• Nenhum resultado encontrado

PARENTALIDADE NA FAVELA: UMA EXPERIÊNCIA COM CONSULTAS TERAPÊUTICAS

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "PARENTALIDADE NA FAVELA: UMA EXPERIÊNCIA COM CONSULTAS TERAPÊUTICAS"

Copied!
6
0
0

Texto

(1)

1

PARENTALIDADE NA FAVELA:

UMA EXPERIÊNCIA COM CONSULTAS TERAPÊUTICAS

Daniel Kauffmann1

Tereza Marques de Oliveira2

Resumo

O objetivo deste trabalho é relatar nossa experiência na clínica do social, junto a uma população de risco, por meio de uma parceria entre a ONG Habitare e o Programa Einstein na Comunidade de Paraisópolis. Os projetos que desenvolvemos têm como metas principais a prevenção e a intervenção precoce em saúde mental materno-infantil. Inspirados nas contribuições de Winnicott e Lebovici, procuramos favorecer os processos de parentalidade utilizando o modelo de Consultas Terapêuticas, num enquadre diferenciado. As Consultas Terapêuticas são oferecidas às gestantes que apresentam condições desfavoráveis ao desenvolvimento do vínculo com o feto, sendo orientadas de modo a oferecer um espaço de escuta psicológica especializada, acolhendo as angústias que podem acompanhar a gravidez e que, no caso específico dessa população, são agravadas pelas condições de pobreza. Esse espaço de acolhimento se estende aos primeiros seis meses de vida do bebê e pretende se constituir num lugar de referência para a família. Os projetos têm se mostrado de grande eficácia, permitindo, em sua maior parte, que vínculos patológicos entre pais e bebês não se cristalizem, favorecendo assim o desenvolvimento saudável.

Palavras-Chaves: Consultas Terapêuticas; comunidades carentes; relação mãe-bebê; prevenção; intervenção; saúde mental.

A Habitare é uma organização não governamental, criada em 2000, com o propósito de realizar um trabalho psico-profilático e interventivo junto à população de risco bio-psico-social, prioritariamente gestantes e crianças de zero a três anos. Ao longo de sua jornada, a organização tem se dedicado à prevenção e intervenção precoce da saúde mental materno-infantil, viabilizando conhecimento científico acerca do tema.

Desde 2004, a Habitare mantém parceria com o Programa Einstein na Comunidade de Paraisópolis3 (PEC), visando à qualidade da saúde mental entre zero e

1 Mestre em Estudos de Observação Psicanalítica pela Tavistock Clinick & University of East London –

Londres; Neuropsicólogo pela UNIFESP, São Paulo; Membro Filiado da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo; Vice-Presidente e Coordenador da ONG HABITARE.

2 Doutora pelo Instituto de Psicologia Clínica, USP - São Paulo; Presidente e Coordenadora da ONG

HABITARE; Membro do Departamento de Psicanálise da Criança e do Espaço Potencial do Instituto Sedes Sapientiae – São Paulo.

(2)

2 três anos, com início na gestação, atuando junto à comunidade de Paraisópolis que se encontra em condições vulneráveis.

Ao longo destes anos, a Habitare propôs e vem desenvolvendo dois projetos no Departamento Materno Infantil do PEC: Parentalidade4: Ser Mãe - Consultas Terapêuticas com Gestantes, iniciado já em 2004 e que atende às beneficiárias do

Programa com sinais de risco à saúde mental que podem comprometer a relação mãe-bebê, tais como: gravidez indesejada, sintomas de ansiedade e depressão, gravidez precoce ou tardia, somatizações, conflitos familiares, ausência de suporte social, etc.; e

Consultas Terapêuticas Pais-Bebês: Prevenção e Psicoprofilaxia em Saúde Mental Infantil, que oferece atendimento às crianças e seus respectivos pais ou cuidadores5, uma vez detectados problemas no desenvolvimento da criança provenientes de vínculos disfuncionais

Ambos os projetos têm como objetivo prioritário oferecer um espaço de escuta psicológica especializada, acolhendo as angústias tanto desencadeadas pela gravidez como também aquelas referentes aos primeiros anos de vida e aos conflitos que permeiam a herança psíquica transgeracional.

As gestantes e famílias são atendidas através do modelo de Consultas Terapêuticas, fundamentado nas teorias e técnicas desenvolvidas por Winnicott (1965, 1971) e ampliadas posteriormente por Lebovici (1993). Trata-se de uma intervenção com um número mínimo de encontros, em média três a quatro, que busca focar, prioritariamente, o conflito-sintoma; ou seja, a disfuncionalidade do vínculo já na

3 Programa desenvolvido através da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein (SBIBAE)

na Comunidade de Paraisópolis.

4 Serge Lebovici passou a usar o conceito parentalidade em lugar de “família”, assinalando que não basta

ser genitor nem ser designado como pai/mãe. É necessário “tornar-se pais, o que se faz através de um trabalho de elaboração complexo tanto a níveis conscientes quanto inconscientes de conteúdos inconscientes e conscientes próprios e herdados dos pais e dos antepassados” (Lebovici, 2004).

5 Apesar da proposta ser atender à criança e aos pais /cuidadores, em sua grande a maioria, os

atendimentos acontecem somente com a mãe e o bebê. São diversos os fatores cotidianos que têm impedido os pais de compareceram, e a Habitare tem se dedicado a refletir sobre eles; em ocasião oportuna, pretendemos apresentá-los e discuti-los.

(3)

3 gestação e, posteriormente, os fenômenos da interação que caracterizam a relação bebê-mãe-pai-família e possíveis comprometimentos.

A partir do material trazido pela gestante ou mãe-bebê, os temas trabalhados nas Consultas centram-se, em geral, nas questões ligadas à maternidade e aos distúrbios funcionais da criança (dificuldades na alimentação e sono, bem como choro intenso, transtornos respiratórios recorrentes, etc). Desde a primeira consulta, ainda na gestação, a postura do terapeuta é de continência e profunda empatia, favorecendo a experiência do ser verdadeiramente cuidado; é esta vivência de confiança no outro que possibilita a construção do vínculo e a emergência de conteúdos inconscientes que se encontram aflorados pela regressão que normalmente acontece na gravidez.

O terapeuta deve se colocar na posição de alguém que “escuta”, com a mesma atenção empática que a mãe dedica ao bebê, com todo seu corpo, seus sentidos, de tal modo que o que ela produz é reconhecido como tendo valor, ambos se surpreendendo com sua criatividade, “momento sagrado”, como os sentimentos que acompanharam as experiencias de rejeição em relação à gravidez, o temor de abandonar seu bebê, repetindo sua história. O ambiente de holding - suporte emocional genuíno - favorece a emergência de conteúdos de forte carga emotiva que ainda não foram nomeados, como, por exemplo, os sentimentos que acompanharam as diferentes experiências de violência sofridas por elas, repetindo sua história. O olhar e a escuta para os conteúdos da herança psíquica permitem identifica-los, investiga-los e posteriormente nomea-los, livrando o bebê de ocupar o lugar de um outro, podendo assim construir sua própria historia. (Lebovici, 1998).

As Consultas às gestantes seguem certa estrutura, de modo que possamos trabalhar questões como: queixa e implicações desta na gestação e no vínculo mãe-bebê; significado da gravidez e as concomitantes representações mentais da mãe em relação

(4)

4 ao bebê; história de vida da paciente; lugar que o bebê real ocupará na família. Já as Consultas Terapêuticas realizadas com a dupla mãe-bebê, embora retomem alguns desses aspectos, enfocam o sintoma da criança e suas possíveis correlações com a herança transgeracional.

Os projetos têm se mostrado eficazes desde sua implantação, permitindo, em sua maior parte6, que vínculos patológicos entre pais-bebês não se cristalizem, favorecendo assim um desenvolvimento saudável. A cada ano, vem crescendo o número de gestantes e famílias atendidas pela Habitare (2004 – 35 gestantes; 2005 – 80 gestantes; 2006 - 100 gestantes e 10 duplas mãe-bebê; 2007 – 180 gestantes e 15 duplas; 2008 - 120 gestantes e 20 duplas).

Nossos indicadores são de natureza qualitativa, colhidos através de depoimentos das gestantes no final das Consultas Terapêuticas (gestação), e nas entrevistas de

follow-up, quando também é observada a interação da díade.

Entre os principais indicadores, destacamos: 1) remissão dos sintomas que motivaram o encaminhamento, tanto da mãe quanto do bebê, e a melhora qualitativa do vínculo mãe–feto e/ou mãe-bebê, observada na inclusão da criança no discurso da mãe, que, muitas vezes, recupera a esperança e o sentimento de autoestima; 2) comportamentos e atitudes como: preparação do enxoval, escolha do nome e projetos sobre o bebê, o que supõe que este já ocupa um lugar no imaginário da mãe; 3) diminuição considerável das somatizações bem como das doenças que acompanham a gestação. Após o nascimento, nas entrevistas de follow-up, são observadas: interação e sensibilidade materna, expressa nas trocas de olhares entre a díade, em especial durante a amamentação. É possível então observar o sorriso social e o início das vocalizações

6

Destacamos que, pela nossa experiência, quando recebemos indivíduos com queixas de outra ordem, como comprometimento mental acentuado, psicose, entre outros, a eficácia do atendimento fica muito dificultada; em geral, esses casos são reencaminhados.

(5)

5 que passam a ser dirigidas ao outro. Estes também são considerados indicadores do comportamento social do bebê, primordial para o seu desenvolvimento psíquico. As consultas têm demonstrado ajudar a mãe a criar um espaço potencial, um lugar onde se possa criar um filho e reconhecê-lo como parte de sua criação. (Oliveira, 2008)

Por fim, destacamos que inúmeros fatores contribuíram para a eficácia dos projetos. Dentre eles, a qualidade da formação dos integrantes da Habitare, com capacitação específica e acompanhamento dos atendimentos através de supervisões semanais; a responsabilidade social; o compromisso com a cidadania e, também, a empatia do terapeuta. No mais, os resultados apontam para a importância do trabalho voltado para prevenção e psicoprofilaxia da família e do bebê.

(6)

6

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

LEBOVICI, S. (1983). O bebê, a Mãe e o Psicanalista. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987

___________ (1993). “Consulta Terapêutica madre-lactante”. In: Rev. Psicoanalisis APdeBA. Vol XV No1:125-46.

LEBOVICI, S.; GOLSE,B. (1998). L’Arbre de Vie.Eléments de la psychopahtologie du bébé. France, Ramoville

OLIVEIRA, T.M. (2008). Atenção materna primária e consulta terapêutica: uma proposta de prevenção comunitária. Tese de doutorado. São Paulo: Universidade

de São Paulo (USP). Orientador: Prof. Dr. José Tolentino Rosa.

WNNICOTT, D.W. (1965) “O valor da consulta terapêutica”. In: Explorações

Psicanalíticas. WINNICOTT, D.W.; SHEPHERD, R.; DANIS, M. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994, p. 244-48

_______________ (1958). Da Pediatria à Psicanálise – Textos selecionados. Rio de

Janeiro: Francisco Alves, 1993.

_______________ (1971a). Consultas terapêuticas em Psiquiatria Infantil. Rio de Janeiro: Imago, 1984.

Referências

Documentos relacionados

13) Para tal fim cada Parte deverá comunicar a outra por escrito da existência e o objeto da controvérsia, para a resolução da mesma. 14) Caso isto não aconteça em até 60

Todos os artigos incluídos realizaram meta-análise e focam, de maneira geral, a endodontia em sessão única, utilizando como parâmetro de comparação a

Com o objetivo de interferir no metabolismo aeróbico das plantas, a partir da alteração da pressão parcial de oxigênio no interior das organelas, foram produzidas

- El respaldo es de polipropileno visible de color negro, gris o blanco, con soporte lumbar en ABS tapizado en poliuretano blando de color negro. - Como alternativa están

Using more advanced techniques, we set out to test the theory that sexual reproduction occurs within the urediniospores and that this is the dominant event in the life cycle of

To demonstrate that SeLFIES can cater to even the lowest income and least financially trained individuals in Brazil, consider the following SeLFIES design as first articulated

Embora a solução seja bastante interessante como parte de uma política pública relacionada ao gerenciamento de dados de saúde dos usuários do sistema, esse

O setor de energia é muito explorado por Rifkin, que desenvolveu o tema numa obra específica de 2004, denominada The Hydrogen Economy (RIFKIN, 2004). Em nenhuma outra área