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A vida como obra de arte: ética em Nietzsche?

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A vida como obra de

arte: ética em Nietzsche?

Adriel D. Vieira, RA 420506 Novembro/2008

Monografia apresentada para conclusão da disciplina de Ética Profissional, no 10º termo do curso de Psicologia, ministrado pelo Prof. Dr. Ari Fernando Maia.

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A vida como obra de arte: ética em Nietzsche?

Nietzsche nunca chegou a tratar especificamente sobre a ética, porém é possível vislumbrar uma ética no bojo de sua crítica à moral que apresenta como saída a

transvaloração dos valores1. A crítica à moral estabelecida por Nietzsche vai fundo através de uma genealogia da moral2, onde o filósofo investigará o próprio valor dos valores, para então destituir da moral o peso da verdade universal, abrindo possibilidades para o surgimento de um homem capaz de inventar a si mesmo, o que sustentaria uma condição na qual a vida não estaria sob o jugo de um exército de critérios como “bom” e “mau”, “certo” e “errado”, “verdade” e “mentira”, etc.

No contexto da superação dos modos de viver do homem moderno que até então tem contribuído para uma negação da vida, a arte, da perspectiva de Nietzsche, é um dos elementos fundamentais para afirmação do devir. Através da arte e suas manifestações na música, no teatro e em outras criações, é possível atingir o âmago da vida, evitar a decadência, libertar o homem do niilismo3, criar sentido e intensificar o viver. No contexto dessa força transformadora, é possível trazer em tona uma implicação ética a partir da arte enquanto fenômeno estético que contribui para a alegria do viver.

Uma leitura cronológica da obra de Nietzsche revela que em um primeiro momento – O nascimento da tragédia, ou helenismo e pessimismo (1886) - a arte surge enquanto uma “atividade verdadeiramente metafísica”, e mais tarde o próprio filósofo anuncia sua modificação em uma anotação de “Humano, demasiado humano”, dizendo que suas posições metafísico-estéticas a respeito da arte foram agradáveis, porém insustentáveis (Safranski, 2004).

Em "Miscelânea de opiniões e sentenças" (1879), complemento de “Humano, demasiado humano” (1886) a arte perde o seu caráter de essencialidade metafísica e passa a ser uma força ativa para o homem criar e dar sentido à vida. No aforismo §174

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A transvaloração de valores perpassa por toda obra de Nietzsche, remetendo à superação dos valores que negam a vida para a criação de novos valores. Busca uma superação dos valores já arraigados, principalmente pelo pensamento socrático-platônico e pela moral cristã; o que implicaria em uma abertura para outras perspectivas da relação homem e mundo.

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Genealogia da moral é um método que Nietzsche utiliza para explicar as origens de um valor moral, o que implica em esclarecer sobre as condições e circunstâncias nas quais nasceram e vingaram determinados juízos de valor.

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O termo niilismo aparece sob várias configurações na obra de Nietzsche. De maneira geral, refere-se a uma inércia criativa perante a vida, que aparece esvaziada de valores e vista sob uma ótica de negação e experimentada como um fardo.

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do complemento, Nietzsche deixa bem claro essa mudança de foco artístico e conseqüentemente do sentido que esta implica para a vida:

“A arte deve antes de tudo e primeiramente embelezar a vida, portanto, fazer com que nós próprios nos tornemos suportáveis e, se possível, agradáveis uns aos outros: com essa tarefa em vista, ela nos modera e nos refreia, cria formas de trato, impõe aos indivíduos leis do decoro, do asseio, de cortesia, de falar e calar no momento oportuno. A arte deve, além disso, ocultar ou reinterpretar tudo o que é feio, aquele lado penoso, apavorante, repugnante que, a despeito de todo esforço, irrompe sempre de novo, de acordo com o que é próprio à natureza humana: deve proceder desse modo especialmente em vista das paixões e das dores e angústias da alma e, no inevitável e irremediavelmente feio, fazer transparecer o significativo. (...)” – (Nietzsche, Miscelânea de opiniões e sentenças, 2007, p.81)

Esse trecho mostra que a arte pode embelezar a vida quando se sai de uma posição de simples contemplação para uma de aquisição de hábitos e atributos de criador, na qual o homem passa a ser artista da própria existência. Sem destituir a importância da arte, Nietzsche retira sua essência metafísica que havia posto inicialmente, e a coloca como tarefa de criar a si mesmo como obra de arte, o que evidencia também, um caráter ético presente nessa relação da vida com a arte que irá contribuir para o processo de subjetivação. Sua oposição aqui, se verifica à deificação, à idolatria das obras de arte que, por atribuir todos os privilégios da criação ao gênio, deixa de criar a si mesmo, o que se configura para Nietzsche em um desperdício de forças.

Destituída de essência e do caráter primordial, a arte passa a figurar como mais um elemento para dar sentido à vida. No aforismo §107 de “A Gaia Ciência (2001)” Nietzsche nos diz:

“(...) Como fenômeno estético a existência ainda nos é suportável, e por meio da arte nos são dados olhos e mãos e, sobretudo, boa consciência, para poder fazer de nós mesmos um tal fenômeno. (...)” (p.132)

Feita tais considerações, este trabalho considerará a arte dentro da perspectiva mais tardia de Nietzsche, sem, contudo, abandonar a primeira obra de Nietzsche, O

nascimento da tragédia, ou helenismo e pessimismo (1886)4, que apresenta idéias fundamentais para se compreender a relação da arte enquanto afirmação da vida, o que será bastante esclarecedor para fundamentar a ética dentro do plano estético da arte.

Mesmo que Nietzsche tenha abdicado do valor metafísico da arte, este nunca deixou de ser um tema de importância em suas reflexões filosóficas. Surge em um

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primeiro momento, com grande veemência, em NT e irá persistir até os seus últimos escritos, sempre com o caráter de conferir um sentido à vida, dignificá-la, capaz de nos seduzir para que possamos continuar dizendo “Sim à vida!” (Safranski, 2004).

As formas artísticas compreendem na obra de Nietzsche, uma profunda conexão do processo de simbolização com a força e potência da vida que é a vontade de

potência. Em seus “Fragmentos póstumos (1993)”, Nietzsche diz que “Nós temos a arte

a fim de não morrer de verdade”, o que implica em uma forma de convergência entre a ética e a estética, onde ambas se constroem a partir da união entre força e forma. A arte e a vida se encontram porque o trabalho de simbolização das formas artísticas é uma experiência ética de exaltação da existência.

Na primeira fase de produção de Nietzsche a vida é concebida como vontade5, desejo, força cega que escapa à razão humana. A vida implica absolutamente em morte, de tal forma que do ponto de vista racional ela se torna absurda. Parece que até aqui Schopenhauer e Nietzsche concordam, mas este último divergiu fundamentalmente de seu inicial mestre, exigiu uma arte otimista como remédio para nos curar e salvar desta verdade insuportável, em detrimento dos caminhos de negação da vontade que Schopenhauer irá assumir enquanto condição para suportar a própria vida. Nietzsche, longe dos filósofos metafísicos que querem “verdade a todo custo”, “querem expor à luz, desvelar, descobrir, tudo absolutamente que por razões é mantido oculto” (A gaia ciência, 2001, p.14), não pretende desvendar o inaudito. Nesse sentido, a ética na arte de Nietzsche sustenta a criação que se encontra na aparência, da ilusão que celebra e tonifica a vida, “pois só como fenômeno estético podem a existência e o mundo justificar-se eternamente” (NT, §5, p.47). A vontade criadora em relação com a arte surge então como uma força que pode potencializar a vida. A atividade artística pode comportar uma espécie de subjetividade intensiva para o “eu sou6” que excede os limites da razão e faz do júbilo a experiência da vida.

Nietzsche enquanto filósofo da cultura meditará sobre a arte grega, os gregos e a tragédia, e a relação da arte com a vida, pois viu no povo helênico um momento onde a vida era afirmada incondicionalmente (Safranski, 2004). Nessas reflexões, em NT,

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Schopenhauer influenciou profundamente a obra de Nietzsche no início, sobretudo com a sua concepção de vida como sendo essencialmente vontade, porém desde o início a idéia de vontade em Nietzsche é percebida como vontade criadora (Dias, 1997).

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"Atrás de seus pensamentos e sentimentos, meu irmão, há um senhor mais poderoso, um sábio desconhecido – ele se chama 'eu sou'. Habita teu corpo; é o teu corpo." (Assim falou Zaratustra, p. 40, Martin Claret: 2000)

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Nietzsche percebe que houve uma ruptura com a tragédia grega que atestava uma postura de afirmação à vida que irá marcar profundamente a cultura ocidental, tornando-a doente: em comtornando-a, pois sofre de niilismo. Os sintomtornando-as desstornando-a culturtornando-a mtornando-anifesttornando-ar-se-ão na tradição filosófica, moral e religiosa.

Em sua busca genealógica Nietzsche encontra no pensamento socrático a origem desse processo de decadência cultural, pois foi este modo de pensar metafísico e idealista que vingou como base para nossa civilização. “Toda arte, desde a morte da tragédia pelas mãos do socratismo, ficou relegada ao ‘outro’, que não a ‘verdade’. A arte ficou desvinculada da vida, é esta a denúncia de Nietzsche” (Mosé, 2005, p. 232). É nesse combate contra a metafísica socrática, uma das lutas incessantes na obra de Nietzsche, que ele irá atribuir ao artista, enquanto gênio transfigurador, a tarefa de restaurar a saúde da cultura, fazendo da arte uma exaltação para a força vital do homem. Na obra NT, Nietzsche nos apresenta sua estética pela qual entende não somente o estudo das obras de artes, mas também sua genealogia e efeitos na cultura e na vida das civilizações. Visando não somente uma intelectualidade lógica e operando plasticamente, livre de conceitos, ele vê em dois grandes deuses da arte grega, Apolo e Dionísio, recursos para interpretação da vida, compreendendo-os como impulsos estéticos que não pertencem ao homem, mas à própria natureza. Através destas duas pulsões, Nietzsche irá determinar as contraposições entre as forças que atuam no contínuo desenvolvimento da arte.

Apolo é o deus da forma que se manifesta na arte figurada plasticamente, a arte apolínea; e Dionísio é o pai da arte não figurada, da música, a arte dionisíaca. É através desta leitura inovadora de impulsos da vida que Nietzsche irá buscar entender como essas forças se encontram e se reconciliam na tragédia grega.

Para Lima (2005) é através do signo representado pelos deuses Dionísio e Apolo que Nietzsche vai elaborar o seu pensamento estético-metafísico em NT. Dionísio e Apolo são símbolos da idéia e da representação. Representavam no povo helênico, respectivamente, a junção dos impulsos da embriaguez e da forma. Era na reconciliação com essas duas forças que para Nietzsche o grego pré-socrático conseguiu criar a arte maior: a tragédia grega (Nascimento, 2006). Nesse sentido, apolíneo e dionisíaco serão interpretados como impulsos presentes na base da civilização, da cultura e da arte, e o predomínio de uma ou outra força determinará uma dada configuração cultural, sendo a perfeita síntese dessas forças encontrada na tragédia grega pré-socrática.

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Com o pensamento socrático essas duas forças serão separadas, provocando a morte da arte trágica e produzindo o homem da razão que carrega em seu itinerário a dualidade manifesta na separação do mundo.

Nietzsche dirá que "Afinal, a estética não passa de fisiologia aplicada" (Nietzsche contra Wagner, 1999, p.53). Nesse sentido, apolíneo e dionisíaco são impulsos que se satisfazem no bojo de estados fisiológicos. No sonho onde a bela aparência da forma se expressa em Apolo, de um lado, e na embriaguez que não é senão a manifestação fisiológica do estado dionisíaco; sonho e embriaguez, para Nietzsche, são primordiais estados estéticos que clamam por uma libertação dos limites da consciência empírica, já que a criação da arte não encontra um “eu consciente” como autor, mas a força criadora como potência para a constante necessidade de afirmação incondicional da vida.

Contudo, nessa relação entre a vida e a arte, desponta um estado de aparência que se sabe aparência, ilusão que se sabe ilusão, sem se confundir com realidade empírica. São como paisagens nas quais vivemos e sofremos sem perder de vista a sensação da aparência. Para Nietzsche, se estamos suscetível ao artístico diante da realidade de um sonho, contemplamo-nos prazerosamente a partir dessas imagens. Sejam elas agradáveis ou não, interpretamos a vida e exercitamo-nos para a vida, e a vontade enquanto condição fundamental, necessita de construir imagens para tornar a vida possível e digna de ser vivida (NT).

Em NT Nietzsche também aponta uma diferença decisiva entre gregos e bárbaros que é fundamental para esclarecer sobre sua estética. Através de Apolo os gregos obtiveram a confiança inabalável no principium individuationis, que nos remete à compreensão da possibilidade da singularização e a multiplicação do Uno essencial e

indiviso7 que compõe o universo por parte de Dionísio. A existência singular então só se torna possível pelo princípio da individuação, porém é também decorrente deste princípio que a existência pode ser percebida como essencialmente sofrimento, pois ela é rompida com o Uno essencial, isto é, a dilaceração com o todo do universo em indivíduos, e sendo a existência individual uma mutilação do Uno essencial e indiviso, ela representa a dor. Por outro lado, Dionísio provoca o êxtase do prazer ao romper com

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Neste momento da obra de Nietzsche, influenciado por Schopenhauer, a realidade é pensada como vontade única, como indica a expressão. Já nos escritos da última fase esta expressão é abandonada, e a realidade aparece descrita com o termo vontade de potência. (Safranski, 2004, cap.4)

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o princípio da individuação e traz em tona o que há de mais íntimo do homem e da natureza, e ao contrário de Apolo, o homem deixa de sentir-se enquanto indivíduo e volta a fazer parte do todo universal na qual havia se separado devido ao subjetivo que desvanece em completo esquecimento (Safranski, 2004, p.52-74).

Na Grécia pré-socrática a experiência aterrorizante do impulso dionisíaco transformou-se em fenômeno artístico, e foi através das festas dionisíacas que os helenos conheceram a música e a embriaguez que se fez arte e, somente com elas que o rompimento do principium individuationis tornou-se fenômeno estético. Dionísio precisa ser expresso para que não seja destruidor, aqui o elemento devastador que é próprio da vontade é neutralizado pelo processo artístico de simbolização.

Os gregos pré-socráticos são o exemplo que Nietzsche encontrou de civilização que conheceu a máxima reconciliação entre as forças apolíneo-dionisíaco. Para ele, esse povo conheceu o horror do existir e conseguiu através do sofrimento afirmar a vida. Na criação onírica dos deuses olímpicos, os gregos, ao verem a existência vivida pelos deuses no plano humano, vislumbram sentido e dignidade para o viver. Esses gregos criaram deuses para poderem viver e sem a beleza apolínea a vida seria insuportável. Assim, a arte é por excelência um modo de encobrir e subtrair do olhar a verdade aterrorizadora da vida: a morte. Um remédio contra todo pessimismo que empurra o homem para os recônditos do niilismo. Sintetizado por Nietzsche, as obras de arte desses gregos “são como rosas a desabrochar da moita espinhosa” (NT, p. 37). A necessidade de existir poeticamente foi tal para o heleno que “até o seu lamento se converte em hino de louvor à vida” (NT, p. 37).

Nesse sentido, a relação entre dionisíaco-apolíneo nos remete a uma arte que é, para Nietzsche, fruto da força transfiguradora da embriaguez com a aparência da forma que é o próprio trabalho de potencialização da vida em suas convergências para dar sentido à vida e intensificar o viver. A tragédia grega como obra de arte apolíneo-dionisíaca reúne sonho e embriaguez, luz e sombra, aparência e essência, imagem e música.

Essa positividade da vida exaltada por Nietzsche no trágico decorre da ausência de fundamento que caracteriza tanto a estética da vida como os valores da cultura. O que a arte da perspectiva nietzschiana encena é a possibilidade de uma multiplicidade de signos para o homem pintar a vida como interpretação infinita. O palco desse artista é caracterizado por um jogo de forças marcado pela luta entre forma e ausência de forma:

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um fenômeno estético. Nessa relação da vida com a arte, podemos vislumbrar uma ética do viver que influi num processo de subjetivação pautado em uma estética da existência.

A estética da existência como ética em Nietzsche

Se os helenos foram capazes de suportar a existência, foi porque esta foi transformada pela arte, que a intensificou e afirmou.

A cultura grega pré-socrática elevou a vida em seu valor supremo, acima de qualquer avaliação metafísica, moral e religiosa. Esta última, para os helenos, foi eminentemente artística.

Por estar desobrigada de compactuar com uma fastidiosa retratação servil da realidade, essa estética da existência que encontra na arte a sua força maior, relaciona-se com o que representa o mais próximo do desejo do homem em sua condição de um "eu-nós" que se ajusta na multiplicidade complexa de hierarquias entre energias intra-psíquicas presentes no corpo (Giacóia Júnior, Cinco aulas sobre Nietzsche).

O efeito da arte dentro da perspectiva nietzschiana dissolve o peso das convenções da civilização, substituindo-as por um sentimento de unidade, a certeza de que apesar de todo o sofrimento que possa estar presente na vida, esta pode ser tomada em uma aparência repleta de alegria. Por assim dizer, o homem pode ser salvo pela arte, e através desta salva-se a vida nele.

A relação da arte com a vida no pensamento de Nietzsche implica em uma ética no processo de subjetivação em função de uma estética da existência na qual permite ao sujeito desenvolver uma arte de viver que favorece a si. Esse modo de experimentação da vida se sustenta em uma crítica dos valores enquanto critérios universais que condicionam a experiência da vida e limitam as possibilidades de criação, na medida em que estes passam a ser vistos como produções humanas, demasiadamente humanas, como apontado ao longo da obra de Nietzsche.

É importante deixar claro que a relação da vida e da arte no processo de subjetivação não é uma tarefa somente individual. Dias (2008) aponta que uma estética da existência não se trata apenas de relações individualistas, o outro é fundamental nessa ética, pois a elaboração estética não é um exercício solitário, uma vez que a transformação de si está visceralmente ligada com a transformação da vida. Assim, o homem como obra de arte, necessariamente, trabalha tanto para uma existência em

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sociedade, como para a sua própria condição de sujeito singular. Por não tratar apenas da relação consigo mesmo, essa ética implica em uma organização da existência onde estão interligados a arte e a vida convergindo para uma arte de viver. Dias (2008) entende que a separação entre vida e arte é absurda, uma vez que a estética da existência instrui-se com as artes enquanto produtos ao longo da história.

Nesse sentido, a vida enquanto obra de arte na qual o homem é o próprio artista que se faz ao se deparar também com outras obras de arte, oferece maiores possibilidades de escolhas pessoais, em contraposição aos limites impostos pela tradição moral, religiosa e do saber que sustentam valores imutáveis e universais. Foucault (1994b, apud Nascimento), em seus estudos que buscaram esclarecer sobre a problematização do surgimento do sujeito ético nas várias faces da vida cotidiana, na qual observou a atuação dos mecanismos e das relações de poder sobre a constituição do indivíduo, também corrobora para uma estética da existência orientando uma ética que permite uma criação do viver de acordo com o sujeito do desejo, do contrário, conforme aponta: "A busca de uma forma de moral que seja aceitável para todos - no sentido de que todos devem submeter-se a ela - parece-me catastrófica."

Da forma como se configura a ética atualmente, o homem está sujeito a se constituir de acordo com princípios universais, embora sejam eles marcados pela efemeridade, ambivalência e incerteza que agudamente sustentam a ética na pós-modernidade8. Mesmo a marca da efemeridade é um efêmero que ainda quer ser universal, quer ser palavra de verdade; nesse sentido os valores ainda o são da ordem metafísica (Martins, 2006), estabelecem um domínio rigoroso do desejo que deixa a vida do aqui e agora marcada por uma negação da vida. Assim como o foi na modernidade, a vida de homens e mulheres no momento atual, é marcada pela constante busca de ideais que são tidos como adequados para todos.

O pensamento de Nietzsche contribui para a superação desse niilismo e a arte em sua relação com a vida. Essa arte não é aquela que diz respeito à idolatração de “gênios” e objetos, mas é uma arte para dar sentido à vida, criar uma ilusão que se sabe ilusão, e está em profunda conexão com o homem na sua experiência do viver. Dentro dessa perspectiva, a ética que surge permite pensar o homem como obra de si mesmo. O seu processo de subjetivação é de privilégio de uma ética que não está sob os domínios da

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Para maiores detalhes sobre essa temática, fica sugerida a obra de Zygmunt Bauman, “Ética pós-moderna”, 2003, editora Paulus, São Paulo.

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interdição de leis universais, mas de um princípio de estilização da conduta, de uma estética da existência que daria forma e sentido à vida em infinitas perspectivas.

Essa ética implica na coragem do homem de abdicar da idéia de que a existência já é dada, determinada e configurada por um suposto saber legitimador. Ao superar essa tradição o homem passa a pensar que precisa criar a si mesmo em constância.

Tais apontamentos não fundamentam uma ética nova, pelo contrário, a ética aqui surge na medida em que não define o que devemos fazer nem se pretende ser universal e válida para todos os tempos e circunstâncias. Essa ética é uma forma singular de viver e indivisa à alteridade, se sustenta por uma estética da existência e é produzida com o devir, com as experiências, com escolhas que são possíveis e outras não, das quais o homem relaciona-se com esses elementos e tem a liberdade de jogá-los fora imediatamente caso não os sirva.

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