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PROVA DISCURSIVA DE LÍNGUA PORTUGUESA: ANÁLISE DE UM GÊNERO ESCOLAR

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Academic year: 2021

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PROVA DISCURSIVA DE LÍNGUA PORTUGUESA: ANÁLISE DE UM GÊNERO ESCOLAR

Erislane Rodrigues Ribeiro (UFG/CAC) erislane@bol.com.br Gisele da Paz Nunes (UFG/CAC)

nunes.giselepaz@gmail.com Neuza de Fátima Vaz de Melo (UFG/CAC)

neuzavaz@globo.com Introdução

A escola é uma importante esfera de atividade de nossa sociedade e como tal tem seus próprios gêneros, por intermédio dos quais se constituem e se desenvolvem as diversas interações escolares e/ou as atividades de ensino e de aprendizagem.

Na opinião de Rodrigues (2002, p. 213), “o sucesso do aluno na escola passa pelo domínio dos gêneros escolares, que também devem ser considerados objetos de aprendizagem”. Para ela, “um projeto pedagógico para a produção da escrita”, além de contribuir “para a plena participação na vida social pública”, deve se orientar “(sem excluir os demais) para aqueles gêneros cujo domínio é necessário para o bom desempenho escolar (saber tomar notas, fazer resumos, resenhas, participar de seminários, et.)”.

Em consonância com o que defende a autora, ressaltamos a importância de se exercitar, nas aulas de língua portuguesa, a leitura e escrita de provas discursivas de concursos e vestibulares para que, conhecendo as especificidades desse gênero, os indivíduos se saiam melhor no momento em que com eles se defrontam.

Nosso objetivo, com a escrita deste artigo, é, então, desenvolver a análise do gênero prova discursiva de Língua Portuguesa (LP) em contexto de vestibular, pois sabemos que, como afirma Rocco (1995, p. 24), as características da nossa realidade escolar, sobretudo a de nível médio, não nos permite negar ou mesmo “desconhecer o alto nível de influência que o vestibular exerce sobre o ensino”. Desta forma, com base em Bakhtin, procuramos observar como a prova discursiva de LP do Processo Seletivo (PS) de 2011 se caracteriza em termos de forma composicional, conteúdo temático e estilo.

O presente texto encontra-se organizado do seguinte modo. Inicialmente, apresentamos algumas considerações sobre: o que vem a ser gêneros do discurso segundo propõe Bakhtin, como eles podem ser distinguidos dos tipos, a intrínseca relação que estabelecem com seu suporte, além da reconhecida importância que o trabalho com os gêneros no ensino adquiriu recentemente. A seguir, teorizamos, rapidamente, sobre o gênero prova discursiva de Língua Portuguesa especificamente, pensando a interlocução que envolve candidatos e banca, com base nas considerações de Pêcheux (1993) quando trata do jogo de imagens que envolve os sujeitos. Em seguida, analisamos a prova discursiva de Língua Portuguesa do PS 2011 da UFG, observando, especialmente, como ela se constitui no que se refere a seu conteúdo temático, sua forma composicional e seu estilo. Por fim, apresentamos nossas considerações finais e as referências bibliográficas.

1 Gêneros do discurso

Releituras da obra de Bakhtin já foram realizadas, em outros momentos da história, para reavivar uma série de conceitos, como dialogismo, polifonia, carnavalização, interação.

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Atualmente, um número bastante significativo dos pesquisadores que cita Bakhtin o faz, principalmente, para abordar o tema gêneros do discurso. No entanto, apesar do número de citações de Bakhtin (2000) em pesquisas que versam sobre a questão dos gêneros, os trabalhos sobre o tema têm se diversificado numa velocidade espantosa, distanciando-se uns dos outros em razão das diferentes leituras dos textos do autor e dos distintos objetivos almejados pelos pesquisadores.

Partindo da idéia defendida por Bakhtin (2000) de que não é possível a comunicação verbal a não ser por algum gênero, vários pesquisadores, dentre eles Marcuschi (2002a) e (2002b), têm procurado mostrar a funcionalidade da noção “gêneros textuais” e defendido a importância de se trabalhar com eles e não com os tipos textuais nas aulas de língua materna. Para Marcuschi (2002a, p. 22), os tipos textuais “abrangem cerca de meia dúzia de categorias conhecidas como: narração, argumentação, exposição, descrição, injunção” e os gêneros são “os textos materializados que encontramos em nossa vida diária e que apresentam características sócio-comunicativas definidas por conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição característica”. Em Bakhtin, gênero (às vezes denominado pelo autor de tipos, formas) não são aquelas categorias de que fala Marcuschi (2002, p. 22), mas as formas que os enunciados adquirem em determinadas esferas de atividades entre interlocutores que as reconhecem porque as mesmas se constituíram historicamente, através de processos de interação.

Para Bakhtin (2000, p. 284), gênero do discurso é um “tipo de enunciado, relativamente estável do ponto de vista temático, composicional e estilístico”, elaborado por cada esfera em que a língua é utilizada. O tema de um gênero pode ser entendido como um “[...] domínio de sentido de que se ocupa o gênero”, a composição “[...] é o modo de organizar o texto, de estruturá-lo” e o estilo consiste em “[...] uma seleção de certos meios lexicais, fraseológicos e gramaticais em função da imagem do interlocutor [...]. (FIORIN, 2006, p. 62)

Conceituando gêneros do discurso em relação às esferas de atividade humana, Bakhtin (2000) reconhece que inexistem classificações que partam da observação das esferas da atividade humana, provavelmente em razão de serem tão variadas, fazendo com que os gêneros, por sua vez, sejam também variados e heterogêneos, de natureza infinita. Para o autor russo, além de inexistir tal classificação, falta estabelecer uma distinção básica entre dois subgrupos de gênero. Num primeiro grupo, incluem-se os gêneros de discurso primários, simples, os quais são constituídos de uma comunicação verbal espontânea; num segundo grupo, estão os gêneros de discurso secundários, complexos, que “aparecem em circunstâncias de uma comunicação cultural mais complexa e relativamente mais evoluída, principalmente escrita: artística, científica, sociopolítica”, absorvendo e transformando os gêneros primários (BAKHTIN, 2000, p. 281).

A escolha de um gênero do discurso, seja ele primário ou secundário, é, segundo Bakhtin (2000, p. 301), decorrente das especificidades de determinada esfera da comunicação verbal, o que significa dizer que existem gêneros, mais ou menos apropriados, tanto em relação às esferas do cotidiano (familiar, íntima, comunitária) como também em relação às esferas dos sistemas ideológicos constituídos (científica, artística, religiosa, política, jornalística, militar, escolar), aos quais corresponde certo estilo lingüístico ou funcional.

Quanto aos nomes que usamos para designar os gêneros, não são inventados por nós como resultado de um trabalho individual, são constituídos socialmente e historicamente. E em relação aos critérios utilizados no processo de designação dos gêneros, em geral utiliza-se um desses critérios: “forma estrutural, propósito comunicativo, conteúdo, meio de transmissão (suporte), papéis dos interlocutores, contexto situacional, mas vários desses critérios podem atuar em conjunto”. (MARCUSCHI, 2002b, p. 8).

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Uma tese que Marcuschi (2003) tem defendido em relação ao gênero diz respeito à sua estreita relação com o suporte. Definindo o suporte como “um lócus físico com formato específico que serve de base ou ambiente de fixação do gênero materializado como texto”, o autor tem apostado na idéia de que “[...] como o suporte tem um formato específico, ele pode ter contribuições ao gênero. [...]. Seria interessante analisar a hipótese de que os gêneros têm preferência e não se manifestam na indiferença a suportes”. Em outras palavras, o autor atribui grande importância ao suporte para a circulação dos gêneros na sociedade, além de destacar a influência que ele, certamente, acarreta na “natureza do gênero suportado”. Desse modo, na visão do autor, “[...] o suporte não é neutro e o gênero não fica indiferente a ele”. (MARCUSCHI, 2003, p. 1-7).

Em relação à aquisição dos gêneros, conforme Bakhtin (2000, p. 301), não se distancia da aprendizagem das formas de nossa língua materna. Para ele, “as formas da língua e as formas típicas de enunciados, isto é, os gêneros do discurso, introduzem-se em nossa experiência e em nossa consciência conjuntamente e sem que sua estreita correlação seja rompida”. E como a aprendizagem das formas da língua e dos gêneros do discurso ocorre conjuntamente através de nossas experiências, falta domínio do gênero se há “falta de vivência de determinadas atividades de certa esfera”. (FIORIN, 2006, p. 69).

No Brasil, o recente interesse pelo estudo dos gêneros do discurso decorre, em parte, da importância que o MEC tem atribuído ao trabalho com os gêneros no ensino de leitura e produção de textos, em especial nas aulas de língua portuguesa, como se pode verificar pela leitura dos PCNs de língua portuguesa elaborados por esse órgão do governo. De acordo com os PCNs (1997), nas situações de ensino, é necessário contemplar

a diversidade de textos e gêneros, e não apenas em função de sua relevância social, mas também pelo fato de que textos pertencentes a diferentes gêneros são organizados de diferentes formas. A compreensão oral e escrita, bem como a produção oral e escrita de textos pertencentes a diversos gêneros, supõem o desenvolvimento de diversas capacidades que devem ser enfocadas nas situações de ensino. É preciso abandonar a crença na existência de um gênero prototípico que permitiria ensinar todos os gêneros em circulação social. (BRASIL, 1997, p. 23-24).

Atualmente, podemos dizer que é quase unânime a opinião de que é necessário trabalhar com a diversidade de gêneros, já que, como ponderou Bakhtin (2000, p. 303), “são muitas as pessoas, que dominando magnificamente a língua, sentem-se logo desamparadas em certas esferas da comunicação verbal, precisamente pelo fato de não dominarem, na prática, as formas do gênero de uma dada esfera”.

2 O gênero prova discursiva

Uma prova “discursiva” é, segundo Chociay,

[...] um diálogo regido por um objetivo específico: o professor emite frases com intenção de avaliar; o aluno emite frases correspondentes com intenção de ser avaliado. O professor quer saber se o aluno domina certos conteúdos e alcança certos comportamentos; o aluno quer demonstrar que conhece tais conteúdos e exerce tais comportamentos (CHOCIAY, 1998, p. 52).

O modo como Chociay define a prova de vestibular comumente denominada discursiva, sugere-nos que é possível pensar a interlocução entre candidatos e banca a partir das considerações de Pêcheux (1993) quando trata do jogo de imagens que envolve os

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sujeitos. Geraldi (1993, p. 69-71) propôs um exemplo de como essas imagens funcionam, elaborando “um quadro hipotético de respostas que um aluno, na escola, construiria [...] quando lhe é solicitado que escreva um texto”. A partir do quadro proposto pelo autor, desenvolvemos um para compreendermos melhor as imagens envolvidas no processo de interlocução envolvendo banca e vestibulandos no PS 2011 da UFG.

À pergunta “quem sou eu para lhe falar assim?”, é provável que os membros da banca respondessem que são: professores de português, com experiência nos níveis superior e fundamental e/ou médio, com condições de selecionar, com base no que se ensina nos níveis que antecedem o vestibular, os alunos com condições de ingressar na universidade; pesquisadores atualizados em suas áreas de atuação quanto às mais recentes abordagens teóricas; profissionais que têm, em decorrência de sua formação e profissão, domínio da língua padrão, além de uma competência inquestionável em atividades de avaliação da leitura e escrita de terceiros. Além disso, são pessoas bem informadas, cujos pontos de vista costumam ser considerados relevantes pela sociedade.

À pergunta “quem é ele para eu lhe falar assim?”, a banca, provavelmente, responde que ele é um candidato, alguém que concluiu o ensino fundamental e o ensino médio e que ao candidatar-se a uma vaga na universidade deve demonstrar certos conhecimentos e habilidades e que não pode, ao responder questões da prova de língua portuguesa, cometer erros (nem no conteúdo nem na forma).

Neste ponto, consideramos pertinente citar Bakhtin (2000, p. 320), para quem,

o enunciado, desde o início, elabora-se em função da eventual reação-resposta, a qual é o objetivo preciso de sua elaboração. O papel dos outros, para os quais o enunciado se elabora, [...] é muito importante. Os outros, para os quais meu pensamento se torna, pela primeira vez, um pensamento real (e, com isso, real para mim), não são ouvintes passivos, mas participantes ativos da comunicação verbal. Logo de início, o locutor espera deles uma resposta, uma compreensão responsiva ativa. Todo enunciado se elabora como que para ir ao encontro dessa resposta (BAKHTIN, 2000, p. 320)

Quanto à questão, “de que lhe falo eu (banca)?”, os professores que compõem a banca responderiam que falam sobre temas relativos à língua portuguesa, pois a prova é de língua portuguesa, além de temas atuais, para avaliar o que o aluno tem lido e/ou se é uma pessoa bem informada. Com base no que propõe o manual do candidato e a partir das abordagens teóricas que se destacam na academia, a banca elabora o seu dizer, tentando evitar, entretanto, que as respostas possam vir a ser muito heterogêneas entre si, o que impossibilitaria a correção.

As imagens que a banca tem de si, dos candidatos que respondem as questões da prova discursiva de língua portuguesa e dos temas nela contidos compõem, portanto, um quadro que, em nossa opinião, pode revelar bastante das condições em que os discursos das bancas são produzidos.

Servem de instrumento para o diálogo, para essa relação de interação verbal entre o professor (banca) e o aluno (candidato), os “[...] mesmos tipos de frase empregados na comunicação ordinária submetidos, porém, a um processo de elaboração cuidadoso” (CHOCIAY, 1998, p. 52). Ao analisar questões de provas discursivas da Vunesp, o autor verifica que:

os enunciados das perguntas desenvolvem-se em dois itens que podem ser denominados, respectivamente, comentário e solicitação. Por meio do comentário são fornecidos ao candidato esclarecimentos sobre o aspecto ou

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o pormenor do texto focalizado; por meio da solicitação se formula a pergunta propriamente dita, dividida em dois subitens (CHOCIAY, 1998, p. 61).

A vantagem desse tipo de questão é que, segundo ele, o comentário acaba por criar para o candidato “um contexto a partir do qual sua capacidade de observação, análise e interpretação poderá operar-se sem maiores entraves [...]”, o que procuraremos observar no momento das análises. (CHOCIAY, 1998, p. 63).

No tópico seguinte, passamos a analisar questões da prova discursiva de LP propostas pelo Centro de Seleção da UFG no PS 2011.

3 Análise da prova discursiva de língua portuguesa do Processos Seletivo 2011 da UFG A segunda etapa do PS 2011 da UFG se realizou em dois dias. No primeiro dia, os candidatos receberam o Caderno de questões1 contendo as questões discursivas de Língua Portuguesa, Literatura e Química. A prova de Língua Portuguesa inicia-se com a apresentação do texto “E SE as pessoas respirassem debaixo d’ água?” de Fernando Brito, publicado pela revista Superinteressante em setembro de 2010, a partir do qual os candidatos devem responder cinco questões. Na primeira metade do texto, o autor utiliza apenas a linguagem verbal e na segunda metade aparece também a linguagem não-verbal por meio de ilustrações de Alexandre Jubran. O texto apresentado faz parte do comentário que antecede cada uma das solicitações presentes em cada questão.

Desde a década de 1970, como conseqüência da importância que a teoria da comunicação assumiu no meio acadêmico, a UFG passou a incluir gêneros exclusivamente não-verbais, como fotografia, além de outros que aliam o não-verbal ao verbal ___ como quadrinhos e o utilizado na prova do PS 2011 ___ para serem interpretados, revelando uma mudança em relação aos critérios para a seleção dos textos, não apenas literários, mas, sobretudo,

por critérios de intensidade de sua presença nas práticas sociais: textos de jornais e revistas, histórias em quadrinhos, publicidade, humor passam a conviver com os textos literários; amplia-se, assim, o conceito de ‘leitura’: não só a recepção e interpretação do texto verbal, mas também do texto não-verbal [...]”. (SOARES, 2002, p. 170).

Além da inclusão de tais gêneros nas provas, há questões que versam exatamente sobre a necessidade de se observar com atenção a complementaridade das linguagens, verbal e não-verbal, para a construção dos efeitos de sentido. É sobre isso que trata a primeira solicitação da segunda questão da prova em análise.

Em todas as cinco questões apresentadas, no comentário, são feitas afirmações que ancoram as perguntas.

• “Para instaurar e desenvolver a temática da vida humana debaixo d´água, o autor utiliza estratégias discursivas diferentes”. (Questão 01, UFG, 2011).

• “A linguagem visual gráfica e a linguagem verbal se complementam para o estabelecimento das representações sociais promovidas no texto”. (Questão 02, UFG, 2011).

• “O corpo dos seres aquáticos é resultado de um processo de adaptação à densidade da água, e, por isso, eles apresentam características físicas específicas”. (Questão 03, UFG, 2011).

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O “Caderno de questões” é o suporte utilizado pela UFG para as questões das provas e para as respostas dadas pelos candidatos.

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• “Tanto as sereias quanto I-Juca-Pirama são personagens conhecidos pelo seu canto. As sereias têm um canto de sedução”. (Questão 04, UFG, 2011).

• “Ao nomear o mundo debaixo d'água como o mundo de glub glub, o autor utiliza um recurso de linguagem”. (Questão 05, UFG, 2011).

As afirmações acima podem ser compreendidas tanto como orientação aos candidatos, para que os mesmos se desviem menos dos aspectos que a banca pretende focalizar, como também uma estratégia de fechamento de sentidos, visto que as respostas dos candidatos não podem ser muito díspares entre si, o que dificultaria ou mesmo impossibilitaria o processo de correção.

Com relação à solicitação, a primeira questão está dividida em dois itens, a e b. No a, são feitas duas perguntas e no item b mais duas; na segunda questão, a solicitação aparece na forma de três itens, a, b e c; na terceira são feitas duas perguntas, a e b; na quarta, o comentário e a solicitação se sucedem, sem a presença de itens. Entretanto, pode ser observada a presença de duas perguntas; na quinta, a solicitação é feita em três itens, a, b e c. Nas solicitações, observa-se um equilíbrio entre as questões que são mais objetivas, em que os candidatos são solicitados a classificar, citar, identificar e as perguntas que se caracterizam por serem um pouco mais subjetivas, nas quais se solicita que os mesmos expliquem algo.

Ao longo do tempo, teorias gramaticais e lingüísticas vêm fundamentando a prática pedagógica de professores e pesquisadores. Não é diferente o que ocorre com a banca que elabora as provas de vestibular. Em trabalho anterior, identificamos a influência da Gramática tradicional, da Teoria da comunicação, da Lingüística textual, da Sociolinguística, da Análise do discurso, dentre outras, nas questões das provas discursivas de LP do PS da UFG. Nessa direção, na prova do PS 2011, destacamos, além da questão 02, já mencionada por propor a análise de um texto que une as linguagens verbal e não-verbal, legado dos estudos da Teoria da comunicação; o emprego do termo “estratégias discursivas”, que remete ao campo dos estudos do discurso, campo mais estudado hoje pela área de Letras; e ao recurso de linguagem onomatopéia, mencionado na última questão e abordado em todos os compêndios gramaticais. Vale ressaltar que, apesar de ainda se fazer presente, tem diminuído a cobrança pela UFG, na prova discursiva de LP, de um conhecimento teórico explícito de conteúdos gramaticais e lingüísticos. Cada vez mais, o que se exige dos candidatos é a capacidade de ler e interpretar e não apenas o domínio de uma nomenclatura e conceitos específicos para abordar fenômenos relativos à linguagem e/ou à língua portuguesa.

Considerações finais

Considerar as provas discursivas de LP como um gênero, ou, ao menos, um sub-gênero ___ é bastante provável que as provas discursivas de outras áreas também possam ser englobadas em um mesmo gênero ___, nos dá a possibilidade de arriscar a dizer algo sobre seu estilo, seu conteúdo temático e sua estrutura composicional.

Para começar, pensemos sobre seu conteúdo temático que, apesar de não ser o assunto específico de um texto, pode ser entendido como um domínio de sentido de que um gênero se ocupa, com estreita vinculação com outros gêneros pertencentes à mesma esfera de atividade. Considerando as questões discursivas de língua portuguesa como um gênero do discurso pedagógico que se vincula ao ensino como esfera de atividade, podemos supor que existam tantos outros gêneros pertencentes a esse setor que compartilham com as questões discursivas praticamente o mesmo domínio de sentido.

Analisando as cinco questões da prova discursiva de LP do PS 211, podemos afirmar que elas funcionam como um espaço privilegiado para a emergência de discursos que objetivam comentar, descrever e analisar a linguagem e a língua portuguesa. Para

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exemplificar, basta lembrarmos da segunda questão, em que, no comentário, há uma nota sobre a interdependência entre linguagem verbal e não-verbal e a última, em que se solicita que se classifique e explique o uso no texto de uma onomatopéia.

No que diz respeito à construção composicional das questões, destacamos que são constituídas de comentário e solicitação, o que contribui para que o candidato às vagas da UFG possa exercer sua capacidade de observação, análise e interpretação sem maiores dificuldades. Como pudemos verificar, os comentários orientam os candidatos, contribuindo diretamente para que eles tenham condições favoráveis para elaborar suas respostas.

De certo modo, contradizendo o que propõe o manual de candidato 2011, no qual se afirma que a leitura é um processo ativo de construção de sentidos, os comentários que antecedem as solicitações restringem as possibilidades de leitura. Isso ocorre, principalmente, em razão da necessidade de cerceamento das respostas ___ o que possibilita a correção das questões ___ e por se dar o processo interativo num quadro institucional que, como qualquer outro, restringe a enunciação.

Na prova de 2011, faz parte de todos os comentários um gênero de outra esfera, a saber, a reportagem da revista Superinteressante. Assim, esse gênero passa “de um gênero para outro”, em razão de estar “colocado em outro contexto, ou seja, em outra esfera de atividade” (FIORIN, 2006, p. 72), além do que a mudança de suporte contribui para a passagem de um gênero a outro. Evidencia-se, assim, a presença bastante forte da heterogeneidade mostrada, especialmente a marcada, talvez porque a UFG defenda, como propõe no manual do candidato, que os textos escolhidos para a elaboração das provas sejam variados, pertencendo a gêneros diversos, com as mais diferentes funções. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS, 2011),

Conforme expõe Marcuschi (2002b, p. 5), na composição dos gêneros entram seqüências estruturais sistemáticas a que ele denomina tipos textuais, os quais abrangem algumas poucas categorias conhecidas: a narração, a argumentação, a exposição, a descrição e a injunção. Tidos como tipologicamente heterogêneos, os gêneros podem se constituir da combinação de diversos tipos, nas mais variadas ordens. Como não poderia ser diferente, isso ocorre com o gênero em análise. Porém, queremos ressaltar a importância que a seqüência tipológica injuntiva adquire nesse gênero, na medida em que “com a seqüência injuntiva, o agente-produtor tem como objetivo fazer agir o destinatário e não só fazer ver” (SOUSA, 2002, p. 162). Assim, nas questões analisadas, aparecem, com certa freqüência, verbos no imperativo: identifique, cite, explique, classifique e os pronomes interrogativos que, qual, quais, por que.

Os verbos e os pronomes citados acima contribuem para compor o estilo desse gênero, pois, como define Fiorin (2006, p. 62), o estilo é uma “uma seleção de certos meios lexicais, fraseológicos e gramaticais em função da imagem do interlocutor e de como se presume sua compreensão responsiva ativa do enunciado”.

Para finalizar, parece-nos possível afirmar que a banca constrói uma imagem dos vestibulandos como indivíduos sobre os quais ela possui um poder dado pela sua posição sócio-histórica, cabendo-lhe solicitar, deles, mais uma capacidade de ler e interpretar um texto e de analisar os recursos lingüísticos empregados em sua construção do que um conhecimento teórico-terminológico e temático para refletir sobre a língua.

Referências bibliográficas

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BRASIL, Secretaria de educação fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: língua portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1997.

CHOCIAY, R. Língua portuguesa no vestibular da UNESP: das perguntas às respostas. São Paulo: Imprensa Oficial, 1998.

FIORIN, J. L. Introdução ao pensamento de Bakhtin. São Paulo: Ática, 2006. GERALDI, J.W. Portos de Passagem. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

MARCUSCHI, L. A. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: ______DIONÍSIO, A. P.; MACHADO, A. R.; BEZERRA, M. A. Gêneros textuais e ensino. Rio de Janeiro:

Lucerna, 2002a.

______. Gêneros textuais e ensino de língua. Pernambuco: Universidade Federal e Pernambuco, 2002b. Mimeografado.

______. A questão do suporte dos gêneros textuais. Pernambuco: Universidade Federal e Pernambuco, 2003. Mimeografado.

PÊCHEUX, M. Análise automática do discurso. In: GADET, F e HAK, T (Orgs.). Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. Campinas: Editora da UNICAMP, 1993.

ROCCO, M. T. F. O vestibular e a prova de redação. Estudos em avaliação educacional, São Paulo, n. 11, p. 23-39, jan./jun. 1995.

RODRIGUES, R. H. O artigo jornalístico e o ensino da produção escrita. In: ROJO, R. (Org.). A prática de linguagem em sala de aula: praticando os PCNs. São Paulo: EDUC; Campinas: Mercado de Letras, 2002.

SOARES, Magda. Português na escola: história de uma disciplina curricular. In: BAGNO, Marcos (Org.). Lingüística da norma. São Paulo: Edições Loyola, 2002.

SOUSA, K. M. de. A redação no vestibular: textos que realizam gêneros ou tipologias? 2002. 215 f. Tese (Doutorado em Lingüística e Língua Portuguesa)-Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, Araraquara, 2002.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS. Centro de seleção. Manual do candidato: processo seletivo 2011. Goiânia, 2011.

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ANEXO

PROCESSO SELETIVO 2011 – UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS PROVA DISCURSIVA DE LÍNGUA PORTUGUESA

LÍNGUA PORTUGUESA

Leia o texto a seguir para responder às questões de 1 a 5. E SE...

as pessoas respirassem debaixo d'água? Fernando Brito

Aquaman, Pequena Sereia, Bob Esponja... Esses têm sorte. Saem mergulhando mar afora sem se preocupar. Para nós, personagens da vida real, a evolução não foi tão bacana. Ficou no quase: descendentes de seres que viviam na água, até hoje desenvolvemos fendas branquiais como as de peixes e anfíbios. Mas só quando embriões. Logo elas desaparecem para dar lugar à parte da laringe e ossos do ouvido e garganta.

Uma revolução e tanto aconteceria se as fendas continuassem lá. O principal: poderíamos respirar debaixo d'água. Contaríamos com os pulmões para respirar em terra e as brânquias (ou guelras) para a água. Com um sistema respiratório como esse, seríamos parecidos com os anfíbios. Parentes de sapos e salamandras. Nosso corpo precisaria estar sempre úmido – ou a pele, acostumada à água, desidrataria. Por isso viveríamos mais na água do que na terra, sempre circulando por regiões costeiras e rios. Mas não daria para mergulhar tão fundo porque a pressão da água aumenta com a profundidade e começa a esmagar nosso corpo. Poderíamos chegar até uns 500 metros, como leões-marinhos, que também vivem no seco e no molhado. Isso já estaria de bom tamanho: hoje só descemos até 40 metros em mergulhos com cilindro e precisamos de vários dias de adaptação para chegar a no máximo 300 metros. A terra firme não seria abandonada por completo. Ela nos daria alimentos e espaço para atividades que ninguém gostaria de ver debaixo d'água, como o despejo de lixo. Mas o mar seria o nosso principal habitat. E uma grande fonte de energia. Veja como seria esse mundo de glub glub.

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QUESTÃO 1

Para instaurar e desenvolver a temática da vida humana debaixo d´água, o autor utiliza estratégias discursivas diferentes.

a) Que estratégia instaura a temática e em qual ideia a formulação dessa estratégia se apoia? (2,5 pontos)

b) Que estratégia é usada para o desenvolvimento temático e quais ideias são relacionadas para efetivar essa estratégia? (2,5 pontos)

QUESTÃO 2

A linguagem visual gráfica e a linguagem verbal se complementam para o estabelecimento das representações sociais promovidas no texto.

a) Identifique a que tipo específico de sociedade remete a leitura do primeiro plano da ilustração. (1,0 ponto)

b) Cite dois elementos caracterizadores dessa sociedade. (1,5 pontos)

c) No trecho Todo mundo que fosse alguém moraria perto da superfície – lá, o metro cúbico seria mais caro por causa da pressão menor, a palavra alguém contribui para expressar um critério de distinção das pessoas na escala social. Que critério leva um ser humano a ser reconhecido como alguém e que ideia fundamenta esse critério? (2,5 pontos)

QUESTÃO 3

O corpo dos seres aquáticos é resultado de um processo de adaptação à densidade da água, e, por isso, eles apresentam características físicas específicas.

a) Identifique essas características. (2,0 pontos)

b) Explique por que a sereia Ariel contradiz esse perfil. (3,0 pontos) QUESTÃO 4

Tanto as sereias quanto I-Juca-Pirama são personagens conhecidos pelo seu canto. As sereias têm um canto de sedução. Que tipo de canto os timbiras exigem que I-Juca-Pirama entoe e o que é exaltado nesse canto? (5,0 pontos)

QUESTÃO 5

Ao nomear o mundo debaixo d'água como o mundo de glub glub, o autor utiliza um recurso de linguagem. A respeito desse recurso,

a) classifique-o; (1,0 ponto)

b) explique sua construção no texto; (2,0 pontos)

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