Aplica¸
c˜
ao do M´
etodo Variacional na Mecˆ
anica Quˆ
antica:
´
Atomo de H´
elio
Milena Menezes Carvalho1
1Instituto de F´ısica de S˜ao Carlos, Universidade de S˜ao Paulo
E-mail: glowingsea@gmail.com
1. Introdu¸c˜ao
O princ´ıpio variacional se encaixa na Mecˆanica Quˆantica junto `a teoria de perturba¸c˜ao como alternativa `a solu¸c˜ao exata da equa¸c˜ao de Schr¨odinger de certas Hamiltonianas. Embora esse m´etodo n˜ao consiga fornecer todas as autofun¸c˜oes e energias dos autoestados do sistema, muitas vezes a informa¸c˜ao que realmente precisamos pode se resumir `a energia do estado fundamental, algo que o m´etodo variacional consegue fornecer com certa confian¸ca desde que forne¸camos fun¸c˜oes teste adequadas, que ser˜ao discutidas a seguir.
O princ´ıpio parte de que, para um ket arbitr´ario |ψi pertencente ao espa¸co de estados desses sistema, vale a seguinte equa¸c˜ao:
Egs ≤ hψ| H |ψi ≡ hHi (1)
em que Egs ´e a energia do estado fundamental (ground state) para a Hamiltoniana H. Ou seja, o
valor m´edio da Hamiltoniana nesse estado arbitr´ario |ψi consegue sobrestimar o valor da energia do estado fundamental. Se escolhemos |ψi cada vez mais adequados, podemos nos aproximar cada vez mais do valor verdadeiro de Egs, que s´o ser´a alca¸cado quando esse |ψi for a autofun¸c˜ao do
estado fundamental de fato.
Demonstra¸c˜ao. Podemos escrever um estado arbitr´ario |ψi como uma combina¸c˜ao linear das autofun¸c˜oes da Hamiltoniana H:
|ψi =X
n
cn|ψni ,
H |ψni = En|ψni
(2)
O valor m´edio da Hamiltoniana ´e dado por:
hψ| H |ψi = * X m cm|ψmi HX n cn|ψni + =X m X n c∗mEncnhψm| ψni = X n En|c2n| (3)
mas por defini¸c˜ao a energia do estado fundamental Egs ´e o menor dos autovalores da Hamiltoniana,
Egs ≤ En ∀n, ent˜ao
hψ| H |ψi = hHi ≥X
n
Egs|c2n| = Egs (4)
considerando que a normaliza¸c˜ao de |ψi ´e tal que P
n|c2n| = 1.
Embora a demonstra¸c˜ao tenha sido feita para qualquer ket |ψi, trabalhar com fun¸c˜oes teste descont´ınuas ou n˜ao suaves exigem cuidados com rela¸c˜oes `as derivadas que devem ser calculadas para hHi. Ainda assim, a generalidade do princ´ıpio n˜ao se perde.
Esse m´etodo ´e mais r´ustico que a teoria de pertuba¸c˜ao j´a que ele se baseia apenas no c´alculo de energias, em especial da energia do estado fundamental. Calcular a energia do primeiro estado excitado, por exemplo, exigiria que a fun¸c˜ao teste escolhida fosse ortogonal ao ket do estado fundamental |ψgsi (ou seja, c0 = 0), de forma que
hHi = 0 +X n6=0 En|c2n| ≥ E1 X n6=0 |c2n| (5)
isto ´e, E1 passa a ser sobrestimado por hHi. Ora, j´a que estamos utilizando o m´etodo variacional
porque n˜ao conhecemos o estado |ψgsi, como podemos escolher uma fun¸c˜ao teste que seja ortogonal
a ele? Podemos tentar contornar esse “detalhe” analisando a paridade do sistema: por exemplo, se V (x) ´e par em x, o estado fundamental tamb´em ser´a par, de forma que devemos simplesmente escolher uma fun¸c˜ao teste ´ımpar para analisar E1. Uma alternativa a essa abordagem ´e apresentada
no t´opico a seguir, quando hHi (α) possuir mais de um ponto extremo. 1.1. Generaliza¸c˜ao: Teorema de Ritz
Teorema de Ritz. O valor m´edio da Hamiltoniana H ´e estacion´ario na vizinhan¸ca de seus autovalores discretos.
Demonstra¸c˜ao. Consideramos o valor m´edio de H no estado |ψi hHi = hψ| H |ψi
hψ| ψi (6)
como um funcional do estado |ψi e calculamos o incremento δ hHi quando |ψi se torna |ψi + |δψi, |δψi infinitesimal. Se escrevemos a equa¸c˜ao 6 da forma hHi hψ| ψi = hψ| H |ψi e diferenciamos ambos os lados, encontramos:
hψ| ψi δ hHi + hHi [hψ| δψi + hδψ| ψi] = hψ| H |δψi + hδψ| H |ψi (7) Como hHi ´e um n´umero,
hψ| ψi δ hHi = hψ| H − hHi |δψi + hδψ| H − hHi |ψi (8)
O valor m´edio hHi ser´a estacion´ario se δ hHi = 0, o que, de acordo com 8, equivale a
Se escrevemos |φi = [H − hHi] |ψi, a rela¸c˜ao 9se resume a
hφ| δψi + hδψ| φi = 0 (10)
que deve ser satisfeita para qualquer ket infinitesimal |δψi, em particular para |δψi = δλ |φi (δλ sendo um n´umero real infinitesimal), de forma que10 se torna:
2 hφ| φi δλ = 0 (11)
A norma do ket |φi ´e portanto 0, implicando que |φi tamb´em seja 0. Dessa forma
|φi = [H − hHi] |ψi ⇒ H |ψi = hHi |ψi (12)
Conclu´ımos, ent˜ao, que o valor m´edio da Hamiltoniana hHi ser´a estacion´ario se e somente se o estado |ψi a partir do qual ele ´e obtido seja uma autofun¸c˜ao de H, com autovalor hHi.
Esse resultado ´e interessante pois nos permite generalizar o m´etodo variacional para outros autovalores de H: se o funcional hHi (α) obtido a partir dos kets |ψ(α)i possui mais de um ponto extremo, esses dar˜ao os valores aproximados de algumas das energias En.
1.2. Procedimento para c´alculo de Egs: Minimiza¸c˜ao da Hamiltoniana hHi (α)
O pr´oprio nome do m´etodo j´a sugere o procedimento que ser´a utilizado para encontrar a melhor aproxima¸c˜ao para hHi: vamos utilizar uma fam´ılia de kets |ψ(α)i que dependem de um certo n´umero de parˆametros, simbolizados por α, para calcular o valor hHi (α) nesses estados e, por fim, minimizar hHi (α) em fun¸c˜ao dos parˆametros α. Uma aplica¸c˜ao muito importante desse m´etodo ser´a apresentada a seguir.
2. Aplica¸c˜ao do M´etodo Variacional
Nesse t´opico, utilizaremos o conceito do m´etodo variacional, apresentado acima, ao ´atomo de h´elio, procurando valores da energia do estado fundamental que se aproximem cada vez mais do valor experimental.
2.1. ´Atomo de h´elio
O ´atomo de h´elio consiste em dois el´etrons em ´orbita em torno de um n´ucleo contendo dois pr´otons (e dois nˆeutrons, que n˜ao ser˜ao importantes nessa discuss˜ao). A Hamiltoniana para esse sistema (ignorando sua estrutura fina e outras corre¸c˜oes menores) ´e a seguinte:
H = −~ 2 2m(∇ 2 1+ ∇ 2 2) − e2 4πε0 2 r1 + 2 r2 − 1 |r1− r2| (13)
Figura 1: Representa¸c˜ao vetorial para o ´atomo de h´elio.
O valor para a energia do estado fundamental do h´elio foi medida com grande precis˜ao experimentalmente, obtendo-se
Egs = −78.975eV, (14)
n´umero que tentaremos reproduzir teoricamente. O problema do ´atomo de h´elio n˜ao possui solu¸c˜ao anal´ıtica conhecida devido ao termo de repuls˜ao eletrˆonica da Hamiltoniana,
Vee = e2 4πε0 1 |r1− r2| , (15)
mas se ignoramos esse termo, H passa a ser a soma de duas Hamiltonianas independentes do ´atomo de hidrogˆenio com carga nuclear 2e: a solu¸c˜ao exata nesse caso ´e o produto de fun¸c˜oes de onda hidrogenoides ψ0(r1, r2) ≡ ψ100(r1)ψ100(r2) = 8 πa3 0 exp −2(r1+ r2) a0 a0 ≡ raio de Bohr (16)
cuja energia vale 8E1 = −109eV (E1 ≡ energia do estado fundamental do hidrogˆenio). Vamos usar
essa ψ0(r1, r2) como uma fun¸c˜ao teste para o m´etodo variacional, j´a que ela ´e autofun¸c˜ao de grande
parte da Hamiltoniana:
H |ψ0i = (8E1+ Vee) |ψ0i ⇒ hHi = 8E1+ hVeei (17)
e ent˜ao devemos calcular hVeei para encontrar nosso valor aproximado para a energia do estado
fundamental. A integral expl´ıcita de escreve da seguinte forma:
hVeei = e2 4πε0 8 πa3 0 2Z exp(−4(r1+ r2)/a0) |r1− r2| d3r1d3r2 (18)
Para resolver essa integral, vamos primeiramente nos concentrar na vari´avel r2; com essa
inten¸c˜ao, vamos tomar r1 como fixo e orientar o sistema de coordenadas polares de forma que
r1 coincida com o eixo polar (z2 — ver figura2). Pela lei dos cossenos,
|r1− r2| =
q r2
Figura 2: Coordenadas para a integral em r2.
e a integral em r2 pode ser escrita como
I2 = Z exp(−4r 2/a0) |r1− r2| d3r2 = Z exp(−4r 2/a0) pr2 1 + r22− 2r1r2cos θ2 r22sinθ2dφ2dθ2dr2 (20)
A integral em φ2 ´e 2π, visto que n˜ao h´a dependˆencia expl´ıcita nessa vari´avel; a integral em θ2
vale Z sinθ 2 pr2 1 + r22− 2r1r2cos θ2 dθ2 = pr2 1+ r22− 2r1r2cos θ2 r1r2 π 0 = 1 r1r2 q r2 1+ r22− 2r1r2− q r2 1+ r22− 2r1r2 = 1 r1r2 [(r1+ r2) − |r1− r2|] = ( 2/r1 se r2 < r1 2/r2 se r2 > r1 , (21) ent˜ao I2 = 4π 1 r1 Z r1 0 exp(−4r2/a0)r22dr2+ Z ∞ r1 exp(−4r2/a0)r2dr2 = πa0 8r1 1 − 1 + 2r1 a0 exp(−4r1/a0) (22)
Voltando na equa¸c˜ao de hVeei, temos
hVeei = e2 4πε0 8 πa3 0 Z 1 − 1 + 2r1 a0 exp(−4r1/a0) exp(−4r1/a0)r1sinθ1dφ1dθ1dr1 (23)
A integral no ˆangulo s´olido ´e trivial, resultando 4π, e na coordenada radial temos Z ∞ 0 1 − 1 + 2r a0 exp(−4r/a0) exp(−4r/a0)rdr = 5a20 128 (24)
Finalmente, hVeei = 5 4a0 e2 4πε0 = −5 2E1 = 34eV (25) hHi = 8E1− 5
2E1 = 109eV + 34eV = −75eV (26)
um valor bem mais pr´oximo do experimental (≈ −79eV ), mas que ainda pode ser aprimorado. Da maneira que ψ0(r1, r2) foi descrita, descartamos qualquer intera¸c˜ao entre os dois el´etrons.
Vamos mudar um pouco esse cen´ario: um el´etron, agora, sentir´a uma carga nuclear efetiva Z gra¸cas `a presen¸ca do outro el´etron — este cria n´uvem de carga negativa que bloqueia a n´uvem de carga positiva do n´ucleo. Logo, Z deve ser um valor inferior a 2, que ´e a carga total nuclear. A nova fun¸c˜ao teste ent˜ao ser´a
ψ1(r1, r2) ≡ Z3 πa3 0 exp −Z(r1+ r2) a0 (27) Z ser´a o nosso parˆametro a ser minimizado. ψ1(r1, r2) ainda ´e autofun¸c˜ao da Hamiltoniana que
desconsidera o termo de repuls˜ao, s´o que agora temos uma carga total Z no termo Coulombiano. Reescrevemos a Hamiltoniana (13), somando e subtraindo termos em Z:
H = −~ 2 2m(∇ 2 1+ ∇ 2 2) − e2 4πε0 Z r1 + Z r2 + e 2 4πε0 (Z − 2) r1 + (Z − 2) r2 − 1 |r1− r2| (28) a partir da qual escrevemos seu valor m´edio:
hHi = 2Z2E 1+ 2(Z − 2) e2 4πε0 1 r + hVeei (29)
em que h1/ri ´e o valor esperado de 1/r para o estado fundamental hidrogenoide ψ100de apenas uma
part´ıcula, por´em com carga Z, valendo Z/a0 (esse c´alculo pode ser realizado a partir do Teorema do
Virial para 3 dimens˜oes 2 hT i = hr · ∇V i, como sugerido na referˆencia (1)). O valor de hVeei pode
ser encontrado como no resultado (25), novamente fazendo a troca entre a carga 2e pela carga Z arbitr´aria, resultando
hVeei = −
5Z
4 E1 (30)
Juntando todas essas informa¸c˜oes, obtemos hHi em fun¸c˜ao de Z: hHi = [2Z2+ (27/4)Z]E
1 (31)
Vamos minimizar o valor m´edio da Hamiltoniana j´a que, pelo princ´ıpio variacional, essa valor m´ınimo ser´a a melhor estimativa da energia do estado fundamental do ´atomo de h´elio.
d
dZ hHi = [−4Z + (27/4)]E1 = 0 ⇒ Z =
27
16 ≈ 1.69 (32)
Como esper´avamos, Z resultou em um valor menor que 2. Encontrando o valor de hHi:
hHi = 1 2 3 2 6 E1 ≈ −77.5eV (33)
Esse novo valor gera um erro de apenas 2% do valor experimental encontrado para a energia do estado fundamental, j´a sendo uma aproxima¸c˜ao consider´avel. A partir desse ponto, se quis´essemos melhorar ainda mais esse resultado, dever´ıamos come¸car a considerar fun¸c˜oes de onda teste que levassem em considera¸c˜ao tamb´em a repuls˜ao eletrˆonica, al´em de outros fatores menores.
2.1.1. Visualiza¸c˜ao computacional Para uma visualiza¸c˜ao computacional da minimiza¸c˜ao da Hamiltoniana em fun¸c˜ao de um parˆametro α da fam´ılia de fun¸c˜oes de onda teste ψ(r1, r2) =
exp(−α(r1 + r2)) visitar a p´agina http://9hyun.com/quantica/manip.html (Produzido no
Mathematica 9 ).
Figura 3: Screenshot da visualiza¸c˜ao computacional.
Como mostra a figura3, o valor de hHi obtido computacionalmente foi ≈ −77.5 para α ≈ 1.69, como encontramos em nosso desenvolvimento anal´ıtico.
3. Conclus˜ao
O m´etodo variacional ´e uma ferramenta muito importante para a Mecˆanica Quˆantica, j´a que ele permite que mesmo para Hamiltonianas n˜ao sol´uveis analiticamente consigamos fazer estimativas das energias dos autoestados desse sistema, que em muitas aplica¸c˜oes ´e suficiente. Como dito anteriormente, esse m´etodo ´e inferior `a teoria da pertuba¸c˜ao porque n˜ao consegue determinar os diversos autoestados e autoenergias recursivamente, mas n˜ao deixa de ser uma abordagem bem simples: se observarmos o c´alculo que foi feito na aplica¸c˜ao sugerida, a menos das integrais que precisaram ser calculadas, o “artefato” do m´etodo, a minimiza¸c˜ao, foi o passo mais simples e r´apido de todos. ´E nessa simplicidade que o m´etodo variacional garante a sua importˆancia (relembrando, claro, da importˆancia da escolha de fun¸c˜oes teste adequadas).
Referˆencias
[1] GRIFFITHS, D. J. Introduction to Quantum Mechanics. Pearson Education International, 2005.