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OS DIFERENTES RISOS NA OBRA “L’HOMME QUI RIT, ”DE VICTOR HUGO - UM ESTUDO DO DISCURSO CRÍTICO PRESENTE NA ESCRITURA” - DANIELA BATISTA E SILVA

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI

PROGRAMA DE BOLSA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA – PIBIC/UFPI

OS DIFERENTES RISOS NA OBRA

“L’HOMME QUI RIT” DE

VICTOR HUGO: UM ESTUDO DO DISCURSO CRÍTICO PRESENTE

NA ESCRITURA”

DANIELA BATISTA E SILVA

TERESINA – PI 2009

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DANIELA BATISTA E SILVA

OS DIFERENTES RISOS NA OBRA

“L’HOMME QUI RIT” DE

VICTOR HUGO: UM ESTUDO DO DISCURSO CRÍTICO PRESENTE

NA ESCRITURA”

Relatório Final de pesquisa apresentado à Universidade Federal do Piauí, através da Coordenação Geral de Pesquisa PIBIC.

Orientador (a): ______________________________________________________

Professora Dra. Junia Regina de Faria Barreto Universidade Federal do Piauí.

Orientando (a): _____________________________________________________

Daniela Batista e Silva

Universidade Federal do Piauí.

TERESINA – PI 2009

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ...05

2. SOBRE O RISO ...08

2.1 O que é o Riso ...12

2.2 O Riso e o Grotesco ... 15

2.3Tipos de riso em “L’Homme qui rit” ...18

2.3.1 A Ironia ...19

2.3.2 O Escárneo ...20

2.3.3 O Humor ... 20

2.3.4 O Sorriso ...21

2.3.5 O Ricto . ...22

2.4 O vocabulário do riso em “L’Homme qui rit”... . .23

3. OS DIFERENTES RISOS NA OBRA L’HOMME QUI RIT ...24

3.1 Personagens ligados ao meio aristocrático ... 25

3.1.1 Rainha Anne e Duquesa Josiane ...25

3.1.2 Lordes e Lord David Dirry- Moir ...28

3.1.3 Barkilphedro ...32

3.2 Personagens ligados ao meio popular ...33

3.2.1 Hardquanonne ...34

3.2.2 O povo ...38

3.3 Personagens da Green-Box – Dea, Ursus e Homo ...41

3.4 Gwynplaine: o homem que ri ... 45

3.4.1 O homem máscara ...45

3.4.2 O Saltimbanco e Bufão ...48

3.4.3 Gwynplaine demônio ...49

3.4.4 O lorde Gwynplaine ...51

(4)

4. O DISCURSO CRÍTICO HUGOANO ATRAVÉS DOS RISOS EM

L’HOMME QUI RIT ...53

5. CONCLUSÃO ...55

ANEXO ...59

(5)

1. INTRODUÇÃO:

A presente pesquisa integra um projeto maior, Victor Hugo-Mediador Cultural, que tem como objetivo o estudo da vasta produção do autor, destacando a importância e a relevância em estudá-lo na atualidade. Há, pois, inumeráveis fatores que propiciam e motivam o pesquisador do campo literário a querer tê-lo como fonte, não só literária, mas cultural, artística e filosófica, a fim de desenvolver pesquisas que contribuam, de alguma maneira, para novos trabalhos sobre sua produção.

O historiador francês Georges Minois (2003), no prefácio de seu livro História do Riso e do Escárneo, diz que o riso é um fenômeno sério e não pode ficar somente nas mãos dos cômicos. É por este motivo, continua ele, que desde Aristóteles há filósofos, historiadores, médicos que se ocupam do tema.

Segundo Alberti (2002), no século XX houve uma ampliação do domínio do riso ao entendimento, passando este a ser visto como meio pelo qual é possível se apreender a essência do mundo, a realidade plena, o inatingível somente pelo pensamento. O riso e sua história podem contribuir de forma relevante para se compreender um pouco mais os homens, já que é uma característica inerente a eles.

A complicação do riso, embora há muito estudada e há muito tempo exercendo fascínio sobre o homem, também está presente nos textos de Hugo. Alguns estudos sobre o riso em determinadas obras do autor já foram efetuados, como os estudos Victor Hugo, un temps pour rire (2002), realizado por Joë Friedemann e Rictus Romantiques: politiques du rire chez Victor Hugo ( 2002 ), de Máxime Prévost.

O estudo que se fará aqui deter-se-á apenas em uma obra, o romance L’homme qui rit, em português O homem que ri. É um romance escrito durante o longo exílio de Victor Hugo, nos de 1866 a 1868, em Bruxelas e Guernesey e publicado em 1869, na França. Faz parte de uma trilogia inglesa de romances ao lado de Travailleurs de la mer, 1866 e William Shakespeare, 1864. A narrativa se

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passa no século XVII, na Inglaterra. Victor Hugo “pinta” a sociedade inglesa da época e utiliza alguns personagens históricos para figurarem seus personagens ficcionais, cujas trajetórias ele reinventou.

O homem que ri é Gwynplaine, filho do lorde Clancharlie et Hunkerville e par da Inglaterra, um republicano que se exilara na Suíça após a queda da república e a conseqüente restauração da monarquia inglesa. Exilado, Clancharlie se casa com Ann Bradshaw, a filha de um regicida e com quem tivera um filho, herdeiro legítimo de seu pariato na Inglaterra e de todos os títulos e heranças que o cargo lhe conferia.

Porém Jacques II, o rei à época, se mantinha contra o parlamento e obviamente favorável à continuidade da monarquia. Por desafetos políticos com este homem proscrito, ao saber de seu falecimento, vende o pequeno herdeiro, na idade de dois anos, ao bando de traficantes de crianças chamado comprachicos. “Par ordre du roi”, por ordem do rei, os comprachicos realizaram a mutilação da face da criança, que resultou numa eterna máscara de riso, tornando-o um monstro feito para fazer rir, um bufão de corte de sangue nobre.

Aos dez anos, o pequeno garoto é abandonado na costa de Portland pelos comprachicos, pois na época decretara-se uma lei de proteção às crianças contra seus malfeitores, por intervenção do príncipe de Orange, conhecido como Guillaume III. A criança fica sozinha a vaga sem rumo durante a noite, na neve e na escuridão até encontrar abrigo na casa ambulante de Ursus, um filósofo comediante que morava com seu lobo, Homo. Chamavam-no Gwynplaine, assim ele contara a seu novo pai, quem lhe fez descobrir a face horrenda e o riso eterno que lhe impuseram no rosto. Porém, antes de chegar à sua nova moradia, Gwynplaine, na noite do abandono, encontrou um bebê faminto e à beira da morte nos braços de sua mãe morta, ambos os corpos caídos na neve. Dea foi o nome escolhido por Ursus para a menina que era cega, provavelmente, devido ao gelo da neve. Ele adotara os dois e passaram a viver juntos.

Tendo a sua origem ignorada até a idade de vinte e quatro anos - quando o descobriram vivo e o convocaram para assumir seus direitos e lugar na câmara dos lordes - Gwynplaine passou a vida a se apresentar com Dea e outras

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pessoas em feiras e espetáculos para o povo, como personagem das peças escritas pelo pelotiqueiro Ursus, também poeta. Tornara-se um saltimbanco, um clown. Sua face mostruosa e ao mesmo tempo risonha fazia rir todos que a viam.

Após estar ciente de sua origem nobre, já na câmara parlamentar para ser restituído como lorde, Gywnplaine profere um discurso aos aristocratas presentes, no qual, por revolta somada a espírito de justiça, anunciava porque afinal ele ria e o que representava aquele seu rictus horrendo.

É importante assinalar que este romance não se caracteriza como obra cômica, o que será explicado do decorrer da pesquisa. O próprio Victor Hugo atribuiu ao texto importância significativa, afirmando ser uma obra na qual desejara abusar da „matéria romanesca‟. A obra foi muito criticada na época de sua publicação mas, segundo o próprio Hugo, seria apreciada pelos leitores do futuro.

O fato de Hugo ter buscado no riso a „matéria prima‟ para realizar a escritura deste livro abre a perspectiva para se pensar que ele possa ter deixado um legado crítico a cerca do fenômeno do riso. Tentar compreender a forma pela qual Hugo utilizou o riso para empreender tal romance constitui o objeto deste trabalho, que pretende estudar a crítica hugoana presente na escritura, através da representação dos diferentes risos presentes no texto.

Espera-se que esta pesquisa também contribua para impulsionar as pesquisas sobre Victor Hugo no Brasil pois, ao se estudar o discurso risível presente na escritura dessa obra empreende-se também um estudo acerca da escritura hugoana.

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2. SOBRE O RISO:

Para analisar os diferentes tipos de riso na obra L’Homme qui rit, de Victor Hugo, é necessário que se faça um breve panorama sobre o riso no transcurso histórico, afim de definir um conceito de riso que seja adequado a esta pesquisa.

O fenômeno do riso, na história da humanidade, pode ser compreendido sob diversas óticas, posto que em cada período foi-lhe atribuída uma concepção diferente. Isso faz com que não haja um único conceito para defini-lo e que sejam concebidas diferentes teorias que o expliquem, não sendo portanto profícuo reportar-se a apenas uma delas para compreendê-lo em toda a sua complexidade.

Há diversos estudos realizados sobre o riso. Dentre eles, esta pesquisa se apoiará sobretudo nas teorias de Henri Bergson, Vladimir Propp e Charles Baudelaire.

Os estudos mais antigos, dos quais se tem conhecimento, sobre o riso, datam de Aristóteles. Na Poética, ele diz ser o riso uma especificidade do ser humano, que é o único animal que ri. Seria no livro II da Poética, que fora perdido, que estariam os estudos aristotélicos propriamente dirigidos ao riso e às obras cômicas.

Na Antigüidade, o riso era tido como elemento retórico que dava ao orador a capacidade de tornar ridículo, em seus discursos, os vícios e defeitos humanos.

Na Idade Média, o riso passa a distinguir o homem não só dos animais, como também de Deus. Nesta concepção, o riso marca a superioridade do homem em relação aos demais seres, que são irracionais e, por outro lado, o inferioriza diante do divino. Na teologia medieval, o riso torna-se representação desta ambigüidade, que também foi sugerida por Baudelaire, no século XIX.

Segundo Bakhtin(1987), que escreveu acerca do riso popular na Idade Média e no Renascimento, o riso fora banido das esferas oficiais da vida – Igreja e Estado, no período medieval. O cristianismo, fortemente expandido nesta fase da história, condenava o riso baseado no discurso bíblico de que Jesus Cristo nunca rira.

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Havia privação de rir pela ordem clerical, interdições, violências e restrições à população com o intuito de intimidar o povo, bem como de manter a ordem através da coerção.

Essa proibição do riso nas cerimônias não só religiosas, mas também políticas, fez com que surgisse a necessidade do homem de expressar fora desses ambientes, através de manifestações populares como a Festa dos Loucos e a Festa dos Asnos. Em ambas, o riso era visto como representação de uma segunda natureza humana, que não podia ser revelada no mundo sério, oficial e ordenado. O sério é entendido, por Bakhtin, como aquilo que está de acordo com as leis e ordem vigentes, cujo poder estabelecido impõe as diretrizes ao povo, tidas como a “verdade” a ser seguida, aceita e obedecida por todos, sejam elas políticas, religiosas ou ideológicas.

Nessas festas, as leis e as proibições eram ignoradas e fazia-se o que se tivesse vontade. Era o mundo às avessas, sem ordenação. Nele, a bufonaria se fazia presente, havia a figura do “rex facetus, o rei brincalhão” 1 que faz do riso uma espécie de instrumento de governo, imagem do poder. Poder rir indicava a vitória sobre a temeridade. Com o riso, diz Bakthin, tinha-se a derrota do medo do divino e da natureza, da moral do sagrado e do interdito, dos mandamentos e das proibições e autoridades, da morte e do inferno.

Como na Idade Média o riso fora sancionado pelas festas, pode-se dizer que ele fora um “riso festivo por excelência” 2

. Nesse contexto medieval, rir era para o povo um meio de libertar-se da opressão e do embrutecimento a que as classes dominantes lhe submetiam. Ao rir, a consciência do homem era despertada para uma nova verdade do mundo.

1

ALBERTI, Verena. O riso e o risível na história do pensamento, p.70

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O riso da Idade Média, que venceu o medo do mistério, do mundo e do poder, temerariamente desvendou a verdade sobre o mundo e o poder. Ele opôs-se à mentira, à adulação e à hipocrisia. A verdade do riso degradou o poder, fez-se acompanhar de injúrias e blasfêmia, e o bufão foi seu porta-voz.3

No Renascimento, aponta Bakhtin, o riso é visto como uma das formas pelas quais se pode exprimir a verdade sobre o mundo na sua totalidade, e conseqüentemente, sobre o homem. Não é apenas manifestação de liberação dos interditos. A significação do riso apresenta uma concepção positiva e regeneradora associada ao pensamento renascentista, segundo a qual havia uma valorização do homem e da natureza, em oposição ao divino e ao sobrenatural.

Segundo Alberti, no século XVII, é possível deparar-se com duas interpretações para o riso. Uma, segundo a qual o domínio do cômico fica restrito especificamente aos vícios dos indivíduos e da sociedade, em oposição à norma e à verdade, podendo-se exprimir, pela linguagem do riso, a verdade sobre o mundo e o homem, o que antes era apenas ratificado por meio do sério. A outra interpretação do riso encontra-se, por exemplo, na teoria de Hobbes, na qual o riso é proveniente do orgulho experimentado pelo homem que se julga superior ao demais seres. Segundo ele, o prazer proporcionado pelo riso está em ver nos outros os defeitos que o ridor não possui, ou seja, surge da percepção desta superioridade, tida como alicerce das relações de poder entre os homens, sobre os defeitos de quem se ri. O ato de rir das deformidades ou imperfeições sugeriria a inferioridade de quem ri. Aqueles que não necessitavam dos vícios e defeitos de outrem para assegurar seu poder eram denominadas de great persons, pessoas de espírito elevado. No século XX se entenderá “que as great persons e os filósofos são aqueles que sabem reconhecer o caráter enganador da ordem estável e ultrapassam os limites do pensamento sério para alcançar novos olhares sobre o universo.”4

3

BAKHTIN, Michael. Op. Cit. p.80 4 ALBERTI, Verena. Op. Cit. p. 204

(11)

Já nos séculos XVIII e XIX, o fenômeno do riso é vinculado ao entendimento. O filósofo Kant associa o advento do riso à incompatibilidade de se pensar. Na concepção de riso kantiana tudo o que suscita uma risada deve ser algo contrário à razão. Para Schopenhaeur, “os conceitos pelos quais a razão “pensa” a realidade estão sempre sujeitos a um desnudamento que revele sua falsidade, e esse desnudamento é o objeto do riso”. 5 Logo, para ele “é a razão (a

gravidade, o sério) que se torna “ridícula” : ela tem a aparência de verdade, porque não é capaz de alcançar a realidade.”6

No estudo de Henri Bergson sobre o riso, a ação de rir de alguém é entendida como meio com o qual um ou mais indivíduos punirão o outro visando que ele corrija seu comportamento distraído (e por isso, risível), que o leva a agir de maneira não aceita socialmente. Segundo Bergson, são risíveis os atos ou gestos, as palavras,as situações e o caráter do homem. O riso tem uma função e significado social, já que se realiza na sociedade, pelos homens. É um gesto social de coerção que visa corrigir um possível caráter insociável do homem, que levaria o homem a agir mecanicamente, automaticamente.

Alberti, citando Ritter diz que, segundo ele, o riso “tem a faculdade de nos fazer reconhecer, ver a apreender a realidade que a razão séria não atinge”7

. No século XX, “o riso é o que nos faz ver o mundo com outros olhos, o que nos aproxima da totalidade do Dasein8, o que permite ultrapassar os limites do pensamento sério”9

. Assim, os defeitos passam a ser ridículos ou risíveis, não por serem desviantes da ordem, mas por revelar um “outro lado” do ser humano. O riso passou a ser visto como meio pelo qual é possível se apreender a essência do mundo, a realidade plena, o inatingível pelo pensamento.

5

ALBERTI, Verena. Op. Cit. p.196 6

ALBERTI, Verena,Op. Cit. p.196 7

ALBERTI, Verena.Op. Cit. p. 12 8

Dasein, palavra alemã que significa existência. A noção de dasein para Alberti compreende por um lado a ordem positiva e essencial e, por outro, aquilo que essa ordem exclui.

9

(12)

2.1 O que é o riso

Como já exposto, diferentes concepções do fenômeno do riso. Para definir um conceito apropriado a esta pesquisa apresentaremos aqui as teorias de Bergson, Propp e Baudelaire, que julgamos relevantes, para posteriormente utilizá-las nas análises dos risos presentes no texto de L’Homme qui rit.

Destaca-se que denominaremos ridículo ou risível o objeto do riso, ou seja, aquilo ou aquele de que se ri e chamaremos de rieur,10 aquele que ri.

Os estudos sobre o riso convergem no aspecto de que a faculdade de rir é inerente apenas ao homem, que é, portanto, “um animal que sabe rir” 11

. Como já mencionado anteriormente, este conceito fora apresentado na Antigüidade por Aristóteles, na sua obra Poética. Ele diz que o risível pode estar no homem, nos discursos e nos atos. Bergson também trabalha nesta perspectiva da existência da comicidade nos atos, nas palavras e no caráter dos seres humanos.

Somente o homem ri e é dele que se ri. Propp (1992) elucida o caráter imanentemente humano do riso ao dizer que, no homem, tanto a sua intelectualidade (idéias), como sua forma física (aparência) e sua moral (atitudes) podem se tornar objetos do riso. A derrisão pode se dar nas mais variadas formas, sendo “possível rir do homem em quase todas as suas manifestações” 12

. Assegura-se, então, que o fenômeno em questão está sempre atrelado ao homem e às suas realizações. Pode-se “rir do terrível ou das desproporções escandalosas das formas, transformando-os em veículos de irrisão e de provocação aos cânones do esteticamente correto.” 13

O riso é proveniente “da observação de alguns defeitos no mundo em que o homem vive e atua”14

, tendo como função o desvelamento de ideologias e comportamentos que por meio dele podem ser descobertos. Os defeitos são entendidos como desregramentos que estão em desacordo com a ordem vigente, portanto, fora do padrão.

10 Palavra francesa.Segundo o dicionário Le Robert (2006) significa pessoa que ri. 11

Bérgson, Henri. O Riso. p.3 12

PROPP, Vladimir. Comicidade e Riso. p.29 13

SODRÉ, Muniz e PAIVA, Raquel. O império do Grotesco. p. 9 14

(13)

Para Bergson o riso é a ferramenta com a qual se pode revelar determinados atos humanos percebidos como mecânicos, por apresentarem certa rigidez ou automatismo quando são realizados. Ele explica essa austeridade como sendo uma distração da pessoa em relação ao mundo à sua volta. A comicidade vem dessa inadaptação do homem à sociedade. O riso tem a intencionalidade de reprimir, humilhando os defeitos ou virtudes. Objetiva-se que a rigidez de comportamento ou de caráter seja corrigida. Tal correção cabe ao riso que, para Bergson, possui a função social de agir como castigo para punir esse caráter insociável do homem, já mencionado acima.

Esses comportamentos mecânicos, realizados em distração, tornam-se ridículos. O riso está, então, associado a esta distração. Para que o riso se manifeste ante essa não-sociabilidade do homem, o rieur (espectador dessa ação e aquele que ri) deve estar tomado de insensibilidade. Se tomados de paixão ou mergulhados em reflexões complexas e profundas, os homens não riem. Em tal circunstância, só é possível rir por um instante, caso o homem se torne cruel e insensível às desgraças alheias. Por conseguinte, pode-se dizer que o homem teria uma natureza perversa.

Identificamos essa hipótese em Baudelaire. Segundo ele o riso é um fenômeno monstruoso que indica um caráter satânico que o homem possui. Para ele, o cômico existe no rieur e não no risível; o rir da desgraça alheia num espasmo involuntário aponta para uma concepção de riso referente à degradação física e moral do próprio homem. Revela e denuncia a ignorância e a fraqueza daqueles que dele se utilizam. “Quel signe plus marquant de debilité qu‟une convulsion nerveuse, un spasme involontaire camparable à l‟éternuement, et causé par la vue du malheur d‟autrui ?”15

. Para Alberti, o rir da deformidade revela tendências da vida psíquica, tais como a obscenidade e a agressividade. Para sustentar suas afirmativas sobre esta faceta do riso ela cita Freud, para quem o

15

BAUDELAIRE, Charles. De l'essence du rire. Et généralement du comique dans les arts

plastiques, 1885, p.7. Tradução livre: Qual sinal mais marcante de debilidade que uma convulsão

nervosa, um espasmo involuntário, comparável uma esternutação e causado pelo mal de ver o outro sofrer?

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riso significa a liberação das indicações agressivas e reprimidas pelo consciente. Quem ri manifestaria um orgulho inconsciente de superioridade advindo do auto-julgamento de ser superior aos demais.

Para Propp o riso é uma particularidade do homem vista não como uma contraposição ao trágico ou ao sublime, mas um confronto ao que é sério. O fenômeno é por ele compreendido como manifestação repentina de defeitos ocultos e a priori imperceptíveis. Ele diz ser o riso a punição devido a um defeito oculto ao homem e revelado repentinamente. Ou seja, de acordo com tal acepção, o riso surgiria da consciência de que os princípios positivos do homem são obscurecidos pela descoberta súbita de defeitos recônditos, que se revelam por trás do invólucro dos dados físicos exteriores.

Após a breve exposição de alguns conceitos sobre o riso, pretendemos analisá-lo aqui enquanto fenômeno puramente humano, que se manifesta, geralmente, como zombaria de outro ser, risível em si, seja pelas atitudes, pelo comportamento, pelas ideologias, ou por apresentar caracteres disformes em seu aspecto físico ou em sua moral. Segundo Propp, tratam-se de defeitos desmascarados da vida interior e espiritual do ser humano referentes ao âmbito dos princípios morais, dos impulsos da vontade e das operações intelectuais; são “defeitos [que] são escondidos e precisam ser revelados” 16

.

Segundo o dicionário eletrônico Houaiss (2002), riso é ação ou efeito de rir, é uma

Demonstração clara e geralmente espontânea de alegria, de contentamento, de satisfação, caracterizada visualmente pela contração dos músculos da face de uma pessoa, que, geralmente, deixa à mostra seus dentes.

Trata-se de uma ação fisiológica ligada à cognição com a qual, conscientemente ou inconscientemente, os homens utilizam para manifestar uma opinião sobre um fato ou situação, uma pessoa, uma fala, uma imagem, uma

16

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cena, etc. É um gesto que pode ser acompanhado por intenção ou expressão de ironia, desprezo, maldade, alegria, zombaria, sátira, catarse, dentre outras.

Em algumas modalidades da arte, no nosso objeto de interesse, a literatura, o riso servirá como veículo da mensagem pretendida pelo artista. O riso é um meio pelo qual é possível descobrir novas visões para apreensão e entendimento da realidade descrita. A realidade apresentada por Victor Hugo na obra em questão será evidenciada a partir das análises do discurso crítico do autor, por meio dos diferentes risos que permeiam a escritura. A utilização do fenômeno do riso na obra aliada à concomitância de suas diferentes manifestações é o problema chave desta pesquisa. Assim, nos parece essencial realizar uma incursão às tipologias de riso presentes no texto e que se revelam relevantes para o nosso estudo, o que delimitará as análises do corpus.

2.2 O riso e grotesco

O termo grotesco vem do italiano grottesco. Surgiu no século XVI para designar, inicialmente, um tipo de arte ornamental encontrado em grutas italianas. Eram objetos como estátuas, por exemplo, que continham formas desconhecidas e por isso, inusitadas, de seres meio-homens, meio-animais junto com ramos de plantas.

Ainda no século XVI, o termo grotesco se amplia. De substantivo designativo deste tipo de arte ornamental, passa a ser adjetivo que designa as produções caracterizadas como estranhas e híbridas.

De um substantivo com uso restrito à avaliação estética de obras de arte, torna-se adjetivo a serviço do gosto generalizado capaz de qualificar – a partir da tensão entre o centro e a margem ou a partir de um equilíbrio precário das formas – figuras da vida social como discursos, roupas ou comportamentos. 17

17

(16)

No século XIX ao tratar do tema em seu Préface de Cromwell - traduzido para o português como Do Grotesco e do Sublime - Victor Hugo é o primeiro a sistematizar de forma contundente o fenômeno do grotesco como categoria estética e o apresenta como característica essencial que diferencia as artes modernas. Objeto da arte, o grotesco estaria na união harmônica com o sublime, em favor da beleza e do Belo. A complexidade do cotejo entre sublime e grotesco tornaria a poesia completa através da harmonia dos contrários.

Associam-se ao grotesco algumas características que são experimentadas por quem com ele tem contato. São elas: o estranhamento e o bizarro; o demoníaco e o macabro; o monstruoso e a monstruosidade; o burlesco e o cômico; as criaturas e as hibridizações; o exagero das formas (inacabadas ou em transformação), as deformidades (físicas ou morais) e o caricatural; os orifícios e as extremidades do corpo; as necessidades fisiológicas humanas (processos escatológicos, sede, fome e sexo).

As hibridizações de formas demoníacas e imagens absurdas e oníricas, o exagero de formas e caricaturas que despertam riso e ironia, as imagens construídas para provocarem o estranho de forma abrupta e chocante, a percepção das monstruosidades, o despertar da curiosidade e o porquê do gosto pelas desgraças alheias, pelo outro, pelas alteridades, enfim, tudo isto pode ser percebido através das representações grotescas, o que demonstra a estreita ligação entre o fenômeno do riso e a categoria estética do grotesco.

As plasmações grotescas fazem parte de um mundo “mundo alheado” 18

que traz da margem o não convencional e a crítica a essa mesma convencionalidade, a ordem. É onde as leis estão suspensas, onde o real se confunde e convive com os mundos imaginário e onírico, onde as subversões e o inconsciente se manifestam e ganham representatividade. O que antes soava familiar surge, repentinamente, de cabeça para baixo na combinação de contrários e heterogêneos, numa “hibridização violenta e exasperada de desigualdades” 19

, cujo imbricamento provoca estranhamento, repulsa, horror, nojo e riso.

18

KAYSER, O Grotesco. p.159 19

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O riso provocado pelo grotesco, segundo Baudelaire, tem em si alguma coisa de profundo e axiomático. Para ele, o grotesco é uma criação permeada pela faculdade de imitação de elementos preexistentes na natureza. Sendo o riso, neste caso, a expressão da idéia de superioridade do ser humano sobre a natureza.

Segundo Propp (1992), o grotesco era a forma de comicidade preferida pela arte popular desde a Antiguidade. Ele diz que as máscaras da comédia grega antiga são grotescas. O descomedimento violento na comédia contrapõe-se ao comedimento e ao majestoso na tragédia.

Como exemplo de comicidade grotesca há os bufãos loucos das cortes orientais, que foram levados à Europa por meio das Cruzadas. Esses personagens históricos tinham o papel de divertir e aproveitavam do lugar de “louco” e “bufão” para disparar verdades e críticas opondo, assim, a hipocrisia da corte à lucidez feroz e trágica da bufonaria. Estabelecia-se, então, uma inversão de ordem axiológica.

O grotesco é cômico quando, como tudo aquilo que é cômico, encobre o princípio espiritual revelando os defeitos. Ele se torna terrível quando o princípio espiritual se anula no homem. É por esse motivo que podem ser terrivelmente cômicas as representações de loucos.20

A Commedia dell’arte italiana é outro exemplo de grotesco cômico. Os atores representavam peças histriônicas nas quais mostravam a vida sem disfarces e hipocrisias. Nelas eram ridicularizadas a nobreza renascentista italiana, algumas classes sociais e os comportamentos vigentes. Eles encenavam, cantavam, dançavam e faziam acrobacias, suas vestes e máscaras eram grotescas juntamente com o vocabulário empregado.

Dentre as definições para o que se chama de grotesco, Kayser (2003) discorre sobre esse tipo de representação na pintura e na literatura. Mas seu campo de manifestação não se restringe apenas a essas modalidades da arte. Existindo também no cinema, na escultura, na música, além de aparecer também

20

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em discursos, comportamentos, vestuário, etc., ele está por toda a parte tanto na arte, como na vida e na natureza.

Contudo, é na arte literária, especificamente na obra estudada, que se pretende mostrar o fenômeno do riso associado à estética grotesca.

2.3 Tipos de risos

Segundo os estudos realizados acerca do riso percebeu-se que ele se manifesta de várias maneiras. Dessa multiplicidade advém suas variantes, ou seja, seus diferentes tipos, dentre os quais podemos citar as seguintes categorias apresentadas por Alberti: "o humor, a ironia, a comédia, a piada, o dito espirituoso, a brincadeira, a sátira, o grotesco, a gozação, o ridículo, o nonense, a farsa, o humor negro, a palhaçada, o jogo de palavras ou simplesmente jogo". Além destes, podemos acrescentar o riso por alogismos, malogro da vontade, exageros cômicos, riso imoderado, maldoso e cínico, o riso bom, o alegre, o chiste e o provocado por cócegas, dentre outros.

Isso nos faz perceber que o riso não é um sinônimo de alegria e de fatos positivos. Victor Hugo nos leva a refletir sobre isso ao nos questionar, por meio do narrador, se o riso é um sinônimo de alegria.21

Na obra L’homme qui rit existe uma pluralidade de risos e de personagens que riem. Serão feitas aqui associações entre as ocorrências risíveis, de acordo com as características peculiares de cada tipo, e o concomitante foco nos personagens rieurs. Se cada tipo de riso repertoriado no romance possui uma significação particular e todos em conjunto constituem o discurso risível que permeia a escritura é, o analisá-los, que podemos depreender a crítica hugoana presente na escritura.

Assim sendo, algumas das terminologias mencionadas serão exploradas nesta pesquisa para que se compreenda, mais apurada e detalhadamente, o

21

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processo de manifestação do riso no romance em suas variedades formais e funcionais. São elas: o riso, a ironia, o escárnio, o humor, a zombaria e o sorriso.

Essas conceituações são necessárias para que se tente explicar a aparição das plurais recorrências do riso no texto, suas funções e as possíveis críticas implícitas em cada uma delas.

Utilizaremos também alguns termos em francês, língua de escrita da obra estudada, pois o campo lexical em torno do riso utilizado pelo autor é imprescindível para a análise do fenômeno. Para tanto faremos em seguida uma exposição explicativa das principais variedades de riso presentes em L’Homme qui rit.

2.3.1 Ironia

Assim como o riso, existem estudos específicos sobre a ironia. Sua etimologia provém do grego eironeia, utilizada por Sócrates sendo por isso denominada de ironia socrática. Indicava dissimulação, na Antigüidade.

Conhecida geralmente por sua função de figura de linguagem, serve para denunciar e criticar. Consiste em inverter o sentido de uma informação entre o que é dito e o que é pensado, visando uma ridicularização. Trata-se de uma maneira de zombar de um indivíduo, idéia ou coisa dizendo o contrário do que se deseja exprimir e do que se deseja que seja compreendido. O que caracteriza as ironias são os contrastes sugeridos entre uma realidade e uma aparência.

Muecke (1995) traça um estudo da ironia com ênfase na presença irônica na literatura que vai de encontro à conceituação de riso dada por Bergson, segundo a qual há uma função social e corretiva do riso.

Dizer que a história é o registro da descoberta recorrente de que aquilo que garantimos ser a verdade era, na verdade, apenas uma verdade aparente equivale a dizer que a literatura sempre teve um campo incomensurável onde observar e praticar a

(20)

ironia. Isto sugere que a ironia tem basicamente uma função corretiva.22

No século XX a ironia já é vista como uma ferramenta da escritura destinada a deixar em aberto a questão do que pode significar o significado literal de alguma coisa. A antiga definição de ironia é reciclada, não se refere a algo que se diz intencionando o entendimento de seu contrário; passa agora a ser compreendida como um dizer sobre alguma coisa de modo a não abrir campo a somente uma, mas à inúmeras interpretações.

2.3.2 Escárnio

É designativo de zombaria, desprezo, desdém, mofa ou gozação que ofende e expõe ao ridículo.

Para Houaiss (2002), escárnio significa o que é feito ou dito com intenção de provocar riso ou hilariedade acerca de alguém ou algo e também uma atitude ou manifestação ostensiva de desdém, de menosprezo, por vezes indignada. O escárnio ocorre quando objetiva-se ridicularizar e desprezar. O ridículo aqui ultrapassa sua conotação daquilo que é motivo de gozação e riso, adquirindo ainda também recebe valoração de insignificância. Para perceber como ocorre o escárnio basta recorrer às cantigas trovadorescas portuguesas do gênero. Nelas o propósito do trovador era satirizar indiretamente alguém a quem a cantiga era destinada.

2.3.3 Humor

Humor, em português, segundo o dicionário eletrônico Houaiss (2002), pode ter as seguintes acepções: um estado de espírito ou de ânimo; disposição, temperamento; ou comicidade em geral; graça, jocosidade expressão irônica e engenhosamente elaborada da realidade; espírito; faculdade de perceber ou expressar tal comicidade.

22

(21)

Ou seja, humor quer dizer, nestes sentidos, disposição de espírito, veia cômica e capacidade de perceber ou de expressar o que é cômico ou divertido.

Segundo o dicionário Aurélio (1988), ainda há, dentre as significações de humor relativas a esse campo ligado ao riso, o humor negro. Este é o humor “que choca pelo emprego de elementos mórbidos ou macabros em situações cômicas, ou vice versa”23

. O humor negro é, portanto, uma forma que se apóia em elementos tristes ou desagradáveis tornando-os motivos de ridicularização.

2.3.4. Sorriso

Segundo o dicionário eletrônico Houaiss (2002), sorriso é o ato ou efeito de sorrir (-se). Pode significar :

 expressão facial em que os lábios se distendem para os lados e os cantos da boca se elevam ligeiramente, e que expressa geralmente alegria, amabilidade, contentamento, aprovação, mas que pode também expressar ironia, desdém, malícia etc.;

 riso silencioso e discreto ;

 expressão de amabilidade e simpatia ;

 desdém, desprezo ou ironia ;

Assim sendo, temos que o sorriso é um movimento e expressão de um rosto que sorri, é “rir sem ruído, rir de leve, apenas com uma ligeira contração dos músculos faciais”24

e pode significar: prazer/agrado, promessa ou esperança, zombaria, pessoa risonha, exprimir-se agradavelmente ou favoravelmente.

23

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio Básico da Língua Portuguesa.p.346 24 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio Básico da Língua Portuguesa.p.611.

(22)

2.3.5 Ricto

Ricto é uma abertura na boca, uma contração labial ou facial que dá ao rosto o aspecto de riso forçado. Na obra há um ricto principal, o do personagem Gwynplaine e referências ao rictus do lobo Homo e do personagem Tom-Jim-Jack. De acordo com Friedemann (1998), “le motif du rictus courant “ jusqu‟aux oreilles”, comme dit Baudelaire, apparaît également chez d‟autres écrivais au diz-neuvième siècle” 25.

Sketch by V.Hugo - Image 2 of 427

25

FRIEDEMANN, Jöe, Rictus romantiques.ano, p.139. 27 Disponível em : http://www.gavroche.org/vhugo/gallery/.

(23)

2.5 O vocabulário do riso em L’homme qui rit

Outros vocábulos que se julgam importantes, serão explicados em verbetes, um modelo adequado para a natureza dessa determinação conceitual pretendida. São palavras francesas utilizadas pelo autor na obra estudada, relacionadas ao riso.

Amusant - aquele que distrai, que é divertido, engraçado.

Comique - Aquilo que faz parte da comédia, atores geralmente encarregados de encenar personagens cômicos; o que provoca o riso. O cômico é o lugar do risível, do ridículo.

Dérision - Palavra francesa que significa “mépris qui incite à rire, à se moquer de (qqn, qqch) - dédain, ironie. Dire quelque chose par dérision, moquerie”. Desprezo que incita à rir, a zombar de alguém ou de alguma coisa, dizer algo por derrisão ou zombaria.

Gaieté - Palavra francesa, indica “comportement, état d‟esprit d‟une personne animé par la joie de vivre, la bonne humeur”28

, que em portugês, significa: comportamento, estado de espírito de uma pessoa animada pela alegria de viver, o bom humor. Encontrar-se-á o emprego de gaieté perverse (alegria perversa) em estudos feitos sobre em L’homme qui rit. Esse tipo de gaiété corresponde a uma alegria advinda da satisfação ante os malefícios causados à outrem pelo próprio rieur ou por terceiro(s).

Humour noir – Acresce-se à definição dada na página 21, que o tipo particular de humor, o humour noir (humor negro), aquele “qui s‟exerce à propos de graves,

(24)

voire de macabres situations”29

, é o que faz ver com divertimento as coisas mais horríveis ou as mais contrárias à moral em uso, rindo-se das desgraças alheias. Em francês há duas distinções para o termo, humeur “ensemble de tendances dominantes qui forment le tempérament de quelqu‟un“30

- que corresponde ao humor na acepção da língua portuguesa e humour, nome masculino que designa “forme d‟esprit qui consite à dégager les aspects plaisantes et insolites de la réalité, avec un certain détachement“31

. Pode ser considerado como uma ridicularização e zombaria maldosa e agressiva do próximo ou de si mesmo.

Moquerie – Palavra francesa que, significa ação de rir, de ridicularizar algo ou alguém, ironia.

Ricannement – Palavra francesa, do verbo ricaner, que significa rir de maneira meio desprezível ou sarcástica ; rir de maneira estúpida, sem motivo ou para causar embaraço ou constrangimento.

3

3. OS DIFERENTES RISOS NA OBRA L’HOMME QUI RIT

A história de L’Homme qu rit é permeada de intrigas que envolvem direta ou indiretamente o personagem Gwynplaine. Além de seu riso, que guarda um mistério e revela a moral da sociedade aristocrática da época, há um jogo de risos permeando a narrativa. São os risos dos demais personagens. Através de cada um deles, risos, personagens e suas associações, percebe-se a aristocracia retratada por Hugo. Empreenderemos então a caracterização do personagem no que concerne suas relações com o fenômeno do riso.

29

REY, Alain. Le Robert Micro.p.664. Tradução livre : Que se exerce à propósitos graves ou mesmo à macabras situações.

30

REY, Alain. Le Robert Micro.p.663. Tradução livre : Conjunto de tendências dominantes que formam o temperamento de alguém.

31

REY, Alain. Le Robert Micro.p. 664. Tradução livre: Estado de espírito que consiste na liberação de aspectos agradáveis e insólitos da vida com certo desprezo e indiferença.

(25)

3.1 Personagens ligadas ao meio aristocrático

Os personagens que fazem parte da aristocracia no romance são a rainha Anne e sua irmã: a duquesa Josiane, lorde David, que é noivo de Josiane e o personagem Barkilphedro.

3.1.1Rainha Anne e Duquesa Josiane

A rainha Anne era uma mulher de quarenta e um anos de idade. Filha de Ana Hyde e Jacques II, rainha da Inglaterra. Ela estava “perpétuellement en transpiration de mauvaise humeur ”32

e tinha acessos de raiva ; como cristã era uma herege e beata. Um misto de boa mulher e mulher endiabrada. Era feia e não gostava que as mulheres fossem bonitas. Tinha inveja de sua irmã Josiane por não ser como ela: inteligente, dona de uma beleza encantadora e sedutora, noiva de lorde David. Anne era invejosa e mau humorada.

Citaremos passagens da obra que referenciam os risos dados pela rainha, São risos que expressam ironia e escárnio:

De temps en temps, elle prenait dans une poche d‟homme qu‟elle avait à as jupe une petite boîte ronde d‟argent repoussé, sur laquelle était son portrait de profil, entre les deux letres Q.A., ouvrait cette boîte, et en tirait avec le bout de son doigt un peu de pommade dont elle rougissait les lèvres. Alors, ayant arrangé sa bouche, elle riait.33

Em outro momento, a rainha sorri, e Barkilphedro registra seu sorriso:

“La reine sourit. Barkilphedro enregistra ce sourire.”34

32

HUGO, Victor. L’Homme qui rit.1869, p. 497. Sempre que necessário, a partir de agora, utilizaremos a tradução desta obra: O homem que ri, de 1935. Tradução p. 268: Ela vivia em perpétua transpiração de mau humor”.

33

HUGO, Victor. Op.Cit. p. 497. Tradução p.238: De quando em quando, ela puxava de um bolso de homem que ela tinha na saia, uma caixinha redonda, de prata lavrada, com o seu retrato de perfil, na tampa entre as duas letras Q.A. (Queen Ann), abria-a e tirava dela, com a ponta do dedo, um pouco de pomada, com que coloria os lábios. Então, depois de ter arranjado a boca, ria-se. 34

(26)

Com este outro exemplo temos que ela sorri em aprovação ao comentário feito por Barkilphedro, que ironizava a capacidade intelectual de um homem. Este riso expressaria igual ironia por parte da rainha e sentimento de superioridade em relação a este homem. Ao rir, a rainha está em concordância com a atitude de Barkilphedro. O narrador, após esse trecho, diz que, aquele que faz rir o rei (ou rainha), faz tremer (faz medo) o resto do povo. Assim sendo, ao fazer a rainha rir ele está agradando a ela e esta lhe dando pelo riso, o consentimento para fazer tremer (praticar maldades contra) o povo. Esta outra passagem ilustra o que falamos:

“Plus d‟une fois il avait fait sourire méchamment la reine”.35

Barkilphedro instiga a rainha a sorrir maldosamente incitando-lhe a externar a malícia que há dentro dela. Ele a induz, portanto, rir de maldades e a ser conivente com as possíveis ações, também maldosas, que ele executaria posteriormente. Esses sorrisos maldosos significariam a maldade que a rainha possuía em seu íntimo. Fazê-la rir seria o caminho de desvendar o seu pensamento e não desagradá-la, pois a ação de rir agrada aos reis.

Segundo o narrador, aqueles risos dados pela rainha eram a permissão que Barkilpedro precisava para caçar, ou seja, ir à busca de uma vítima contra a qual exerceria sua crueldade.

Segundo Propp, há um tipo de riso caracterizado como riso mau. Com ele, alimentam-se os sentimentos maldosos, ruins e a maledicência. Era provavelmente isso que Barkilphedro fazia coma rainha. Além disso, o riso mau “é patrimônio de quem se abandona a ele para recrudescer as feridas de sua própria alma” 36

. Vimos que ela ria de si mesma, o que nos permite inferir que ela ria maldosamente, em atitude de escárnio a si e aos outros.

Analisaremos agora os risos de Josiane, sobrinha de Charles II e filha bastarda de Jacques II, de quem recebera o título de duquesa e o pariato de Clancharlie.

35 HUGO, Victor. Op. Cit.p. 521. Tradução p.315: Já fizera, mais duma vez, sorrir maldosamente a rainha. 36 PROPP. Vladimir. Op. Cit. p. 160.

(27)

“Josiane était par la naissance, par la beauté, par l‟ironie, par la lumière, à peu près reine ” 37.

Já se pode inferir por este comentário da narração que é próprio das rainhas (ou das mulheres da corte) serem consideradas como irônicas. A “ironia é particularmente expressiva na linguagem falada, quando faz uso de uma particular entonação escarnecedora” 38

. No romance, o narrador diz que os reis não gostam de que alguém pretenda ser grande em torno deles e que, a ironia que não lhes seja dirigida, encanta-os.

“Elle avait, après qu‟on avait spirituellement parlé auprès d‟elle, un rire de réflexion d‟une grâce singulière. Du reste, aucune méchanceté. Elle était plutôt bonne.”39

A partir dessa descrição de Josiane, tem-se que ela possuía um riso de reflexão, possivelmente manifestado pela sua percepção da inteligência de seus interlocutores. A teoria que buscamos para tal análise é a de Bergson. De acordo com ele, a comicidade do riso se dirige à inteligência pura em contato com outras inteligência, daí viria a reflexão da duquesa.

Josiane em sua relação com Barkilphedro, personagem posteriormente mencionado, o trata com escárnio e zombaria, humilhando-o e menosprezando o cargo tão almejado por ele, no qual a função que ele exerceria seria, segundo ela, de “ne rien faire”, de nada fazer, e o salário oferecido ser insignificante, logo, irrisório.

“-C‟est pour cela. Josiane se mit à rire.

-Dans des fonctions auxquelles tu n‟es pas propre, laquelle désires-tu ?

- Celle de déboucher de bouteilles de l‟Océan. Le rire de Josiane redoubla.”40

37 HUGO, Victor. Op. Cit.p. 487. Tradução p. 248: Josiane era em tudo, pelo nascimento, pela formosura, pela ironia e pelo brilhantismo, quase rainha.

38

PROPP, Vladimir. Op.Cit. p. 125 39

HUGO, Victor Hugo. Op. Cit. p.491. Tradução p. 256: E depois de alguém ter falado junto dela, patenteando Inteligência, mostrava certo riso de reflexão, singularmente gracioso.

40 HUGO, Victor Hugo. Op. Cit.p. 503. Tradução p.279 : -- Por isso mesmo. Josiane desatou a rir. – das funções para que não serves, qual é a que desejas? – A de abrir garrafas no oceano. Josiane redobrou de riso.

(28)

Ela ri de Barkilphedro em tom de zombaria e escárnio, faz gozação da profissão que ele desejava exercer e por julgar-se superior a ele, julga que ele é um homem sem serventia a qualquer tipo de trabalho. Este riso escarnecedor expressaria a superioridade que ela presume ter em relação ao seu serviçal, em função da posição social nobre que possui.

Outra passagem indica a sua relação desdenhosa a Barkilphedro e ajuda-nos a perceber que seus risos podem significar escárnio:

Josiane avait cette plenitude de sécurité que donne l‟orgueil ignorant, fait du mépris de tout. La faculté féminine de dédaigner est extraordinaire. Un dédain inconscient, involontaire et confiant, c‟était là Josiane. Barkilphedro était pour elle à peu près une chose. On l‟eût bien étonnée si on lui eût dit que Barkilphedro, cela existait. Elle allait, venait et riait devant cet homme qui la contemplait obliquement. 41

Em condição feminina de mulher inacessível e desejada, e ele, um capacho diante daquela senhora que o tratava por tu. Ser tratado por tu por uma dama era sinal de prestígio e indicava ter a posse de confiança da mulher. Numa condição de superioridade ela ria de seu “servo”.

Segundo Alberti (2002), o riso torna-se prova da ambigüidade da própria condição humana: superioridade em relação ao mundo físico e aos seres irracionais e a inferioridade em relação ao transcendental e ao eterno.

3.1.2 Lordes e Lorde David Dirry- Moir

A classe dos lordes apresenta relevância para esta pesquisa, pois existiam clubes freqüentados quase exclusivamente por lordes, onde se ia para rir.

41

HUGO, Victor, Op. Cit. p.514. Tradução pp.301-02 :Josiane tinha a plenitude de segurança que provém do orgulho ignorante composto do desprezo de tudo. A faculdade feminina de desdenhar é extraordinária. Josiane era a personificação do desdém inconsciente, involuntário e repleto de confiança. Barkilphedro era para ela, pouco mais ou menos, uma coisa. Causar-lhe-iam desusado pasmo se lhe dissessem que Barkilphedro existia. Josiane andava de um lado para outro, ria diante daquele homem que a contemplava obliquamente.

(29)

Falaremos portanto de tais recintos e em particular do personagem lorde David Dirry-Moir.

A mãe de David fora amante de Clancharlie, logo ele é irmão de Gwynplaine, mas filho bastardo de Charles II, que o criara e o tornara um lorde. Com seus quarenta e quatro anos, lorde David deveria casar-se com Josiane, por determinações de Jacques II. Tinha por hábito ir aos clubes ingleses. Existiram vários deles nomeados segundo as atividades que se realizavam em cada um. Havia clubs por exemplo, dos feios em culto à deformidade, o clube dos dos rabujentos, dos realistas, dos republicanos. Destaca-se o fun club 42, do Mohock, onde praticava-se o mal pelo mal contra mulheres, velhos e homens, todos pertencentes a classe baixa. Encontrados no meio das ruas pelos ricos, estes cidadãos pobres eram levados ao interior desses locais para serem maltratados.

Freqüentado por homens da alta aristocracia, dentre eles os lordes, o Fun Club era local onde os ricos castigavam os míseros, provocavam-lhes prejuízos e maldades como incêndios a suas casas e torturas físicas, riam deles.

(...) c‟est-à-dire arrêtaient em riant um passant, lui écrasaient le nez d‟un coup de poing, et lui enfonçaient leurs deux pouces dans les yeux. Si les yeux étaient crévés, on les lui payait. C‟étaient là, au commencement du dix-huitième-siècle, les passetemps de opulents oisifs de Londres. Les oisifs de paris avaient d‟autres. M. de Charolais lâchait son coup de fusil à um bourgeois sur Le seuil de as porte. De tout temps la jeunesse s‟est amusée. 43

Não só no território da Inglaterra como também nas colônias inglesas. Essa situação acontecia. A ilha de Guernesey é mais um exemplo das maldades provocadas pelos lordes ingleses, como se verá no trecho que segue:

42

Palavra inglesa que significa diversão, empregada e explicada no texto com sentido de humour. Por conseguinte, o Fun Club era um local para divertir-se com o sofrimento alheio. Revela um lado masoquista da aristocracia.

43

HUGO, Victor. Op.Cit. p.494. Tradução p.261: O que significava deter, rindo,um transeunte, esmagar-lhe o nariz com um sôco, e cravar-lhe os dois polegares nos olhos. Se lhe vazavam os olhos, pagavam-lhos. No princípio do século dezoito era assim que se entretinham os opulentos ociosos de Londres. Os ociosos de Paris tinham ainda outros passatempos. O Sr. Charolais disparou umavez a espingarda contra um burguês que estava no limiar da sua porta. A mocidade em todos os tempos se divertiu.

(30)

No tempo de Jacques II, houve um lorde jovem milionário, que de noite incendiou uma cabana, e que fazendo isso rir muito em Londres, foi proclamado “Rei do fun”. A pobre gente da cabana salvara-se em camisa. Os membros do Fun Club, todos da mais alta aristocracia, percorriam Londres à hora em que os burgueses dormem, arrancavam os gonzos dos postigos, cortavam os tubos das bombas, arrombavam as cisternas, dependuravam as tabuletas, serravam as vigas quer escoravam as casas, e quebravam os vidros das janelas, principalmente nos bairros indigentes. Eram os ricos que faziam isto aos míseros, razão por que não havia queixa possível. Além disso, eram coisas que não

passavam de farçadas. Estes costumes não

desapareceram inteiramente. Em diversos pontos de Inglaterra ou das possessões inglesas, em Guernesey, por exemplo, ainda de tempos em tempos há quem nos um tanto a casa, e noite, quem nos arranque a argola da porta, etc. Se fôssem pobres os autores de tais proezas, mandavam-nos para as galés; mas são sempre feitas por moços sobremodo amáveis.44

Todo esse ato de prejudicar os pobres, de fazer-lhes maldades, perversidades e rir disso, remete-nos o riso que denota o caráter demoníaco do ser humano, do seu lado sádico e maquiavélico e a ocorrência do humour noir no texto.

Relembrando, o humor negro diz respeito a rir de alguém quando lhe ocorre algo desagradável. A classe alta da Inglaterra ria e comprazia-se do sofrer alheio e aproveitava-se de suas condições monárquicas e tirânicas para oprimir a população, “personne ne pouvait échapper à l‟emprise de la gaiété perverse des lordes” 45

. Assim era o amusement, o divertimento da mocidade nobre inglesa. Temos pois, o riso de caráter denunciador e revelador dos acontecimentos desumanos daquele século, nesse país: os absurdos cruéis cometidos pelos lordes. Trata-se de risos não só de natureza maldosa e grotesca, há ainda os risos de escárnio que serão devidamente analisados:

44

HUGO, Victor. O homem que ri, 1935, pp.261-62 45

PRÉVOST, Maxime. Rictus romantiques. Politiques du rire chez Victor Hugo. p.302. Tradução livre : Ninguém podia escapar da forte influência, moral ou intelectual, da alegria perversa dos lordes.

(31)

“C‟était les rire des lords.”

Esta frase representa, suncintamente, os risos dos lordes que foram dirigidos a Gwynplaine, na câmara dos lordes. Eram risos de escárnio, ironia, gozação que expressariam, sobretudo, o riso de escárnio dos aristocratas contra o povo. Os nobres riem e escarnecem do povo mísero, das mulheres, dos negros e das condições sociais inferiores às suas, representado por Gwynplaine.

Passemos aos risos do lorde David, em alguns momentos da narrativa conhecido como Tom-Jim-Jack,.Ambos exemplos dizem que David gargalhou na presença de Gwynplaine.

“Tom-Jim-Jack éclata de rire.”

“Lord David eut um second éclat de rire”.46

Nesta ocasião, ele, na posição de contra-almirante, ria em gozação à condição inferior a do histrião. Acredita-se que seja um riso expresso como tentativa de humilhar e corrigir, embora inconscientemente, o comportamento supostamente equivocado de Gwynplaine, que se apresentava a ele, como par da Inglaterra.

Novamente buscamos a teoria de Bergson para apoiar esta análise que crer na possível crítica de David à rigidez de atos de Gwynplaine, sua imobilidade social, sua impossibilidade de libertar-se daquilo que ele fora condenado a ser: um homem sem expressão, cuja liberdade era tão fixa quanto a expressão de riso em seu rosto – seria ele eternamente um saltimbanco, prisioneiro de sua máscara imutável de riso, um escravo:

O rígido, o estereótipo, o mecânico, por oposição ao flexível, ao mutável, ao vivo, a distração por oposição à atenção, enfim o automatismo por oposição à atividade livre, eis em suma o que o riso ressalta e gostaria de corrigir47.

46

HUGO, Victor. L’Homme qui rit. p. 704.

47

(32)

3.1.3 Barkilphedro

Ele era um irlandês que fora criado do duque de York, tentara ser homem de igreja, religioso, mas fracassara. Um homem de letras, “Barkilphedro était discret, secret, concret. Il gardait tout, et se creusait de sa haine”, 48

além de ser invejoso :

“La coura bonde en impertinents, em désœuvrés, en richesses fainéants affamés de commérages, en chercheurs d‟aiguilles dans les bottes de foin, en faiseurs de misères, en moqueurs moqués, en niais spirituels, qui ont besoin de la conversation d‟un envieux.” 49

A face de Barkilphedro sorria, contudo, seu interior odiava, pois em verdade, por trás de seus obséquios e presteza, não passava de um homem si riant (risonho), hipñcrita e mal. “Il grelottait content, dans l‟espoir du froid d‟autrui. Être méchant, c‟est une opulance” 50

. Tinha como riqueza a própria crueldade, em maldades e a preferia assim. Fazer mal era mais valioso para ele do que ter dinheiro.

Por rir e fazer rir poder-se-ia sugerir que Barkilphedro seja considerado como uma espécie de bufão. Um bufão e também um homem mal e vingativo que fazia rir e ria das maldades cometidas, dos sofrimentos que provocava. Seu verdadeiro riso que “escondia” dos reis e nobres poderia ser considerado, portanto, como um riso de bufonaria. Ele sorria na superfície, nas vistas de todos e por trás, escarnecia-os. Seu escárnio era diabólico. Seu riso era de um diabo-bufão.

Segundo Propp, aquele que é feito de bobo é odioso ao povo pela posição social que ocupa, esse fato na Literatura é visto com o exemplo dos bufãos românticos. O narrado assim fala de Barkilphedro :

48

HUGO, Victor. Op. Cit. p.508 Tradução p.289: Barkilphedro era discreto, secreto, concreto. Guardava tudo em si e aprofundava o próprio ódio.

49 HUGO, Victor. Op. Cit. p. 508. Tradução p. 289 : “A corte abunda em atrevidos, em ociosos, em ricos, vadios e famintos de mexericos, em indivíduos que passam a vida a procurar agulhas em palheiros, em produtores de misérias, em escarnecedores escarnecidos, e em néscios que necessitam da conversação de um invejoso.”

50

(33)

“ Il était aimé de ceux qu‟il amusait et haï des autres; mais il se sentait dédaigné par ceux qui le haïssaient, et méprisé par ceux qui l‟aimait. Ils se contentait.”51

Por conseguinte, o referido personagem se enquadraria perfeitamente na categoria de bufão ao passo que ele apresenta características de um palhaço. Ele seria um tipo de palhaço denominado pelos pesquisadores como clown branco. “A brancura de seu rosto denota sua superioridade, seu ar aristocrático. Malicioso e enganador, o Clown Branco em cena ridiculariza o Clown Augusto” 52

.

Até o presente momento, apresentaram-se os risos aristocráticos encontrados que expressam escárnio, ironia, humor negro, cuja significação é a ridicularização sofrida pela classe popular, ao passo que também revelam as perversidades cometidas por essa aristocracia inglesa contra esse mesmo povo.

Logo, têm-se as formas de como essa classe social ria e o que significavam seus risos: o riso é como a luz que ilumina a sociedade mostrando o ser humano com seus juízos de valor de superioridade, além de maldade, opressão e tortura aos outros seres humanos. Em decorrência disso, estando no poderio, eles riem dos que são subjugados por suas ordens. A aristocracia ria, pois, do povo maltratado por ela.

3.2 Personagens ligados ao meio popular

Nesta parte a pesquisa serão abordados os risos do grupo comprachicos e do personagem Hardquanonne. Em seguida se falará a respeito do riso da povo

51

HUGO, Victor. Op.Cit. p.508 Tradução p.289: Aqueles a quem Barkilphedro divertia eram-lhe afeiçoados; o s demais odiavam-no; mas ele sentia-se desdenhado pelos que o odiavam e desprezado pelos que lhe tinham afeição.Continha-se porém.

52

(34)

3.2.1 Comprachicos e Hardquanonne

Comprachicos ou comprapequeños são palavras espanholas que significam, em português, compradores de crianças. Quem eram os comprachicos?

“Les comprachicos , ou comprapequeðos, étaient une hideuse et étrange affiliation nomade, fameuse au dix-septième siècle, oubliée au dix-huitième, ignorée aujourd‟hui. Les comprachicos sont, comme “ la poudre de succession”, un ancien détail social caractéristique. Ils font partir de la vieille laideur humaine pour le grande refgarde de l‟histoire, qui voit les ensembles, les comprachicos se rattachent à l‟immense fait Esclavage”.53

O bando fazia comércio de crianças: compravam e vendiam, para quê? Para transformá-las em monstros. “Et que faisent-ils de ces enfants? Des monstres.Pourquoi des monstres ? Pour rire. Le peuple a besoin de rire; les rois aussi.”54

Os comprachicos compravam as crianças e trabalhavam a matéria de seus corpos de modo a transfigurá-los. Faziam-lhe operações hediondas e cuidavam para que não viessem a se lembrar do ocorrido, realizando uma espécie de lavagem cerebral. Os comprachicos intitulavam-se também “cheylas”, palavra indu que significa tranformadores de crianças. O talento dos cheylas era desfigurar. Se a natureza não fazia monstros perfeitos, era dos comprachicos esse ofício.

Pertenciam ao grupo homens de várias nacionalidades, não tinham uma língua própria e todos eles eram pobres. Constituíam uma corporação, uma indústria horrenda com suas leis, juramento e fórmulas. Para Victor Hugo, os comprachicos eram um sintoma que revelava todo o estado social, secular,

53

HUGO, Victor. Op. Cit. pp. 364-65. Tradução p.33: Os comprachicos ou comprapequeños eram uma hedionda e estranha afiliação nômade, famosa no século XVII, esquecida no século XVIII e hoje ignorada. Os comprachicos são, como o “pñ de sucessão”, um antigo pormenor social característico. Pertencem à velha fealdade humana. Ante o elevado olhar da história, que só aprecia os conjuntos, ligam-se os comprachicos ao imenso fato Escravidão.

54

HUGO, Victor. Op. Cit. p.65. Tradução p. 34: Que faziam eles daquelas crianças? Monstros. Monstros para que? Para fazerem rir. O povo necessita rir-se; e os reis também.

(35)

preexistente, imemorial. Eles traziam à luz a prática de costumes feudais compreendidos em quase toda a história humana.

A fabricação de monstros produzia os bufãos. Enriquecendo a definição já apresentada à página 32, o bufão é um ser horrendo, de feiúra repugnante. O bufão de corte é um fato misto. São seres que diziam o que desejavam sem qualquer tipo de censura. E o que diziam, era considerado como verdade. Essa verdade lúcida dos bufãos torna-se uma afronta ao poder, pois eram porta-vozes da ironia que trazia à tona as diferentes vertentes da realidade, ou seja, revelavam sempre os dois lados de uma “moeda”, “um feixe de paradoxos”55

. A eles era dado o direito de falar o que desejassem criticar e rir de quem quer que fosse, principalmente de seus donos, os reis ou nobres. Faziam gargalhar o tédio real por meio de suas deformidades físicas, que provocavam riso da audiência.

Geralmente os bufãos eram defeituosos não apenas fisicamente, tinham um lado de feiúra na alma: eram também diabólicos, ardilosos, bajuladores e críticos, subversivos e enquadrados, cínicos e reformadores, sem estirpe.

O jester – outro paradoxo – era, muitas vezes, alguém monstruoso (inclusive fisicamente: corcundas, anões, etc.), aberrantes, mas alguém que diz verdades. Verdades que não podem aparecer nuamente enquanto tais. Devem surgir envoltas por uma aparência de gratuidade e graça e devem ser ditas por alguém por si mesmo digno de riso e repulsa. Por outro lado, o caráter singular e anômalo do bufão dá à sua agressão e à sua crítica uma dimensão de neutralidade e de suspensão . Isto porque o bufão é um elemento que atua na corte mas, ao mesmo tempo, não pertence à ela: não é um nobre nem um membro do palácio.56

Ser poderoso, bonito, jovem não era suficiente aos reis, era inclusive fastidioso, diz Victor Hugo. Era preciso ter perto de si alguém feio, fraco, velho, doente para se divertirem. Os bufãos eram seres que tinham por lei de existência a permissão de sofrer e a ordem de divertir os outros, “sentir souffrir et voir rire, quel raffinement! ”57

55

NEVES, Luiz Felipe Baêta. A ideologia da seriedade e o paradoxo do coringa, p.38 56

NEVES, Luiz Felipe Baêta. Op.Cit.1974, p.39 57

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O bando de comprachicos presente em L’homme qui rit desfigura a face de Gwynplaine, de modo a tornar a face da criança uma masca ridens, máscara de riso, um homem que riria para sempre ; seria um bobo da corte, um bouffon.

Gwynplaine ou Lorde Fermain Clancharlie fora então desfigurado por um comprachico com um status diferente dos outros. Este, flamengo de Flandres chamado Hardquannone, o único homem a conhecer os segredos e métodos do doutor Conquest, o único conhecedor da técnica cirúrgica utilizada para transformar o menino em um homem que ri. Hardquannone lhe fez a operação Bucca fissa usque ad aures58, dando-lhe ao rosto, um riso eterno. Este comprachico era classificado pelo chefe do grupo primeiramente como “louco” e posteriormente como “sábio”.

Hardquanonne, anos depois fora preso como comprachico nas prisões do príncipe de Orange. Seus companheiros, para não terem o mesmo destino, fugiram da Inglaterra e abandonaram Gwynplaine. Já na idade adulta, quando sua verdadeira identidade é descoberta, ele é levado à presença de Hardquannone para ser reconhecido e poder, em seguida, assumir seus títulos e bens heradados do seu pai.

A descoberta de sua origem se deu por meio de um pergaminho escrito pelos comprachicos no dia de seu abandono. No mar, a bordo do barco Matutina, em meio a um iminente naufrágio, esses homens e mulheres católicos, temerosos do castigo divino, decidiram entregar ao mar, numa garrafa, o pergaminho com a história do garoto multilado. Assumiram então, o crime cometido acreditando que, assim, receberiam o perdão de Deus e a salvação de suas almas.

Barkilphedro, personagem que conquista o posto de desrolhador de garrafas no mar, é quem encontra o tal “documento”. Restituir os direitos de Gwynplaine seria indiretamente pôr em prática a sua tão almejada vingança contra Josiane, já que ela estava prometida a se casar com o lorde herdeiro do pariato de Clancharlie et Hunkerville, o monstruoso Gwynplaine.

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