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A DESCOBERTA DE UMA PINTURA BARROCA NO FORRO DA CAPELA-MOR DA IGREJA MATRIZ DE CONCEIÇÃO DO MATO DENTRO

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Academic year: 2021

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A DESCOBERTA DE UMA PINTURA BARROCA NO FORRO DA

CAPELA-MOR DA IGREJA MATRIZ DE CONCEIÇÃO DO MATO

DENTRO

SENRA, Dulce Azeredo (1); PASSARINI, Lucia Fazzanaro (2);

DOMINGUES, Rosângela Veiga (3)

1 - dulce.azeredo@gmail.com 2 - luciafpas@yahoo.it

3 - rosangela_veiga167@hotmail.com

RESUMO

Esse trabalho apresenta a pintura encontrada na restauração do forro da capela-mor da igreja matriz de Conceição do Mato Dentro. Aponta as etapas do processo de restauração e o resgate de uma obra monumental com características do barroco do início do século XVIII. A descoberta dessa pintura, em excelente estado de conservação, traz uma grande contribuição ao patrimônio cultural de Minas e do Brasil. Ela é um exemplar da pintura em perspectiva de forro, comum ao acervo mineiro, porém com características marcantes do barroco, o que faz dela uma obra singular, pois, em geral, a maioria desse tipo de pintura se enquadra no estilo rococó, datando do fim dos setecentos. Dessa forma, essa obra distinta é um novo elemento de estudo e pesquisa dos bens patrimoniais e culturais de Minas Gerais e do Brasil colonial. Ela guarda excelência em sua técnica construtiva, com o uso da imprimatura e dos efeitos de luz e sombra.

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Em 1722, a capela-mor da matriz de Nossa Senhora da Conceição, em Conceição do Mato Dentro já estava concluída. A igreja, com risco executado no início da exploração do ouro de lavagem, tem arquitetura harmoniosa, considerada um genuíno exemplar do barroco mineiro. Sua decoração artístico-religiosa aparenta propósitos evidentemente litúrgicos e funcionais, mas também estéticos. O culto a Nossa Senhora da Conceição foi oficializado por D. João IV, primeiro rei da dinastia de Bragança, aclamado a 1° de dezembro de 1640. Seis anos depois, com aprovação das cortes de Lisboa, ele dedicou à virgem imaculada o reino português. Os frades franciscanos foram os propagadores dessa devoção. Entretanto, o afastamento das ordens religiosas da região do ouro levou os habitantes de Minas Gerais a se organizar e fundar as irmandades, que acabaram sendo as principais promotoras dos cultos religiosos. Seus compromissos eram examinados e aprovados tanto pela autoridade civil quanto pela eclesiástica. (BOSCHI, p. 118-127).

O forro da capela-mor possui 41 tábuas. Sua restauração é parte integrante do trabalho de restauração dos elementos arquitetônicos e dos elementos artísticos da igreja. Após retirada e feito o mapeamento das tábuas, foram abertas janelas de prospecção em pontos diversos do forro, o que permitiu detectar que aquela camada a óleo já conhecida, tratava-se de uma repintura. Foi encontrada uma assinatura de J. Ambrósio com data de 1933. Sua decoração retratava uma pomba branca, de asas abertas, no centro do forro, com desenhos de cálices e uvas nos quatro cantos. É a pintura que existe na memória dos conceicionenses, mesmo dos mais velhos.

As tábuas apresentavam-se bastante degradadas, com muitas perdas de suporte e ataques de insetos xilófagos. Também existiam tábuas novas, sem camada pictórica, substituindo peças perdidas. O projeto de restauração contemplava a remoção de repintura, caso fosse encontrada uma camada subjacente original, o que foi constatado com a abertura das janelas de prospecção. A presença dos elementos marcados na memória da comunidade deve ser respeitada. A supressão de uma pintura não original deve corresponder a uma melhora estética. Ela não se justifica se a obra apresentar uma porcentagem grande de lacunas inconvenientes. Após iniciarmos a remoção, na parte central, encontrou-se uma figura feminina, de mãos postas lateralmente, rodeada de anjos, nuvens e flores, tendo aos pés uma meia lua. Por sua iconografia, pode ser identificada como Nossa Senhora da Conceição. Pelos traços muito lineares e com cores bem claras, predominando o rosa, o azul e o amarelo, a pintura possivelmente pertenceu ao inicio do século XIX. À medida que avançava a remoção, começaram a aparecer indícios de outra pintura abaixo dessa.

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IX Colóquio Luso-Brasileiro de História da Arte em homenagem aos 200 anos da morte de Antônio Francisco Lisboa - o Aleijadinho Isso foi notado com o aparecimento de áreas em vermelho, e só então notamos que as áreas escuras que pensávamos ser o suporte em madeira, eram, na verdade, uma pintura tênue, com muita transparência, em que predomina uma paleta de marrons e terras que se confundiam com a madeira.

Foram abertas novas janelas verificando-se a existência e a excelente condição do estado de conservação dessa pintura original. As prospecções foram importantes para avaliar a extensão e a qualidade da pintura original, o seu valor intrínseco e inerente em confronto com a adjacente, para subsidiar a eventual remoção. Ficou evidente a presença de uma pintura original em excelente estado. A existência de uma malha de períodos históricos distintos é uma oportunidade de entender melhor a história da igreja e da comunidade, de perceber o espaço da cidade e da sociedade de forma ao mesmo tempo socializada e individualizada. Realizamos uma reunião com a comunidade, o pároco e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), para decidir sobre a remoção da segunda camada, o que foi aceito. O projeto de restauração foi se modificando no curso da obra, que dava subsídios para a retirada dos acréscimos que não se integravam à igreja e dos elementos incompatíveis com a linguagem original da pintura. Tudo, naturalmente, respaldado nas cartas que regem o trabalho de restauração de bens patrimoniais e culturais.

A última remoção, também mecânica, revelou um estilo arquitetônico de grande harmonia e valiosos detalhes. A trama, ilusionista, é composta por um conjunto de cimalhas com perspectiva acentuada, sustentadas por quartelões e colunas com capitéis, balcões com balaustradas, guirlandas de flores e um círculo de cor vermelha recheado de romãs, emoldurando uma figura feminina, entre anjos, indicando ser uma imagem de Nossa Senhora da Assunção.

A pintura original ressaltou o primor técnico e a compatibilidade com o talha, possibilitando uma melhor compreensão dos elementos arquitetônicos e artísticos da igreja. A visão celestial em azul esverdeado, ao centro, ocupa bem menor espaço que o ilusionismo arquitetônico dos bordos da pintura, em que foram colocadas figuras de anjos em escorços, que só se distinguem nitidamente quando vistos à distância, devido a suas cores muito escuras e aos efeitos de claro-escuro, que no contraste de luz e sombra produzem um efeito pictórico de conjunto em que os contornos desaparecem. O gênero dessa criação pictórica no país, da pintura perspectiva de forro, é bem característico dos forros das igrejas coloniais mineiras do século XVIII.

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Uma das características distintas observada na pintura original é a existência de imprimatura como base de preparação em todo o forro. Imprimitura, imprimatura, imprimadura ou imprimação é a preparação do suporte para receber uma pintura. O termo vem do italiano e significa primeira camada. Não deve ser confundida com esboço ou velatura, que são fases de execução da pintura; a imprimatura é um acabamento do suporte. (MAYER, 1999, p.349 e 708) Esta preparação é muito importante, por ter a função de isolar o suporte da pintura e de proporcionar unidade tonal, auxiliando o pintor a estabelecer relações adequadas entre luz e sombra. Também é de grande importância para a conservação e a durabilidade da obra, uma vez que aumenta o coeficiente de adesão das cores ao suporte e protege a pintura das movimentações sofridas por este, pelas mudanças de temperatura e umidade. O tipo de material empregado nas imprimaturas varia de acordo com a técnica pictórica, seja ela aquarela, afresco, têmpera, óleo, etc. No forro da matriz, é possível observar uma camada uniforme de pigmento terroso claro e, após pesquisa científica, identificou-se o uso de óxido de ferro e branco de chumbo, estes unidos a um material adesivo. Outra característica marcante é a qualidade da técnica pictórica. As sucessivas camadas de cores escuras são aplicadas com tonalidades transparentes em sua maioria. Dessa maneira, a imprimatura fica visível através das camadas finas da pintura. Algumas cores opacas e mais carregadas foram adicionadas, como o vermelho com mercúrio em sua composição, que serviu para a base de algumas decorações, e o branco de chumbo, para criar contraste. Foi encontrado também bário e arsênio em alguns locais, misturados ao branco de chumbo. Esta é a particularidade da pintura desse forro: uma pintura com muita transparência e solidez. Revela o cuidado de artesãos, no sentido mais nobre da palavra, de um trabalho perfeito, e a preocupação com a qualidade dos materiais que possivelmente eram manipulados com suas próprias receitas. São segredos guardados pelos oficiais escultores e pintores, desde a escolha de um ornato para esculpir ou de um pigmento, até a escolha de um verniz de proteção no acabamento de uma obra. Processos básicos que durante séculos concorreram para a perfeição das obras de talha e pintura. A integração dos espaços das pinturas parietais e do forro aconteceu principalmente pelas cores, resultando ininterrupta por conta da paleta adotada, do fluxo contínuo das linhas arquitetônicas e dos dégradés.

A pintura do forro da capela-mor é um resgate da história da matriz de Conceição do Mato Dentro e da sociedade que a construiu. É mais um exemplar extremamente importante na história da arte brasileira, seja por sua distinção, seja por seu excelente

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IX Colóquio Luso-Brasileiro de História da Arte em homenagem aos 200 anos da morte de Antônio Francisco Lisboa - o Aleijadinho estado de conservação. É uma pintura que perpetua a transparência e a fusão dos tons sem negligenciar o virtuosismo do detalhe. A descoberta desse fato artístico e histórico desconhecido trouxe nova interpretação ao valor cultural da igreja. Durante a remoção da segunda camada subjacente ficou evidente que na pintura original foram usadas técnicas distintas em elementos distintos. Por exemplo, os anjos e as figuras humanas localizadas nos quatro cantos tinham uma pintura muito menos resistente que os elementos arquitetônicos, da mesma forma que os elementos vermelhos. Esses possuíam pinceladas pretas e nuances claras que se soltavam facilmente, demandando maior cuidado na remoção. Outro dado importante é que, somente na parte central, onde está localizada a Nossa Senhora, foram colocadas tiras de pano para a calafetação. Na camada de repintura de 1933 existiam tiras nas junções colocadas nessa época, e que se soltaram facilmente no momento de retirada das tábuas.

A restauração da igreja matriz de Conceição do Mato Dentro, pela particularidade de se encontrar inteiramente repintada, proporciona uma oportunidade de resgate única para a comunidade local. É uma história de trezentos anos, que está sendo recontada a cada nova descoberta.

REFERÊNCIAS

BOSCHI, Caio César. Os leigos e o poder: irmandades leigas e política colonizadora em

Minas Gerais. São Paulo: Ática, 1986.

MAYER, Ralph. Manual do artista de técnicas e materiais. Tradução Christine Nazareth – 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

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Vista do forro com a pintura de 1933

Cartela com a datação das últimas pinturas

Desmontagem do forro

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IX Colóquio Luso-Brasileiro de História da Arte em homenagem aos 200 anos da morte de Antônio Francisco Lisboa - o Aleijadinho Janelas de prospecção

Remoção da pintura de 1933

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Complementação de partes faltantes e planificação do suporte

Obturações finais. Acabamento com serragem fina

Verso das tabuas. Estabilização das rachaduras

Verso das tábuas. Complementação do suporte

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IX Colóquio Luso-Brasileiro de História da Arte em homenagem aos 200 anos da morte de Antônio Francisco Lisboa - o Aleijadinho Aplicação do verniz de saturação Pintura original após remoção

Remoção da segunda camada de 1816 aparecendo

a pintura barroca original subjacente Pintura da Nossa Senhora da Assunção reintegrada

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Reintegração cromática e apresentação estética

Detalhe de tábua reintegrada Análise química não destrutiva por raio-X

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IX Colóquio Luso-Brasileiro de História da Arte em homenagem aos 200 anos da morte de Antônio Francisco Lisboa - o Aleijadinho Tábuas prontas do forro: 01 a 07; 09 a 21

tábua 08 em processo de reintegração

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