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POLÍTICA SOCIAL EM TEMPOS DE CRISE DO CAPITAL: desafios teórico-práticos para o Serviço Social

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POLÍTICA SOCIAL EM TEMPOS DE CRISE DO CAPITAL: desafios

teórico-práticos para o Serviço Social.

Patrícia Maccarini Moraes

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Renata Nunes

2 RESUMO: O presente artigo tem o objetivo de apontar considerações sobre a política social no contexto da crise do capital e os desafios para o exercício profissional do Assistente Social. Considera-se que a “questão social”, como matéria-prima do Serviço Social, tem sua raiz imbricada no modo de produção capitalista - nas relações sociais onde os homens produzem e reproduzem suas condições sociais e de existência em dada sociabilidade. O contexto contemporâneo, marcado pela crise do capital e com a consequente radicalização da exploração, o aprofundamento das sequelas da “questão social” e a retração no campo das políticas sociais desafia cotidianamente o Assistente Social. O Serviço Social, enquanto especialização do trabalho, ao deparar-se com as diversas expressões da “questão social” não pode prescindir de postura teórico-crítica que busque desmistificar a realidade, descortinando o movimento do real a fim de contribuir com estratégias que fortaleçam a luta da classe trabalhadora.

PALAVRAS-CHAVE: “Questão Social”, Crise Estrutural do Capital; Política Social; Serviço Social

INTRODUÇÃO:

O debate da “questão social” não pode prescindir de conteúdo crítico, fato que nos impõe o desafio de superar explicações que mistificam a substância das relações sociais no contexto de uma sociabilidade alicerçada na exploração da força de trabalho. Com a radicalização da “questão social” em tempos de monopólio, da supremacia do capital financeiro, de encolhimento da responsabilidade do Estado no tocante às políticas sociais e da responsabilização dos indivíduos e famílias por sua condição de vida, em tempos de criminalização da pobreza e da ascensão da barbárie, entendemos que a teoria crítica, em particular a teoria marxiana contribui para o desvendamento das formas mistificadas e mistificadoras da realidade em que o homem é fortemente coisificado.

A crise estrutural do capital, que impõe diversas transformações ao conjunto de produção e reprodução das relações sociais, coloca novas determinações para o trato da “questão social”. O debate da “questão social” e das políticas sociais em tempo de capital monopolista requer análise das principais determinações que configuram o processo de produção e reprodução social, assim como a natureza e arquitetura do Estado.

1 Doutoranda em Serviço Social pelo PPGSS – UFSC. Assistente Social no Instituto Federal de Santa Catarina –

Campus Caçador. Pesquisadora Integrante do Núcleo de Pesquisa Interdisciplinar Sociedade, Família e Políticas Sociais.

22 Assistente Social, Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal de

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Nessa perspectiva, este artigo retoma alguns elementos acerca da “questão social”, da arquitetura do Estado e da Política Social no contexto da crise estrutural do capital (itens 1 e 2 do texto). Na sequência, discorre sobre alguns dos desafios teóricos–práticos que estão colocados para os assistentes sociais nessa conjuntura.

O Assistente Social, que elegeu a liberdade como valor ético central, a justiça social, e o fortalecimento da luta da classe trabalhadora, não pode prescindir de fundamentos teórico-metodológicos de perspectiva crítica, os quais possam orientar a construção do concreto pensado e subsidiar decisões e estratégias no âmbito do exercício profissional, que contribuam para o fortalecimento da classe trabalhadora em suas lutas.

1. A QUESTÃO SOCIAL E CRISE DO CAPITAL

Corroboramos com a perspectiva que a “questão social” é constitutiva das relações sociais capitalistas. Sistema de produção este que tanto participa da produção das condições materiais de vida, quanto das relações sociais mais amplas, ou seja, da totalidade das relações entre homens e uma dada sociedade. Portanto, é na lei geral de acumulação do capital que se encontra a raiz da “questão social” (IAMAMOTO, 2001). Tal consideração é fundamento essencial para o entendimento da “questão social”, engendrada aos processos de exploração do trabalho radicalizada no tempo presente.

No final do século XIX e início do século XX ocorre importante transição no processo de produção capitalista, conferindo particulares contornos a sua fase mais madura. Trata-se do período em que o capitalismo concorrencial sede lugar ao capitalismo monopolista. Netto (2006), ao referir-se a essa transição considera que a era dos monopólios altera a dinâmica inteira da sociedade, potenciando as contradições da fase anterior e combinando-as com novas contradições e antagonismos. Tal processo obedece ao objetivo primário de acréscimo dos lucros por meio do controle dos mercados, onde os bancos e sistema de créditos tem função redimensionada.

Para Fontes (2010, p. 146) o aumento da concentração e centralização do capital “[...] aprofundam um traço intrínseco, permanente e devastador do capital, desde seus primórdios: sua necessidade imperativa de reprodução ampliada, sua expansão em todas as dimensões da vida social”. Intrínsecas à necessidade de reprodução ampliada do capital e também constituintes da base social de que o nutre, as crises sucessivas do sistema são produzidas e intensificadas.

Desde a década de 1970 do século XX, a onda longa expansiva que caracterizou os “anos dourados” do capitalismo embalados pelo pacto fordista keynesiano se esgotou e foi substituída por uma longa onda recessiva, na qual as crises são predominantes e as retomadas episódicas. Trata-se de uma crise orgânica (NETTO; BRAZ, 2008) que expressa

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um desequilíbrio entre a produção e o consumo, comprometendo a realização do capital, ou seja, a transformação da mais-valia em lucro e acentua outras contradições do sistema (MOTA, 2009).

Nesse contexto, o predomínio do capital é garantido por modificações qualitativas, entre as quais se expressam a reestruturação produtiva, a mundialização financeira, o neoliberalismo. A resultante desse processo é “[...] o colapso da modernização articulado a um desemprego maciço” (MÉSZÁROS, 2011, p. 1004), que se coloca como uma tendência socioeconômica, um indicador do aprofundamento da crise estrutural do capital (MÉSZÁROS, 2011).

Entre as orientações neoliberais destaca-se a redução das funções “sociais” do Estado. O capital busca atingir esse objetivo por meio de um conjunto de contrarreformas que visam a desconstrução de direitos e garantias sociais. Com isso, significativas parcelas do fundo público são direcionadas para atenuar as crises do sistema, visto que, contraditoriamente, a economia capitalista não prescinde a intervenção estatal, ao contrário, segue reivindicando-a (NETTO; BRAZ, 2008). Entre os principais alvos das contrarreformas estão a regulamentação das relações de trabalho, operada em prol da flexibilização, e a privatização dos sistemas de seguridade social.

Nesse contexto, verifica-se um conjunto de transformações no mundo do trabalho identificado por Antunes (2013) como uma nova morfologia, que agrega as variadas formas de informalidade, aprimora os mecanismos geradores de valor com base em novos e velhos mecanismos de intensificação da exploração da força de trabalho e, por vezes, também da auto exploração3, a crescente exploração do trabalho de imigrantes e das mulheres, marcando

uma nova era de precarização do trabalho (ANTUNES, 2013). Assim, o mercado, e o Estado, via planos de austeridade e desproteção social, buscam persuadir os trabalhadores com a ideia de uma possível autonomia dos trabalhadores (TAVARES, 2018). No entanto, o que se observa é que as relações de produção capitalistas passam a comandar não só o trabalho, mas também a vida do trabalhador. Deste modo, as relações interpessoais estão cada vez mais empobrecidas, alimentadas com o “[...] mais brutal individualismo, mediante uma individualização radical que faz com que a crise social seja percebida como crise individual, pela qual cada sujeito é individualmente responsável” (TAVARES, 2018, p. 294).

Conforme já sinalizou Iamamoto (2001, p. 18) “presencia-se hoje uma renovação da

velha questão social”, que é inerente às relações sociais capitalistas, mas que se manifesta “sob outras roupagens e novas condições socio-históricas de sua produção/ reprodução na sociedade contemporânea, aprofundando as suas contradições”. Ou seja, o debate da “questão social” em tempo de capital monopolista não pode prescindir de análises das

3A exemplo da ênfase crescente ao empreendedorismo, os micro-negócios e outras estratégias fomentadoras do

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principais determinações que configuram o processo de produção e reprodução social, considerando o processo de exploração do trabalho e a da luta de classes, presentes nas configurações contemporâneas desse modo de produção. Esterilizar da análise da “questão social”, a exploração do trabalho e, portanto, a luta de classes e suas principais mediações e contradições contribui para o ocultamento dos processos de exploração das classes subalternizadas e dificultam seu movimento de resistência. Da mesma forma, torna-se ainda crucial para o enfrentamento das diferentes manifestações da “questão social” a compreensão teórico-crítica sobre a crise estrutural do capital, o Estado capitalista e as políticas sociais desvendando suas contradições, limites e possibilidades.

2. ESTADO E POLÍTICAS SOCIAIS NO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO

O debate sobre a “questão social” e a política social requer compreender a base de constituição material do Estado moderno, ou seja, do Estado capitalista. A atuação do Estado burguês como garantidor do processo de valorização do capital constitui em elemento estruturante para compreender os fundamentos da “questão social”.

Para Poulantzas (1979), a constituição histórica do Estado não está apartada do processo de produção e reprodução do capital, pelo contrário, está enraizada no processo de produção e na divisão social do trabalho. Embora, seja próprio e necessário para esta sociabilidade, uma aparente ou formal separação entre Estado e economia, entre Estado e modo de produção. Assim, o Estado burguês em sua materialidade consiste em:

Especificidad, por tanto, del Estado moderno, que remite precisamente a esa separación relativa entre lo político y lo económico, y a toda una reorganización de sus espacios y campos respectivos, implica por la desposesión total del trabajador directo en las relaciones de producción capitalista (POULANTZAS, 1979, p. 59). Neste contexto, o Estado aparece de forma mistificada, como representante dos interesses universais, tendo uma posição transclassista. Segundo Osório (2014) o Estado é a única instituição moderna com capacidade de fazer com que interesses particulares possam parecer de toda a sociedade. Uma instituição que sintetiza costumes, valores e ainda projeta rumos e metas para toda a sociedade. Nesse sentido, o Estado se constitui como centro de poder político que atua essencialmente como articulador da produção e reprodução da sociedade, seja no campo material, social, político e ideológico.

Dada a primazia das relações de produção, o Estado nesse contexto corrobora por alimentar a dinâmica de valorização do valor, como também, a seu modo, as interações sociais dos capitalistas e dos trabalhadores, tudo isso num processo contraditório. As classes burguesas, cujas frações são variadas, podem até mesmo contrastar em interesses imediatos. As lutas dos trabalhadores, engolfadas pela lógica da mercadoria, aos pleitearem aumentos salariais, chancelam a própria reprodução do capitalismo. [...] É um processo global e estruturado que alimenta sua própria reprodução” (MASCARO, 2013, p. 20).

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A política social, ao intervir contínua e sistematicamente nas expressões da “questão social”, marca a “indissociabilidade de funções econômicas e políticas que é própria do sistema estatal da sociedade burguesa madura e consolidada” (NETTO, 2011, p. 30). A redução no tempo e rotação do capital, artifício importante para supressão das crises do capital, também acarretaria no aumento de planejamento do Estado, assim como na socialização dos custos (riscos) e perdas do processo produtivo. O controle no sistema produtivo e reprodutivo, seja pelo capital ou indiretamente pelo Estado seguem no sentido de evitar que as crises sociais ameacem o sistema, assim como deve atuar para garantir o processo de valorização do capital

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Através da política social, o Estado burguês no capitalismo monopolista procura administrar as expressões da “questão social” de forma a atender às demandas da ordem monopólica conformando, pela adesão que recebe de categorias e setores cujas demandas incorpora sistema de consenso variáveis, mas operantes (NETTO, 2006, p. 30).

Como nos adverte Netto (2006), dentre as funções operadas pelo Estado para a garantia da valorização do capital está a conservação física da força de trabalho, no capitalismo monopolista – com a função primordial de preservação e controle contínuo da força de trabalho ocupada e excedente. Nessa perspectiva, Faleiros (2000, p. 64) informa que “a política social é uma gestão estatal da força de trabalho, articulando as pressões e movimentos sociais dos trabalhadores com as formas de reprodução exigidas pela valorização do capital e pela manutenção da ordem social”.

Nesses termos, o reconhecimento jurídico dos direitos sociais no capitalismo e sua materialização e expansão pelo Estado regulam formas específicas de reprodução da força de trabalho empregada ou da futura força de trabalho (crianças e jovens), da força de trabalho já exaurida pelo tempo e pela exploração (idosos/as) ou daqueles impossibilitados de trabalhar por diversos fatores, como doenças ou deficiências. Os tipos, formas e alcance realizados pelo Estado, portanto, estruturam determinadas relações e formas de reprodução social (BOSCHETTI, 2018).

O Estado, então, expressa as contradições que permeiam a sociabilidade capitalista e atua para assegurar a existência da propriedade privada e do mercado, assim como, das relações jurídicas que nela se apoiam. Desta maneira, a atuação do Estado não altera de maneira definitiva as estruturas da sociedade capitalista, ao contrário, age para manter as suas estruturas socioeconômicas fundamentais e adaptá-las às mudanças (HIRSCH, 2010). Entretanto, os interesses das classes dominadas se expressam em alguma medida nas ações do Estado, tensionados pelas relações de forças entre as classes fundamentais (HIRSCH, 2010). Essa contradição é central na composição do Estado capitalista e permeia a formulação e a execução das políticas sociais, que ao mesmo tempo em que são constituídas

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para atender as reivindicações dos trabalhadores, atuam para amenizar as “sequelas da questão social”.

Para Boschetti (2016) as políticas sociais do Estado capitalista são inerentes à sociedade burguesa e participam diretamente da reprodução ampliada do capital. São essas políticas que respaldam a imagem do Estado como “social” e efetivam a mediação de interesses conflitantes (entre o capital e o trabalho). A intervenção estatal se dá de forma fragmentada, enfrentando apenas as refrações da “questão social” via políticas sociais. Apesar dessa captura pelo capital, sua concretização depende fundamentalmente da luta de classes. “Não há dúvidas de que as políticas sociais decorrem fundamentalmente da capacidade de mobilização e organização da classe operária e do conjunto dos trabalhadores, a que o Estado, por vezes, responde com antecipações estratégicas” (NETTO, 2011, p. 33). Pereira (2018) analisa o que ela chama de particularidades da política social no contexto contemporâneo, marcado pela crise estrutural do capital e pelo avanço da “nova direita” no cenário político-partidário no Brasil. Esboça-se um quadro de trágicas regressões em que prevalecem os seguintes aspectos:

A transferência das funções sociais do Estado e da gestão das políticas sociais para o setor privado (mercantil e não mercantil). Na esfera mercantil, a política social submete-se aos mesmos critérios de rentabilidade econômica, adotados pelas empresas privadas; e, na esfera não mercantil (família, organizações voluntárias), a referida política libera o Estado para atender demandas da esfera econômica. [...] c) A focalização da política social na pobreza extrema, com a consequente conversão da provisão pública em medida de excepcionalidade. E por ser excepcional, tal provisão não mais configura direito devido pelo Estado, além de ser malvista pelo próprio sistema como ação paternalista, que estigmatiza o beneficiário por impedir-lhe o “mérito” de se autossustentar por meio do trabalho; [...] d)A política como espetáculo, manipulada por agências de publicidade especializadas em pirotecnias, com vistas a angariar para governos, já transformados em servos do mercado, legitimação na sociedade (PEREIRA, 2018. p.165- 166).

Na mesma perspectiva, Fontes (2010, 2018), Boschetti (2018) e Mota (2018) classificam como processos contemporâneos de expropriação social a extinção das condições de subsistência asseguradas pelos direitos conquistados e a redução das condições materiais para que a classe trabalhadora, em situações determinadas (doença, velhice, desemprego), possa deixar de vender sua força de trabalho. A privatização das políticas sociais (saúde e educação) e outros bens públicos também podem ser entendidos

como processos de expropriação4 que favorecem as condições para a ampliação da

4 Para Mota (2018, p. 171-172) o termo expropriações contemporâneas ganha nova potência: “não se trataria (exclusivamente) de usurpar os meios de vida e trabalho dos produtores diretos – a terra – à moda da acumulação primitiva, mas de ampliar a exploração do trabalhador, quer direta, quer indiretamente. No primeiro caso, pela precarização do trabalho com aumento da produtividade, empobrecimento e desgaste físico dos trabalhadores; em segundo lugar, por desmontar qualquer ilusão da cidadania fordista quanto ao atendimento das necessidades sociais e de reprodução material, social e cultural do trabalhador e de suas famílias, revertendo a histórica participação do Estado, desde o capitalismo monopolista, na reprodução da força de trabalho, base do Welfare State e operando uma verdadeira remercantilização da já mercantilizada força de trabalho”.

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acumulação ao tempo que em que reduzem os direitos sociais (BOSCHETTI, 2018). Behring (2018, p. 196) sintetiza as inflexões presentes no campo da política social:

A política social não é um lado de fora da reprodução ampliada do capital, limitando-a, humanizando-a ou qualquer outro verbo nesse sentido, em que pese seu caráter contraditório, e de produto das lutas sociais. [...] A política social surge como mediação e condição material desse processo, e não como uma suposta retração da exploração, ainda que demandada pelos trabalhadores, o que combinado a outros elementos gerou melhorias nas condições de vida dos mesmos[...].

Reconhece-se, então, as contradições que perpassam as políticas sociais no Estado capitalista, ao congregar concomitantemente os interesses de valorização do capital e, em alguma medida, as necessidades dos trabalhadores. As políticas sociais não comportaram – nem poderiam comportar a possibilidade de superar as relações sociais que garantem a reprodução da sociedade do capital.

Entretanto, concordamos com Pereira (2018), Behring (2018) e Mota (2018) que sinalizam a urgência de defender e lutar pela manutenção dos direitos e das políticas sociais diante da correlação de forças vivida no Brasil nos últimos anos. Mota (2018) ao pensar sobre o significado da conquista de direitos na sociedade brasileira aponta que há positividade política nessa conquista, e aponta que a Constituição Federal de 1988 é um marco relativo aos direitos sociais civis e políticas alcançado pela luta dos trabalhadores politicamente organizados (MOTA, 2018). A formação sócio histórica do Brasil, com raízes escravistas e patrimonialistas, faz com que a luta por direitos seja uma forma de construir unidade entre os trabalhadores. Ou seja, não se trata de pensar os direitos sociais como possibilidade de rupturas sociais “mas, sem eles, a precarização vital (LINHART,2007) em curso no mundo global, também não produzirá nenhuma geração espontânea da rebeldia, no sentido de enfrentamento e ação direta contra o capital” (MOTA, 2018, p. 228). A conquista e o exercício dos direitos no Brasil sempre decorreram de lutas e movimentos dos trabalhadores e a existência na letra da lei nem sempre autoriza o seu exercício (MOTA, 2018). Nesse sentido é que a luta por direitos, que se pode representar uma inflexão anticapitalista ao contrapor-se às atuais expropriações dos direitos sociais que transformam cidadãos em consumidores. A luta de classes coloca a possibilidade de construir campos de resistência e encontrar formas de impor limites – ainda que restritos – à acumulação de capital, evidenciando a contradição presente nesse tempo histórico.

Dessa forma, o Estado também está sujeito aos limites impostos pelas lutas de classe, que expressam as relações de força entre as classes sociais. Portanto, as disputas em torno do Estado, o qual condensa a luta de classes se configura também em um campo estratégico para a classe que vive do trabalho.

3. DESAFIOS TEÓRICO-PRÁTICOS PARA A ATUAÇÃO SERVIÇO SOCIAL NO CAMPO DAS POLÍTICAS SOCIAIS

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É no contexto de produção e reprodução das relações sociais que são determinadas as condições em que se realiza as ações profissionais do Assistente Social. Ademais, o Assistente Social apesar de ser qualificado como profissional liberal, perde tal característica a partir de sua vinculação de assalariamento, dada a relação de compra e venda de sua força de trabalho, e de sua vinculação com as políticas sociais, meio pelo qual oferece, em determinadas condições, respostas a diferentes expressões da “questão social”. Tais questões que se apresentem no campo da imediaticidade, são mediadas por determinações que exigem do profissional o seu deciframento.

Assim, torna-se crucial para o Serviço Social uma postura teórico-crítica fazendo esforço permanente de captar a processualidade contraditória da realidade, com vistas a desocultar a substância da “questão social”, fruto da sociedade de classes e, portanto, da exploração do trabalho.

A tradição teórica de cunho conservador busca na esfera moral explicação para os fenômenos sociais, abrindo-se espaço para a psicologização das relações sociais (NETTO, 2001). Nesta perspectiva, a problemática da “questão social” não derivaria da sociedade de classes e sua estrutura, mas como externas a elas, aparecem deslocadas para a esfera da moral. O discurso conservador sob o apelo do amor à pátria, da defesa de Deus e da família traz à baila a questão do cerceamento da autonomia e das liberdades individuais e o controle dos corpos e dos comportamentos. Verifica-se também a moralização e criminalização da pobreza e o ressurgimento do discurso meritocrático, como se as oportunidades fossem as mesmas para todos, desconsiderando a desigualdade estrutural que marca o país desde a colonização e formação da nação.

Nesse momento histórico, prenhe de desafios e de contradições, a categoria profissional precisa exercitar a reflexão crítica acerca dos limites e das possibilidades que permeiam as políticas sociais. No exercício profissional, coloca-se a urgência de estabelecer mediação com questões, que não são novas, mas se reatualizam e se recolocam. Os profissionais precisam atentar para as transformações em curso que se espraiam para todas as dimensões da vida social e permeiam o exercício profissional.

O debate da “questão social” do ponto de vista de uma perspectiva crítica, requer um esforço na superação de concepções que se limitam a tomar as expressões desse fenômeno social como fatos isolados, desconexos do complexo social e descolados de determinado contexto histórico (sempre dinâmico e contraditório). Um dos desafios colocados ao Assistente Social consiste em apreender os nexos determinantes que envolvem diferentes expressões da “questão social”. Assim, o exercício profissional do Assistente Social exige atividade prática-teórica que busque ultrapassar concepções que tomam as diferentes manifestações da “questão social” de forma naturalizada e/ou autonomizadas das determinações estruturantes deste modelo de sociabilidade.

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Entre as diversas demandas que requerem repostas Assistente Social, destacamos: a questão da violência, decorrente da histórica desigualdade social, que tanto é institucional, praticada pelo Estado contra as populações excluídas, como está presente nas relações interpessoais, incentivada de intolerância de diversos tipos. As pautas moralistas e conservadoras que mobilizam discursos violentos e retrógrados em torno da valorização da família (geralmente valorizando exclusivamente a família nuclear burguesa ancorada em valores patrimonialistas e patriarcais), a criminalização do aborto, a homofobia e transfobia, entre outros. “A moralização da vida social, comportamento pautado em preconceitos, ganha legitimidade aos ser incorporada socialmente como estratégia de enfrentamento das expressões da “questão social””(BARROCO, 2009, p. 166). As transformações no mundo do trabalho, visíveis pela drástica redução do emprego estável e protegido pela legislação trabalhista, dando lugar a ocupações cada vez mais instáveis, remuneradas por serviço ou atividade associadas à valorização do empreendedorismo e do auto emprego.

Os assistentes sociais precisam atentar também para as situações de sofrimento e adoecimento psíquico, agravadas em certos momentos, que afetam tanto o público atendido quanto seus próprios quadros profissionais. Essas situações são resultado do conjunto de expropriações e de exploração que compõem a vida da classe trabalhadora que são mobilizadas pelo incremento dos processos de exploração do homem pelo homem, do individualismo e da alienação presentes no conjunto das relações sociais contemporâneas. No cotidiano do exercício profissional, o Assistente Social é desafiado a dar respostas qualificadas à diferentes expressões da “questão social”. Os sujeitos, usuários dos serviços prestados pelo Assistente Social, se colocam muitas vezes frente ao profissional em estado de sofrimento, aparente passividade ou revolta, desacreditado ou esperançoso de possíveis soluções para situações singulares que vivenciam (FÁVERO, 2004).

Nesse contexto, observa-se a naturalização da desigualdade social, revestida de um discurso de responsabilização e de enaltecimento do individualismo, sustentado em valores liberais, de valorização da meritocracia. Assim, o isolamento e individualismo promovido pela lógica da mercadoria e coisificação das relações humanas resulta no adoecimento individual e coletivo.

“O repetitivo discurso moralizante presente na mídia, em certos meios de comunicação de massa, ao incentivar direta ou indiretamente o ethos liberal burguês, a violência, a abstração, o moralismo e o conservadorismo, fortalece a descrença na política, em sua forma democrática, reforçando apelos à ordem, a medidas repressivas, a soluções morais para a crise social” (BARROCO, 2009, p. 167). Ademais, destaca-se ainda a redução do financiamento das políticas sociais e a canalização dos recursos públicos pela via de ações privatistas e filantrópicas, implicando na redução ou suspensão de serviços e benefícios que atendem diretamente as necessidades da população trabalhadora, e afetando diretamente as condições de trabalho dos Assistentes

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Sociais nos diferentes espaços socio-ocupacionais. Assim, as respostas profissionais só podem ser construídas a partir de um rol de conhecimentos e posicionamentos que são constitutivos da competência profissional, composta das dimensões éticas, técnicas e políticas. Portanto, o deciframento da realidade a partir de fundamentos da teoria crítica é absolutamente necessário na medida em que tal movimento possibilita ultrapassar o campo da imediadicidade na busca pela compreensão de mediações determinantes na constituição dos fenômenos5 sociais. Como assinalam Paiva e Sales (2007, p.188) “As respostas

profissionais devem ser construídas na imediadicidade dessas demandas, não podendo, contudo, se resumir ao enfretamento de fatos isolados, estanques e absolutizados”.

O exercício profissional crítico requer ultrapassar o aparente, evidenciando a essência dos fenômenos nos seus nexos e conexões. Imbricada na intervenção profissional, a referência teórico-metodológica, baliza os caminhos para a construção do concreto pensado e subsidia decisões e estratégias no exercício profissional, contribuindo para a prática crítica. Ademais, longe de se limitar ao campo do discurso, os princípios éticos que norteiam o exercício da profissão exigem dos assistentes sociais posicionamento alinhado aos interesses da classe trabalhadora. A leitura crítica da realidade e a construção de táticas e estratégias para fortalecer a luta coletiva da classe trabalhadora é absolutamente necessário em tempos de isolamento e barbárie.

4. CONCLUSÃO:

O que se pretendeu demarcar é que o enfrentamento das diversas refrações da “questão social”, não pode prescindir o deciframento da realidade de forma crítica. Em tempos em de fragmentação, individualismo, de alheamento em relação ao outro, de barbárie, essa tarefa se torna cada vez mais imprescindível, pois a tendência que ora se apresenta é naturalizar a manifestações da “questão social”, autonomizando-a da sociedade que a gera e a potencializa. Desse modo, a atitude investigativa, associada a dimensão ética-política e a prática teórico-crítica é condição necessária para que respostas profissionais superem o campo do aparente e do conservadorismo. Assim, desenha-se o desafio de apreender e decifrar a “questão social” a partir de sucessivas aproximações da realidade passando por mediações que permitam (re) situá-la no campo do real. É a partir da permanente e cuidadosa decodificação da realidade, buscando seus nexos e contradições que pode se construir estratégias profissionais que contribuam para a luta da classe trabalhadora.

5 O fenômeno indica a essência e, ao mesmo tempo, a esconde. A essência se manifesta no fenômeno, mas só

de modo inadequado, parcial, ou apenas sobre certos ângulos e aspectos. O fenômeno indica algo que não é ele mesmo e vive apena graças a seu contraditório. A essência não se dá imediatamente no fenômeno; é mediata ao fenômeno e, portanto, se manifesta em algo diferente daquilo que é. (Kosík, 1976, p.11).

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