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Tekoá Ko'ënjú: um olhar sobre o amanhecer do dia

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL

JORNALISMO

TEKOÁ KO'ËNJÚ: UM OLHAR SOBRE O AMANHECER DO DIA

Trabalho Experimental de Conclusão de Curso

Nadine Kowaleski Ribeiro

Santa Maria, RS 2016

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Nadine Kowaleski Ribeiro

TEKOÁ KO'ËNJÚ: UM OLHAR SOBRE O AMANHECER DO DIA

Trabalho experimental de Conclusão de Curso apresentado para a obtenção de grau

de bacharel em Comunicação Social

Habilitação Jornalismo da Universidade Federal de Santa Maria.

Orientador: Prof. Dr. Rondon de Castro

Santa Maria 2016

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Nadine Kowaleski Ribeiro

TEKOÁ KO'ËNJÚ: UM OLHAR SOBRE O AMANHECER DO DIA

Trabalho experimental de Conclusão de Curso apresentado para a obtenção de grau de bacharel em Comunicação Social Habilitação Jornalismo da Universidade Federal de Santa Maria.

Aprovado em 12 de Dezembro de 2016:

_____________________________________ Prof. Dr. Rondon de Castro (UFSM)

(Presidente/Orientador)

_____________________________________ Profa. Dra. Laura Storch (UFSM)

______________________________________ Nathália Drey Costa (UFSM)

Santa Maria, RS 2016

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AGRADECIMENTOS

Agradeço ao meu orientador, prof. Rondon de Castro, pelas contribuições e paciência às minhas dúvidas, confusões e receios. Seu auxílio foi de grande motivação para o amadurecimento e conclusão deste trabalho.

Meus pais Joselson Tavares Ribeiro e Marli Kowaleski e minha irmã Francine Kowaleski, que sempre acreditaram em mim, me apoiando em todas as decisões e me dando forças sempre para seguir em frente. Durante esta desafiante e difícil caminhada que foi a graduação em Jornalismo, vários obstáculos surgiram no caminho – muitas vezes fazendo com que eu acreditasse que não seria capaz – mas foi graças a vocês que hoje estou aqui, concluindo mais essa etapa da minha vida.

À minha tia Regina Ribeiro, que durante toda a minha trajetória esteve do meu lado, dando apoio e carinho para seguir adiante, tão atenciosa e paciente - estava ali por mim sempre que foi preciso. Agradeço enormemente pelo suporte na vida e principalmente pelo incentivo às minhas paixões.

Todos os meus maravilhosos amigos que aguentaram as choradeiras, as noites sem sono, as ansiedades, os desabafos e que sempre me apoiaram, e acima de tudo, inspiraram, durante esta jornada. Tenho certeza que grande parte da minha evolução como pessoa e do meu incentivo profissional se deve a nossa parceria e obstinação em sermos cada vez mais cabeças abertas para o mundo e suas possibilidades.

Agradeço à talentosa Luisa Reverey do Prado, grande amiga e parceira, que topou participar do projeto, nunca deixando de acreditar na minha capacidade, responsável pela Identidade Visual do fotolivro.

À Paulo J. B. Leal que me recebeu com muito entusiasmo em Santo Ângelo e compartilhou comigo seu rico, e experiente, conhecimento sobre o mundo Mbyá, fazendo com que eu me apaixonasse ainda mais pela cultura Guarani.

Por fim, mas não menos importante, agradeço ao cacique Aniceto Caraí e à todos os membros da aldeia Tekoá Ko’ënjú que me receberam com muito carinho e abriram espaço para minha pesquisa dentro do seu lar.

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“A fotografia é uma lição de amor e ódio ao mesmo tempo. É uma metralhadora, mas também é o divã do analista. Uma interrogação e uma afirmação, um sim e um não ao mesmo tempo. Mas é sobretudo um beijo muito cálido. ”

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AUTORA: Nadine Kowaleski Ribeiro ORIENTADOR: Rondon de Castro

Este relatório descreve o processo de criação do Projeto Experimental “Tekoá

Ko'ënjú: um olhar sobre o amanhecer do dia” que se constitui de uma narrativa

documental em formato de um fotolivro, com o objetivo de apresentar um recorte da realidade da aldeia “Tekoá Ko'ënjú”, de São Miguel das Missões. O envolvimento com o tema surgiu a partir de uma curiosidade pessoal acerca da cultura indígena Mbyá Guarani e a fotografia se apresentou como o melhor formato narrativo para o projeto. Os métodos utilizados no desenvolvimento da pesquisa se baseiam nos conceitos do trabalho de campo etnográfico, além de aportes teóricos sobre conceitos de fotojornalismo e fotografia documental.

Palavras-Chave: Guarani. Fotodocumentário. Fotografia. São Miguel das Missões.

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ABSTRACT

AUTHOR: Nadine Kowaleski Ribeiro ADVISOR: Rondon de Castro

This report describes the process of criation of the Experimental Project “Tekoá

Ko'ënjú: um novo olhar sobre o amanhecer do dia”, which consists of a

documental narrative in a photo-book format, with the aim of showing a cut in reality of the indigenous village Tekoá Ko'ënjú of São Miguel das Missões. The involvement with the theme emerged from a personal curiosity about the indigenous Guarani culture, and photography presented itself as the best narrative form for the project. The method used in the development of the research is based on the concept of ethnographic field work, in addition to the theoretical contributions about concepts of photojournalism and documental photography.

Keywords: Guarani. Photodocumentary. Photography. São Miguel das Missões.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – “mbory”, Fazer Sorrir... 10

Figura 2 – “ha'eve vai”, Estar tranquilo, não perturbado ... 14

Figura 3 – “mby'a porã”, Ter paz de coração ... 19

Figura 4 – “iporã-porãve va'e”, Especial ... 21

Figura 5 – “ha'e jave, ha'e rami jave, ha'e py”, Naquele tempo, naquele lugar ... 26

Figura 6 – “jaiko va'e”, Viver, existir ... 28

Figura 7 – “ka'a iro raxa ma”, O chimarrão já está amargo demais ... 29

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO... 10 1 METODOLOGIA ... 13 1.1 Trabalho de campo ... 13 1.2 Narrativa foto-documental ... 18 2 CONTEXTO ... 25 2.1 Mbyá Guarani ... 25

2.3 Aldeia “Tekoá Ko’enjú”. ... 29

3 O PROJETO ... 31

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 34

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 36

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INTRODUÇÃO

Em uma sociedade movida pelos meios de comunicação, é necessário discutir a representatividade de parcelas da população que não são contempladas pela mídia hegemônica. No presente trabalho, o foco é a população indígena, que por vezes é invisibilizada ou retratada como exótica e de forma distorcida.

A ligação com a temática surgiu do interesse de aprofundar os estudos acerca da cultura mbya guarani1 da região de São Miguel das Missões e sua situação atual após inúmeras migrações e conflitos. Através de uma longa história de milênios, os conflitos produziram diferenças motivadas pelos vários lugares habitados, a peculiar relação com outros povos indígenas e sua maneira histórica de integrar-se ao ambiente.

A ideia de desenvolver um trabalho de conclusão de curso que envolvesse fotografia foi presente durante os quatro anos de graduação. O Projeto Experimental, então, se mostrou como a alternativa ideal para desenvolver um trabalho que possibilitasse aperfeiçoar as técnicas em fotografia. Além disso, a narrativa foto-documental foi o melhor meio encontrado para desenvolver uma abordagem etnográfica sobre a aldeia Tekoá Ko’ënjú e a sua bagagem cultural e histórica permanecente até os dias atuais.

A comunidade foco da pesquisa foi a aldeia indígena mbyá-guarani, que se encontra em São Miguel das Missões, no sudoeste do Rio Grande do Sul, cidade que abriga um dos mais importantes sítios arqueológicos remanescentes das antigas reduções jesuíticas – o Sítio Arqueológico de São Miguel Arcanjo. O objetivo do projeto é a produção de um fotolivro reportagem que apresente um recorte da realidade da aldeia, com foco no aspecto cultural e organizacional da comunidade indígena e que posteriormente sirva como referência de informações, chamando a atenção para o atual cenário político, social, econômico e cultural da aldeia. Uma das questões chaves e norteadoras do projeto é a constante interferência da cultura e costumes externos à aldeia, o que gera consequências devastadoras para a

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preservação das crenças, espiritualidade e organização socioeconômica cultivada há séculos.

Figura 1 – “mbory”2 - Fazer Sorrir

Fonte: Elaborada pelo autor

O título do projeto inspira-se no nome da aldeia (segundo o atual cacique, Aniceto Caraí, Aldeia Alvorecer) e deixa claro uma das principais propostas do projeto: através da complexa linguagem que é a fotografia, apresentar um olhar diferenciado sobre a aldeia e sua comunidade com base nos aprendizados e técnicas desenvolvidas durante a graduação em jornalismo e ,também, com o aporte de um diversificado portfólio fotográfico somado a experiências extracurriculares na área.

Foi utilizado como metodologia o conceito de trabalho de campo com base nos estudos do antropólogo social Bronislaw Malinowski, pois de acordo com uma perspectiva subjetiva e humana, o método etnográfico foi o que mais se aproximou do objetivo de capturar um recorte do atual cenário da população indígena guarani de São Miguel das Missões. Durante a pesquisa na aldeia foi possível aplicar, dentro das condições práticas possíveis, o que Malinowski chama de três princípios do método etnográfico: guiar-se por objetivos verdadeiramente científicos, viver entre os nativos

4 2 Léxico Guarani, dialeto Mbyá - Disponível em:

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e desenvolver métodos específicos na recolha de informações, manipulando e registrando as vivências. (MALINOWSKI, 1978).

Como base teórica para sustentar os estudos acerca dos conceitos de fotojornalismo, foi utilizado o autor Jorge Pedro Sousa, que investiga a temática fazendo observações pertinentes acerca de características e análises da linguagem fotojornalística, tanto atual, como acerca da trajetória histórica, que embasam coerentemente o formato de projeto escolhido.

Fotojornalismo (lato sensu) — No sentido lato, entendemos por fotojornalismo a atividade [sic] de realização de fotografias informativas, interpretativas, documentais ou "ilustrativas" para a imprensa ou outros projetos [sic] editoriais ligados à produção de informação de atualidade. (SOUSA, 1998, p.5)

Em um primeiro momento, foi feita uma descrição com detalhes dos métodos utilizados para o desenvolvimento do projeto, bem como foi possível sua aplicação nas condições que se apresentaram durante a produção do trabalho, além dos aportes teóricos necessários para embasar o trabalho. Em seguida, já no segundo capítulo, é apresentado uma contextualização histórica e temporal sobre a etnia da comunidade indígena abordada, mbyá guarani, e um histórico da aldeia Tekoá Ko’ënjú, complementados com as vivências pessoais experiências durante as visitas.

Em seguida é apresentada a descrição do desenvolvimento do projeto e no último capítulo estão em foco as dificuldades encontradas durante a produção da pesquisa e as considerações finais do projeto.

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1 METODOLOGIA

1.1 Trabalho de campo

O método utilizado para o desenvolvimento do projeto na aldeia foi o trabalho de campo, e para refletir sobre tal escolha - e porque foi o mais adequado durante o projeto - é preciso entender algo um pouco mais complexo: a etnografia. Quando o pesquisador vai, ele mesmo, à campo, efetuar a sua pesquisa e quando se constata que esse trabalho de observação é parte integrante e essencial do projeto, é que a etnografia propriamente dita começa a existir (LAPLATINE, 2013).

O primeiro contato com um membro da comunidade indígena, foco de estudo do presente projeto, foi feito por telefone, com o atual Cacique da aldeia, Aniceto Caraí, no dia 21 de Junho de 2016. O número foi cedido pela Secretaria de Turismo de São Miguel das Missões, que também informou que era necessária a autorização do Cacique para visitar a aldeia – além de ser distante da cidade e de difícil acesso.

Em um segundo momento, a visita foi então guiada pelo Cacique, que nos acompanhou até aldeia Tekoá Ko’ënjú - a 30km de São Miguel das Missões. “Imagine-se agora, o leitor, entrando pela primeira vez na aldeia, sozinho ou na companhia de seu cicerone3 branco” (MALINOWSKI, 1978). Os olhares de estranhamento e de curiosidade não nos cercavam, mas nos perpassavam, vindos das casas, dos pátios e da rua principal dos 240 hectares da aldeia.

O apoio do Cacique e seu acompanhamento das etapas durante a realização do projeto, foram essenciais para o desenvolvimento do trabalho.

“Aprendi [...] a importância crucial de obter apoio de indivíduos-chaves em todos os grupos e organizações que estivesse estudando. Ao invés de tentar explicar minha presença a cada um, descobri que estava fornecendo mais informações sobre a minha pessoa e o meu estudo a líderes [...] do que daria espontaneamente a qualquer rapaz de rua” (FOOTE-WHYTE, 1980, p.79).

Mas, além de ser essencial o apoio de membros chaves da aldeia, é necessário a observação e recolha de dados de uma ampla variedade de fontes dentro da aldeia.

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Pessoa (normalmente profissional) que mostra e explica a visitantes ou a turistas os aspectos importantes ou curiosos de determinado lugar; guia.

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“Para Malinowski, o comportamento concreto de seres humanos reais é o ponto de partida necessário, a referência constante e a verificação última de toda a pesquisa” (DURHAM, 1986).

Figura 2 – “ha'eve vai”4 - Estar tranquilo, não perturbado

Fonte: Elaboração do autor.

É constante, também, a presença da ideia de que para a validação e uma maior compreensão de uma pesquisa etnográfica é necessária a apresentação com uma grande riqueza de detalhes de fontes e dados que descrevam o contexto e condições em que o projeto foi desenvolvido.

“Me encontro sentada na sombra de árvores plantadas na frente da casa de uma das famílias da aldeia, junto com seus respectivos moradores, em uma tarde quente de domingo – todos nós imersos em um silêncio ensurdecedor. Porém, eu parecia ser a única que estava desconfortável com a situação - no meu dia-a-dia corrido não tenho tempo para sentar e simplesmente ser/estar, nem mesmo consigo5”. Nesse momento foi, então, possível perceber que a única maneira de compreender aquele ‘estado de calmaria’ era passando um tempo dentro da rotina da aldeia, vivenciando aquela experiência. “Ele aprende então, como aluno atento, não apenas

5 Léxico Guarani, dialeto Mbyá - Disponível em:

<http://www-01.sil.org/americas/brasil/publcns/dictgram/gndiclex.pdf> p.55. Acessado em 21 de Outubro de 2016. 6

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a viver entre eles, mas a viver como eles, a falar sua língua e a pensar nessa língua, a sentir suas próprias emoções dentro dele mesmo” (LAPLATINE, 2013). E essa situação foi possível empiricamente pois,

“[...] o que explica a instituição não é a tendência, mas a reflexão da tendência na imaginação. Criticou-se muito depressa o associacionismo; de bom grado, esquece-se que a etnografia nos reconduz a ele e que, como diz ainda Bergson, ‘encontramos entre os primitivos muitas interdições e prescrições que se explicam por vagas associações de idéias’ “ (DELEUZE, 1953, p.33)

Durante uma conversa mais à vontade em frente à escola da aldeia, principal ambiente de socialização da comunidade, o cacique nos cedeu seu tempo para esclarecer algumas dúvidas sobre a comunidade. “Batemos um papo em um tom de entrevista, onde investi de imediato na minha própria personalidade para saber atuar naquela situação de uma inter-relação criadora6”. A entrevista é fundamental para complementar o registro imagético realizado através da técnica de fotografia e o método de entrevista norteador durante a pesquisa foi o que Medina chama de Conceitual: “o entrevistador busca bagagem informativa, põe sua curiosidade e espírito aberto a serviço de determinados conceitos que, reconhece, a fonte a ser entrevistada detém” (MEDINA, 1986).

Também é possível perceber que após um tempo de permanência convivendo entre os moradores da comunidade, a presença do pesquisador se torna menos inusitada e a rotina na aldeia volta a acontecer de forma natural. É necessário investir tempo e energia na observação de momentos onde não há interação direta entre pesquisador e comunidade, pois são nessas situações que se apresenta a possibilidade de se conseguir respostas para perguntas que se quer consta no planejamento.

Na medida em que sentei e ouvi, obtive respostas para perguntas que nem teria feito se tivesse obtendo informações somente através de entrevistas. Naturalmente não abandonei de todo as perguntas. Aprendi apenas a avaliar a susceptibilidade da pergunta e o meu relacionamento com as pessoas de modo que só fazia perguntas em uma área sensível quando estava seguro de que meu relacionamento com a pessoa era sólido. (FOOTE-WHYTE, 1980, p.82)

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É no contexto, então, da experiência de imersão completa na comunidade de estudo que é possível compreender e observar, de uma forma mais profunda, a rotina e organização sócio-política-social da aldeia. De acordo com Bronislaw Malinowski (1978), os três princípios básicos para o desenvolvimento do método são:

Em primeiro lugar, como é óbvio, o investigador deve guiar-se por objetivos verdadeiramente científicos, e conhecer as normas e critérios da etnografia moderna; em segundo lugar, deve providenciar boas condições para seu trabalho, o que significa, em termos gerais, viver efetivamente entre os nativos, longe de outros homens brancos; finalmente, deve recorrer a um certo número de métodos especiais de recolha, manipulando e registrando as suas provas (MALINOWSKI, 1978).

No presente projeto, o “objetivo verdadeiramente científico” da pesquisa, seguido como um dos princípios básicos do método de Malinowski, foi a obtenção do máximo de dados possíveis nas condições apresentadas durante a realização da pesquisa, suficientes para a produção do foto-livro – além de planejar cada ação, desde a obtenção de dados à forma de interagir com a comunidade, em estudo e preparação prévios com base em conhecimentos sobre métodos etnográficos. Os dados foram recolhidos e registrados em forma de fotografias, gravações de áudios (entrevistas e falas, durante as expedições) e diários de campo – o que corresponde a mais um dos princípios do autor.

No total, foram 3 expedições realizadas até a aldeia – na qual em uma delas houve a permanência durante o período da noite, além de dois dias inteiros – correspondendo ao último dos princípios do método de Bronislaw Malinowski. Ainda que tenha sido curto o período de convivência entre os moradores da aldeia de São Miguel das Missões, foi possível a recolha de valiosos e enriquecedores dados e informações acerca da atual conjuntura do povo Mbyá-Guarani, especificamente da aldeia Tekoá Ko’ënjú. “A recolha de dados concretos sobre uma vasta gama de factos é, portanto, um dos pontos principais no método do trabalho de campo”

(MALINOWSKI, 1978).

É possível perceber, em certos momentos no desenvolvimento da pesquisa, que a compreensão de algum fato ou comportamento característico, observado na aldeia, só era possível posteriormente, ao analisar as fotografias produzidas durante a expedição. A preparação do pesquisador para capturar momentos importantes da

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comunidade, certas vezes, acaba por criar um maior comprometimento com a imagem do que com a própria realidade.

Reconhecido como o pai da antropologia, Malinowski utilizava em seu trabalho de campo não só a narrativa textual, o que posteriormente se tornou clássico na antropologia, mas também, apesar de limitações7, o auxílio da fotografia.

“[...] se a imagem fotográfica nasce da observação de uma realidade que está contida em uma estrutura cultural, ela vem carregada de significados, de fragmentos que deverão ser moldados em um relato único e revelador. A imagem comunga com o texto para nos fazer melhor compreender e elaborar uma análise desses significados” (ANDRADE, 2002, p.52).

Portanto, a utilização da fotografia em conjunto com as observações textuais, guiados pelos métodos da etnografia, principalmente do trabalho de campo, montam uma narrativa do atual cenário cultural e social da comunidade indígena Mbyá-Guarani de São Miguel das Missões, Tekoá Ko’ënjú.

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A título de exemplificação, “Estranho Malinowsli, tão conhecido através das suas três imponentes monografias sobre os nativos das ilhas Trobriand e deixado à sombra no que diz respeito à sua atividade fotográfica...”

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1.2 Narrativa foto-documental

Em junho de 1839 foi realizada a primeira exposição de fotografias de que se tem registro na história, com imagens captadas pelo francês Hippolyte Bayard e copiadas sobre papel - dois meses antes do anúncio oficial da descoberta da fotografia por Daguerre8, e mais tarde o Daguerreotipo9 - que teve uma expansão extraordinária, atravessando rapidamente o Atlântico.

Foi entre 1824 e 1826 que o francês Joseph Nicéphore Nièpce10 conseguiu captar e fixar imagens numa placa de metal exposta a luz solar para obter uma imagem duradoura e inalterável à luz. 11No entanto, Bayard é convencido de adiar o registro de sua descoberta em benefício do Daguerreótipo, o qual Daguerre tornou público em agosto de 1839, sendo adquirido então pelo Estado da França.

A fotografia surge em uma Europa movimentada por fortes mudanças culturais e econômicas em função de um amplo processo de industrialização, urbanização das cidades em detrimento do surgimento do capitalismo industrial.

O desenvolvimento da técnica e o uso da fotografia, neste período de surgimento se relaciona, de acordo com Rouillé (2009), com o um contexto histórico, econômico e social mais amplo – a fotografia como uma forma de documentação e reprodução do que é real.

A descoberta da fotografia propiciaria, de outra parte, a inusitada possibilidade de autoconhecimento e recordação, de criação artística (e, portanto, de ampliação dos horizontes da arte), de documentação e de denúncia graças a sua natureza testemunhal (melhor dizendo, sua condição técnica de registro preciso do aparente e das aparências) (KOSSOY, 2001, p. 27).

Enquanto que para Kossoy a fotografia surge como uma nova forma de conhecimento do mundo, fundamental ferramenta inovadora de conhecimento,

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Louis Jacques Mandé Daguerre foi um pintor, físico, cenógrafo e inventor francês, autor da primeira patente para o processo fotográfico, que depois ficou conhecido como “daguerreótipo”.

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Daguerreótipo foi o primeiro processo fotográfico a ser comercializado ao grande público. 10

Joseph Nicéphore Niépce foi um inventor francês responsável por uma das primeiras fotografias da história. 11

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informação, pesquisa cientifica e expressão artística (KOSSOY, 2001), para Baudelaire (1859), a fotografia liberta a arte e garante para si um novo espaço de criatividade - o verdadeiro lugar da fotografia dentre as formas de expressão visual de meados do século XIX:

Se é permitido à fotografia completar a arte em algumas de suas funções, cedo a terá suplantado ou simplesmente corrompido, graças à aliança natural que achará na estupidez da multidão. [...] Que salve do esquecimento as ruínas pendentes, os livros, as estampas e os manuscritos que o tempo devora, preciosas coisas cuja forma desaparecerá e exigem um lugar nos arquivos de nossa memória; será gratificada e aplaudida. Mas se lhe é permitido pôr o pé no domínio do impalpável e do imaginário, em tudo o que tem valor apenas porque o homem lhe acrescenta a sua alma, mal de nós” (DUBOIS,1992, p.23.)

Um dos principais focos, durante a execução do projeto, foi utilizar o registro fotográfico como uma ferramenta de auxílio à construção de uma cultura visual da comunidade indígena Mbyá-Guarani de São Miguel das Missões. A fotografia propõe um padrão visual baseado em conceitos de observação, que contribuem para construção de uma cultura imagética. Desta forma, o registro fotográfico determina e retrata cenários econômicos, culturais e políticos a fim de refletir uma ou outra determinada ideologia (Kossoy, 2001).

Figura 3: “mby'a porã”12 - Ter Paz de Coração

Fonte: Elaboração do autor

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Léxico Guarani, dialeto Mbyá - Disponível em:

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A fotografia sempre foi uma ferramenta utilizada para expor contrastes sociais, uma vez que o fotografo retém uma atenção especial às injustiças sociais a fim de retratar realidades ocultas, encarando determinados assuntos não mais como surreais, mas utilizando a fotografia para transpor certas distâncias, tanto sociais como de tempo e espaço (Sontag, 1986).

Para refletir sobre a linguagem fotográfica, principal narrativa do presente projeto, é preciso também entender a fotografia como a reprodução de um momento, ao infinito, e que só ocorreu uma vez: ela repete mecanicamente o que nunca mais poderá existir existencialmente (BARTHES, 1984).

Sendo assim, o papel do registro fotográfico na seguinte pesquisa, além de ter suas raízes na metodologia antropológica, tem também um cunho documental e de liberdade artística. Através das imagens captadas durante as expedições à aldeia

Tekoá Ko’ënjú foi possível criar a aproximação de diferentes perspectivas, de uma

forma criativa e cognitiva, da mesma forma que uma metáfora (MARTINS, 2010) - e também construir uma narrativa visual e imagética da experiência de imersão na comunidade.

Figura 3: “iporã-porãve va'e13” - Especial

Fonte: elaboração do autor

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Léxico Guarani, dialeto Mbyá - Disponível em:

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Além do mais, tais considerações aplicam-se às fotografias do presente projeto como imagem mediatizada (considerando a intenção da posterior publicação do livro), a qual é transmissora de uma mensagem que está diretamente relacionada com uma fonte emissora, um canal de propagação e um receptor.

Através da perspectiva fotográfica como um registro visual da verdade, a fotografia começa a assumir um papel importante na imprensa. Em meados do século XIX, passa a ser utilizada na Europa nas primeiras publicações ilustradas para transmitir informação de valor jornalístico. Embora ainda não fossem consideradas fotojornalismo propriamente dito, já que nessa época ainda precisavam da intervenção de desenhistas que elaboravam gravuras a partir das fotografias14, as imagens eram frequentemente manipuladas por esses gravuristas (SOUSA, 2000, p.25).

O teórico Jorge Pedro Sousa15 afirma que o fotojornalismo é um campo fotográfico muito abrangente e que diz respeito tanto a registros únicos, geralmente impressos em jornais ou revistas, quanto a publicações em série de fotografias a respeito de um determinado tema. Dado a complexidade do tema, o autor sugere a melhor forma de conceituar o fotojornalismo seja pelo sentido lato (lato sensu) ou restrito (stricto sensu), da seguinte forma:

No sentido lato, entendo por fotojornalismo a atividade de realização de fotografias informativas, interpretativas, documentais ou 10 'ilustrativas” para a imprensa ou outros projetos editoriais ligados à produção de formação de atualidade. No sentido restrito, entendemos por fotojornalismo a actividade que pode visar informar, contextualizar, oferecer conhecimento, formar, esclarecer ou marcar pontos de vista ("opinar") através da fotografia de acontecimentos e da cobertura de assuntos de interesse jornalístico. Este interesse pode variar de um para outro órgão de comunicação social e não tem necessariamente a ver com os critérios de noticiabilidade dominantes (SOUSA, 1998).

Foi apenas em 1880 que surgiu a utilização do processo de utopia ou halftone (em inglês) - o processo de impressão capaz de reproduzir uma fotografia através de uma superfície múltipla de pontos que passa a imagem fotográfica juntamente com os

14

Já que ainda não existia um método de impressão direta - até meados do século XVIII, desenhadores, gravuristas e gravuras de madeira eram intermediários entre fotógrafos e fotografias e os leitores. (SOUSA, 1998).

15

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textos em uma prensa que os imprime conjuntamente (FREUND, 1995). A fotografia tem então o poder de atestar seu caráter de representação e não mais sofrendo interferências da mão humana - exceto por pressionar o disparador da câmera. “O

halftone veio emprestar ao fotojornalismo a base tecnológica que lhe faltava para

conquistar um lugar na imprensa” (SOUSA, 2000, p. 44).

A introdução da fotografia na imprensa é um fenômeno de importância capital. Ela muda a visão das massas. Até então o homem vulgar apenas podia visualizar os fenômenos que se passavam perto dele, na rua, na sua aldeia. Com a fotografia abrese uma janela para o mundo. (...) Com o alargamento do olhar o mundo encolhe-se. A palavra escrita é abstrata, mas a imagem é o reflexo concreto do mundo no qual cada um vive (FREUND, 1995, p. 107).

Segundo Rouillé (2009), a fotografia vai desempenhar seu papel, enquanto ferramenta jornalística, melhor do que qualquer outra ferramenta, aproveitando-se dessa crença de verdadeiro fotográfico é prova visual dos enunciados jornalísticos, aproximando mais a fotografia da imprensa, no final do século XIX, e, mais fortemente, no início do século XX.

Nesta perspectiva, é interessante entender as diferentes características existentes entre o fotojornalismo em si e o fotodocumentarismo. De acordo com Jorge Pedro Sousa:

[...] o fotodocumentarismo pode reduzir-se ao fotojornalismo, uma vez que ambas as atividades usam, frequentemente, o mesmo suporte de difusão (a imprensa) e têm a mesma intenção básica (documentar a realidade, informar, usando fotografias) (SOUSA, 2004, p.11/12)

A proposta da fotografia documental, segundo Lombardi (2008), é construir uma narrativa a partir de uma sequência de imagens, reunindo registros documentais e estéticos que assumem a função de fazer a mediação entre o homem e o meio. Sendo assim, a fotografia documental assume uma posição crítica da realidade social e de reivindicação de um modo próprio de expressão. Existe uma abertura que comporta um lado mais participativo, usado para defender os ideais civis, denunciar, compor discursos políticos e apontar as divergências da sociedade; ou então para retratar o cotidiano e recortes da realidade.

Muitas vezes, os fotodocumentaristas estão simplesmente buscando novas formas de ver e retratar o mundo. Eles vão trazer, de seus repertórios

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culturais, ferramentas que os ajudem a elaborar uma linguagem própria de expressão (Lombardi, 2008, p 44)

O gênero da fotografia documental abre espaço para uma infinidade de propostas estéticas e éticas, que trazem à tona uma série de contradições sobre sua prática, propósito e valores. De acordo com o autor, o Fotodocumentarismo “Deseja conhecer o outro, de saber como o outro vive, o que pensa, como vê o mundo, com o que se importa. As palavras são insuficientes.” (SOUSA, 2004, p.55)

[...] o fotojornalismo ganha força privilegiando a imagem em detrimento do texto, que surge como um complemento, por vezes reduzido a pequenas legendas. Outras vezes a imagem na imprensa vai mais longe: chega a aliar-se a arte à autoria, a expressão à interpretação e a assunção da subjetividade de pontos de vistas pessoais (SOUSA, 1998).

Com base no que sugere Lombardi (2008), conclui-se que são características do fotojornalismo a ausência de estudo elaborado sobre o tema, tempo curto para execução do trabalho, busca de contar a história com de uma única foto feitas para publicação imediata destina a imprensa. Enquanto no fotodocumentarismo é possível notar estudo elaborado sobre o tema, tempo maior de execução do trabalho, busca por um conjunto de imagens que formem uma narrativa, imagens feitas sem compromisso com imediato, divulgação no meio que o autor julgar mais adequado.

Com base em tais conceitos, trabalhou-se com as fotografias que se enquadram no gênero documental, afim de contar com possibilidades narrativas que o gênero pode abranger enquanto construtor de sentido. De acordo com Schaeffer (1996):

Uma obra fotográfica bem-sucedida não se limita necessariamente a nos fazer ver. Com frequência, ela também nos faz pensar [...] Não nos surpreenderemos, portanto, ao descobrir que o ingresso da fotografia nos arcanos da arte fez ranger as engrenagens bem lubrificadas do pensamento estético. (SCHAEFFER, 1996, p.139).

O gênero de fotografia documental contribui com a proposta de retratar a pluralidade cultural e social da aldeia Tekoá Ko’ënjú, comunidade indígena Mbyá Guarani da região de São Miguel das Missões, bem como um recorte da sua rotina cotidiana e alguns aspectos econômicos e organizacionais. Já que compreende-se aqui a fotografia documental como ferramenta de reconstrução da história cultural de

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grupos sociais, seja ela extraída de arquivos ou produzida em trabalhos de campo, como no caso do presente projeto, o gênero serve como fonte de conexão entre os dados da tradição oral e a memória dos grupos estudados (NOVAES, 1998).

Este projeto ressalta o uso e a importância da fotografia como instrumento de documentação de grupos e da sociedade, apresentando conceitos de fotografia documental e a ligação dessas vertentes fotográficas com a antropologia, servindo como base para produção do livro fotográfico “Tekoá Ko’ënjú: um olhar sobre o

amanhecer do dia”, o qual utiliza a imagem para apresentar a comunidade estudada.

Baseia-se na percepção de Malinowski (1978) a respeito do método etnográfico, durante a realização de um trabalho de campo onde foi possível compreender, de uma forma mais profunda, a realidade atual da aldeia indígena de São Miguel das Missões. Para isso, busca-se entender suas raízes e um pouco de sua história.

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2 CONTEXTO

2.1 Mbyá-guarani

A estimativa é que existam hoje, no mundo, pelo menos 5 mil povos indígenas, somando mais de 370 milhões de pessoas (IWGIA, 2015)16 – e destes, a população atual Guarani se encontra em torno de 68.457 indígenas (Kaiowá, Mbya, Ñandeva)17, habitantes do território brasileiro. Dos 247 povos listados, 48 têm parte de sua população residindo em outro(s) país(es) – incluindo os Mbyá.

Distribuídos em aproximadamente 500 aldeias e/ou comunidades nos três países - incluindo os que habitam o litoral Atlântico no Brasil, a região do Chaco no Paraguai, o noroeste da Argentina e o leste da Bolívia, os Guarani constituem uma das populações indígenas de maior presença territorial no continente sul-americano18. Os Mbyá, comunidade de estudo da presente pesquisa, fazem parte de um dos três grupos mais estudados da etnia guarani – e apesar da diversidade dentro do grupo guarani, é possível observar que alguns autores, embora a maior parte refira-se a essa distinção, ela é pouco explicitada, havendo, frequentemente, um tratamento analítico indiferenciado a indivíduos e famílias de dois grupos distintos (ASSIS; GARLET, 2004).

Os índios Guarani contemporâneos brasileiros, como já mencionado, são classificados em três grandes grupos conforme diferenças dialetais, de costumes e de práticas rituais. Embora em outros países - Paraguai, Argentina, Uruguai, Bolívia, existam outros subgrupos Guarani, no Brasil, dada a grande dispersão causada pelos movimentos migratórios em direção ao leste, algumas distâncias culturais e linguísticas foram atenuadas. As experiências vividas por estes diversos grupos - nas reduções jesuíticas, durante o período de colonização ibérica, com a política indigenista oficial e o contato sistemático e diversificado com a sociedade nacional - interferiram significativamente no modo primitivo de organização comunitária dos

16 apud Disponível em: <https://pib.socioambiental.org/pt/c/0/1/2/populacao-indigena-no-brasil>. Acessado em: 23 de Outubro de 2016.

17

Disponível em: <https://pib.socioambiental.org/pt/c/quadro-geral>. Acessado em: 23 de Outubro de 2016. 18

Disponível em: <https://pib.socioambiental.org/files/file/PIB_institucional/caderno_guarani_%20portugues.pdf>. Acessado em: 23 de Outubro de 2016.

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Guarani, promovendo novos reagrupamentos e a miscigenação entre subgrupos diversos.

Figura 4: “ha'e jave, ha'e rami jave, ha'e py 19”- Naquele tempo, naquele lugar

Fonte: elaboração do autor

De acordo com Ladeira (2007), a classificação dos Guarani do Brasil se dá através das diferenças culturais e linguísticas. Ainda hoje é possível verificar, em algumas aldeias, que alguns indivíduos ou famílias são originários de outros subgrupos, embora estejam integrados e adaptados à comunidade local.

Os Mbya não consideram os Kaiowa como povo Guarani, e enfatizam as diferenças. Aos Nhandéva, a quem chamam Xiripa, fazem concessões, permitindo o casamento e compartilhando, às vezes, o mesmo território. Esta maior identificação deve-se talvez a uma similaridade quanto à experiência religiosa de ambos os grupos, experiência que está na base dos movimentos migratórios em direção à costa brasileira. (LADEIRA, 2007, p.41)

Os Mbya ocupam pequenos terrenos, algumas vezes impróprios para a lavoura, a qual não tem sido, entretanto, seu objetivo principal. Na aldeia de São Miguel das Missões, por exemplo, apesar do plantio em pequena escala de alguns vegetais para consumo próprio, habitam uma propriedade, na sua maioria,

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descampada. O comércio do artesanato vem ser a fonte de renda que serve às suas necessidades imediatas, entre as quais destacam-se as despesas de viagens às outras aldeias do litoral, em busca de indicações de “novos” ou “antigos” locais para se fixarem.

Guiados sob a perspectiva onde o futuro individual e coletivo são definidos pelas “normas do bom comportamento”, os “incompreensíveis” Mbya, exercerem livremente suas caminhadas cumprindo preceito religioso, são obrigados a enfrentar a discriminação ou compaixão embaraçosas dos brancos, que, em vão tentam demovê-los de seus planos ou, ainda, convertê-los ao cristianismo. (LADEIRA, 2007, p.45/46)

Muito mais que a busca por delimitação de terras em detrimento de questões restritas à da terra apropriada para plantio e proximidade das matas fechadas, os Mbyá visam a pontos especiais num vasto território que histórica e socialmente dominam.

As aldeias e os movimento atuais vêm comprovar que, embora a disponibilidade de terras lhes seja irrisória e que cada vez mais seu espaço no seu próprio mundo esteja diminuindo, os Guarani continuam fiéis na identificação de seu território, elegendo seus lugares dentro dos mesmos limites geográficos observados pelos cronistas durante a conquista. (LAREIRA, 2007, p.67)

A falta de acesso às terras ocupadas por seus ancestrais e tidas como sagradas limita, ou às vezes inviabiliza, a realização de atividades fundamentais para sua reprodução física: como horticultura, coleta de plantas medicinais, caça, pesca, acesso ao material para construção de suas casas e da “casa de reza” (opy20), acesso a matéria-prima para produção do artesanato, bem como a mobilidade entre esses espaços, dentre outras práticas, além de todas as relações sociocosmológicas nelas contidas, fundamentais para a reprodução cultural mbyá-guarani.

Durante as expedições realizadas à aldeia Tekoá Ko’ënjú, mesmo que tenham sido curtos períodos de tempo, foi possível observar o comprometimento que os membros da comunidade têm para com seus costumes e organização social. Também foi possível perceber que a prática vem sendo dificultada pelas complicações acerca da demarcação de terra.

O tekoa é traduzido como o lugar onde é possível realizar o modo de ser Guarani. Tekoa, “o modo de ser”, abrange a cultura, as normas, o comportamento, os costumes (Montoya, 1976 [1639], p.336). “O tekoa, com toda a sua materialidade terrena, é sobretudo uma inter-relação de espaços culturais, econômicos, sociais, religiosos e políticos” (Meliá, 1989, p.336).

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Durante o trabalho etnográfico de registro da narrativa fotográfica da pesquisa, apesar das dificuldades encontradas nas conversas com os Mbyá para que falassem sobre um tema que lhes é tão caro como íntimo (a história de seus antepassados), é através da vivência e observação que foi possível perceber a presença de seu histórico cultural – na rotina diária, nas atividades da aldeia, na organização sócio-política e nas inter-relações da comunidade.

Figura 5: “jaiko va'e21” - Viver, existir

Fonte: elaborado pelo autor.

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2.2 Aldeia Tekoá Ko’ënjú

A presença junto às ruínas de São Miguel deu maior visibilidade aos Mbyá na cidade missioneira. Em julho de 2001, efetivou-se a criação da Reserva Indígena do Inhacapetum, hoje conhecida como Tekoá Ko’ënju, com 236 hectares situados às margens do rio Inhacapetum, afluente do Piratini.

De acordo com informações cedidas pelo atual Cacique da aldeia, Aniceto Caraí, a atual população da comunidade se encontra e, cerca de 500 pessoas, divididas em núcleos familiares. O fato de habitarem na região do Patrimônio da Humanidade trouxe muita visibilidade à aldeia e aos seus moradores.

Durante o período de realização dos registros fotográficos foi possível acompanhar diversos eventos em que se destacavam as palavras Mbyá-Guarani. Neles, pode-se notar uma centralidade nas palavras dos mais velhos, o uso ritual do cachimbo e do chimarrão como componentes fundamentais dos eventos de socialização, os quais contavam com uma participação ativa da audiência que tratava com extremo respeito as palavras enunciadas, bem como, seus protagonistas.

Figura 6: “ka'a iro raxa ma22” – O chimarrão já está amargo demais

Fonte: elaborado pelo autor.

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De acordo com Baptista (2011), O Inventário Nacional de Referências Culturais da Comunidade Mbyá-Guarani em São Miguel Arcanjo23 esclarece que as populações Guarani, ao contrário do que por muito insistiu os historiadores, não se extinguiram da região após a expulsão jesuítica. Os Guarani seguem a ocupar as regiões onde estiveram suas antigas aldeias de pedra, como habitam ainda hoje - na aldeia de Tekoá Ko’ënjú, por exemplo, residem criadores de peças artísticas que são vendidas no alpendre do Museu das Missões como alternativa de subsistência à situação precária que a história lhes resguardou.

A aldeia localiza-se a cerca de 27km da cidade de São Miguel, e está posicionada de forma que o rio Inhacapetum cerca a sua paisagem. “Os Guarani fizeram daquele espaço uma referência fundamental para sua sociedade, criando-lhe dimensões e interpretações particulares que poucos ouvidos não-índios prestaram-se a ouvir.”(BAPTISTA, 2011, p.6). Através do presente projeto, pretende-se que o foto-livro possa, posteriormente, pretende-servir como fonte de informação e conhecimento sobre uma cultura completamente perpendicular ao que o senso comum constrói no imaginário da comunidade não-indígena.

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Iniciado em 2004 pelo Instituto do Patrimônio histórico e Artístico Nacional (IPHAN), documenta referências culturais, modo de vida e a relação dos mbyá guarani da região com as ruínas, conhecidas por eles como Tava Miri, ou Sagrada Aldeia de Pedra.

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3 O PROJETO

Através da metodologia aplicada a este estudo, primeiro delimita-se o espaço a ser estudado, a aldeia Mbyá Guarani Tekoá Ko’ënjú, localizada a cerca de 30km da cidade de São Miguel das Missões – e segundo, a periodicidade das visitas realizadas à comunidade.

Considerando as condições apresentadas durante o desenvolvimento do projeto, foi estimado que seria necessário no mínimo três expedições à aldeia, sendo que em pelo menos uma delas o pesquisador deveria se encontrar sozinho, sem nenhum acompanhamento. A primeira visita ocorreu no dia 2 de julho, onde houve o primeiro contato com membros da comunidade - porém, o espaço de interação se reduziu ao Sítio Arqueológico de São Miguel do Arcanjo, onde alguns mbyá guarani estavam presentes, para a venda de artesanatos. A segunda visita ocorreu no dia 24 de novembro e a terceira no dia 31 de outubro, se estendendo até o dia 01 de novembro. Na última visita foi possível a oportunidade de passar, além de o dia todo na aldeia, a noite – sem nenhum acompanhante.

A experiência de viver, nem que tenha sido por apenas alguns dias, entre os nativos, foi o ponto principal para a produção das fotografias, possibilitando um maior entendimento do funcionamento da comunidade, e também, criando uma aproximação com os membros, o que não seria possível se apenas uma expedição fosse realizada.

Após a análise do referencial teórico que embasa este estudo e da caracterização dos fenômenos sociais em questão, nesta parte do trabalho será exposto os métodos e técnicas de pesquisa pelos quais concluiu-se os resultados esperados este projeto. Para o desenvolvimento deste estudo, foi realizada uma pesquisa bibliográfica, tendo como base autores da área de fotografia, fotodocumentarismo e antropologia. Busca-se ao longo do trabalho discutir tanto sobre fotografia com ferramenta da construção do imaginário social e cultural da aldeia, bem como a prática fotográfica desenvolvida na pesquisa de campo.

Os registros fotográficos elaborados durante a pesquisa, que retratam um recorte da realidade da aldeia, buscam fragmentos que evidenciem as

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particularidades e traços culturais ainda presentes na vida da comunidade. Desta forma, foi possível realizar um registro com dados suficientes para a elaboração do foto-livro, fornecendo então para o leitor imagens que propõe desenvolver a percepção visual dos intérpretes.

A escolha da fotografia preto e branco foi consciente, e de responsabilidade da autora. Para o livro, a fotografia p&b se mostrou como uma alternativa de expressar as vivências na aldeia, que foram muito intensas. A arte p&b envolve apenas alguns elementos – a luz, a forma e a escuridão – e ao contrário das fotos coloridas, dá maior visibilidade aos sujeitos presentes na narrativa.

Figura 7: “ikuai are vaipa ha'e py24” – Ficaram ali por muito tempo

Fonte: elaborado pelo autor.

Para a realização deste trabalho fotodocumental, segue-se a linha da antropológica de Bronislaw Malnowski, por meio de pesquisas de campo e com critérios de análise e interpretação que permitem identificar as principais características que definem o atual cenário cultural e organizacional da comunidade de estudo.

Muitas pessoas estão envolvidas na produção do projeto, o qual não termina com a conclusão da graduação. A intenção é a continuação do trabalho até a posterior

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publicação do foto-livro impresso e digital, além de projetos paralelos junto à aldeia. Uma ação, por exemplo, é a doação de alimentos não perecíveis à aldeia, assim como um produto das fotos – cartão postal – e algumas impressas para recordação, que serão redirecionados aos membros da aldeia. Além da circulação25 das fotos através da publicação do livro, foi feita a divulgação de algumas fotografias através de redes sociais.

A identidade visual do projeto foi desenvolvida em conjunto com Luisa Reverey do Prado, estudante de publicidade e propaganda da Escola de Propaganda e Marketing (ESPM) de Porto Alegre, e seguindo a linha das fotografias, foi optado por elementos p&b e conceitos minimalistas, para que a ênfase permaneça nas fotografias e seus elementos.

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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante da análise proposta por este projeto, por meio de pesquisas e estudos, constatou-se que a ideia da fotografia é promover reflexões, registros e retratar um recorte do cotidiano e da realidade cultural e organizacional da aldeia Mbyá Guarani de São Miguel das Missões – Tekoá Ko’ënjú. Para que tudo isso ocorresse, as inicias reflexões acerca dos métodos de abordagem etnográfica e de conceitos de fotodocumentarismo foram de importante orientação para o desenvolvimento do projeto.

Seguindo isto, foi possível amadurecer o conceito norteador das imagens ao longo das pesquisas sobre composição imagética e de linguagem fotográfica, permitindo a construção de uma narrativa que abarcasse os principais objetivos do projeto.

A experiência deste trabalho foi desafiadora em diversos aspectos, primeiramente para definir os assuntos mais pertinentes a serem tratados relacionados à temática, visto que a cultura mbyá guarani possui infinitos aspectos acerca de seus costumes, cultura, organização, socialização e economia. Depois para construção da narrativa imagética, considerando algumas dificuldades no meio do caminho.

A localização da aldeia foi uma das questões que mais influenciou na periodicidade de visitas. Considerando que a autora do projeto não possui renda própria, somado com a dificuldade de locomoção até a aldeia – foi feito o possível para que pelo menos o mínimo de expedições necessárias para o desenvolvimento da pesquisa ocorresse. A dificuldade de comunicação, levando em conta que o tupi-guarani é a língua nativa da aldeia, sendo o português a segunda língua (falada por poucos), a prática de observação assistida se tornou o método mais eficiente.

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Ademais, esse trabalho foi importante para pensar sobre a representatividade indígena, e mais do que isso, sua invisibilidade (principalmente nos meios midiáticos). Foi de extrema relevância, também, pensar o fotojornalismo como um meio de pesquisa antropológica e de auxílio quando se trata de observações subjetivas, com foco nos aspectos culturais e organizacionais da comunidade indígena.

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Referências

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