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A ascensão da classe instruída. Bubos no paraíso.

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Academic year: 2021

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Título original BOBOS IN PARADISE

The New Upper Class and How They Gol There Copyright da edição brasileira © by 2002 Editora Rocco Ltda.

Copyright © 2000 by David Brooks Todos os direitos reservados. “Publicado mediante acordo com o editor originai,

Simon & Schuster, Inc.”

Direitos para a língua portuguesa reservados com exclusividade para o Brasil à

EDITORA ROCCO LTDA. Rua Rodrigo Silva, 26 - 4o andar

20011-040 - Rio de Janeiro, RJ Tel.: 2507-2000 - Fax: 2507-2244

e-mail: rocco@rocco.com.br www.rocco.com.br Printed in Brazil / Impresso no Brasil

preparação de originais Y. A. FIGUEIREDO

CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte. Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ. C888b Brooks, David,

1951-Bubos no paraíso: a nova classe alta e como chegou lá/David Brooks; tradução de Ryta Vinagre. - Rio de Janeiro: Rocco, 2002

Tradução de: Bobos in paradise: the new upper class and how they got there

ISBN 85-325-1452-9

1. Elite (Ciências sociais) - Estados Unidos. 2. Classe alta - Estados Unidos. 3. Estadas Unidos - Condições sociais - 1980. 4. Estados Unidos - Usos e costumes - 1971.

02-1165

CDD - 305.520973 CDU - 316.344.42 (73)

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A a s c e n s ã o d a classe in s t r u íd a

N ã o tenho certeza se gostaria de ser uma das pessoas retrata­ das na seção de casamentos do New York Times, mas sei que gostaria de ser o pai de uma delas. Imagine, por exemplo, a felicidade de Stanley J. Kogan quando sua filha Jamie foi admitida em Yale. E seu orgulho, então, quando Jamie distin- guiu-se na universidade e graduou-se com louvor. O próprio Stanley não é nenhuma negação no quesito cérebro: é um uro- logista pediátrico em Croton-on-Hudson, com cargos de docência no Comell Medicai Center e no New York Medicai College. E ele deve ter se sentido um tanto triunfante quando sua filha vestiu o barrete acadêmico e a beca.

E não parou por aí. Jamie rapidam ente ingressou na Faculdade de Direito de Stanford. E depois conheceu um homem - Thomas Arena - que parecia ser exatamente o tipo de genro com que sonham os urologistas pediátricos. Ele se formou em Princeton onde, também, destacou-se e se graduou com louvor. E também ele foi para uma faculdade de direito, em Yale. E seu orgulho, então, Depois da faculdade, os dois foram trabalhar como assistentes da promotoria no enorme Distrito Sul de Nova York.

Estes dois impressionantes epítomes colidiram em uma cerimônia de casamento em Manhattan e, considerando todos os colegas de faculdade presentes, as despesas com educação naquela sala devem ter sido assombrosas. O restante de nós pode ler sobre isso na seção de casamentos do New York Times. A seção é uma obsessão semanal de centenas de milhares de leitores do Times e aspirantes a Balzacs. Despudoradamente elitista, reservada e totalmente honrada, a “seção de fusões e

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aquisições” (como alguns de seus devotos a chamam) tem pro­ porcionado uma visão precisa de pelo menos boa parte da clas­ se dirigente americana. E com o passar do tempo vem refletin­ do a mudança dos ingredientes do status de elite.

Quando a América tinha uma elite de estirpe, a seção enfa­ tizava os nascimentos e a educação dos nobres. Mas na Amé­ rica de hoje, gênio e genialidade são os elementos que lhe per­ mitem se juntar aos eleitos. E quando você olha a seção de casamentos do Times, quase chega a sentir o poder da mistura de pontuações no teste de aptidão SAT (Scholastic Aptitude Test). Dartmouth se casa com Berkeley, M BA com PhD, Fulbright casa-se com Rhodes, Lazard Frères se une a CBS, e

summa cum laude acolhe summa cum laude (raramente você

vê um summa acolhendo um magna, o segundo grau de louvor nas universidades americanas — a tensão de tal casamento seria grande demais). O Times destaca quatro coisas sobre uma pes­ soa — os títulos de graduação, os de pós-graduação, o carpinho percorrido na carreira e a profissão dos pais - pois são eles que simbolizam os americanos prósperos de hoje.

Muito embora você queira odiá-los, é difícil não sentir um pequeno rasgo de aprovação à vista desses Deuses do Currículo. Suas expressões são tão francas e confiantes; seus dentes são um tributo à magnificência da ortodontia americana; e como o

Times só imprimirá fotografias em que as sobrancelhas dos noi­

vos estejam no mesmo nível, os casais sempre parecem combi­ nar perfeitamente. Há garotos que passam os anos cruciais entre os 16 e os 24 anos conquistando a aprovação dos mais velhos. Outros podem ter se rebelado nessa idade, ou se sentido aliena­ dos, ou apenas exploraram sua natureza mais fundamental. Mas as pessoas que conseguiram chegar a essa seção controlaram seus impulsos hormonais e passaram sua adolescência impres­ sionando os professores, preparando-se para debates, compro- metendo-se com horas de atividade extracurricular e voluntária e fazendo tudo que nós, como sociedade, queremos que os ado­ lescentes façam. O agente de admissão em universidade que há em nós quer recompensar esses ímãs de mentores com um futu­ ro brilhante, e os verdadeiros funcionários de admissão o fazem,

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aceitando-os nas universidades e faculdades certas, turbinan­ do-os assim na idade adulta.

A maioria esmagadora deles nasceu em lares de classe média alta. Em 84% dos casamentos, tanto a noiva como o noi­ vo têm um pai que é executivo de negócios, professor univer­ sitário, advogado ou que pertencia a alguma classe profissional de elite. Você já ouviu falar de dinheiro de família; agora, vemos cérebros de família. E eles tendem a se casar tarde - a média de idade para as noivas é de 29 anos e para os noivos é de 32/E les também se dividem com muita elegância em dois grandes subgrupos: os educadores e os predadores?Os preda­ dores são os advogados, comerciantes, homens de marketing - a turma que lida com dinheiro ou que passa sua vida profissio­ nal negoçiando e competindo, ou sendo inflexível e ferrando os outrosvÒs educadores tendem a ser influentes profissionais de humanidades. Tomam-se acadêmicos, diretores de funda­ ções, jornalistas, militantes e artistas - pessoas que lidam com idéias ou que passam seu tempo cooperando com os outros ou : facilitando alguma coisa/Mais ou menos metade dos matrimô­

nios consiste no casamento de dois predadores: um MBA em Duke, que trabalha no NationsBank casando-se com uma advogada formada na Michigan, que trabalha na Winston & Strawn. Cerca de um quinto dos matrimônios é realizado entre dois educadores: um acadêmico de Fulbright que leciona ciên­ cias humanas em Stanford casando-se com uma acadêmica formada em Rhodes que ensina filosofia nesta mesma institui­ ção. Os demais casamentos na seção do Times são mistos, em que um predador se casa com um educador. Um consultor financeiro com um MBA de Chicago pode casar-se com uma professora primária de uma escola progressista que obteve seu título de mestrado em assistência social na Columbia.

Esses meritocratas dedicam uma porção monstruosa de tempo a sua carreira e extraem uma enorme satisfação de seu sucesso, mas o Times quer que você saiba que eles, na verdade, não são consumidos pela ambição. Toda semana o jornal des­ creve com riqueza de detalhes um determinado casamento, e o subtexto de cada um desses relatos diz que toda essa realização

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impressionante não passa de mero acaso. Na verdade, essas pessoas são apenas espíritos livres corajosos que gostam de se divertir/A coluna semanal “Vows” detalha ternamente cada um dos peculiares elementos do casamento: uma noiva leva suas damas de honra para beber em um balneário russo; um casal contratou um ex-integrante da banda Devo para tocar o tem a de Jeopardy na recepção; outro leu os poemas sobre Christopher Robin de A. A. Milne na cerimônia em uma anti­ ga mansão da du Pont. Inevitavelmente, o artigo do Times é crivado de citações de amigos que descrevem os noivos como paradoxos encantadores: dizem que eles são estáveis mas fre­ néticos, ousados mas tradicionais, voam alto mas têm os pés no chão, desalinhados mas elegantes, sensatos e, todavia, espontâneos. Ou só as pessoas paradoxais se casam hoje em dia, ou as pessoas dessa classe parecem ver a si mesmas e a seus amigos como um equilíbrio entre opostos.

Os casais contam um pouco de sua história nesses artigos. Um número impressionante deles parece ter se conhecido quando se recuperava de maratonas ou procurava vestígios do homem do Pleistoceno em escavações arqueológicas na Eri­ tréia. Em geral, viveram um longo e cauteloso romance que incluiu férias em lugares obscuros e educativos como Myan- mar e Minsk/Mas muitos casais romperam por algum tempo, quando um, ou ambos os parceiros, entrou em pânico diante da idéia de perder sua independência. Depois, houve um período de solidão enquanto um, digamos, organizava a maior fusão da história de Wall Street e o outro se firmava como neurocirur- gião depois de abandonar um curso para sommeliers. Mas eles finalmente ficaram juntos novamente (às vezes durante as férias na praia com sua família e um bando de gente com maxi­ lares iguais aos seus). E um dia eles decidem dividir um apar­ tamento. Não sabemos como é sua vida sexual porque o Times ainda não tem uma seção de fornicação (“John Grind, um advogado da Skadden Arps com título da Northwestern, come­ çou a copular com Sarah Smith, uma cardiologista do Sloan- Kettering formada em Emory”)- Mas imaginamos suas rela­ ções íntimas adequadamente paradoxais: rude porém suave,

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aventurosa mas íntima. Algumas vezes, lemos sobre casais modernos em que o pedido de casamento parte dos dois, mas na maioria das vezes o noivo segue o velho estilo - com fre- qüência, ao que parece, enquanto sobrevoa Napa Valley em um balão ou quando induz a mulher a encontrar um anel de dia­ mante em sua máscara de mergulho enquanto exploram peri­ gosos recifes de corais perto das Seychelles.

Muitos desses casamentos misturam afiliações - um for­ mado em uma Ivy League se casará com alguém de uma Big Ten - , e por isso a cerimônia deve ser planejada de forma a res­ peitar as suscetibilidades de todos. A inovação moderada é a regra. Se você é membro de uma elite fundamentada em famí­ lia e educação, não precisa planejar com tanto cuidado uma cerimônia de casamento que expresse sua individualidade. Seu status elevado tomou-se impermeável por sua ancestralidade, assim você pode repetir a mesma cerimônia geração após gera- ção/M as se você pertence a uma elite fundamentada no inte­ lecto, como a atual, precisa corresponder aos significados sutis que demonstrarão sua própria identidade espiritual e intelec­ tual - sua qualificação por, antes de tudo, pertencer à elite. Você precisa de convites em papel artesanal mas com uma tipologia tradicional. Ao escolher a música, você precisa de canções de Patsy Cline misturadas com Mendelssohn. Precisa de um vestido da década de 1950, mas feito de forma tão retrô que traga nele marcas invisíveis da época. Precisa de um bolo de casamento planejado para parecer uma igreja barroca. Os dois precisam trocar objetos significativos, como uma prancha de snowboard gravada com sua citação favorita de Schiller ou o patinho de borracha de sua infância que você costumava embalar durante os primeiros e sombrios dias de seu emprego de escrevente na Suprema Corte. É difícil alcançar suas pró­ prias rugas nupciais, que serão distintas sem ser arrojadas. Mas é na realização pessoal que se baseia a existência instruída. Para os membros da classe instruída, a vida é um longo curso de pós-graduação. Quando morrem, Deus os recebe nas portas do paraíso, calcula quantos campos de expressão pessoal eles dominaram, entrega-lhes um diploma divino e os deixa entrar,

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O s anos 5 0

A página de casamentos do Times nem sempre vibrou com

as realizações dos Deuses do Currículo. No final da década de 1950, a seção ressaltava um ethos sereno e mais pomposo. Os relatos de casamento da época não destacavam cargos ou titula­ ção acadêmica. A profissão do noivo era mencionada apenas ocasionalmente, enquanto a profissão da noiva quase nunca era citada (e nas raras ocasiões em que a profissão da noiva era apontada, faziam-no no pretérito, como se o casamento desse um fim óbvio a sua carreira). Em vez disso, o Times descrevia estirpe e parentesco. Mencionavam-se os ancestrais com fre- qüência. Os pajens eram citados, assim como as damas de hon­ ra. Invariavelmente falavam das escolas preparatórias, assim como dos colégios. O Times tinha também o cuidado de citar as agremiações do noivo - a Union League, o Cosmopolitan Club. Também desfilava a história de debutante da noiva, sua origem e a que clubes femininos ela pertencería, como a Junior League. Em resumo, a seção era uma galáxia de organizações exclusi­ vas. Uma descrição do vestido tomava boa parte do artigo, e os arranjos florais também eram esmiuçados à exaustão.

Quando você lê toda a seção de casamentos daquela época, saltam diante de seus olhos frases que jamais seriam encontra­ das hoje: “Ela descende de Richard Warren, que chegou a Brookhaven em 1664. Seu marido, um descendente do Dr. Benjamin Treadwell, que se estabeleceu em Old Westbury em 1767, é aluno do Gunnery School e decano da Colgate University.” Ou, “A Sra. Williams é aluna do Ashley Hall and Smith College. Membro provisório da Junior League de Nova York, ela foi apresentada à sociedade em 1952 no Baile de Debutantes de Natal” . Até as legendas seriam impensáveis hoje: “Sra. Peter J. Belton, que era Nancy Stevens.” (Hoje, ò

Times somente usaria uma legenda no pretérito para as pessoas

que tenham sofrido uma cirurgia para troca de sexo.)

O jornal, mais reticente, não mencionava as idades naque­ la época, mas os casais eram claramente mais jovens; muitos noivos ainda estavam na faculdade. Uma parcela significativa

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dos homens freqüentou West Point ou Annapolis, pois era uma época em que as academias militares faziam parte do establish-

ment da Costa Leste, e o serviço militar ainda era algo que os

jovens da elite prestavam. A própria seção era enorme no fim dos anos 50. Em um domingo de junho, podia se estender por 28 páginas e cobrir 158 casamentos/Era muito mais provável na época que as cerimônias acontecessem em subúrbios con­ servadores - tais como o Bryn Mawr, ou Main Line na Fila­ délfia, ou o Greenwich em Connecticut, Princeton em Nova Jersey, ou bairros mais arrogantes nos arredores de Chicago, Atlanta, San Francisco e em toda parte do país. A seção tam­ bém era, previsivelmente, mais voltada para a classe média branca e protestante, os WASP. Cerca de metade dos noivos ali representados no fim da década de 1950 casavam-se em uma cerimônia episcopal. Hoje, menos de um quinto dos casamen­

tos nas páginas do Times é episcopal, enquanto cerca de 40%

são judaicos, e há muito mais nomes asiáticos/E difícil medir diretamente a ascensão de diferentes grupos religiosos, porque na década de 1950 os casamentos judaicos eram relacionados separadamente às segundas-feiras, mas fica bastante claro que nos últimos quarenta anos as tendências têm sido ruins para os episcopais e boas para os judeus.

Observar os rostos e as descrições da seção de casamentos dos anos 50 é como olhar para um mundo diferente, e no entan­ to ele não está assim tão distante - a m aioria das pessoas retratadas naquelas páginas amareladas ainda está viva, e boa parte das noivas naquela seção é jovem o bastante para que não tenha ainda sido trocada por uma esposa-troféu/A seção do fim dos anos 50 evoca todo um ambiente que era na época muito poderoso e é agora muito antiquádo: a rede de clubes masculinos, os clubes campestres, os escritórios de advocacia bem estabelecidos, as empresas de Wall Street revestidas em carvalho e os patriarcas WASBíTodo mundo tinha sua imagem mental do velho establishment protestante: sotaques pesados, o guia “Nossa Sociedade”, atletas de fraternidades universitárias passando pelas faculdades da Ivy League, rodadas constantes de martínis e uísque com soda, expediente bancário, velhos

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engomadinhos como Averell Harriman, Dean Acheson e John J. McCloy, os mandachuvas locais que aparecem nas histórias de John Cheever e John 0 ’Hara. É claro que nenhuma época é tão simples como seus clichês - John J. McCloy, o nobre quin- tessencial da Costa Leste, era na verdade um self-made man - mas em geral os estereótipos encontram apoio na evidência sociológica desse período.

Havia um forte senso de cultura européia herdada. “John deve aprender grego”, guinchou o pai de McCloy em seu leito de morte. As jovens ainda obedeciam a rituais aristocráticos de

début, que eram medidos por graduações agora esquecidas. A

época do Natal era a mais movimentada para debutar, enquan­ to o período de Ação de Graças era a época mais curta, porém a mais seleta. As denominações protestantes prosperavam naqueles dias. Três quartos das elites política, empresarial e militar eram protestantes, de acordo com estudos realizados na época. Era realmente possível falar de uma classe dirigente aristocrata nos anos 50 e no início dos anos 60, uma elite nacional povoada por homens que tinham ido para escolas pre­ paratórias no Nordeste como Groton, Andover, Exeter e St. PauTs e em seguida ascendiam, depois de passai- por empresas conservadoras de Wall Street, para as salas da diretoria de cor­ porações da Fortune 500 e para os corredores do poder em Washington ./'A classe média branca e protestante não tinha controle total do país ou algo semelhante, mas possuía a magia hipnótica do prestígio. Como escreveu Richard Rovere em um famoso ensaio de 1962 intitulado “The American Establish- ment”: “Há um grande poder quase incontestado na determina­ ção do que é e do que não é opinião respeitável neste país.” Se você olhar as fotografias da Time ou da Newsweek daquela época, verá um branco sessentão após outro. Entre outras coi­ sas, essa elite tinha o poder de deixar os ambiciosos arrivistas que careciam da educação adequada - como Lyndon Johnson e Richard Nixon - quase loucos de ressentimento^,

Enquanto isso, toda cidade rica da América tinha seu pró­ prio establishment, que imitava as maneiras e atitudes do estab-

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reuniam-se para trocar piadas étnicas e jantar costeletas de car­ neiro com molhos em conserva - creme de cogumelos, creme de aspargos, creme de alho-poró. (As pessoas não se preocupa­ vam com o colesterol porque ainda não era fora de moda adoe­ cer e morrer.) Em geral, o senso estético WASP era lamentável - Mencken disse que as elites protestantes tinham uma “libido para o feio” - e suas conversas, de acordo com todos os rela­ tos, não primavam por sua perspicácia e inteligência/Eles tor­ turavam suas garotas permitindo-lhes tomar lições de equita­ ção mas obrigando-as a competir em provas de adestramento, onde dominavam todas as virtudes características da elite WASP que são tão pouco características da elite instruída de hoje: boa postura, maneiras gentis, extrema higiene pessoal, disciplina despropositada, a capacidade de permanecer sentada por longos períodos de tempo.

Esta foi a última grande era da embriaguez socialmente aceitável. Era ainda uma época em que a caça à raposa e o pólo não pareciam antiquados. Mas as duas características desse mundo que forçosamente nos surpreendem hoje são seu elitis- mo despudorado e sua segregação. Embora essa elite não fos­ se, praticamente em nenhum lugar, tão restritiva quanto as eli­ tes anteriores - a Segunda Guerra M undial exercera sua influência niveladora - , o establishment da década de 1950

ainda se baseava em um indiferente anti-semitismo, racismo, sexismo e centenas de outras barreiras silenciosas que impe­ diam o ingresso daqueles que não possuíam o pedigree corre­ to. Rapazes judeus e protestantes ricos que brincaram juntos na infância eram obrigados a assumir a “Grande Divisão” aos 17 anos, quando os judeus e a sociedade gentia partiam-se em duas órbitas inteiramente separadas, com distintos períodos de

début, escolas de dança e secretarias sociais. Um executivo

protestante pode ter passado sua vida profissional trabalhando intimamente com seu colega judeu, mas nunca sonharia em apresentá-lo como candidato a membro de seu clube. Quando o senador Barry Goldwater tentou jogar golfe no seleto Chevy Chase Club, ouviu que o clube era privativo. “Sou apenas meio judeu, então não posso jogar nove buracos?”, retorquiu ele.

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À elite WASP foi também cordialmente antiintelectual. Seus membros freqüentemente falam de “intelectuaizinhos” e “intelectualóides” com desdém educado. Em vez disso, seu status, como assinalou F. Scott Fitzgerald algumas décadas antes, era o resultado de “magnetismo animal e dinheiro”. Se os compararmos com a classe dirigente de hoje, eles tinham uma atitude relativamente simples em relação à sua riqueza. Eles sabiam que era vulgar ser espalhafatoso, tendiam à parci­ mônia, mas pareciam não ver seu próprio dinheiro como uma afronta aos princípios americanos de igualdade. Ao contrário, a maioria considerava garantido seu status de elite e pensava que tal posição era simplesmente parte da ordem natural e beneficente do universo. Sempre existiría uma aristocracia, e assim, para as pessoas que por acaso nascessem nela, a tarefa era aceitar os deveres que acompanhavam seus privilégios. Na melhor das hipóteses, eles viviam acima do código aristocráti­ co. Acreditavam no dever, no serviço e na honra, mais do que em simples palavras/bs melhores entre eles ainda respeitavam o código da aristocracia natural que um de seus heróis, Edmund Burke, incluira cm An Appealfrom the New to the Old

Whigs. Vale a pena citar este trecho de Burke na íntegra porque

ele apreende um conjunto de ideais que servem como um inte­ ressante contraste com os de nossa época:

Ser educado em um lugar de respeito; nada ver de vil e sór­ dido na infância; ser ensinado a respeitar a si mesmo; habi­ tuar-se à inspeção severa do olhar público; considerar antes de tudo a opinião pública; manter-se em posição de tal modo elevada a ser capaz de ver as combinações amplas e infinitamente diversificadas de homens e interes­ ses em uma grande sociedade; ter tempo livre para ler, refletir, conversar; estar capacitado a atrair a atenção do sábio e do erudito, onde quer que sejam encontrados; nas forças armadas, estar habituado a comandar e a obedecer; ser ensinado a menosprezar o perigo na busca da honra e do dever; ser educado para o mais alto grau de vigilância, precaução e circunspecção, em um estado de coisas em

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que nenhum erro é perpetrado com impunidade e os mais leves enganos trazem as mais desastrosas conseqüências; ser levado a uma conduta prudente e moderada, no sentido de que você seja considerado como um mentor de seus con­ cidadãos em seus mais elevados interesses, e que você aja como um conciliador entre Deus e o homem; ser emprega­ do como administrador da lei e da justiça, e desse modo estar entre os primeiros benfeitores da humanidade; ser um professor de ciência nobre, ou de humanidades e arte ingê­ nua; estar entre os ricos comerciantes, de quem se supõe, por seu sucesso, ter intelecto agudo e vivaz, e possuir as vir­ tudes da diligência, da ordem, constância, regularidade, e ter cultivado um respeito habitual à justiça comutativa: há circunstâncias dos homens que formam o que devo chamar uma aristocracia natural, sem a qual não há nação.

Neste código, há partes que mal nos dizem respeito - a ênfase nas virtudes militares, a idéia de que alguém possa ser um mentor elevado para um companheiro, a idéia de que se deve agir como um conciliador entre Deus e o homem. E embora ninguém tenha lamentado por escrito o declínio dos WASP com tanta beleza quanto Giuseppe Tomasi di Lampe- dusa lamentou o declínio da velha aristocracia siciliana em O

leopardo, ou com tanta elegância quanto Evelyn Waugh o fez

em relação à aristocracia britânica em Brideshead Revisited, ainda é possível relembrar com alguma admiração a elite pro- testante, apesar do racismo, do anti-semitismo e do rigor que representavam seus desastrosos defeitos.

/N a melhor das hipóteses, o establishment WASP tinha uma ética de serviço público que continua ímpar. Seus membros podem ter se sentido pouco à vontade com a ambição, mas tinham uma consciência aguda do dever. Preocupavam-se com as boas maneiras e o autocontrole e, relembrando-os, eles algu­ mas vezes parecem ter mais valor do que nós, que os sucede­ mos, talvez porque se sacrificassem mais. Jovens cavalheiros como George Bush se apresentaram como voluntários para lutar na Segunda Guerra Mundial sem pensar duas vezes, e um

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número desproporcional de jovens das famílias WASP privile­ giadas perderam suas vidas nas guerras mundiais. Era uma tur­ ma discreta, sem a rebeldia inquieta das gerações mais recen­ tes. Comparativamente, tinham pouca tendência ao narcisis- mo. “Está falando demais de si mesmo, George”, disse a mãe de Bush durante a campanha presidencial de 19 8 8 /M ais importante, é claro, eles lideraram os Estados Unidos durante o Século Americano e construíram muitas das instituições que as elites instruídas agora ocupam satisfeitas.

O s anos de articulação

Mas enquanto as noivas episcopais com ancestrais entre os primeiros colonizadores - lembranças de bailes e maridos da classe alta - nos encaravam das páginas da seção de casamen­ tos de 1959, seu mundo já havia sido irrevogavelmente abala- dof Decisões perturbadoras haviam sido tomadas, como muitas decisões cruciais, por uma comissão de admissão de faculdade. Sem muito estardalhaço ou discussão pública, os funcionários de admissão arruinaram o establishment WASP. A história de Harvard, contada por Richard Herrnstein e Charles Murray no prim eiro capítulo relativamente indiscutível de The Bell

Curve, resume a história. Em 1952, a maioria dos calouros de

Harvard era produto dos mesmos bastiões WASP que pipoca­ vam na seção de casamentos do Times: as escolas preparatórias na Nova Inglaterra (só Andover e Exeter contribuíram com 10% da turma), o East Side de Manhattan, o M ain Line da Filadélfia, Shaker Heights em Ohio, a Gold Coast de Chicago, Grosse Pointe de Detroit, Nob Hill em San Francisco e assim por diante. Dois terços de todos os candidatos erám admitidos. Os candidatos cujos pais foram alunos de Harvard tinham uma taxa de admissão de 90%. A pontuação média no SAT verbal para os recém-chegados era de 583, boa, mas não estratosféri- ca. Na época, a pontuação média em todas as universidades da Ivy League aproximava-se de 500.

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Então, veio a mudança. Em 1960, a pontuação média do SAT verbal dos calouros de Harvard era de 678, e em matemá­ tica era de 695 - estas sim pontuações estratosféricas. O calou­ ro médio de Harvard em 1952 seria colocado nos 10% da base da turma de calouros de Harvard de 1960. Além disso, a turma de 1960 provinha de um grupo socioeconômico mais amplo. Garotos inteligentes do Queens, ou de Iowa, ou da Califórnia, que não pensariam em disputar um lugar em Harvard uma década antes, estavam se candidatando e sendo admitidos. De uma universidade que servia principalmente à elite social do Nordeste, Harvard se transformou em uma universidade dinâ­ mica, abrigando um número maior dos mais brilhantes garotos do país. E essa transformação se reproduziu em quase todas as universidades de elite. Em Princeton, em 1962, por exemplo, somente dez membros do time de futebol de 62 integrantes tinham frequentado escolas preparatórias particulares. Três décadas antes todos os membros do time de Princeton eram garotos de escolas preparatórias.

Por que isso aconteceu? Nicholas Lemann fornece a essên­ cia da resposta em seu livro The Big Test. É uma história im­ pressionante, porque de muitas formas a elite WASP destruiu a si mesma, e o fez pelo mais nobre dos motivos. James Bryant Conant era feitor de Harvard depois da Segunda Guerra Mun­ dial, e assim ocupava o pináculo do establishment protestante. Todavia, Conant alarmou-se com a idéia de que a América podería desenvolver uma aristocracia hereditária consistindo em exatamente o tipo de jovem bem-nascido que ele estava educando em Cambridge. Conant sonhava em substituir essa elite por uma nova, que seria baseada no mérito. Ele não pensou em uma ralé instruída tomando decisões democráticas. Em vez disso, tinha esperança de selecionar uma pequena classe de guardiões platônicos que seriam educados nas universidades de elite e se dedicariam altruisticamente ao serviço público.

Para ajudar a encontrar estes novos guardiões, Conant recrutou Henry Chauncey, diplomado em Groton e Harvard, um descendente episcopal do tronco puritano. Chauncey não tinha a visão grandiosa de Conant de como deveria ser a

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dade, mas tinha uma paixão mais refinada: os exames padroni­ zados e a gloriosa promessa da ciência social. Chauncey era um entusiasta dos testes da mesma forma que outros tecnoen- tusiastas se apaixonaram pela ferrovia, ou pela energia nuclear, ou pela Internet. Ele acreditava que os testes eram uma ferra­ menta magnífica que permitiria aos especialistas medir a capa­ cidade das pessoas e conduzida a sociedade de uma forma mais justa e racional. Chauncey chegou a se tomar diretor do Educational Testing Service, que criou o SAT (teste de aptidão escolar). E assim, como raramente ocorre entre engenheiros sociais, ele foi de fato capaz de colocar seu entusiasmo em prá­ tica. Como observa Lemann, agora vivemos em um mundo criado pela campanha de Conant e Chauncey para substituir sua própria elite pela elite baseada no mérito, pelo menos aquela que é avaliada pelos testes de aptidão.

Conant e Chauncey progrediram em uma época singular­ mente receptiva à sua mensagem. A classe intelectual america­ na provavelmente nunca fora tão segura de si, antes ou depois. Sociólogos, psicólogos e macroeconomistas pensaram estar descobrindo os instrumentos para resolver os problemas pes­ soais e sociais. Os escritos de Freud, que prometiam explicar o funcionamento íntimo da mente humana, estavam no auge de sua influência. A controvérsia McCarthy mobilizou segmentos da classe intelectual. O lançamento do Sputnik fez com que o rigor educacional parecesse essencial para o interesse da nação. Por fim, John F. Kennedy trouxe intelectuais para a Casa Bran­ ca, elevando-os à estratosfera social (pelo menos assim pensa­ vam muitos deles). E como veremos no Capítulo 4, os intelec­ tuais começaram a se levar (ainda) mais a sério nessa época, e com freqüência tinham bons motivos para

issof-rConant e Chauncey não foram os únicos acadêmicos que se insurgiram para afirmar os valores intelectuais em oposição aos do estabüshment WASP. Em 1956, C. Wright Mills escre­ veu The Power Elite, um ataque direto ao estabüshment, se algum dia houve um. Em 1959, Jacques Barzun escreveu The

House o fln tellect. Em 1963, Richard H ofstadter escreveu Anti-Intellectualism in American Life, uma ousada torrente de

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injúrias generalizadas de um astro acadêmico contra as classes “práticas”, ricas e pobres. Em 1964, Digby Baltzell, da Univer­ sidade da Pensilvânia, escreveu The Protestam Establishment, um livro que introduziu o termo WASP e detalhou as falhas intelectuais e morais do establishment. Embora muito simpáti­ co aos ideais deste grupo, ele afirmou que a elite WASP tinha se tomado uma casta presunçosa que relutava em introduzir novos talentos para reabastecer suas fileiras,/De modo geral, estes acadêmicos queriam que as universidades servissem como estufas meritocráticas e intelectuais, não como escolas de aperfeiçoamento para a elite social. Os membros do corpo docente exigiram que os funcionários da admissão olhassem de forma mais crítica o legado dos candidatos.

Os WASPs já haviam resistido antes às objeções a sua hegemonia cultural, seja por simplesmente ignorá-las, ou con­ tra-atacando-as. A primeira metade do século trouxe o que o historiador Michael Knox Beran denominou o “renascimento

do abastado”. Famílias como os Roosevelt adotaram um ethos

brioso e irredutível com o fim de restaurar o vigor e a autocon­ fiança da elite da Costa Leste e assim preservar seu lugar no topo da estrutura de p o d e r í a década de 1920, percebendo uma ameaça ao “caráter” de suas instituições, os administrado­ res das Ivy League estreitaram suas quotas oficiais ou oficiosas de judeus. Nicholas Murray Butler, da Columbia, reduziu a proporção de judeus em sua universidade de 40 para 20% em dois anos. Em Harvard, o reitor A. Lawrence Lowell diagnos­ ticou um “problema judaico” e também estabeleceu quotas para ajudar a resolvê-lo. Mas no fim dos anos 50 e início dos anos 60, os WASPs não podiam mais justificar tal discrimina­ ção aos outros ou a si mesmos. O chefe do cerimonial de John F. Kennedy, Angier Biddle Duke, foi forçado a sair de seu clu­ be masculino favorito, o Metropolitan Club em Washington, porque o clube era exclusivo.

A história, como certa vez ressaltou Pareto, é o cemitério das aristocracias e, no fim dos anos 50 e início da década de 1960, o establishment WASP não tinha lealdade com o código - e as restrições sociais - que havia sustentado. Talvez seus

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membros apenas tenham perdido a vontade de lutar por seus privilégios. Como teoriza o escritor David Frum, meio século se passou desde a última grande era da criação de fortunas. As grandes fam ílias estavam em sua terceira geração, pelo menos. Talvez então não restasse muito vigor. Ou talvez tenha sido o Holocausto que alterou a paisagem ao desacreditar o tipo de restrição racial que o establishment protestante havia construído.

De qualquer forma, em 1964, Digby Baltzell astutamente percebeu as tendências cruciais. “O que parece estar aconte­ cendo”, escreveu em The Protestant Establishment, “é que uma hierarquia acadêmica de comunidades universitárias, regida pelos valores de comitês de admissão, está suplantando gradualmente as hierarquias de classe das comunidades locais que ainda são regidas pelos valores dos antepassados. (...) Assim como a hierarquia da Igreja foi a principal via para o avanço de jovens talentosos e ambiciosos provenientes de ordens inferiores durante a época medieval, e assim como as empresas foram responsáveis pelo sonho de riqueza do século XIX (quando éramos um país predom inantem ente anglo- saxão), a comunidade do campus tomou-se agora o principal guardião de nossos tradicionais ideais oportunitaristas.”

<ks portas do campus passaram assim a ser abertas com

base no cérebro em vez de no sangue, e em poucos anos houye uma transformação da paisagem universitária. Harvard, como vimos, passou de uma universidade pára os bem-relacionados para uma escola para os esforçados e inteligentes. As universi­ dades de elite remanescentes elim inaram suas cotas para judeus e por fim desistiram de suas restrições sobre as mulhe­ res. Ademais, o número de americanos instruídos explodiu. A parcela de americanos que ingressavam nas faculdades aumen­ tou de forma estável durante o século XX, mas entre 1955 e 1974 a taxa de crescimento saltou para fora dos gráficos. Muitos dos novos estudantes eram mulheres. Entre 1950 e 1960, o número de alunas aumentou 47%. Depois, saltou mais 168% entre 1960 e 1970. Durante as décadas seguintes a popu­ lação estudantil manteve um crescimento constante. Em 1960,

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havia cerca de duas mil instituições de ensino superior. Em 1980 eram 3.200. Em 1960 havia 235 mil professores univer­ sitários nos Estados Unidos. Em 1980 eles somavam 685 mil.

Em outras palavras, antes desse período as elites WASP dominaram a educação de prestígio e formavam uma parcela significativa da população de educação universitária. No final desse período, os bem-nascidos WASPs não dominavam mais as universidades de prestígio e compunham apenas uma parte infi- nitesimal da classe instruída. A proporção de formados nas Ivy League no Who ’s Who permaneceu praticamente constante nos últimos quarenta anos. Mas as universidades mantiveram sua predominância renunciando à mediocridade das antigas famílias WASP e introduzindo meritocratas menos bem relacionados/

A rápida expansão da classe instruída estava fadada a ter um impacto tão profundo na América quanto a rápida urbani­ zação teve em outros países em outros momentos da história. Em meados da década de 1960, os WASPs de meia-idade ain­ da detinham alguma autoridade no mundo corporativo. Ainda possuíam enorme prestígio social e político, para não falar de capital financeiro. Mas foram superados no ambiente universi­ tário. Imagine agora que você é um jovem meritocrata, o filho, digamos, de um farmacêutico e Uma professora primária, acei­ to em uma prestigiosa universidade em meados dos anos 60. Você é parte de um imenso grupo de arrivistas educacionais. Sua universidade ainda guarda alguns aspectos aristocráticos da cultura WASP, embora ela agora seja um pouco perturbada por eles. E quando você olha o mundo, vê que a última geração da Velha Guarda - as pessoas que reconhecemos na seção de casamentos da década de 1950 - ainda detém os principais car­ gos e a autoridade social. Eles estão nas posições de poder e prestígio que você quer ocupar. Mas eles ainda vivem de acor­ do com um ethos que você considera obsoleto, sufocante e pre­ conceituoso. Entre outras coisas, esse ethos, que enfatiza o nascimento e as relações, impede a sua ascensão. Naturalmen­ te você e muitos de seus colegas, mesmo que não pensem deli- beradamente nisso, estão tentando derrubar o antigo regime.

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30 B U B O S NO P A R A Í S O

Estão tentando destruir o que restou do ethos WASP e substi­ tuí-lo por seu próprio ethos, baseado no mérito individual.

De modo mais geral, você está tentando mudar o caráter social da nação. A ascensão dos meritocratas produziu uma revolução clássica de expectativas crescentes. O princípio das revoluções de Tocqueville mostrou-se verdadeiro: quando o sucesso social parece mais possível para um grupo em ascen­ são, os obstáculos restantes são cada vez mais intoleráveis. A revolução social do final dos anos 60 não foi um milagre ou um desastre natural, como é às vezes tratada por escritores da esquerda e da direita. Foi uma reação lógica às tendências dos anos cruciais entre 1955 e 1965. Os componentes do status de elite esperavam pela mudança. A cultura da América próspera estava à beira de uma revolução.

O s anos 6 0

“Como vai nosso premiado acadêmico?”, pergunta um dos adultos arrogantes a Ben, personagem de Dustin Hoffman, quando ele desce as escadas na primeira cena de A primeira

noite de um homem. O filme de Mike Nichols, que foi o filme

de maior bilheteria em 1968, trata de um recém-formado introspectivo que acaba de voltar a um rico subúrbio branco da Califórnia depois de concluir um período prodigamente bem- sucedido em uma faculdade da Costa Leste. Ele percebe, para seu horror, o imenso abismo cultural entre ele e seus pais. Como Baltzell havia previsto, os valores universitários substi­ tuíram os valores paternos. Nesta famosa cena inicial, Ben está em silêncio e circulando como um herói triunfante por um gru­ po de WASP mais velhos, bajuladores e ruidosos. A expressão de Hoffman é um oásis de calma em meio a uma profusão de bonomia de Dale Camegie. Há uma grande alegria festiva. Sua mãe começa a ler em voz alta os cumprimentos no livro do ano de sua faculdade. E um dos magnatas presunçosos o arranca da piscina, estende uma capa de vaidade e lhe diz que o futuro está no plástico - uma cena que exemplifica brutalmente a

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A a s c e n s ã o da c l a s s e i n s t r u í d a $1“

decadência cultural da velha ordem. Cineastas milionários ten­ dem a ser impiedosos quando retratam homens de negócios e advogados milionários, e A primeira noite de um homem lança um olhar impiedoso sobre a vida da elite protestante: os pródigos bares domésticos, os trajes de golfe com monogra­ mas, os relógios de ouro, a mobília branca contra paredes bran­ cas, a futilidade e a hipocrisia e, na forma da Sra. Robinson, suas vidas de desespero regado a coquetéis. Ben não sabe o que quer da vida, mas certamente não é isso o que ele quer.

No romance original de Charles Webb, o personagem de Ben Braddock é um louro de um metro e oitenta e olhos azuis. Mike Nichols pensou primeiro em Robert Redford para o papel. Essa opção teria explicado melhor por que a Sra. R o­ binson sente-se sexualmente atraída por Ben, mas provavel­ mente arruinaria a perspectiva do filme. Quem se identificaria com um Adônis mauricinho, louro de olhos azuis? Mas Hoff- man faz o tipo sensível, e não o gênero Dick Diver ariano. En­ tão, ele representou com perfeição todos os novos esforçados étnicos que subitamente jorraram nas universidades, enfren­ tando a vida nos subúrbios prósperos e descobrindo que ela é árida e sufocante.

 rebelião da classe instruída que chamamos de “os anos 60” tratou de muitas coisas, algumas delas importantes como as relacionadas com o movimento pelos direitos civis e o Vietnã; algumas inteiramente disparatadas; e outras, como a revolução sexual, superestimadas (o comportamento sexual real foi muito mais afetado pelas guerras mundiais do que pela era Woo- dstock). Mas em seu cerne, o radicalismo cultural dos anos 60 representou um desafio para as concepções convencionais de sucesso.. Não foi somente, um esforço político para desalojar o

esiablishment. dos tronos do poder Foi um esforço cultural

empreendido pelos membros em ascensão das classes privile- gíãdas para destruir qualquer prestígio que ainda estivesse liga- 3o lio estilo de vida e ao código moral WASP, e substituir a Velha ordem por um novo código social que celebraria os ideais espirituais e intelectuais. A radical década de 1960 rejeitou a definição dominante de realização, o desejo de ter um padrão

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de vida melhor que o dos vizinhos, a idéia prevalecente de res­ peitabilidade social, a idéia de que uma vida de sucesso pode ser medida pela renda, pelas maneiras e pelas posses. Os ins­ truídos baby boomers da década de 1960 queriam reduzir o sta- tus de coisas que a elite protestante valorizava. As mudanças demográficas dos anos 50 levaram aos conflitos culturais da década de 1960. Ou, como profetizou o etemamente magnífico Digby Baltzell em The Protestant Establishment: “As reformas econômicas de uma geração tendem a gerar conflitos de status na geração seguinte.’’

O que exatamente os primeiros estudantes dos anos 60 odiariam na seção de casamentos do New York Times de 1959? As mudanças culturais específicas introduzidas pela classe ins­ truída serão tratadas nos próximos capítulos. Mas vale a pena citar uma pequena lista aqui, porque os hábitos de pensamento que estavam estabelecidos quando a classe instruída estava em seu estágio radical continuam a influenciar seu pensamento agora, em seu momento de supremacia. Os radicais estudantes teriam detestado os casais retratados na seção de casamentos pelo que era percebido como seu conformismo, sua formalida­ de, seu tradicionalismo, seus papéis sexuais cuidadosamente definidos, sua reverência aos ancestrais, suas regalias, seu eli- tismo descarado, suas vidas inconseqüentes, sua presunção, sua reserva, sua afluência satisfeita, sua frieza.

feltraremos em maiores detalhes sobre todas essas mudan­ ças culturais nas páginas que se seguem mas, para falar com clareza, os radicais da década de 1960 preferiam a auto-expres- são boêmia e desprezavam a elite anterior por seu autocontro­ le estéril. E seu esforço para demolir os velhos costumes e hábitos da elite anterior não foi realizado sem um custo social. As antigas autoridades e limitações perderam legitimidade. Houve uma real e, para milhões de pessoas, uma catastrófica ruptura na ordem social, que pode ser medida no formidável crescimento das taxas de divórcio, criminalidade, uso de dro­ gas e nascimento de filhos ilegítimos.(

.À seção de casamento do New York Times do fim dos anos 60 e início da década de 1970 refletia os conflitos e contrastes

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À a s c e n s ã o d a c l a s s e i n s t r u í d a 33

dessa era de confrontos. Para começar, a seção era menor. Embora pudesse haver 158 casamentos listados em uma típica seção de junho em 1959, havia menos de 35 em uma típica se­ ção de junho no fim dos anos 60 e início dos 70. Casais moder- ninhos não iam querer anunciar suas núpcias em uma seção considerada bastião dos ritos e do elitismo. Entre os casais que enviaram seus anúncios, há uma dicotomia surpreendente. Alguns casais parecem desligados do turbilhão à sua volta. Suas descrições ainda são cumuladas de associações à Junior League, afiliações a escolas preparatórias, nomes.de ancestrais e histórias de debutantes. Esses casamentos aparentemente são indistinguíveis dos da década de 1950. Mas algumas colunas depois haverá um casamento em que todos estão descalços e em que a cerimônia foi realizada como um ritual pagão de pri­ mavera. Outro anúncio descreverá um casal que dispensou a linguagem tradicional, redigiu seus próprios votos e contratou uma banda de rock para a recepção. A nova prática de escrever seus próprios votos realmente marca uma virada histórica. As pessoas que usavam os votos tradicionais estavam fazendo uma conexão com as gerações que vieram antes, tomando seu lugar em uma grande cadeia de costumes. As pessoas que redi­ giam seus votos expressavam sua individualidade e seu desejo de modelar as instituições de acordo com suas próprias neces­ sidades. Estavam mais interessadas em ver a si mesmas como criadoras em vez de herdeiras.-Estavam adotando o primeiro mandamento da classe instruída: Deves construir tua própria identidade.

O mais famoso casamento do período, é claro, foi o que teve lugar na última cena de A primeira noite de um homem. Elaine, personagem de Katharine Ross, está chegando a uma cerimônia de casamento convencional, embora precipitada, em uma moderna igreja presbiteriana em Santa Barbara, com um médico louro engomadinho da variedade WASP. Sabemos que ele é retrógrado porque ele propôs casamento com a sugestão, “formamos um grande time” - uma frase que apreende a suposta frieza emocional da cultura WASP, bem como sua insistência nos esportes. Desgrenhado, Ben avança pela igreja

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no momento em que a cerimônia está terminando, esmurra os óculos no balcão que se eleva sobre a nave e chama o nome de Elaine. Elaine olha, vê a expressão feroz no rosto de seus pais e de seu marido e decide fugir com Ben. A mãe de Elaine, a Sra. Robinson, sibila: “Tarde demais”, e Elaine grita em res­ posta: “Não para mim.” Ben e Elaine afastam-se da família e do resto da multidão e saltam para dentro de um ônibus. A lon­ ga cena final mostra-os sentando-se lado a lado no ônibus, Elaine em seu vestido de noiva rasgado. No início, eles pare­ cem exultantes, mas em seguida tornam-se cada vez mais sóbrios, e por fim parecem um tanto apavorados. Emanci- param-se de um determinado tipo de sucesso WASP, mas começou a ficar claro para eles que não haviam concebido que tipo de vida bem-sucedida gostariam de levar em vez daquela.

E lá vem o dinheiro

0 mais empedernido dos radicais dos anos 60 acreditava que a única saída honesta era rejeitar inteixamente a idéia de sucesso: deixar o mundo competitivo de lado e retirar-se para pequenas comunidades onde verdadeiros relacionam entos humanos floresceríam. Mas esse tipo de utopia nunca foi mui­ to popular, especialmente entre os que cursaram uma universi­ dade. Os membros da classe instruída prezam os relaciona­ mentos humanos e a igualdade social mas, assim como muitas gerações de americanos antes deles, era a realização que esta­ va no centro do sistema de valores dos diplomados dos anos 60. Afinal, eram meritocratas, e assim tendiam a se definir por suas realizações. A maioria deles jamais cairía fora ou se sen­ taria em círculos em comunidades cheirando flores, criando porcos e contemplando poesia. Além disso, com o passar do tempo, eles descobriram que a riqueza do universo estava a seus pés.

No momento em que a imensa onda de baby boomers diplomados entrou no mercado de trabalho, ter um diploma universitário trazia poucas recompensas financeiras ou mudan­

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ças significativas na vida./Xinda em 1976, o economista do tra­ balho Richard Freeman escreveu um livro intitulado The

Overeducated American, afirmando que a educação superior

não parecia ser recompensada no mercado de trabalho. Mas veio então a era da informação, e as recompensas para a educa­ ção só fizeram crescer. Em 1980, de acordo com o especialista em mercado de trabalho Kevin Murphy da Universidade de Chicago, os graduados ganhavam aproximadamente 35% mais que aqueles que tinham apenas o curso secundário. Mas em meados da década de 1990 quem possuía um diploma universi­ tário estava ganhando 70% mais do que os de curso secundário, e aqueles com pós-graduação ganhavam 90% mais. O valor salarial de um diploma universitário dobrara em 15 anos,

Âs recompensas para o capital intelectual aumentaram, ao contrárior i a s récõmperisãs para o capital físico. Isso significa que mesmo profissionais de ciências humanas de uma hora para outra podem acOTSâFiTsellesrobrir membros de um grupo de àíta rcnda/U m cãtédráficÓ de Yále que renunciou à corrida capitalista se viu ganhando, em 1999,113.100 dólares, enquan­ to um professor da Rutgers saltou para 103.700 dólares e pro­ fessores superstars, que se tomaram objeto de disputas acadê­ micas de propostas, agora podem ganhar mais de 300 mil dóla­ res por ano. Assessores presidenciais e de congressistas ganham no máximo 125 mil dólares (depois, sua renda é quin- tuplicada, quando ingressam no setor privado), e jornalistas de publicações de circulação nacional podem agora contar com salários de seis dígitos quando chegam à meia-idade, sem incluir o que ganham em palestras. Especialistas em filosofia e matemática avançam para Wall Street e podem ganhar dezenas de milhões de dólares com seus modelos quantitativos. A Amé­ rica sempre teve muitos advogados, e agora a renda média des­ se borbulhante grupo é de 72.500 dólares, enquanto a renda de quem labuta nos escritórios de advocacia das grandes cidades pode alcançar sete dígitos. E os superestudantes ainda inundam os cursos de medicina - três quartos dos médicos particulares ganham mais de 100 mil dólares. Enquanto isso, no Vale do Silício há mais milionários do que gente. Em Hollywood,

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ristas de televisão ganham entre 11 mil e 13 mil dólares por semana. E em Nova York editores de grandes revistas, como Anna Wintour da Vogue, ganham um milhão de dólares por ano, pouco mais do que o presidente da Fundação Ford. E essas rendas estonteantes fluem não só para os baby boomers, que ainda se surpreenderíam com isso, mas também para todas as gerações subseqüentes de diplomados em faculdades, a maioria dos quais jamais conheceu um mundo sem lofts artísticos de 4 milhões de dólares, hotéis modernos com diárias de 350 dóla­ res, casas de veraneio de vanguarda e todos os demais acessó­ rios da plutocracia da contracultura.

A era da informação produziu categorias completamente novas de trabalho, algumas das quais parecem piada, embora seus salários não sejam nem um pouco engraçados: diretor de criatividade, diretor de conhecimento, coordenador de espírito de equipe. E há aqueles cargos que ninguém sonhou em seu segundo grau: designer de Web page, agente de patentes, rotei­ rista de continuidade, diretor de programa de fundação, booker de talk show e assim por diante. A economia desta época é de tal natureza que esquisitões como O liver Stone tornam -se "magnatas multimilionários e gente relaxada que largou os estu- "Hos como Bill Gates domina ci mundo.{jE desnecessário dizer que ainda existem acadêmicos nômades raspando as econo­ mias enquanto procuram por um cargo em uma carreira vitalí­ cia, e ainda existem caxias pobres no setor editorial trocando sua inteligência por contracheques obscenamente pequenos. Mas toda a tendência da era da informação foi recompensar a educação e ampliar o abismo de renda entre os instruídos e os não-instruídos/Além disso, a classe média alta deixou de ser um pequeno apêndice da classe média e passou a ser um grupo demográfico distinto, em grande parte povoado por pessoas com diplomas extravagantes. Em poucos anos, a não ser que haja um grave declínio econômico, serão dez milhões de lares americanos com renda de mais de cem mil dólapes por ano, comparados com apenas, dois milhões em 1982./;Òonsidere o capital cultural e financeiro desse grande grupo e você come­ çará a entender o poder social da classe média alta. Muitos

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membros da elite instruída não procurarão o diDheira-C.oiria.yi-. dez. Mas o dinheiro os encontrará. E sutilmente, contra sua vontade, cie começará a fazer parte de seus valores.

'Õs membros da elite instruída descobrem que devem mudar suas atitudes antes de tudo em relação ao próprio dinheiro. Quando eram estudantes pobres, o dinheiro era um sólido. Vinha em partes, em cada cheque de pagamento, e eles gradualmente cortavam pequenos pedaços dele para pagar as contas. Podiam sentir quanto dinheiro tinham em sua conta bancária, do mesmo modo como você sente uma pilha de moe­ das em seu bolso. Mas quando se tornam mais abastados, o dinheiro se transforma em líquido. Ele flui para fora muito rapidamente. Quem o ganha é reduzido ao status de espectador e fica um tanto horrorizado com a velocidade com que o dinheiro acaba. Ele pode tentar deter o fluxo aparente a fim de fazer mais economia. Mas é difícil saber onde erguer a repre­ sa. O dinheiro apenas flui, por conta própria. E depois de algum tempo a capacidade de alguém de permanecer flutuan­ do em todos esses fluxos e refluxos toma-se em si mesmo um sinal de realização. O grande fluxo de dinheiro é outro teste de aptidão. Longe de ser uma fonte de corrupção, o dinheiro se transforma em um sinal de proficiência. Começa a parecer merecido, natural. E então, até ex-estudantes radicais come­ çam a torcer o velho slogan de esquerda, e assim ele se toma: De cada um de acordo com suas habilidades, a cada um, de acordo com suas habilidades^

As elites instruídas não somente ganham muito mais di­ nheiro do que jamais poderíam imaginar, mas agora ocupam posições de enorme responsabilidade. Todos estamos agora fa­ miliarizados com os executivos modernos que passaram de SDS a CEO, do LSD a IPO. Na verdade, às vezes tem-se a im­ pressão de que o movimento pela livre expressão produziu mais executivos de corporações do que a Harvard Business School.

O que mais surpreende é o crescimento de setores lucrati­ vos em que todos os envolvidos são membros da classe instruí­ da. Somente cerca de 20% da população adulta da América possuem um diploma universitário, mas em muitos estaciona­ mentos de empresas de grandes cidades e subúrbios você pode

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caminhar de um escritório a outro, quilômetro após quilôme­ tro, e quase todo mundo ali terá um diploma em pergaminho na gaveta. As elites instruídas tomaram grande parte do poder que costumava advir de sóbrios velhos WASPs com queixos protu- berantes. Os economistas do Fundo Monetário Internacional voam em aviões a jato por todo o mundo, remodelando políti­ cas macroeconômicas. Crânios da McKinsey & Company pre­ cipitam-se sobre escritórios corporativos administrados por

e,x-quarterbacks da faculdade e publicam relatórios sobre

como fazer uma fusão ou reestruturação.

As elites instruídas assumiram o controle de profissões que costumavam ser da classe trabalhadora. Os dias do jornalista be- berrão, por exemplo, já se foram para sempre. Agora se você der uma olhada em uma fila de cadeiras em uma conferência de imprensa em Washington, verá: Yale, Yale, Stanford, Emory, Yale e Harvard. Os partidos políticos, que no passado foram geridos por assalariados imigrantes, agora são dominados j o r analistas de comunicações com PhDs. Se você dirigir pelos velhos subúrbios e seguir os boêmios de camiseta em seu trajeto de casa para suas lojas de frutas orgânicas, perceberá que eles li- teralmente se mudaram para as casas da velha elite de corretores da Bolsa. Eles dormem nas mesmas camas da velha elite. Ato­ lam-se nas instituições da velha elite. Como resumiu o roman­ cista Louis Auchincloss: “A velha sociedade deu lugar à socie­ dade da realização.” Gente burra, de boa aparência e com bons antecedentes familiares foi substituída por pessoas inteligentes ambiciosas, instruídas e antiestablishment com sapatos puídos.

A s ansiedades da abundância

Nos últimos trinta anos, em resumo, a classe instruída seguiu de triunfo em triunfo. Aniquilou a velha cultura da eli­ te WASP, prosperou em uma economia que recompensa prodi­ gamente suas habilidades específicas e agora ocupa o topo de muitas das mesmas instituições contra as quais vituperou no passado. Mas tudo isso criou um problema torturante. Como

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eles podem ter certeza de que não se tomaram réplicas conven­ cidas da elite WASP que ainda denunciam com tanto vigor?

Quem quer ganhar a aprovação da classe instruída deve confrontar as ansiedades da abundância: como mostrar - e não "para si mesmos - que embora tenham chegado ao topo da esca­

da não se tomaram todas as coisas que ainda professam des­ prezar. Como navegar as águas rasas entre sua riqueza e o res­ peito próprio. Como conciliar seu sucesso com sua espirituali­ dade, seu status de elite com seus ideais igualitários. Os mem­ bros socialmente esclarecidos da elite instruída tendem a se incomodar com o abismo crescente entre ricos e pobres e por­ tanto se sentem pouco à vontade com o fato de a renda de sua própria família chegar a 80 mil dólares. Alguns deles sonham com justiça social, todavia vão para uma faculdade onde os custos de ensino podem alimentar toda uma aldeia da Ruanda por um ano. Alguns portavam adesivos “Abaixo a autoridade” em seu carro, mas agora se vêem dirigindo empresas iniciantes de software com duzentos subordinados. As obras de sociolo­ gia que eles leram na faculdade ensinaram que o consumismo é uma doença, e todavia agora eles se vêem comprando gela­ deiras de três mil dólares. Eles levaram muito a sério as lições de A morte de um caixeiro-viajante, mas agora se vêem diri­

gindo uma força de vendas. Eles riram com a cena dos plásti­ cos de A primeira noite de um homem, mas agora trabalham para uma empresa que fabrica... plásticos. De repente eles se vêem se mudando para uma confortável casa de subúrbio com piscina e ficam pouco à vontade em admitir isso a seus amigos boêmios que ainda moram no Centro da cidade,

Embora admirem a arte e o intelecto, vêem-se vivendo em meio ao comércio, ou pelo menos naquela estranha zona híbri­ da onde a criatividade e o comércio se cruzam. Este grupo é responsável por mais prateleiras embutidas nas livrarias do que qualquer outro grupo na história. Entretanto, às vezes você olha para suas estantes e percebe edições luxuosas encaderna­ das em couro de todos aqueles livros que afirmam que o suces­ so e a riqueza são uma impostura: Babbitt, O grande Gatsby,

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elite que foi criada para se opor às elites. Eles são ricos, mas são contra o materialismo. Podem passar sua vida vendendo, todavia se preocupam em não se vender. São antiestablishment por instinto, mas de certa forma percebem que estão se tornan­

do um novo establishment.;■

Os membros desse grupo discordam entre si, e alguns ficam chocados com quanto tempo gastam se debatendo seriamente com o conflito entre sua realidade e seus ideais. Eles se atracam com seus conflitos entre igualdade e privilégio (“Acredito no ensino público, mas a educação privada parece melhor para meus filhos”), entre a conveniência e a responsabilidade social (“Essas fraldas descartáveis são um desperdício incrível de recursos, mas facilitam tanto...”), entre a rebeldia e as conven­ ções (“Sei que me entupi de drogas no secundário, mas digo a meus filhos para ficar longe delas”).

Mas a maior tensão, para colocar em termos mais nobres, acontece entre o êxito material e a virtude interior. Como pro­ gredir na vida sem deixar que a ambição seque sua alma? Co­ mo acumular os recursos de que precisa para fazer as coisas que você quer, sem se tomar escravo dos bens materiais? Co­ mo construir uma vida confortável e estável para a sua família, sem se atolar na rotina imbecilizante? Como viver na mais alta camada da sociedade sem se tomar um esnobe intolerável?/

O s con ciliad ores

Essas elites instruídas não se desesperam diante de tais desafios. Eles são os Deuses do Currículo. São os que respon­ dem aos testes de aptidão com perfeição e conseguem desistir do Merlot durante a gravidez. Se eles não estão preparados para lidar com grandes desafios, então ninguém está. Quando diante de uma tensão entre valores concorrentes, eles fazem o que qualquer pessoa inteligente e privilegiada cheia de capital cultural faz. Descobrem um meio de ter os dois. Eles conciliam os opostos.

A principal realização das elites instruídas ná década de 1990 foi criar uma forma de viver que lhes permite ser a um só

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tempo um rico bem-sucedido e um rebelde de espírito livre. Fundando empresas de design, encontraram um meio de man­ ter-se como um artista e ainda se qualificar para o mercado de ações. Construindo empresas gourmet como a Ben & Jerry’s ou a Nantucket Nectars, eles descobriram como ser hippies amalucados e magnatas corporativos multinacionais. Usando William S. Burroughs na publicidade de tênis Nike e incorpo­ rando hinos dos Rolling Stones em suas campanhas de marke­ ting, aproximaram o estilo do antiestablishment com o impera­ tivo empresarial. Seguindo os gurus do gerenciamento que lhes dizem para prosperar no caos e liberar seu potencial criativo, eles conciliaram o espírito da imaginação com o culto ao resul­

tado financeiro. Transformando cidades universitárias como

Princeton e Paio Alto em centros empresariais, eles uniram o intelectual com a categoria de alta renda. Vestindo-se como Bill Gates em roupas surradas a caminho da reunião com os acionis­ tas, eles conciliaram o estilo estudantil com seus cargos da alta roda. Passando as férias em eco-aventuras, eles conciliaram o anseio por emoções da aristocracia com a preocupação social. Comprando na Benetton ou na Body Shop, eles reuniram a conscientização com o controle de custos.

Quando você está entre os ricos e instruídos, é possível que jamais venha a perceber se está vivendo em um mundo de hip- . pies ou de corretores de ações. Na realidade, você entrou em

um mundo híbrido, em que todos são um pouco de ambos. Marx nos disse que as classes inevitavelmente entram em conflito, mas às vezes elas ficam indistintas/o que aconteceu foi uma fusão entre os valores da cultura dominante burguesa e os valores da contracultura dos anos 60. Essa guerra cultural terminou, pelo menos entre a classe instruída. Em seu lugar, essa classe criou uma terceira cultura, que é resultado da con­ ciliação entre as duas anteriores. As elites instruídas não tive­ ram a intenção de promover esta conciliação. Ela é o produto do esforço de milhões de indivíduos para ter as coisas de ambas as formas. Mas agora é a tônica dominante de nossa época/Na solução entre a cultura e a contracultura, é impossí­ vel apontar quem cooptou quem, porque na realidade os

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boê-42 B U B O S N O P A R A Í S O

mios e os burgueses se cooptaram mutuamente. Eles surgem desse processo como burgueses boêmios, ou Bubos.

O n o v o Estabh'shment

Hoje, a seção de casamentos do New York Times está imensa novamente. No início da década de 1970, os jovens rebeldes não queriam seus nomes nela, mas agora, que seus filhos estão na faculdade e se casando, eles se orgulham de ver sua prole na edi­ ção de domingo. Por uma taxa, o Times lhe mandará uma repro­ dução da matéria, no tamanho adequado para ser enquadrada.

E os jovens, os Bubos de segunda geração, estão dispostos a ver suas núpcias registradas. Veja os recém-casados, em qualquer manhã de domingo, olhando radiantes para você das páginas do Times. Seu sorriso parece tão autêntico. Todos eles parecem tão legais e afáveis, não parecem majestosos ou temí­ veis, como alguns noivos das páginas da década de 1950. Em­ bora as coisas estejam diferentes, de certa forma são as mes­ mas. Por exemplo, um leitor que abrisse a' seção de casamentos em 23 de maio de 1999 teria lido que Stuart Anthony Kingsley se casou. O Sr. Kingsley se formou com o mais alto louvor

{magna cum laude) em Dartmouth e fez MBA em Harvard

antes de se tomar sócio da McKinsey & Company. Seu pai é curador do National Tmst for Historie Preservation, e sua mãe superintendente da Orquestra Sinfônica de Boston e curadora da Society for the Preservation of New England Antiquities. Esse tipo de parentesco teria provocado gestos de aprovação das velhas viúvas WASP dos. anos 50. Mas veja com quem o Sr. Kingsley está se casando - Sara Perry, cujo pai é coordena­ dor de Estudos Judaicos na Southern Connecticut State Unversity e cuja mãe é diretora executiva associada da New Haven Jewish Federation, que não teriam recebido gestos de aprovação das viúvas.

Mas hoje em dia esse tipo de aliança se harmoniza bem. Não ergueremos sequer uma sobrancelha quando o Sr. New En­ gland Antiquities se casa com a Srta. Estudos Judaicos porque

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A a s c e n s ã o d a c l a s s e i n s t r u í d a 43

sabemos o que os noivos têm em comum: a Srta. Perry se for­ c o u com magna cum laude, assim como seu marido (exceto pelo fato de que era de Yale, e não de Dartmouth). Ela também fez MBA em Harvard (e conquistou o grau de mestre também em administração pública). Como ele, se tornou consultora financeira (sendo que ela é vice-presidente sênior da Commu- nity Wealth Ventures, que trabalha com fundações)/Os antigos antagonismos de classe e grupos étnicos foram superados pelo laço comum da ascensão meritocrática/Eles foram casados pelo prefeito de New Haven, John DeStéfano, Jr., na casa dos avós matemos da Srta. Perry, Lucille e Amold Alderman.

O establishment de hoje tem uma estrutura diferente. Não é uma pequena associação de homens bem-nascidos com famí­ lias entrelaçadas e vínculos escolares que têm enorme influên­ cia nas alavancas de poder. Em vez disso, esse establishment é um grande e amorfo grupo de meritocratas que compartilham uma consciência e que inconscientemente remodelam as insti­ tuições de acordo com seus valores. Eles não estão confinados a umas poucas instituições da Costa Leste. Em 1962, Richard Rovere ainda podia ter escrito: “Nem o Establishment chegou a fazer muitos progressos em campos como a publicidade, a televisão ou o cinema.” Mas o establishment de hoje está em toda parte. Ele exerce seu poder sutilmente, sobre idéias e con­ ceitos, e portanto de forma difusa/^Não existem marcadores demográficos infalíveis para dizer quem é um membro desse

establishment. Os membros tendem a ser provenientes de facul­

dades competitivas, mas nem todos. Eles tendem a viver em bairros de elite, como Los Altos, na Califórnia, e Bloomfield, no Michigan, e Lincoln Park, no Illinois, mas nem todos. O que os une é seu compromisso com a conciliação Bubo As pessoas ganhamãcêssõ ão establishment realizando uma série de tarefas culturais delicadas: são prósperas sem que pareçam ganancio­ sas; agradaram os mais velhos sem que parecessem conformis­ tas; ascenderam ao topo sem que tivessem desprezado explicita­ mente quem está embaixo; alcançaram o sucesso sem que tives­ sem cometido certas afrontas socialmente sancionadas ao ideal de igualdade social; construíram um estilo de vida próspero ao

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