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Professor Ubiratan Castro de Araujo na Fundação Cultural PALMARES

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Academic year: 2021

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Professor Ubiratan Castro de Araujo na Fundação Cultural

PALMARES

O ano de 2003 foi emblemático para o Brasil. A cultura negra não ficou imune a esse vendaval de mudanças.

Luis Inácio Lula da Silva, um ex-operario nordestino, assumiu a presidência do país em clima de esperança e otimismo do povo brasileiro.

Para comandar a área da cultura, Lula convidou o cantor e compositor Gilberto Gil.

Foi sob o comando dessa dupla, que o Professor Ubiratan Castro de Araújo assumiu a presidência da Fundação Cultural Palmares/FCP, uma vinculada do Ministério da Cultura/MinC.

Nos meses iniciais do primeiro mandato, o presidente Lula tomou duas decisões importantes para a comunidade negra brasileira. Em janeiro de 2003, assinou a Lei 10.639 que institui a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afrobrasileira. A dez mil, como por vezes nos referimos a ela, coroou batalhas antigas pelo reconhecimento do papel da educação na produção, manutenção e/ou reprodução das práticas racistas. Em março, mais especificamente no dia 21– Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial - foi criada a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial/SEPPIR, órgão com status de ministério, responsável por articular, promover e garantir que o governo federal, por meio de suas políticas, combata o racismo e promova a igualdade entre os diversos povos que fazem o Brasil.

O ministro Gil expressou no discurso de posse sua leitura do significado da eleição de Lula e de seu próprio papel à frente do MinC.

"A eleição de Luiz Inácio Lula da Silva foi a mais eloqüente manifestação da nação brasileira pela necessidade e pela urgência da mudança. (...) É também nesse horizonte que entendo o desejo do presidente Lula de que eu assuma o Ministério da Cultura. Escolha

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prática, mas também simbólica, de um homem do povo como ele. (...)”1

Gilberto Gil expressou em sua mensagem inaugural forte disposição de rever o papel do Estado, e do MinC em particular, no trato com a cultura, bem como de libertar as políticas formuladas pelo Ministério das prerrogativas impostas pelo mercado e de uma concepção elitista de cultura.

Ainda em seu discurso de posse, Gilberto Gil expressou a concepção de cultura que orientaria a sua gestão. O então ministro concebia Cultura “como usina de símbolos de um povo” e frisava que “o acesso à cultura é um direito básico de cidadania”. Desta forma, a cultura deveria estar associada ao projeto de mudança protagonizado pelo governo Lula. A cultura deveria, igualmente, atuar no combate às desigualdades sociais. Dessa forma, Gil destacava a importância do MinC, em sua missão de formular a política pública de cultura do Brasil, fazer “uma espécie de ‘do-in’ antropológico, massageando pontos vitais, mas momentaneamente desprezados ou adormecidos, do corpo cultural do país”.

Atento a diversidade cultural brasileira e a força da presença africana e afrobrasileira, Gilberto Gil abordou a resistência cultural negra em artigo publicado na Revista da FCP. Para ele,

“A marca original da nossa cultura negra brasileira é a sua obstinada resistência. (...)os negros brasileiros constituíram na cultura o seu território de resistência.”2

No rastro dos cuidados com os pontos desconsiderados, o ministro Gil instou a equipe do MinC a pensar uma política de cultura voltada para o exercício da cidadania, o que resultou na implementação de programas, projetos e ações, nos quais podemos identificar uma perspectiva inclusiva. Assim, analisamos o Programa Cultura Viva – Pontos de Cultura e o incremento da política de valorização do patrimônio imaterial, sob o comando do IPHAN, que na gestão de Gilberto Gil viabilizou o registro de diversas expressões da cultura negra, como o Samba de Roda do Recôncavo Baiano;

1 Discurso de posse de Gilberto Gil em primeiro de janeiro de 2003. 2

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o Ofício das Baianas de Acarajé; o Jongo no Sudeste; o Tambor de Crioula do Maranhão; as Matrizes do Samba no Rio de Janeiro: Partido Alto, Samba de Terreiro e Samba-Enredo; a Roda de Capoeira e o Ofício dos Mestres de Capoeira, só para ficar com as mais conhecidas.

O Professor Ubiratan Castro de Araujo viveu, leu, analisou e interveio nesse cenário de forma qualificada, perspicaz e inovadora, como intelectual inquieto e comprometido que era.

Da mesma forma feita no Centro de Estudos Afro-Orientais/CEAO-UFBA, dirigido por ele no período de 1999 a 2003, sua primeira atitude ao chegar na FCP foi ampliar o leque de diálogos da Instituição. Professor Ubiratan no exercício da gestão pública defendeu ardorosamente que as portas das instituições estivessem sempre abertas e receptivas às pessoas. Em sua gestão, a FCP teve grande visibilidade e dialogou com diferentes segmentos sociais.

Com formação em Direito, História, com incursão no mundo literário e com diálogo com diversos segmentos do Movimento Negro, da academia e do campo político como um todo, com o Prof. Ubiratan a FCP se fez presente em diferentes espaços religiosos e territórios negros como os quilombos, as manifestações culturais negras, os projetos desenvolvidos por artistas e militantes negros de todo o Brasil. Muitas foram as participações em seminários, palestras, encontros, oficinas e conferências nacionais e internacionais, quando Professor Ubiratan explanava sobre a cultura negra no Brasil articulando de forma magistral experiências negras vivenciadas nos países africanos, nos trajetos para o novo mundo, nas praças de vendas de escravizados, nas senzalas, nas casas grandes, nas fazendas, nas cidades, nos tantos espaços de sociabilidade criados pelos africanos e seus descendentes no Brasil e na diáspora. A sensação que ficava após cada encontro com professor Ubiratan era de que a cultura negra estava mais viva que nunca. A forma como ele aproximava as experiências cotidianas, políticas, culturais, econômicas, artísticas e intelectuais negras não deixava dúvida das singularidades vivenciadas pela comunidade negra brasileira e, mais ainda, do

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papel de uma fundação cultural na defesa e preservação desse rico patrimônio.

Era com essa certeza que ele representava a FCP nos distintos espaços voltados para construção das políticas públicas de interesse da população negra. Os embates e enfrentamentos foram muitos. Impossível relatá-los em um único texto. Farei, portanto, algumas escolhas. Destacarei a atuação da Palmares no campo quilombola, na produção do conhecimento e na área da comunicação.

No que tange a questão quilombola, à época do Prof. Ubiratan, a legislação que tratava da implementação do artigo 68 da ADCT compreendia como terras passíveis de serem reconhecidas como quilombolas, apenas comunidades que “eram ocupadas por quilombos em 1888 e estavam ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos em 5 de

outubro de 1988”.3

Portanto, imperava uma noção de quilombo distante, estanque e nada representativa do dinamismo desse segmento populacional. Essa concepção acarretava sérios problemas para as populações no que se refere ao reconhecimento de suas identidades e titulação de suas terras, reivindicações centrais da luta quilombola.

Fruto de intensa participação e formatação teórica do Prof. Ubiratan, a legislação foi revista, resultando na aprovação do Decreto Federal de numero 4.887/2003.

Aprovado em 20/11/2003, os quilombolas, a partir do referido decreto, passaram a ser concebidos em sua historicidade, sempre dinâmica.

O segundo artigo do novo decreto expressa mudanças significativas. Além da autoidentificação, a trajetória histórica e seus nexos com a ancestralidade negra e com a tragédias do escravismo e do racismo foram tomadas como marcas identitárias das comunidades quilombolas.

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“Art. 2o Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, para os fins deste Decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida.”

Tive a oportunidade de escutar o professor Ubiratan relatar inúmeras vezes os embates teóricos travados nas reuniões com os demais órgãos envolvidos, sempre refratários à ideia de um Movimento Quilombola atual e atuante.

Garantir aos quilombolas o direito de definir sua identidade e reconhecer as práticas culturais como avalistas de suas propriedades fundiárias foi a bandeira defendida pela Palmares do professor Ubiratan na formulação das políticas para os quilombos.

Naquele período, 2003 a 2006, a questão ganhou atenção especial, inclusive com a criação de organismos específicos em diferentes ministérios. A FCP e o INCRA, pioneiros no trato com os quilombolas, estiveram presentes em todas as negociações. A capacidade de diálogo baseada no respeito foi fundamental, em momentos por vezes tensos de reconfiguração das políticas quilombolas. A FCP, ao transferir para o INCRA a tarefa de titulação das terras quilombolas, fortaleceu-se em sua missão cultural de reconhecer, certificar e apoiar as comunidades quilombolas, como patrimônio cultural que são.

A luta quilombola continua e muitos embates ainda estão por vir. Professor Ubiratan contribuiu de maneira fundamental.

Outra área que destaco na gestão do professor Ubiratan é o incentivo à

difusão de conhecimentos sobre a cultura negra, em especial a produção da intelectualidade negra,

Vale trazer trecho do editorial da revista Palmares:

“A Revista PALMARES – CULTURA AFRO-BRASILEIRA é uma iniciativa da Fundação Cultural Palmares, do Ministério da Cultura, que tem como objetivo principal a instituição de um veículo de divulgação da produção cultural dos artistas, dos militantes e dos

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intelectuais negros brasileiros. Desde já esconjuramos a tentação de uma publicação veiculadora de qualquer tipo de propaganda institucional. Acreditamos que o papel de uma fundação pública de cultura negra é promover a produção e a circulação de ideias referenciadas no patrimônio cultural que nos foi legado por nossos antepassados africanos, capazes de fortalecer nossa identidade e, ao mesmo tempo, estabelecer o diálogo com todos os componentes da diversidade cultural brasileira.”4

Com essa compreensão, a Fundação Palmares durante a gestão do Professor Ubiratan lançou a revista Palmares (três números); promoveu o premio palmares de comunicação (10 radiodocumentários e 07 videodocumentarios premiados); imprimiu em cd a serie Heróis de Todo Mundo do projeto A Cor da Cultura para uso geral,em especial no sistema radiofônico; publicou dezenas de livros, cartazes, posters, folders.

Na perspectiva de ampliar o acesso aos conhecimentos produzidos, muitas dessas publicações saíram também em formato cd, cd-room e foram disponibilizados em pdf no sítio eletrônico da FCP.

Portas abertas, difusão dos saberes e de seus produtores, diálogo amplo visando a garantia dos direitos das culturas e pessoas negras, eis, a meu ver, uma síntese da atuação do professor Ubiratan no mundo e na Fundação Cultural Palmares.

Martha Rosa Figueira Queiroz

Historiadora, trabalhou com Professor Ubiratan Castro de Araújo no CEAO (2000-2003) e na FCP (2003- 2006). Atualmente é chefe de Gabinete da FCP/MinC.

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Referências

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