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Uma análise dialógica do discurso de gramáticas pedagógicas brasileiras no período sócio-histórico de 1900 a 1960

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CENTRO DE COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA

Hydelvídia Cavalcante de Oliveira Corrêa

Uma análise dialógica do discurso de gramáticas pedagógicas brasileiras no período sócio-histórico de 1900 a 1960

FLORIANÓPOLIS 2019

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Hydelvídia Cavalcante de Oliveira Corrêa

Uma análise dialógica do discurso de gramáticas pedagógicas brasileiras no período sócio-histórico de 1900 a 1960

Tese submetida ao Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal de Santa Catarina para a obtenção do título de Doutora em Linguística.

Orientadora: Profa. Dra. Rosângela Hammes Rodrigues

Florianópolis 2019

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Ficha de identificação da obra

Corrêa, Hydelvídia Cavalcante de Oliveira

Uma análise dialógica do discurso de gramáticas

pedagógicas brasileiras no período sócio-histórico de 1900 a 1960 / Hydelvídia Cavalcante de Oliveira Corrêa;

orientadora, Rosângela Hammes Rodrigues, 2019. 271 p.

Tese (doutorado) - Universidade Federal de Santa

Catarina, Centro de Comunicação e Expressão, Programa de Pós Graduação em Linguística, Florianópolis, 2019.

Inclui referências.

1. Linguística. 2. Concepção de linguagem. 3. Concepção de língua. 4. Concepção de gramática. 5. Gramáticas pedagógicas. I. Hammes Rodrigues, Rosângela. II. Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Linguística. III. Título.

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Hydelvídia Cavalcante de Oliveira Corrêa

Uma análise dialógica do discurso de gramáticas pedagógicas brasileiras no período sócio-histórico de 1900 a 1960

O presente trabalho em nível de doutorado foi avaliado e aprovado por banca examinadora composta pelos seguintes membros:

Profa. Carmen Teresinha Baumgartner, Dra. Universidade Estadual do Oeste do Paraná

Profa. Maria Marta Furlanetto, Dra. Universidade do Sul de Santa Catarina

Profa. Nívea Rohling, Dra.

Universidade Tecnológica Federal do Paraná Profa. Nara Caetano Rodrigues, Dra.

Colégio de Aplicação – UFSC Prof. Atilio Butturi Junior, Dr. Universidade Federa de Santa Catarina

Certificamos que esta é a versão original e final do trabalho de conclusão que foi julgado adequado para obtenção do título de doutora em Linguística.

____________________________ Prof. Dr. Atilio Butturi Junior

Coordenador do Programa ____________________________ Profa. Dra. Rosângela Hammes Rodrigues

Orientadora

Florianópolis, 11 de setembro de 2019.

Rosangela Hammes

Rodrigues:64969380910

Assinado de forma digital por Rosangela Hammes Rodrigues:64969380910 Dados: 2019.09.13 16:34:28 -03'00'

Assinado de forma digital por Atilio Butturi Junior:03089639971

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Aos meus filhos Fabíola Helena, Luiz Fabiano, Edna Patrícia e George Thiago, por mais uma aceitação de um dos meus ideais.

Aos meus irmãos Alcebíades, Maria Edna e Francisco, pelo demorado acalento de minha ansiedade.

À memória de meus pais Francisco e Zenaide, e de minha tia-mãe Mirtes.

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AGRADECIMENTOS

A uma luz divina como o reflexo da misericórdia de Deus que, nos meus momentos de fraqueza e de desistência, respaldou meus pensamentos para seguir a voz de Jesus, fazendo-me acreditar confiante nas lições que Ele me ensinou a dizer: “As estrelas brilharão, respaldando o meu viver, e Jesus em cada brilho me dirá o que fazer”. Ao amor que Meu Pai Eterno mostrou ter por mim.

A minha orientadora, Professora Doutora Rosângela Hammes Rodrigues, pela imensa paciência quanto aos meus momentos de desmotivação devido às intempéries da vida; pela altivez com que me acompanhou nessa trajetória, mostrando sua capacidade ímpar e seu olhar abrangente neste processo de orientação; enfim, pelo incentivo e persistência em me fazer acreditar que eu poderia realizar este trabalho de tese.

Agradeço a todos os professores que participaram da banca de qualificação e da banca de defesa da tese, pelas palavras de motivação e apreço, concedendo-me as contribuições de que eu precisava para concluir este trabalho científico. À professora doutora Nara Caetano Rodrigues, pela maneira generosa com que conduziu a correção do projeto de qualificação, evidenciando suas contribuições com um olhar bastante atencioso para que eu conseguisse fazer o melhor. À professora doutora Carmen Teresinha Baumgartner, pelas orientações concedidas em um momento tão significativo para o encaminhamento desta tese. Ao professor doutor Atilio Batturi Junior, pela abrangência com que realizou as orientações para este trabalho de tese. Às professoras doutoras Maria Marta Furlanetto e Nívea Rohling, pela atenção com que avaliaram o trabalho final, o que me garantiu uma conclusão mais confiante. Ao professor doutor Werner Ludger Heidermann, pelas palavras motivadoras e pelas observações assinaladas para elaboração de um trabalho de tese.

À Universidade Federal de Santa Catarina, pela realização do Doutorado Interinstitucional em Linguística com a Universidade Federal do Amazonas e à Universidade Federal do Amazonas, que me concedeu esta oportunidade de realizar o curso de Doutorado Interinstitucional em Linguística. À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas pela concessão de bolsa de estudos durante nove meses.

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Aos professores do Programa de Pós-graduação em Linguística da UFSC, pelas contribuições no curso de Doutorado. Às professoras doutoras Rosângela Hammes Rodrigues e Mary Elizabeth Cerruti Rizzatti que, com suas aulas voltadas para o ensino de língua portuguesa, me incentivaram a persistir nessa área tão necessária ao processo educacional de nosso país.

Aos professores da Universidade Federal de Santa Catarina que estiveram em Manaus para ministrar aulas do DINTER: Rosângela Hammes Rodrigues, Heronides Maurílio de Melo Moura, Edair Maria Gorski, Izete Lehmkuhl Coelho, Felício Wessling Margotti, Leonor Scliar Cabral, Fábio Luiz Lopes da Silva, Roberta Pires de Oliveira, Werner Ludger Heidermann e Rosely Perez Xavier.

À minha família, meus filhos Fabíola Helena, Edna Patrícia, Luiz Fabiano, George Thiago e aos meus genros Durval e Sandro, por todos os dias em que precisei de suas atenções, paciência e cuidados para comigo; às minhas noras Rosemary e Lígia; aos meus netos Felipe Durval, Déborah Cristina, Vítor Daniel, Luiz Guilherme, Anna Luíza, Maria Vitória, João Vítor, Heitor e Arthur, motivos de constante inspiração para minha vida.

Aos meus irmãos Alcebíades, Maria Edna e Francisco; meu cunhado Marco e minhas cunhadas Fátima e Luceny que, com seus carinhos, cuidados e palavras de motivação, me auxiliaram nesta caminhada. À minha sobrinha Lizandra que me acompanhou em um momento muito difícil no decorrer desse percurso; às minhas amigas Míriam, Anny, Graça e Daniele, pelos cuidados e pela atenção constante durante esse longo caminhar. Aos meus parentes e amigos da comunidade Constantino Nery: tia Lili, tia Ivety, Lourdes, Lizete, Dica, América, Angélica, Rosalves, Alexandre e Leonardo, sempre atentos às minhas solicitações e prontos a me ajudar.

Aos colegas do DINTER que sempre se mostraram estar ao meu lado, confortando-me com suas palavras de apreço, de entusiasmo e de amizade: Aline Lira, Marta Monteiro, Flávia Martins, Fernanda Del Rios, Orlando Azevedo e Nélson Melo.

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Ao olharmos para nós mesmos com os olhos dos outros, na vida sempre tornamos a voltar para nós mesmos e, o último acontecimento, espécie de resumo, realiza-se em nós nas categorias de nossa própria vida.

A única forma adequada de expressão verbal da autêntica vida do homem é o diálogo inconcluso. A vida é dialógica por natureza. Viver significa participar do diálogo: interrogar, ouvir, responder, concordar, etc. Nesse diálogo o homem participa inteiro e com toda vida: com os olhos, os lábios, as mãos, a alma, o espírito, todo o corpo, atos. Aplica-se totalmente na palavra, e essa palavra entra no tecido dialógico da vida humana, no simpósio universal (Mikhail Bakhtin)

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RESUMO

Contextualizada no campo da Linguística Aplicada, esta tese de doutorado resulta de uma pesquisa que procurou corporificar a história e seus constituintes e constituídos, trazendo explicitações responsivas em relação à linguagem e ao ensino de língua portuguesa. Consolidou-se como uma pesquisa de cunho qualitativo-interpretativista, com o objetivo de analisar, dialogicamente, as concepções de linguagem, língua e gramática com que alguns gramáticos caracterizaram o ensino de língua portuguesa no Brasil, no recorte sócio-histórico de 1900 a 1960. Para direcionar o excedente de visão em que nos colocamos, seguimos o quadro teórico dos fundamentos de Bakhtin, em especial os estudos relacionados à natureza dialógica da linguagem, à noção de língua, discurso, ato responsável, interação, exotopia, dentre outros. A análise foi realizada considerando os dados identificados e apreendidos nos discursos trazidos por cinco gramáticos em décadas diferenciadas: Eduardo Carlos Pereira (1900-1930), Mário Pereira Souza Lima (1930), Napoleão Mendes de Almeida (1940-1950). Carlos Henrique Souza Lima (1950-1960) e Gladstone Chaves de Melo (1960-1970). O pesquisador e os autores dos textos pesquisados se tornaram os sujeitos desta pesquisa, respaldando, dessa forma, que os enunciados referentes ao posicionamento do discurso dos gramáticos constituíram o ponto de partida deste trabalho de tese. Para identificar e apreender os dados da análise, além das concepções linguísticas, gramaticais e ideológicas, as categorias ou parâmetros estabelecidos nos permitiram uma visão do processo de autoria desses gramáticos, como: o porquê da nominação das gramáticas, para quem os autores dirigiam suas produções gramaticais, que objetivos predominavam e com que princípios educacionais orientavam o ensino de língua portuguesa. Como atos responsivos a essas concepções, a fim de efetivar a análise dialógica, registramos os diferentes posicionamentos em relação a esse recorte de tempo dos anos de 1900 a 1960. Constatamos haver um predomínio da concepção de linguagem e de língua como expressão do pensamento, o que se identifica com a orientação do pensamento filosófico-linguístico subjetivismo idealista. Identificamos também a relevância da concepção de língua como um sistema de formas normativas, imanentes, homogêneas e prontas, a serviço da linguagem como expressão do pensamento, procurando preservar a única norma linguística aceita, a norma considerada de prestígio. Nesta concepção, importa muito mais o sistema linguístico com suas formas fonéticas, morfológicas, sintáticas e lexicais, equivalendo, assim, a outro pensamento filosófico-linguístico, conhecido como objetivismo abstrato. Quanto à concepção de gramática e seu ensino, identificamos dois objetivos: além de ensinar as regras do bem falar e escrever, apresentando as conceituações e as classificações necessárias, foi evidenciado o propósito de referendar os ideais republicanos voltados para o sentimento de nacionalismo, patriotismo e o ideal de educação. Assim sendo, as concepções gramaticais e ideológicas dos gramáticos correspondiam às políticas linguísticas dominantes no recorte sócio-histórico e político-educacional. O ensino de gramática, de natureza conceitual, de caráter normativo e classificatório, continuou predominando, porque os fundamentos trazidos pela ciência Linguística, nesse recorte temporal, em termos da concepção de língua, eram os mesmos consagrados pelos gramáticos: a língua como um sistema abstrato, imanente, homogêneo e inalterável, já constituído e pronto para a exteriorização do pensamento.

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Palavras-chave: Concepção de linguagem. Concepção de língua. Concepção de gramática. Gramáticas pedagógicas. Ensino de língua portuguesa.

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ABSTRACT

Contextualized in the field of Applied Linguistics, this doctoral thesis results from a research which tries to embody the history and its constituents and constitutes, bringing in responsive explanations in relation to the language and to the portuguese language teaching. It was consolidated as a qualitative-interpretativist research with the objective of analysing dialogically the conceptions of language, language teaching and grammar with which some grammarians characterize the Portuguese language teaching in Brazil, in a social-historic cutting from 1900 to 1960. To address the exceeding vison in which we have set up ourselves, we have followed Bakhtin´s theoretical foundations, in special his studies related to the dialogical nature of language, to the notion of language, discourse, responsive act, interaction, and exotopy, among others. The analysis was done considering the data identified and apprehended on the discourses brought out by five grammarians in different decades: Eduardo Carlos Pereira (1900-1930), Mário Pereira de Souza Lima (1930), Napoleão Mendes de Almeida (1940-1950), Carlos Henrique Souza Lima (1950-1960) and Gladstone Chaves de Melo (1960-1970). The researcher and the researched text authors have become the subjects of this research, thus guaranteeing that the utterances regarding to the grammarians´ discourse constituted the starting point of this thesis work. For identifying and apprehending the analysis data, besides linguistic, grammatical and ideological conceptions, the categories or parameters established have allowed us a vision on these grammarians authoral process, such as: the reasoning on the grammars´ nomination, to whom the authors addressed their grammatical productions, which objectives predominate, and on which educational principles they guided their Portuguese language teaching. As responsive acts to these conceptions, in order to make a dialogical analysis, we register the different positioning in relation to this time cutting from 1900 to 1960. We have noticed a predominant conception of language and of language itself as thought expression that is identified as a guidance of philosophical-linguistic thought idealist subjetivism. It was also identified a relevance on the conception of language as a normative form system, immanent, homogeneous and ready, at language service as thought expression, trying to preserve the only accepted linguistic norm, the one considered as of prestigious. On this conception, it is much more important the linguistic system with its phonetic, morphological, syntactic and lexical forms, thus equivalent to other philosophical-linguistic thought, known as abstract objetivism. In relation to the conception of grammar and its teaching, we identified two objectives: besides teaching the rules of good speaking and writing, presenting the necessary conceptuations and classifications, it was evidenced the purpose of authenticating the republican ideals viewing feelings of nationalism, patriotism and education ideal. Thus, the grammarians´ gramatical and ideological conceptions corresponded to dominant linguistic polices in the social-historic and educational-politic cutting. The grammar teaching, of conceptual nature, with classificatory and normative character, continued predominating, because the fundations brought by the Linguistic Science, at this time cutting, in terms of language conception, were the same consecrated by grammarians: language as abstract, immanent, homogeneous and unchangeable system, already constituted and ready for thought exteriorization.

Keywords: Language conception. Language use conception. Grammar conception. Pedagogical grammars. Portuguese language teaching.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Capa da Gramática expositiva – curso superior. ... 93 Figura 2 – Parecer apresentado à Congregação do Gymnasio Official da Capital do Estado de São Paulo. ... 96 Figura 3 – Capa da Gramática Expositiva da Língua Portuguesa de Mário Pereira de Souza Lima. ... 124 Figura 4 – Capa da Gramática Metódica da Língua Portuguesa de Napoleão Mendes de Almeida. ... 149 Figura 5 – Capa da Gramática Normativa da Língua Portuguesa. ... 172 Figura 6 – Prefácio da primeira edição da gramática de Artur de Almeida Torres. . 182 Figura 7 – Capa da Gramática Fundamental da Língua Portuguesa. ... 196

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Diretrizes para as análises das concepções dos gramáticos. ... 89

Quadro 2 – Diretrizes para análise das concepções de Eduardo Carlos Pereira (1900-1937). ... 90

Quadro 3 – Diretrizes para análise das concepções de Mário Pereira de Souza Lima. ... 122

Quadro 4 – Diretrizes para as análises das concepções de Napoleão Mendes de Almeida. ... 147

Quadro 5 – Diretrizes para as análises das concepções de Rocha Lima. ... 170

Quadro 6 – Diretrizes para a análise das concepções de Gladstone Chaves de Melo. ... 194

Quadro 7 – Nominação das gramáticas pedagógicas. ... 218

Quadro 8 – Interlocutor previsto das gramáticas pedagógicas... 225

Quadro 9 – Princípios linguísticos organizadores das gramáticas pedagógicas (1900 a 1960). ... 229

Quadro 10 – Objetivo da elaboração das gramáticas pedagógicas. ... 231

Quadro 11 – Recursos empregados pelos gramáticos. ... 233

Quadro 12 – Contexto linguístico da elaboração das gramáticas pedagógicas. ... 234

Quadro 13 – Ensino de língua portuguesa na visão dos gramáticos estudados. .... 238

Quadro 14 – Concepções de linguagem segundo os gramáticos estudados. ... 242

Quadro 15 – Concepções de língua segundo os gramáticos estudados. ... 243

Quadro 16 – Concepções de gramática segundo os autores estudados. ... 245

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 17

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ... 30

2.1 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS BAKHTINIANOS ... 30

2.1.1 O Círculo de Bakhtin e a concepção filosófica do mundo da vida ... 31

2.1.2 Linguística e translinguística (metalinguística): posição bakhtiniana .. 42

2.1.3 A concepção dialógica da linguagem: língua/discurso, signo/palavra/ideologia e interacionismo ... 45

2.1.4 Dialogismo: enunciado e relações dialógicas ... 52

2.1.5 Ato responsável/ético: responsibilidade, sujeito e alteridade... 58

2.1.6 O texto e as ciências humanas... 63

2.1.7 Exotopia – um olhar de fora – e Cronotopos ... 65

2.2 LINGUÍSTICA APLICADA E LINGUÍSTICA APLICADA CONTEMPORÂNEA68 3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ... 71

3.1 PRESSUPOSTOS BAKHTINIANOS E A PESQUISA EM CIÊNCIAS HUMANAS ... 71

3.2 CONTEXTUALIZAÇÃO E PERCURSO METODOLÓGICO DA PESQUISA 74 4 ANÁLISE DIALÓGICA DAS CONCEPÇÕES DE GRAMÁTICAS PEDAGÓGICAS BRASILEIRAS E O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA – 1900 a 1960...80

4.1 AS CONCEPÇÕES DO GRAMÁTICO EDUARDO CARLOS PEREIRA (1900-1937) ... 89

4.1.1 Vida e obra: importância da formação pedagógica de Pereira em sua vida profissional e autoral ... 90

4.1.2 Contexto sócio-histórico: fatos marcantes da virada do século aos anos de 1930 ... 97

4.1.3 Contexto político-educacional: domínio da cientificidade, do nacionalismo e da formação do caráter ... 102

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4.1.4 Contexto linguístico-pedagógico: a gramática científica e o ensino de língua portuguesa ... 107 4.1.5 Concepções linguístico-gramaticais de Eduardo Carlos Pereira: linguagem, linguagem e fala ... 111 4.1.6 Concepções linguístico-ideológicas: nacionalismo e formação do caráter 117

4.2 AS CONCEPÇÕES DO GRAMÁTICO MÁRIO PEREIRA SOUZA LIMA (1930-1940) ... 121 4.2.1 Vida e obra: A tradição gramatical na vida e na obra de Mário Pereira de Souza Lima ... 122 4.2.2 Contexto sócio-histórico: A Era Vargas e o início do Estado Novo .... 129 4.2.3 Contexto político-educacional: a Reforma de Francisco Campos e a divisão do ensino secundário ... 131 4.2.4 Contexto linguístico-pedagógico: o ensino de língua portuguesa e a tradição da gramática, retórica e poética ... 135 4.2.5 Concepções linguístico-gramaticais de Souza Lima: linguagem, língua e gramática ... 138 4.2.6 Concepções linguístico-ideológicas: aguçar o intelecto e influenciar na formação moral ... 141

4.3 AS CONCEPÇÕES DO GRAMÁTICO NAPOLEÃO MENDES DE ALMEIDA

(1940-1950) ... 146 4.3.1 Vida e obra: a gramaticalidade na vida e na obra de Napoleão Mendes de Almeida ... 147 4.3.2 Contexto sócio-histórico: fim do Estado Novo e a 4ª Constituição Republicana ... 155 4.3.3 Contexto político-educacional: a Reforma Capanema e as Leis Orgânicas ... 156 4.3.4 Contexto linguístico-pedagógico: rejeição à Linguística e o patriotismo no ensino de língua portuguesa ... 158

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4.3.5 As concepções linguístico-gramaticais de Almeida: linguagem, língua e gramática. ... 163 4.3.6 Concepções linguístico-ideológicas: o ideal de civismo, de patriotismo e de nacionalidade ... 166 4.4 AS CONCEPÇÕES DO GRAMÁTICO CARLOS HENRIQUE ROCHA LIMA (1950-1960) ... 169 4.4.1 Vida e obra: a normatividade na vida e na obra de Carlos Henrique Rocha Lima ... 170 4.4.2 Contexto sócio-histórico: a política desenvolvimentista e os anos de 1950...175 4.4.3 Contexto político-educacional: movimentos em prol de um processo educacional sem o privilégio de classes ... 176 4.4.4 Contexto linguístico-pedagógico: a Nomenclatura Gramatical Brasileira e o ensino de língua portuguesa ... 178 4.4.5 As concepções linguístico-gramaticais de Rocha Lima: linguagem, língua e gramática ... 183 4.4.6 Concepções linguístico-ideológicas: a gramática normativa e a imposição da norma culta ... 190 4.5 AS CONCEPÇÕES DO GRAMÁTICO GLADSTONE CHAVES DE MELO (1960-1970) ... 193 4.5.1 Vida e obra: a gramática e a linguística na vida e na obra do homem plural Gladstone Chaves de Melo ... 194 4.5.2 Contexto sócio histórico: o Governo Militar e o Brasil nos anos de 1960... 199 4.5.3 Contexto político-educacional: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e as decisões do Regime Militar ... 201 4.5.4 Contexto linguístico-pedagógico: a gramática e o texto no ensino de língua portuguesa ... 203 4.5.5 As concepções linguístico-gramaticais de Gladstone Chaves de Melo: linguagem, língua e gramática ... 207

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4.5.6 Concepções linguístico-ideológicas: a norma linguística ideal e a

defesa da língua culta ... 213

5 SÍNTESE ANALÍTICA DAS CONCEPÇÕES DOS GRAMÁTICOS ... 217

5.1 NOMINAÇÃO DAS GRAMÁTICAS PEDAGÓGICAS ... 218

5.2 INTERLOCUTOR PREVISTO DAS GRAMÁTICAS PEDAGÓGICAS ... 225

5.3 PRINCÍPIOS LINGUÍSTICOS ORGANIZADORES DAS GRAMÁTICAS PEDAGÓGICAS ... 228

5.4 OBJETIVO DA ELABORAÇÃO DAS GRAMÁTICAS PEDAGÓGICAS ... 230

5.5 RECURSOS EMPREGADOS PELOS GRAMÁTICOS ... 232

5.6 CONTEXTO LINGUÍSTICO DA ELABORAÇÃO DAS GRAMÁTICAS PEDAGÓGICAS ... 234

5.7 O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NA VISÃO DOS GRAMÁTICOS ESTUDADOS ... 237

5.8 CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM E DE LÍNGUA SEGUNDO OS GRAMÁTICOS ESTUDADOS ... 241

5.9 CONCEPÇÕES DE GRAMÁTICA SEGUNDO OS GRAMÁTICOS ESTUDADOS ... 244

5.10 CONCEPÇÕES LINGUÍSTICO-IDEOLÓGICAS DOS GRAMÁTICOS ESTUDADOS ... 247

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1 INTRODUÇÃO

Entender o ensino de língua portuguesa nos níveis que correspondem, hoje, ao Ensino Fundamental II e ao Ensino Médio requer uma contextualização que inclua o período em que se inicia, no Brasil, o processo de gramatização1 com o propósito de mostrar a diferença entre gramática científica e gramática histórica. Há necessidade também de um entendimento da concepção de gramática não mais como ciência, uma vez que, a partir do advento da Linguística, esta passa a ser a Ciência dos estudos da linguagem e aquela, o estudo da gramática normativa.

Por estar intrinsecamente relacionada com a interação social, a linguagem humana sempre atingiu e se viu atingida, envolveu e se viu envolvida por grupos dominantes, trazendo reflexos na prática de ensino e na postura responsiva do sujeito-professor e do sujeito-aluno. No Brasil, essa realidade pode ser observada não apenas na constituição sócio-histórica do ensino de língua portuguesa, na formação inicial docente responsável por esse ensino, na opção política da prática pedagógica do professor; mas também na permanência de um sistema tradicionalista e na influência trazida por teorias linguísticas, que passam a intervir no processo político-educacional.

Na área escolar, correspondente ao nível de Ensino Fundamental II e ao Ensino Médio, o ensino de língua portuguesa tem uma história vivida com um evento presente permeado das influências recebidas de eventos passados. Das imposições dirigidas ao ensino de gramática, de cunho conceitual, metalinguístico e normativo, bastante enfatizado nas escolas, sabemos que, no sistema educacional, houve também um processo voltado para a ênfase na comunicação e expressão. No tempo presente, as orientações se direcionam para um ensino em que os usos da

1 O século XIX marca o período de gramatização da nossa língua (ORLANDI, 2002). Um fato decisivo neste processo de gramatização brasileira do português é o “Programa de Português para os Exames preparatórios”, organizado, em 1887, por Fausto Barreto, professor do Colégio Pedro II, por solicitação do Diretor Geral de Instrução Pública, Emídio Vitório. Uma série de gramáticas aparece como resposta a esta solicitação. Elas respeitam as instruções do programa e dizem querer romper com a tradição portuguesa de gramática filosófica (ORLANDI, 2001, p. 25). A gramatização em um país colonizado trabalha segundo um duplo eixo: o da universalização e o do deslocamento. Pela sua gramatização, o português do Brasil elabora, instala mesmo, seu direito à universalização, garantindo a unidade (imaginária) constitutiva de qualquer identidade (ORLANDI, 2002, p. 30).

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linguagem das diferentes esferas sociais do mundo da vida devem ser contemplados nos eixos da ação e da reflexão (GERALDI, 2003). Essa última proposta, assumida pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (MEC, 1998), tenta substituir os objetivos e as finalidades do ensino de língua nas escolas, bem como o emprego de práticas metodológicas que visam a um processo de ensino com bases normativistas, metalinguísticas2 e formalistas3, por um processo teórico-metodológico voltado para o aspecto funcional da linguagem, com uma prática direcionada aos propósitos discursivos e de interação social. Essas propostas de mudanças nos incentivaram a realizar uma pesquisa em que obtivéssemos como resposta o conhecimento sobre que concepções de linguagem, língua e gramática eram consideradas para o ensino de língua portuguesa no Brasil, antes dos anos de mil novecentos e setenta.

A realização deste trabalho de tese se efetivou na busca de uma parte dessa história vivida no processo de ensino e de aprendizagem de língua portuguesa. Com ênfase na intenção mencionada, esta pesquisa de doutorado teve como tema central Uma análise dialógica das concepções de linguagem, língua e gramática, registradas pelos gramáticos, em suas gramáticas pedagógicas, para o ensino de língua portuguesa no recorte sócio-histórico de 1900 a 1960. Para analisar as versões dessa história, este trabalho, pautado na pluridiscursividade axiológica, se identifica como uma pesquisa de cunho qualitativo e interpretativista inserida nas ações de pesquisa do Núcleo de Estudos em Linguística Aplicada (NELA)4 da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que mantém vínculo com o Programa de Pós-Graduação em Linguística na grande área de concentração Linguística Aplicada (LA). Nessa área de concentração específica, a proposta desta tese se inclui na linha de pesquisa Ensino e aprendizagem de língua materna e de língua estrangeira, que orienta pesquisas sobre a formação de professores e o ensino de Língua Portuguesa. Desse modo, os objetivos propostos se coadunam

2 Entendidas como um ensino de língua conceitual que se efetiva por meio de conceitos das classes de palavras e categorias gramaticais.

3 Em termos de ensino, assumir uma concepção formalista significa considerar a linguagem uma entidade capaz de encerrar e veicular sentidos por si mesma, de expressar o pensamento. [...] De modo geral, a vertente dos chamados “estudos tradicionalistas”, incluídos aí os gramaticais, situam-se nessa perspectiva (OLIVEIRA; WILSON, 2008, p. 236, grifos dos autores).

4 O NELA foi criado em 2009 com objetivo de unificar atividades de pesquisa, ensino e extensão pautadas em uma concepção de língua como objeto social e que enfoquem os seguintes temas: ensino e aprendizagem de língua materna; leitura; textualização; alfabetização; discurso e gêneros do discurso; cultura escrita e estudos de letramento e diferentes práticas sociais de uso da língua nas modalidades oral e escrita. A página do NELA está disponível em: http://nela.cce.ufsc.br.

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não somente com os da referida linha de pesquisa5 acerca do processo de ensino e de aprendizagem, precisamente no que se refere à constituição sócio-histórica do ensino de língua portuguesa; mas também com os objetivos do NELA.

A questão central norteadora para este trabalho de tese levou à formulação da seguinte pergunta de pesquisa: segundo os enunciados de alguns gramáticos, que concepções de linguagem, língua e gramática orientam os discursos das gramáticas pedagógicas no processo de constituição do ensino de língua portuguesa, no recorte sócio-histórico do Brasil de 1900 a 1960, nos níveis que correspondem ao Ensino Fundamental e Ensino Médio?

Considerando a questão norteadora da pesquisa, o objetivo geral, com base em fundamentos epistemológicos do Círculo de Bakhtin, consistiu em analisar e interpretar, dialogicamente, as concepções linguístico-gramaticais a respeito das noções de linguagem, língua e gramática, com que alguns gramáticos, em suas gramáticas pedagógicas, caracterizaram a constituição do ensino de língua portuguesa, no contexto educacional do Brasil, no recorte sócio-histórico de 1900 a 1960. Compreendendo a denominação linguístico-gramatical como as diferentes concepções de linguagem, língua e gramática adotadas por gramáticos no recorte estabelecido para este trabalho, procuramos atingir os seguintes objetivos específicos, com base nos enunciados/produções discursivas dos gramáticos/sujeitos sócio-historicamente situados:

1) Traçar, a partir de fontes escritas primárias6 e secundárias7, o processo do ensino de língua portuguesa, nos anos de 1900 a 1960, conforme os enunciados/discursos referentes às concepções dos gramáticos selecionados;

2) Identificar as diferentes exotopias registradas pelos gramáticos estudados sobre as concepções de linguagem, língua e gramática que marcaram o ensino de língua portuguesa, no recorte sócio-histórico estudado;

5 A descrição da referida linha de pesquisa está disponível em: http://www.pos.ufsc.br/linguistica/. 6 Fontes primárias (documentos originais) são elementos que permitem conceder segurança aos passos investigativos (BASTOS; PALMA, 2006).

7 Consideram-se fontes secundárias aquelas que permitem obter condições para verificar os estudos já realizados sobre um determinado documento (BASTOS; PALMA, 2006, p. 13).

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3) Explicar o porquê da nominação das gramáticas, identificando a quem se dirigiam, com que objetivo os autores elaboravam suas produções gramaticais e como seus posicionamentos linguístico-pedagógicos e linguístico-ideológicos consideravam o ensino de língua portuguesa; 4) Apresentar reflexões críticas dirigidas às concepções

linguístico-gramaticais e linguístico-ideológicas analisadas e ao consequente ensino de língua portuguesa, considerando, axiologicamente, as vozes discursivas manifestadas;

5) Explicitar como os aspectos valorativos trazidos nos discursos dos gramáticos influenciaram não somente na constituição dos sujeitos e da sociedade em que interagiram, mas também nas mudanças, realizadas ou não no ensino de língua portuguesa, no contexto sócio-histórico considerado.

Para efetivação desses objetivos, selecionamos gramáticas escolares, considerando o recorte sócio-histórico admitido para esta pesquisa: 1900 a 1960. Convém esclarecer que, no Brasil, como até os anos sessenta, no ensino dos níveis correspondentes ao Ensino Fundamental II e Ensino Médio, predominavam os estudos sobre a linguagem e o ensino de língua portuguesa, cuja efetivação se realizava por gramáticos, decidimos selecionar as concepções de autores de gramáticas pedagógicas que, efetivamente, tiveram participação no ensino de língua portuguesa no Brasil. Com relação a esse contexto de 1900 a 1960, foram analisadas as concepções linguístico-gramaticais nos enunciados/discursos dos seguintes gramáticos: Eduardo Carlos Pereira (1907/1938), Mário Pereira de Souza Lima (1937), Napoleão Mendes de Almeida (1943/1944), Carlos Henrique Rocha Lima (1957/1960) e Gladstone Chaves de Melo (1967/1968).

O aspecto epistemológico desta tese, portanto, se respalda pela pesquisa do autor-pesquisador e as concepções dos autores das gramáticas pedagógicas pesquisadas, efetivando, assim, uma análise dos enunciados/discursos dos gramáticos, em uma perspectiva bakhtiniana. Para Bakhtin (2006 [1979], p. 311, grifos do autor), “o acontecimento da vida do texto, isto é, a sua verdadeira essência sempre se desenvolve na fronteira de duas consciências, de dois sujeitos”. Nesta pesquisa, consideramos haver uma relação sujeito/sujeito em decorrência da interação sujeito-pesquisador e os enunciados/discursos dos autores das

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gramáticas, o que pôde ser depreendido por meio dos sentidos que lhes foram atribuídos.

Cada um dos textos pesquisados foi considerado em sua unicidade e singularidade. Bakhtin (2006 [1979], p. 310) observa que “cada texto (como enunciado) é algo individual, único e singular, e nisso reside todo seu sentido (sua intenção em prol da qual ele foi criado)”. Em uma pesquisa assim efetivada, conforme Amorim (2004, p.188), “o objeto de estudo torna-se então sujeito, sujeito falante, autor, do mesmo modo que aquele que o estuda”. Essa intenção corresponde ao que expõe também Amorim (2004, p. 190): “Aquele que faz uso de compreensão de um texto torna-se ele próprio participante do diálogo”. Colocamo-nos, assim, como o sujeito-pesquisador que procura dialogar, analisando e interpretando os textos/enunciados dos discursos dos gramáticos pesquisados, uma característica própria das pesquisas em ciências humanas. Bakhtin (2006 [1979], p. 308) menciona que “independentemente de quais sejam os objetivos de uma pesquisa, só o texto pode ser o ponto de partida”. Neste trabalho de tese, os textos das gramáticas escolares constituíram o ponto de partida. Portanto, o texto sistematizado desta tese se estrutura com base na relação dialógica estabelecida entre os interlocutores, sujeito pesquisador e as vozes/discursos dos autores dos enunciados/discursos das gramáticas pedagógicas, segundo a perspectiva da análise dialógica do discurso. Para Amorim (2012b, p. 98), “pesquisador e sujeito pesquisado são produtores de texto, o que confere às Ciências Humanas um caráter dialógico”. Com base no registro dos enunciados/discursos dos gramáticos em suas gramáticas pedagógicas, o encontro entre o sujeito-pesquisador e as produções discursivas dos autores das gramáticas, sujeitos situados sócio-historicamente, constituíram as relações que justificam a natureza dialógica desta pesquisa.

O respeito e a ética com a palavra do outro foram preservados como a tônica de um trabalho de pesquisa na área das ciências humanas. Bakhtin (2006 [1979], p. 381) observa que, “como a palavra do outro deve transformar-se em minha-alheia (ou alheia à minha)”, o respeito a esse distanciamento deve acontecer, porque no processo de comunicação dialógica, o autor do texto pesquisado se torna o outro eu. Como “o texto só tem vida contactando com outro texto” (BAKHTIN, 2006

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[1979], p. 401), a compreensão e interpretação pretendidas nesta tese permitiram a realização da pesquisa que ora apresentamos.

Em nossa análise, antes de interpretar o texto do outro, ainda que, com relação ao tema desta tese, tivéssemos alguma visão já formada, precisamos atentar para o alerta de Bakhtin (2006 [1979], p. 378), de que “o sujeito da compreensão não pode excluir a possibilidade de mudança e até de renúncia de seus pontos de vista e posições já prontos”. Essa afirmação confere a importância da exotopia para a devida compreensão e interpretação pretendida como resultado de uma relação dialógica, ainda que seja em um trabalho científico com base em dados trazidos pelos autores dos enunciados/discursos das gramáticas pedagógicas.

Foi também de significativa importância para este trabalho de tese seguir os pressupostos da contemporaneidade da Linguística Aplicada, por adotar uma concepção de pesquisa que procura não descorporificar a história e seus constituintes e constituídos, mas sim trazer explicitações responsivas a questões sociopolíticas e linguísticas em relação à linguagem e ao ensino de língua portuguesa. A natureza qualitativa interpretativista da Linguística Aplicada tem uma relevância social e política, visto tratar de questões ligadas à história, ao ensino, à educação, à vida social e às práticas discursivas dos sujeitos em contextos específicos, referenciais que foram considerados para a efetivação deste trabalho científico. Além de considerar outras áreas, segundo Menezes, Silva e Gomes (2009), hoje há um consenso de que nas pesquisas, no campo da Linguística Aplicada, o objetivo é investigar a linguagem como prática social nos contextos de aprendizagem em que surjam questões relevantes sobre os usos da linguagem. Nesse sentido, dialoga com teorias que atravessam o campo das Ciências Sociais e das Humanidades. Para Moita Lopes (2006, p. 20), “tal perspectiva tem levado à compreensão da Linguística Aplicada não como um conhecimento disciplinar, mas como indisciplinar”. Essa perspectiva da indisciplinaridade em Linguística Aplicada, como observa Moita Lopes (2009, p.20), “requer um nível alto de teorização inter/transdisciplinar”. Dessa forma, a Linguística Aplicada cria entre os pesquisadores as inteligibilidades necessárias em relação aos problemas sociais em que a linguagem opera, exercendo o papel centralizador (MOITA LOPES, 2006). Assim, as contribuições da Linguística Aplicada e os pressupostos bakhtinianos são

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as bases epistemológicas que embasaram o referencial teórico para a análise dialógica dos discursos a respeito das concepções linguístico-gramaticais.

A seleção do tema e os objetivos desta tese têm como motivação inicial a nossa experiência evidenciada em mais de cinquenta anos de magistério8. Com uma posição exotópica, como se fôssemos o outro, ao longo do percurso em que ministramos aulas, importou, para nós, neste trabalho de tese, analisar concepções que não contemplamos ao longo de tantos anos de vivência como professora de língua portuguesa. Bakhtin (2006 [1979], p. 14) aponta que “ao olharmos para nós mesmos com os olhos do outro, na vida sempre tornamos a voltar para nós mesmos, [...]”. Dessa maneira, com um olhar para o outro e para os outros, no papel de pesquisadora, tentamos encontrar uma análise e uma interpretação para determinadas indagações, já explicitadas na questão central desta tese. Freitas (2002, p. 26) observa que “o pesquisador, durante o processo de pesquisa, é alguém que está em processo de aprendizagem, de transformações. Ele se ressignifica no campo.” Essa ressignificação se procedeu no decorrer da pesquisa.

No início de nossa carreira como professora no antigo ensino primário, no ensino ginasial e no ensino pedagógico, não havia ainda referenciais que nos permitissem ter uma percepção de que, para ensinar língua portuguesa, seria necessário saber com que concepção de linguagem, de língua e de gramática, nós iríamos realizar nossa prática pedagógica, ainda que tivéssemos indiretamente em algumas dessas concepções nos baseado para realizá-la. A formação recebida no antigo curso de magistério, denominado Curso Pedagógico e, no curso de Graduação Licenciatura em Letras, esteve muito distante desses referenciais. Esta ressalva não tem o propósito de criticar negativamente os cursos mencionados, mas sim mostrar o quanto somos sujeitos inconclusos e o quanto estamos sempre em processo de constituição. Hoje, avaliando o período de 1975 a 1997, quando estivemos como professora do Curso de Letras na Licenciatura em Língua Portuguesa na Universidade Federal do Amazonas, constatamos não ter participado

8 Iniciamos nossa carreira como Professora Distrital, em 1962, quando tínhamos apenas catorze anos de idade, conforme documento da Secretaria de Educação e Cultura do Estado do Amazonas, com data de 20 de julho de 1962.

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de nenhum encontro em que pretendêssemos observar, na estrutura do curso, a importância das concepções em estudo, mesmo porque esses referenciais ainda não faziam parte do nível de consciência acadêmica da época. Nos anos de 1990, o conhecimento das propostas trazidas pelas teorias enunciativas, sociointeracionistas e pelas orientações dos Parâmetros Curriculares Nacionais nos revelaram a constatação das nossas dificuldades e a dos demais professores da disciplina Língua Portuguesa, em conseguir compreender e colocar em prática concepções de ensino que nos exigiam um conhecimento não incorporado ao processo de nossa formação inicial.

A partir dos anos 2000, como Coordenadora de Curso de Graduação em Letras, as indagações se tornaram mais instigantes, porém muito conscientes pela busca de respostas para situações bastante questionadoras. Dentre essas situações, encontram-se as inúmeras críticas às aulas de língua portuguesa, com um ensino gramatical e metalinguístico, como também à própria formação inicial do professor nos cursos de Graduação em Letras Língua Portuguesa, em termos do compromisso ético e responsável que o professor precisa ter, ao assumir o ensino de língua portuguesa, considerando as novas concepções orientadas pelos parâmetros educacionais. A esses questionamentos, outros também pertinentes se aliaram para justificar a realização desta tese.

Nos últimos trinta anos, processos avaliativos relacionados ao nível de aprendizado quanto à compreensão de leitura e produção escrita, no ensino do Brasil, quase sempre recebem as mesmas avaliações. Há registros de que os alunos, quando concluem a Educação Básica (EB), apresentam dificuldades em interagir por meio da escrita com o mundo em que vivem, por não serem proficientes nas habilidades de leitura e escrita em determinados usos da linguagem, além de não terem inserido a leitura e a escrita como uma prática social.

Outro aspecto que nos chama a atenção advém das críticas referentes ao ensino, relacionadas às afirmações de que as aulas de língua materna, além de continuarem voltadas para um ensino conceitual e metalinguístico, permanecem com uma prática de ensino atemporal, descontextualizada e distante das reais necessidades dos alunos, por enfatizar e priorizar sempre um conteúdo de natureza gramatical. Antunes (2003, p. 19) constata ser “uma gramática que é muito mais ‘sobre a língua’, desvinculada, portanto, dos usos reais da língua escrita ou falada

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na comunicação do dia-a-dia”. É uma gramática de natureza imperativa. Também a esse respeito, Antunes (2003, p. 19) aponta que “um exame mais cuidadoso [...], revela a persistência de uma prática que, [...], ainda mantém a perspectiva reducionista da palavra e da frase descontextualizadas”. Essa prática de ensino ainda se mostra muito atuante por ser uma orientação pedagógica e metodológica que incide no nível de consciência da maioria dos professores.

Uma última apreciação se prende às observações de que existe certo distanciamento entre os avanços dos estudos linguísticos, ou seja, os conhecimentos teóricos que orientam os parâmetros dos documentos oficiais para as novas concepções de ensino de línguas voltadas para os usos da linguagem e a prática pedagógica que acontece nas aulas do Ensino Fundamental e no Ensino Médio. Para Lima (2006, p. 186), “uma primeira conclusão é que existe um descompasso entre a academia e a escola [...]. Falta aí ‘um meio de campo’ intensivo que [...] cuide [...] desse importante trânsito científico-pedagógico, [...]”. Os avanços dos estudos linguísticos são contínuos, no entanto, talvez por falta de uma divulgação científica da parte do poder público, as orientações com novas propostas de mudanças no ensino da disciplina de Língua Portuguesa não chegam ao grande contingente de professores.

Embora nem todos os questionamentos mencionados fossem o foco central desta tese, por estarem direta e indiretamente relacionados às questões do ensino de língua portuguesa, constituíram as induções que nos conduziram, com o nosso próprio excedente de visão, a considerar esta pesquisa como uma resposta ao período em que realizamos o curso pedagógico e o curso superior de graduação em Letras. Resposta também ao retorno de um passado que corresponde a todo o período em que estivemos no magistério do ensino da disciplina de Língua Portuguesa. Todo esse retorno para entender como, nesse tempo passado, as concepções linguístico-gramaticais dos gramáticos selecionados se interferiram na história do ensino de língua portuguesa, por meio de suas gramáticas pedagógicas.

As indagações que conduziram à delimitação do tema desta tese foram intensificadas no decorrer do curso de doutorado realizado na UFSC, pelas motivações advindas das disciplinas Ensino e Aprendizagem em Língua Materna e

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Linguística Aplicada. Essas disciplinas nos direcionaram a um interesse sobre como os gramáticos caracterizaram o ensino de língua portuguesa e como realizar uma pesquisa com base nos construtos teórico-metodológicos do Círculo de Bakhtin. Elas reafirmaram a necessidade de um conhecimento a respeito da história do ensino de língua portuguesa, não apenas verificando as concepções objeto de estudo desta tese, mas também procurando analisá-las dialogicamente.

Delimitado o tema e definidos os objetivos, o encaminhamento inicial dado para a efetivação da pesquisa foi identificar outros estudos voltados para o ensino de língua portuguesa, ainda que com ângulos diferenciados e com perspectivas teórico-metodológicas diversas. Nesse levantamento encontramos artigos, dissertações de mestrado, teses e livros. Procuramos registrar aqueles que mais de perto se aproximavam da pesquisa pretendida. Dentre outros trabalhos científicos, além dos textos que compõem os quatro volumes da série História Entrelaçada, organizados por Bastos e Palma sobre a construção das gramáticas e o ensino de língua portuguesa (2006, 2008, 2010, 2014), podemos mencionar as dissertações de mestrado Mário Pereira de Souza Lima, uma etapa de consolidação do pensamento gramatical brasileiro anterior à Nomenclatura Gramatical brasileira, de Jorge M.de Souza (2011); Um estudo discursivo-analítico da Gramática Metódica da Língua Portuguesa e do dicionário das questões vernaculares de Napoleão Mendes de Almeida, de Juliana M. Borges (2008); as teses O espelho da nação: a antologia nacional e o ensino de português e de literatura, de Márcia Razzini (2000); A configuração da disciplina de Língua Portuguesa em regiões de migração: o caso da cidade de Blumenau, de Ana Paula Silveira (2013); A série didática Fontes: autoria e ato ético, de Vidomar Souza Filho (2013); os livros Eduardo Carlos Pereira: um mestre da Língua Portuguesa, de Arival D. Casimiro (2005) e O discurso do professor de língua portuguesa na reestruturação curricular: uma construção dialógica, de Nara Caetano Rodrigues (2009); e o artigo História da disciplina língua portuguesa, de Magda Soares (2002).

O diferencial do nosso trabalho de tese se constituiu não só por investigar concepções de linguagem, de língua e de gramática conforme os enunciados/discursos dos gramáticos de diferentes décadas, no contexto sócio-histórico de 1900 a 1960, mas também por verificar como essas concepções em

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suas gramáticas pedagógicas direcionaram os aspectos linguísticos, gramaticais e ideológicos para o ensino de língua portuguesa.

Quanto à relevância, esta pesquisa, acima de tudo, pretende ter uma responsabilidade social, característica imprescindível de um trabalho de natureza científica na área da Linguística Aplicada Contemporânea. Pode contribuir como um demonstrativo que elucide a explicitação e a compreensão das diferentes concepções de práticas pedagógicas no decorrer da constituição sócio-histórica do ensino de língua portuguesa, no contexto de 1900 a 1960. Em cada momento histórico, segundo Soares (2002), o ensino de língua portuguesa se define pelas condições sociais, econômicas e culturais que determinaram na esfera escolar as questões de ensino. Além dessas, outras de natureza política constituem os fenômenos externos dessa historicidade. Também, em cada momento histórico, a constituição do ensino de língua portuguesa é determinada pelas concepções de linguagem, de língua, de ensino dessa língua e pela formação dos profissionais atuantes na área. Outra relevância desta produção científica é também contribuir para que os cursos de licenciatura em Letras Língua Portuguesa incluam em seus currículos estudos sobre a história do ensino da língua portuguesa, considerando a visão dos gramáticos. Essa inserção pode permitir aos graduandos uma reflexão sobre as práticas pedagógicas dos eventos de ensino de outras épocas, das concepções de ensino hoje trabalhadas e sobre as orientações para o emprego de uma prática pedagógica que vá ao encontro das novas concepções de ensino. O conhecimento da contextualização sócio-histórica do ensino de língua portuguesa possibilita fazer um paralelo entre as práticas pedagógicas consideradas para o ensino de língua portuguesa, proporcionando a quem interessar um conhecimento a mais em termos das exigências do mundo contemporâneo. Os estudos da história do ensino de língua portuguesa nos Cursos de Letras podem instigar os futuros professores para a possibilidade de pesquisas que correspondam a outras avaliações geradas por este trabalho, no sentido de trazer sempre uma relevância educacional e social.

Esta tese se propôs atender a objetivos que estão além dos limites do processo de ensino e de aprendizagem, exigindo um olhar sobre o processo

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sócio-histórico, político, educacional, linguístico e gramatical que influenciaram as práticas do ensino de língua portuguesa na esfera escolar na primeira metade do século XX. Para dar conta da exotopia que nos propusemos efetivar, a ancoragem teórica e metodológica se respalda como já dito antes, nos pressupostos de Bakhtin, nos estudos sobre as diferentes concepções linguístico-gramaticais a respeito de linguagem, de língua e de gramática. Esse olhar nos permitiu uma interação com inúmeras vozes e discursos, em horizontes axiologicamente formados por sujeitos, constituídos sócio-historicamente, em espaços e tempos diversos.

A apresentação da pesquisa realizada se organiza em seis capítulos. O primeiro capítulo corresponde à introdução, que explicita os aspectos relacionados ao tema central, à questão da pesquisa, ao objetivo geral e aos objetivos específicos, às motivações/justificativas da pesquisa e à relevância do trabalho realizado. No capítulo 2, a fundamentação teórica está constituída de duas seções. Na primeira seção, encontram-se os pressupostos básicos de Bakhtin, tais como o Círculo de Bakhtin e a concepção filosófica do mundo da vida; linguística e translinguística: a posição bakhtiniana; a concepção dialógica da linguagem, incluindo língua, discurso, signo/palavra/ideologia e sociointeracionismo; dialogismo: enunciado e relações dialógicas; ato responsável/ético: responsibilidade, sujeito bakhtiniano e alteridade; o texto e as ciências humanas; e, por último, exotopia e cronotopos. Na segunda seção, o capítulo se volta para os posicionamentos da Linguística Aplicada Contemporânea quanto às propostas com vistas ao que se propõe construir, hoje, para o ensino de línguas, em termos da relevância social da linguagem. No capítulo 3, encontram-se os procedimentos metodológicos para a realização de um trabalho científico na área das ciências humanas, explicitando os postulados de uma pesquisa de natureza qualitativa e interpretativista em Linguística Aplicada, numa abordagem bakhtiniana. Procura expor também os procedimentos metodológicos quanto à especificidade do objeto de pesquisa, à contextualização da pesquisa, ao sujeito pesquisador, aos textos pesquisados e à constituição dos dados para devida análise. No capítulo 4, analisam-se as concepções linguístico-gramaticais trazidas pelos gramáticos para o ensino de língua portuguesa no período de 1900 a 1960. Esse capítulo se constitui de cinco seções assim especificadas: na primeira seção, As concepções de Eduardo Carlos Pereira -1900 a 1930. Na segunda seção, As concepções de Mário Pereira de Souza Lima e a

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década de 1930. Na terceira seção, As concepções de Napoleão Mendes de Almeida e a década de 1940. Na quarta seção, As concepções de Carlos Henrique Rocha Lima e a Gramática Normativa da Língua Portuguesa na década 1950 e, na quinta seção, As concepções de Gladstone Chaves de Melo e a década de 1960. No capítulo 5, encontra-se uma síntese analítica das concepções dos gramáticos no período de 1900 a 1960, incluindo dez seções, assim constituídas: nominação das gramáticas pedagógicas, interlocutor previsto das gramáticas pedagógicas, princípios linguísticos organizadores das gramáticas pedagógicas, objetivos da elaboração das gramáticas pedagógicas, recursos empregados pelos gramáticos, contexto linguístico das gramáticas pedagógicas, o ensino de língua portuguesa na visão dos gramáticos, concepções de linguagem e de língua na visão dos gramáticos, concepções de gramática segundo os autores estudados e concepções linguístico-ideológicas dos gramáticos estudados. No capítulo 6, apresentam-se as considerações finais.

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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Por ser um trabalho em que se pretendeu uma análise dialógica de natureza interpretativista, os princípios do pensamento de Bakhtin e os estudos de autores que ancoram os pressupostos bakhtinianos, em termos de uma Análise/Teoria dialógica da linguagem, se tornaram imprescindíveis. Como a pesquisa está inserida na subárea da Linguística Aplicada, são relevantes também as discussões da Linguística Aplicada Contemporânea que, ao tentar dialogar com teorias que atravessam o campo das ciências sociais e das humanidades, procura estudar com mais clareza as questões sociais em que a linguagem tem papel central.

2.1 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS BAKHTINIANOS

Em uma pesquisa cujo propósito se prende a uma análise de natureza interpretativista, os pressupostos teóricos de Bakhtin e seu Círculo são bastante pertinentes, porque, a partir da teoria/análise dialógica do discurso, as novas concepções de linguagem e língua trouxeram significativas contribuições para os estudos filosófico-linguísticos. Embora nossa pesquisa se volte para o contexto sócio-histórico de 1900 a 1960, os pressupostos bakhtinianos, suas ideias, na perspectiva dialógica da linguagem, nos auxiliaram a ter um olhar interpretativo a respeito das concepções de linguagem, língua e gramática nos contextos de ensino. Esses pressupostos, conforme Rodrigues (2005, p. 153), “têm impulsionado as discussões teóricas dos desenvolvimentos pedagógicos na área de ensino das línguas, a partir da década de 1980”. Esta seção, constituída de nove subseções, aborda os fundamentos bakhtinianos de relevância para os propósitos desta pesquisa.

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2.1.1 O Círculo de Bakhtin e a concepção filosófica do mundo da vida

O Círculo de Bakhtin9, além da filosofia e do debate das ideias, nos estudos relacionados à linguagem, intensificou nos idos de 1925/1926, segundo Faraco (2009, p. 30), “uma confluência do Círculo para a temática da linguagem”. Com base nos textos de Faraco (2009), podemos, assim, resumir essa concepção: um posicionamento contrário ao teoreticismo, a qualquer tendência de monologização da existência humana, à aceitação de língua como sistema imanente ou como processo de criação do psiquismo individual do falante e à ideia de que é possível pensar o ser humano fora das relações com o outro. Contrapondo-se a essas tendências, para Bakhtin e os membros do Círculo, a proposta de uma concepção filosófica deve estar voltada para o mundo da vida, com a prevalência de uma concepção dialógica da linguagem, uma concepção em que predomina a prática sociointerativa, resultante do processo sócio-histórico e dos atos responsivos da relação eu/outro.

Faraco (2009) aponta que Volochínov e Bakhtin são os dois membros do Círculo que intensamente discutiram o tema da linguagem, mais precisamente língua/linguagem e discurso, com uma reflexão geral de natureza filosófica, uma formulação sobre o ser da linguagem, sem considerar apenas proposições de natureza científica, sem vê-la como sistema formal, mas sim como uma atividade dialógica, sociointerativa, singular e irrepetível. No que diz respeito ao fenômeno social de interação verbal como realidade fundamental da linguagem, o foco efetivo dos estudos bakhtinianos são as relações dialógicas que decorrem de uma posição em que predomina o conteúdo axiológico, uma posição responsiva, com indivíduos socialmente organizados, sujeitos marcados por profunda subjetividade e tensa heterogeneidade. Em O Freudismo, Bakhtin [Volochínov] ressalta:

9 Um grupo de intelectuais que se reuniu regularmente de 1919 a 1926, primeiro em Nevel e Vitebsk e, depois, em São Petersburgo. Era constituído por pessoas de diversas formações, interesses intelectuais e atuações profissionais, como biólogos, filósofos e professores de literatura. Dentre eles, os que mais de perto importam para os estudos filosófico-linguísticos são Mikhail M. Bakhtin, Valentin N. Voloshinov e Pavel N.Medvedev (FARACO, 2009).

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O indivíduo humano só se torna historicamente real e culturalmente produtivo como parte do todo social, na classe e através da classe.

Para entrar na história é pouco nascer fisicamente: assim nasce o animal, mas ele não entra na história. É necessário algo, como um segundo nascimento, um nascimento social (BAKHTIN, [VOLOCHÍNOV], 2009 [1975], p. 11, grifos do autor).

Com o propósito de intensificar a natureza sócio-histórica do homem, considerando o mundo da vida, Bakhtin, em seus estudos filosóficos, se volta para uma crítica ao teoreticismo, que se caracteriza pela exclusão da singularidade do eu, procurando inicialmente estabelecer um processo de reflexão filosófica ampla denominada prima philosophia, uma filosofia moral que tem a intenção, segundo Faraco (2009, p. 17), “de criticar extensivamente as objetificações da historicidade vivida, oriundas dos processos de abstrações próprios da razão teórica”. Mesmo reconhecendo a validade da cognição teórica que prefere o universal, o sistema abstrato e o mundo generalizado, Bakhtin não concorda que o teoreticismo se desvincule do mundo da vida, sem interesse pelo singular, pelo individual, pelo irrepetível, pelo evento, referenciais centralizadores dos pressupostos filosóficos bakhtinianos. É considerando esse mundo da vida, que procuramos investigar as relações estabelecidas entre os gramáticos do contexto sócio-histórico de 1900 a 1960 e o ensino de língua portuguesa. Quaisquer que tenham sido as práticas pedagógicas aplicadas pelos gramáticos, cujos enunciados/discursos analisamos, todos estiveram voltados, a seu modo, para o mundo da vida, procurando, de certa forma, alcançar o público alvo a quem se dirigiam.

No manuscrito Para Uma Filosofia do Ato Responsável (2010a [1920]), já se encontra a intenção de Bakhtin de problematizar como esse mundo da historicidade viva, em que seres únicos realizam atos irrepetíveis, se diferencia do mundo das generalizações, do mundo da teoria. Essa diferenciação é constatada, quando Bakhtin (2010a [1920], p. 43) observa esses dois mundos como “absolutamente incomunicáveis e mutuamente impenetráveis”. Ao explicitar como se processam as diferenças entre esses mundos, em relação ao mundo da vida, mundo inacabado, específico e único, Bakhtin (2010a [1920], p. 43) também observa que “(este é o único mundo em que cada um de nós cria, conhece, contempla, vive e morre) – o mundo no qual se objetiva o ato da atividade de cada um e o mundo em que tal ato realmente, irrepetivelmente ocorre, tem lugar”. Quanto ao mundo teórico, acabado, a

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existência do eu não tem condições de oferecer, segundo a visão de Bakhtin (2010a [1920], p. 52, grifo do autor), “nenhum critério para a minha vida como agir [...] responsável, [...] para a vida da práxis, para a vida do ato, porque nele eu não vivo e se fosse tal mundo o único eu não existiria”. Nenhuma orientação prática da vida humana é possível no mundo teórico, mundo obtido por uma abstração,

porque nele não é possível viver, agir responsavelmente, nele não sou necessário, nele, por princípio, não tenho lugar. O mundo teórico [...] não leva em conta o fato da minha existência singular e do sentido moral deste fato que se comporta como ‘se eu não existisse’ (BAKHTIN, 2010a [1920], p.52).

Essa constatação pode ser observada no grau de comprometimento dos enunciados/discursos dos gramáticos em suas gramáticas pedagógicas, quando procuram mostrar seus procedimentos, suas responsabilidades e intenções no espaço e tempo em que vivenciam suas práticas como autores e professores, justificando, assim, sua existência no mundo da vida. Cada um desses gramáticos, ao elaborar suas primeiras produções gramaticais, considerava os seus atos como únicos, diferenciados em relação aos gramáticos que os antecederam.

Para diferenciar o dualismo entre o mundo da teoria e o mundo da vida, Bakhtin (2010a [1920]), em Para uma Filosofia do Ato Responsável, já considera o primeiro como o mundo do juízo teórico; e o segundo, como o mundo da historicidade viva. Faraco explicita essa visão dos dois mundos de Bakhtin.

Bakhtin, [...], parte da asserção de que existe um dualismo entre o mundo da teoria (isto é, o mundo do juízo teórico [...], o mundo em que os atos concretos de nossa atividade são objetificados na elaboração teórica de caráter ético e estético) e o mundo da vida (isto é, o mundo da historicidade viva, o todo real da existência de seres históricos únicos que realizam atos únicos e irrepetíveis, o mundo da unicidade irrepetível da vida realmente vivida e experimentada). (FARACO, 2009, p. 18, grifos do autor).

A respeito dessa diferenciação entre o mundo da vida e o mundo da teoria formulada pelo Círculo de Bakhtin, Faraco (2009, p. 22) pondera que “a unicidade do ser e do evento [...], a relação eu/outro e a dimensão axiológica – serão, portanto, os

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eixos constantes e nucleares do pensamento bakhtiniano e de seus pares”. Essa interação dialógica constitui a realidade do mundo da vida. A espera por uma atitude responsiva do outro gera validade à enunciação primeira, trazendo uma consequente continuidade de interação dialógica.

Com relação à unicidade e à eventicidade do ser, ao tentar reconciliar os dois mundos, o da teoria e o da vida, Bakhtin (2010a [1920], p. 43) observa que o “ato da atividade de cada um, da experiência que cada um vive, olha, como um Jano bifronte, em duas direções opostas”. Essas direções contrárias, esses dois mundos devem encontrar um plano unitário para refletir-se em ambas as direções. Conforme Bakhtin (2010a [1920], p. 43) “somente o evento singular do existir no seu efetuar-se pode constituir esta unidade única”. Esse argumento se assenta na estrutura do eu moral que, conforme Faraco (2009, p. 20-21), “intui sua unicidade, que se percebe único, que reconhece estar ocupando um lugar único que jamais foi ocupado por alguém e não pode ser ocupado por nenhum outro”. Bakhtin explicita a unicidade do ser e do evento, assim considerando:

Na base da unidade de uma consciência responsável não existe um princípio como ponto de partida, senão o fato do reconhecimento real da minha própria participação no existir como evento singular, coisa que não pode ser adequadamente expressa em termos teóricos, mas somente descrita e vivenciada com a participação; [...]; eu também sou participante no existir de modo singular e irrepetível, e eu ocupo no existir singular um lugar único, irrepetível, insubstituível e impenetrável da parte de um outro (BAKHTIN, 2010a [1920], p. 96).

Essa unicidade, essa existência única e singular pode ser comprovada na postura dos gramáticos considerados nesse trabalho. Embora todos tenham escrito gramáticas pedagógicas, cada um se notabilizou por suas próprias maneiras de efetivar seus ensinamentos, tendo como base uma participação ímpar, insubstituível. Portanto, a unicidade do ser só se constitui quando se efetua o evento singular do existir, ocasião em que, segundo Bakhtin (2010a [1920], p. 44), “cada um dos meus pensamentos, com o seu conteúdo, é um ato singular responsável meu”. Essa singularidade do ato, para ser única, não pode ser pensada isoladamente, mas sim vivida de forma participativa, porque somente do interior de uma participação o sujeito do ato pode compreender o existir como evento. Dessa forma, os gramáticos, do contexto sócio-histórico de 1900 a 1960, esperavam por essa participação, o que

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