem a polaridade das duas perspetivas. Na segunda, a causa de determinado aconte-cimento é percecionada como perdurando no tempo (estável) ou não (instável). Por exemplo, a estatura de um atleta sénior é permanente, enquanto a sua autoconfiança pode ser variável.

(6)

A terceira diz respeito à capacidade que o sujeito julga ter para atuar sobre as causas. Por exemplo, pode controlar o seu empe-nho e esforço, mas, quanto à sorte ou às condições do terreno, nada pode fazer.

A conjugação particular dos fatores referidos fará com que o indivíduo assuma a responsabilidade pelos seus feitos ou rejeite o ónus dos mesmos. Tudo depende da análise que quer fazer. Por exemplo, se considera a sua evolução profissional apenas depen-dente do julgamento do seu superior hierárquico (externo), sem qualquer relação com a qualidade do seu desempenho (interno), então atribui esse facto inteiramente ao chefe, desculpabilizando--se, assim, pelo seu aparente fracasso. Como é evidente, será rele-vante reconhecer que a subjetividade da perceção acerca da causa dos acontecimentos é mais determinante para o consequente com-portamento a exibir do que a razão concreta efetivamente respon-sável pela situação vivenciada.

Egoísmo atribucional

Como cada um tem a sua maneira particular de ver o mundo, fá -lo do modo que lhe dá mais jeito. Daí que seja habitual encon-trar um padrão que revela um certo egoísmo atribucional. Por outras palavras, é frequente encontrar indivíduos que atribuem o sucesso a si próprios, enaltecendo a sua inteligência, capacidade técnica ou características de personalidade, enquanto o fracasso, normalmente, é justificado por aspetos que lhe são alheios, como a «habilidade» da arbitragem ou o péssimo estado do terreno, que se encontrava encharcado – isto para retratar uma situação comum ligada ao futebol. Neste caso, só me apetece dizer: «Então e os outros jogaram na parte seca?» Naturalmente, julgam -se artistas, tomando por «lavradores» os restantes companheiros. No entanto, até nesta convicção revelam uma pretensão balofa, pouco consentânea com as exigências do desafio, pois, muitas vezes, para ganhar é mesmo preciso «lavrar a terra», não dá para «regar flores».

(7)

Tomando ainda como referência o contexto desportivo, mas convidando o leitor a estabelecer uma analogia com outra área que lhe seja mais significativa, vejamos mais uma situação ilustra-tiva. Alguns atletas consideram que deviam ser tratados de igual forma e beneficiar de condições, na sua opinião essenciais, para alcançar os seus propósitos. Todavia, aquilo que denominamos por justiça tem por vezes a única intenção de conseguir alguns privilégios pessoais em detrimento dos interesses da equipa. Por exemplo, um atleta menciona numa conferência de imprensa que o treinador deveria tratar todos os jogadores da mesma maneira, mas, tacitamente, pode estar a pressioná -lo para conseguir uma oportunidade através da qual, supostamente, poderá provar o seu valor, ignorando que os seus colegas têm provavelmente demons-trado maior empenho e evidenciado melhor rendimento durante os treinos. Contudo, importa ressalvar que esta aparente deso-nestidade intelectual também pode ser benéfica, pois, deste modo, o sujeito preserva a sua autoestima, fundamental para o ajudar a progredir.

Apresentar queixa

Aparentemente, trata -se de expressar um protesto, o que de certa forma é verdade, e reclamar não é uma estranha forma de vida. Isto porque, em geral, uma pessoa queixa -se dezenas de vezes ao dia. É a comida que está quente, o trabalho que está morno, a mulher que está fria, o tempo que está gelado e a cabeça que está a arder! Nunca encontramos a temperatura certa; no verão sufoco, no inverno fico a tremer, e na primavera nem é carne nem é peixe, é aquele sol que engana, bom para as alergias e constipações. Mas, já me esquecia, nem de casa posso sair, estamos em plena pande-mia e o coronavírus anda por aí à solta, descontrolado. (Em bom rigor, ele não «anda», nós é que o levamos para todo o lado.) Dele quero distância, assim como das pessoas. «Também poucas são as que se aproveitam!» Os da farmácia são uns «chulos», os pro-fessores são preguiçosos, os polícias não se impõem, a juventude

(8)

vai para a praia e dos políticos nem se fala, sempre os mesmos «chupistas». Desculpem, mas até perdi o fôlego; isto de não fazer nada e dizer mal de tudo deixa uma pessoa cansada. O que vale é que a Páscoa está a chegar, mas até ao Natal não preciso de ir ao supermercado e o bacalhau até já está de molho.

Ao lamentarmo -nos, estamos a concentrar a nossa energia no que não queremos, alimentando os problemas que habitam na incerteza, provocam angústia e nos fazem sentir incapazes, ao invés dos desafios que dissipam o nevoeiro da dúvida, iluminando o caminho da solução. Sim, mas sempre me interroguei como é que não há ninguém que acabe com este vírus maldito. O médico, o investigador, o biólogo, o governo ou, mais «especificamente», o sistema; o que andam todos a fazer? Enquanto se entretêm, estou para aqui a definhar, «parece que o mundo inteiro se uniu para me tramar». Sentimo -nos injustiçados, perseguidos, desgraça-dos… Porém, é preciso termo -nos em grande conta para pensar-mos que os outros se ocupam a delinear esquemas para nos dar cabo do juízo. Um bocadinho paranoico, não? Entretanto, ligo a televisão e percebo que afinal «eles» sou «eu», que passo a ser a solução, basta ficar em casa para evitar o contágio. É isso, vou fazer a diferença, afundo -me no sofá e aproveito o WhatsApp para partilhar uns vídeos dos chineses, ao fim de contas são eles os culpados disto tudo, não é? Há quem diga que noutras alturas foram os judeus, depois os pretos, a seguir os comunistas. Estou tramado, a continuar assim a este ritmo, qualquer dia sobra para mim... ‘Tá difícil, tive uma recaída!

Da neurose à compaixão

«Estou de rastos, doem-me as costas, dormi mal, já não aguento, tenho de parar!» Tudo isto são reconhecidos sintomas que já expe-rimentámos e que nos impedem de levar uma vida normal. Por isso, nessas circunstâncias, não podemos ir ao colégio buscar os miúdos, nem trazer o garrafão de água da garagem, trabalhar é impossível, nem me perguntem se vou ao casamento do meu primo

(9)

no próximo sábado. De repente até vislumbro benefícios secun-dários devido às terríveis maleitas. Não que as quisesse, claro! Até parece um insulto, preferia mil vezes ter saúde! Contudo, os clí-nicos chegam a referir que dois terços dos pacientes que consultam sofrem de patologias psicossomáticas, isto é, enfermidades cuja origem é psicológica, mas que depois atingem o organismo. Nunca podemos esquecer que o corpo reproduz os sinais enviados pela mente, e há muito que se sabe que não há uma fronteira no pes-coço. Depois quem paga é o inconsciente, essa gaveta onde tudo cabe, que todos procuram mas poucos encontram. É sabido que a doença e a dor são potentes formas de comunicação, que muitas vezes ocultam padrões pouco assertivos de funcionalidade. Por exemplo, é mais fácil meter baixa médica do que enfrentar um patrão déspota, insensível e agressivo. Torna -se também mais sim-ples não aceder a um convite por causa de um torcicolo paralisante do que dizer ao amigo que não vemos qualquer interesse em estar-mos presentes. Isto lembra -me um velho provérbio árabe: «Quem quer fazer, encontra um meio, quem não quer, encontra uma des-culpa.» Até me dói acreditar nesta verdade inconveniente!

Nem ao diabo lembra que o golpe foi perfeito, dois coelhos com uma só cajadada? Pois, o «coitado», para além de se livrar de obrigações, compromissos e canseiras, ainda tem direito ao bónus da consequente e legítima compaixão. «Se precisares de alguma coisa é só dizeres, amanhã levo -te um chocolatinho» parece deli-cioso. «Eu falo com a professora e passo -te os apontamentos», começo a gostar da aula. Nem o pior dos carrascos bate num doente. A autocomiseração é um apelo cuja dor suscita a pena. Neste momento, dá -se um desnivelamento abrupto no registo que uma relação adulta e igualitária contempla. A manipulação, sempre embrulhada em sofrimento, toma conta da narrativa. Falta saber quem cedeu neste confronto. É uma batalha que está longe de acabar; com oponentes assim, a guerra é permanente, e de ambos os lados haverá sempre vítimas que nunca serão honradas enquanto se fingir o infortúnio.

(10)

A cultura acusatória

Quando algo corre mal, de imediato nos mobilizamos para encontrar o culpado. Esta compulsão resulta de uma necessidade quase inata da sociedade para encontrar as causas inequívocas relacionadas com determinado acidente ou erro. Ao adotar um modelo causal exageradamente linear, não dando protagonismo suficiente ao contexto em que gravita, uma cultura deste tipo despende muito tempo e energia na atribuição da falha ao indi-víduo, ilibando de forma sistemática a organização que lhe está subjacente. Por norma são as pessoas da linha da frente, as que «põem a mão na massa», que acabam por ser mais visadas. Uma das áreas mais estudadas neste âmbito são os serviços de saúde, onde, como é do conhecimento geral, o escrutínio incide em par-ticular sobre os médicos e enfermeiros, contra quem a acusação pública de negligência facilmente é proferida. Raramente é posto em causa o sistema de triagem, o número excessivo de consultas, a disponibilidade de equipamentos ou a fiabilidade dos protoco-los estabelecidos.

Uma vez que, invariavelmente, a maior parte dos estudos mos-tra que os acidentes estão associados ao fator humano, assume -se que os erros podem ser eliminados de forma voluntária, logo, considera -se que o sujeito envolvido foi descuidado ou incom-petente. O sistema judicial também reforça esta ideia; ao atribuir a culpa a um colaborador, promove uma sensação de licitude e, tacitamente, protege as organizações que continuam, assim, a manter a sua reputação, estrutura e cultura. Para suportar a tese da responsabilização pessoal acima de todas as outras, existe a tendência para posteriormente sobrevalorizar a informação que possuíamos antes de cometer o erro, aumentando a perceção de que poderíamos ter feito algo mais para o evitar. Parece -me que a chegada do coronavírus a Portugal é um bom exemplo. Todos ficámos convencidos de que, perante as notícias da sua propaga-ção nos outros países durante os últimos meses, poderíamos ter delineado uma estratégia mais eficaz, bem como reunir os

(11)

recursos adequados para combater a pandemia. Mas, depois do jogo, é sempre mais fácil fazer prognósticos...

Implicações da culpabilização

Implicitamente, a blame culture leva a que as pessoas que dela participam tenham relutância em arriscar e uma baixa probabili-dade de assumir os desaires, devido ao medo de serem punidas ou criticadas de forma sistemática. Por esse motivo, é raro que as falhas sejam reportadas, chegando mesmo a ser mitigadas com receio de que, ao serem descobertas, levem à perda de reputação profissional e até mesmo à humilhação social por parte de quem as reconhece. Inibe, portanto, os colaboradores de aprenderem com os erros, pois estes não são discutidos abertamente de modo a prevenir a sua reincidência. Isto leva à perda de qualidade dos serviços, uma vez que não há lugar para o aperfeiçoamento con-tínuo, visto faltar a mobilização para identificar os problemas. Como tal, os projetos desenvolvidos não são eficientemente revis-tos, o que afeta a possibilidade de serem melhorados. Devido aos seus resultados incertos, a investigação científica também é pouco apelativa, pois ninguém quer experienciar o stresse de ter siste-maticamente o dedo apontado ao seu nariz. Por tudo isto, uma equipa com esta pressão constante tem mais medo de perder do que vontade de ganhar.

O QUE FAZER?

Para que possamos libertar a consciência das amarras que nos impedem de prosseguir de peito aberto e cabeça levantada, deve-mos ser capazes de efetuar reatribuições mais funcionais, fazer um esforço por interagir de modo mais positivo, ter em atenção as palavras proferidas e entender o erro de forma natural, pois ninguém é perfeito. Por isso mesmo, também deve saber perdoar e pedir desculpas quando tal se justifica.

(12)

Efetuar reatribuições mais funcionais

Como sabemos, as atribuições são basicamente constituídas por tudo aquilo que acreditamos ser a causa dos nossos compor-tamentos, sendo que, por vezes, tendemos a explicar o que se passa recorrendo a juízos falaciosos. Por isso, é importante rees-truturar os julgamentos que fazemos, de modo a lidar melhor com as circunstâncias da vida. Uma das sugestões passa por tentar promover a substituição das formas erróneas de avaliação por outras corretas, simples e balanceadas, que irão contribuir para uma melhoria das expectativas de autoeficácia.

É sabido que, de uma forma geral, as pessoas com um locus de controlo interno mais elevado apresentam maiores níveis de autoconfiança, formulam objetivos mais realistas e persistem diante das dificuldades. Embora a consciência do comportamento deva estar sempre presente, por vezes é recomendável a adoção de uma perspetiva externa, principalmente quando os indivíduos pretendem ultrapassar os reveses e lidar com o fracasso de forma mais adaptativa; isto é, de modo a não beliscar a autoimagem, mascaramos os outros de bodes expiatórios para salvar a própria face e assim podemos continuar sem grandes abalos na vontade de prosseguir.

Quanto à estabilidade percebida, perspetivar as causas como instáveis é mais útil quando temos por referência o insucesso. Vejamos o caso de um atleta que considera o seu mau desempenho numa prova como consequência de uma semana pouco satisfató-ria. Se atribuísse o fracasso a causas estáveis, estaria a pensar que é realmente incapaz e que, no futuro, provavelmente, nunca iria melhorar a sua performance. Contudo, quando nos referimos ao sucesso, a situação inverte -se, ou seja, parece evidente que a atri-buição de um resultado positivo a fatores percebidos como está-veis provoca um aumento das cognições de eficácia e, por consequência, do próprio desempenho. Deste modo, seria de todo vantajoso transformar a explicação temporária dos sucessos numa interpretação com carácter mais permanente. Por exemplo, em

(13)

vez de dizer: «Ganhei porque o adversário estava cansado», é preferível afirmar: «Estou em excelente condição física.» Se fosse no contexto empresarial, poderia substituir «Adjudicaram -nos a proposta porque mais ninguém concorreu» por uma asserção mais adequada, do tipo: «Provavelmente, já sabem que somos bons no que fazemos, nem precisam de consultar outros.»

Importa ainda referir que as atribuições feitas com base em aspetos controláveis terão efeitos benéficos na motivação intrín-seca, na promoção da autoestima e na diminuição da ansiedade. Daí que também se deva atribuir o fracasso à falta de esforço e nunca à ausência de talento, pois o primeiro depende do empenho e da disciplina, fatores que podemos assegurar. Em suma, deve-mos desenvolver um padrão atribucional que vá ao encontro do que a investigação tem vindo a revelar como mais válido no que concerne às pessoas mais bem -sucedidas. Estas, normalmente, apresentam um estilo mais interno, estável e controlável, em com-paração com as que obtêm menor êxito.

Proclamar o «Está -se bem!»

Em vez de nos lamentarmos por só termos uma vida, deveríamos congratular -nos diariamente por, felizmente, termos uma, expres-sando assim gratidão como boa prática defendida pelas correntes mais atuais da psicologia. «Tem dias, tudo na mesma; vai -se andando, nunca pior; o que é preciso é saudinha e, já agora, a graça de Deus…» Estas são expressões comuns em resposta ao nosso «Como estás?» O entusiasmo só é mesmo superado quando per-guntamos pelo trabalho, e aí escutamos um eufórico «Coitado de quem precisa!» Espero que me tenha perdoado a ironia, mas sere-mos quase todos assim tão desgraçados? Não defendo aqui a versão «pateta alegre», mas um simples «Impecável, está tudo bem» não seria mais realista? Existirá algum decreto que nos obriga sempre ao recato comedido, cinzento e melancólico? Ou temos receio de que nos cobrem pela expressão de felicidade como método indiciário em sede de IRS? Pois é, mas muito riso, pouco

(14)

juízo… E assim andamos sempre entre o suficiente menos e o médio mais, tendo em conta a mediana que nunca sai de moda. Permita -me, para ilustrar este sentir, partilhar um pequeno texto que em tempos escrevi, bem revelador de duas posturas antagó-nicas. Escolha a versão que mais apreciar, e, depois, basta agir em conformidade.

Naquele dia, o galo não acordou, as galinhas estavam tristes e por isso ninguém cantou. O carro tinha o vidro embaciado e o puto andava constipado. Mais um clarão abafado que ante-cipa o trovão, o mundo parece abalado com tamanha depressão e a chuva, sempre ela, vai batendo na janela. A mulher estava cansada e o homem a enlouquecer, a vida não sabia a nada e ninguém queria comer. Na manhã seguinte, toca a andar para o escritório, mas algo aconteceu no reino do ilusório. A vizi-nha de boca aberta e os pássaros de bicicleta. O senhor do café sorriu quando a chávena se partiu. Em primeira mão, no jornal da tabacaria, a protagonista era a paixão, como notícia do dia. Os Dragões vagueavam à beira Tejo carregados de chupões, «bêbados como badejos» agarrados aos Lampiões. O mar estava prateado e os lábios cor de cereja, o tremoço bem sal-gado e a espuma tinha cerveja. Os que se andavam a micar, cheios de sonhos e desejos, trocaram um só olhar e começaram aos beijos. O júbilo explodia, sem receios nem controle, se calhar era a magia de um belo dia de sol.

Olha para o que eu digo

O que dizemos revela -nos, como diria Sigmund Freud: «Quando Pedro me fala de Paulo, sei mais de Pedro do que de Paulo.» As palavras não são inócuas, nem projetadas pela boca de forma arbi-trária; são antes o resultado do pensamento e, por conseguinte, antecipam a ação. Assim, quando alteramos o que verbalizamos, estamos mais perto de modificar o que fazemos, como ilustram os exemplos mencionados na Figura 1.

(15)

Erradicar a expressão Passar à comunicação

• Isto é uma ameaça. • Vejo uma oportunidade.

• Pertenço a um grupo. • Participo na comunidade.

• Estou à espera. • Vou fazer alguma coisa.

• Grande problema. • Extraordinário desafi o.

• Não sei. • Quero aprender.

• Sinto -me pesado. • Consigo emagrecer.

• Não tenho trabalho. • Vou procurar emprego.

• Está sujo. • Hoje, começo a limpar.

Figura 1 – Transformar expressões inibidoras em verbalizações mobilizadoras

Herrar é umano

A maior parte dos erros são atribuídos ao fator humano. Claro – até me parece um pleonasmo –, como poderiam ser imputados às máquinas se foi o Homem quem as concebeu? Até parece que o computador, sozinho, se lembrou de escrever o título deste tópico. Ele até me avisou da asneira, mas há gente que não tem emenda. Quase como aquela empresa absolutamente extraordinária, tirando as pessoas. Se não fosse quem lá trabalha, seria um paraíso! Enfim, a primeira grande premissa de uma organização saudável passa por reconhecer e aceitar as oscilações na fiabilidade humana, encaran-do -a com naturalidade.

Para contrariar a já referida cultura acusatória, importa esta-belecer princípios de comunicação aberta e partilha de conhe-cimento, de modo a que os colaboradores não tenham medo das repercussões associadas ao risco de inovar, sentindo -se igual-mente livres para contribuir e levantar questões. É também necessário incentivar o report dos erros, e, em vez de se matar

(16)

o mensageiro, o seu papel deve mesmo ser enaltecido. Para que não haja zonas cinzentas, terreno propício para que a batata quente lá caia sem que ninguém lhe ponha a mão, será conve-niente estabelecer expectativas claras face à responsabilidade de cada um, que devem ser complementadas com uma identificação inequívoca dos comportamentos inaceitáveis, cuja sanção é imperativa, e aqueles em relação aos quais a punição nada acrescenta.

A matriz vivencial de uma organização é uma extensão da atitude do líder e da sua forma de exercer o poder. Este deve incentivar a participação na tomada de decisão, ressalvando a importância de cada um como parte integrante de um processo mais amplo e interdependente, valorizando o trabalho de equipa, em que todos perdemos e todos ganhamos, em que o barco é o mesmo e, por isso, ninguém se afunda sozinho. O almirante tam-bém não deve passar a vida a puxar pelos seus galões; antes pelo contrário, todos beneficiarão com o estímulo permanente da democraticidade do meio interno. Convém igualmente evitar culpar de forma rotineira, para não desbaratar o valor da punição, não se esquecendo de criar oportunidades para que o elogio tenha igualmente lugar. Por fim, deve dar o exemplo ao assumir ele próprio as falhas que possa cometer, fazendo jus à máxima: «Errar é humano, assumir o erro é sobre -humano!» Esta atitude aumen-tará o respeito e a lealdade, e reforçará a confiança, prevenindo simultaneamente que se estabeleça uma cultura acusatória.

Se por um lado a culpa não deve morrer solteira, por outro, a obsessão por encontrar alguém para pôr na forca também não deve ser um fim em si mesmo. Parece que já estamos safos, e daí lavamos as mãos como Pilatos! Há mais vida para além da res-ponsabilidade individual; o contexto é também uma variável crí-tica e uma condição a ponderar quando se pretende compreender o que efetivamente produziu o lapso. Em suma, em vez de cega-mente tentar encontrar culpados, é mais adequado procurar per-ceber os processos que originaram tais resultados.

Referências

Documentos relacionados

4.5 Conclusões: Este trabalho mostrou um modelo criado para representar uma linha de transmissão monofásica através de uma cascata de circuitos π, cujos parâmetros longitudinais

O primeiro passo para introduzir o MTT como procedimento para mudança do comportamento alimentar consiste no profissional psicoeducar o paciente a todo o processo,

Os testes de desequilíbrio de resistência DC dentro de um par e de desequilíbrio de resistência DC entre pares se tornarão uma preocupação ainda maior à medida que mais

Assim, com a unificação do crime de estupro e do atentado violento ao pudor em um único tipo penal, os condenados que tiveram suas penas aumentadas em razão do

Algumas utilizam esquemas em papel na análise inicial, para facilitar um feedback concreto dos usuários, e depois desenvolvem um protótipo operacional utilizando

Aplicar um curativo no local da punção (Manual Técnico do PNTN bvsms. Armazenamento: Após o período de secagem de 3 horas na posição horizontal, as amostras devem

Figura 77 MO liga AISI 317L sem tratamento térmico após ensaio de polarização potenciodinâmica cíclica, pites a na região do ms e b na região do ms, aumento 1000x 102 figura 78

mucosal injury and gastroduodenal ulceration. 40) Choli- nomimetic agent (bethanechol) administered in association with NSAIDS have a synergistic effect on the gastric injury induced