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TALITTA DE OLIVEIRA MORENO

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Academic year: 2021

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CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS CURSO DE BACHARELADO EM HISTÓRIA

TALITTA DE OLIVEIRA MORENO

A PRESENÇA DA MULHER NOS SERINGAIS ACREANOS

RIO BRANCO, ACRE 2014

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A PRESENÇA DA MULHER NOS SERINGAIS ACREANOS

Trabalho apresentado à Universidade Federal do Acre como requisito para obtenção do grau de bacharel em Historia.

Orientadora: Profª Teresa Almeida Cruz.

RIO BRANCO 2014

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A PRESENÇA DA MULHER NOS SERINGAIS ACREANOS

Esta monografia foi apresentada como trabalho de conclusão de Curso de Bacharelado em Historia da Universidade Federal do Acre, sendo aprovado no dia 18 de junho de 2014 pela banca constituída pela professora orientadora e membros abaixo mencionados.

BANCA EXAMINADORA

Orientadora Profª. Drª. Teresa Almeida Cruz Curso de Bacharelado em História

__________________________________________________ Prof. Ma. Maria Ariádina Cidade Almeida

Curso de Bacharelado em História

Profª. Drª. Sandra Teresa Cadiolli Basílio Curso de Bacharelado em História

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Ao meu esposo, Romenig de Souza Pereira, Aos meus filhos, Maria Eduarda e Eduardo, À minha mãe, Maria Julia Pluma de Oliveira e à minha querida avó, Luiza Pluma de Oliveira, pelo carinho, amor e incentivo.

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Agradeço a Deus pela oportunidade de viver essa grande etapa em minha vida. Ao meu esposo, Romenig, pela paciência e incentivo, seu apoio foi muito importante para a conclusão desta etapa.

À minha família, que tanto torceu para que este dia chegasse, em especial a minha mãe, Maria Julia, por cada incentivo e pelas orações em meu favor, e por estar ao meu lado sempre.

Ao casal de amigos, Jamayra e Rodrigo, que sempre me edificam e contribuem para o meu crescimento, vocês são verdadeiros presente de Deus em minha vida.

Agradeço a orientação da professora Teresa Cruz, pelo suporte, pelas suas correções e incentivos, que de forma carinhosa sempre colaborou indicando sugestões que contribuíram de forma significativa.

Aos professores, Airton Rocha, Francisco Pinheiro, Georgia Lima, José Dourado, Maria José e Sandra Cadiolli, pelos conhecimentos transmitidos.

À amiga Madalena que contribuiu bastante com informações e indicação.

Aos meus colegas de curso pela amizade e carinho, em especial a Aurilene (Lene) e a Thairiny (Tata), grandes amigas de curso, que vão ficar para toda vida.

À senhora Maria do Carmo que cedeu um pouco do seu tempo para me ajudar, compartilhando sua história, e a todos que carinhosamente contribuíram cedendo informações ou indicação.

A todos que direta ou indiretamente contribuíram para a construção deste trabalho, muito obrigada.

“Que todo meu ser louve ao senhor, e que eu não esqueça nenhuma das suas bênçãos!” (Salmos 103:2)

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“Assim, mais do que garantir a preservação do que passou, a memória pode ser uma aposta no porvir.

[...] Dessa maneira, a memória – ou, talvez fosse melhor dizer as memórias – como superfícies pulsantes, capazes de reverter o poder em potência, tornam-se ferramentas necessárias para construir futuros diferenciados num espaço global”. (GONDAR, 2003, p. 42

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Estudo que parte da historia oral para dar visibilidade ao papel da mulher dentro dos seringais acreanos durante o segundo surto da borracha. Para isto fez uso da entrevista com mulheres e homens que vivenciaram o cotidiano desses seringais. O titulo “A Presença da Mulher nos Seringais Acreanos” reflete a sua finalidade e os seus resultados evidenciam uma historiografia ainda incipiente no que diz respeito a evidencia dos espaços de trabalho e enfrentamento desses sujeitos sociais cuja invisibilidade vem se ancorando ainda hoje nos princípios da sociedade patriarcal e nos coloca como desafio romper com o silêncio e a virilidade com que é tratado esse período da história acreana. Está organizado em capítulos, sendo que o primeiro capítulo, “O Resgate do Feminino: Uma breve incursão pela Historiografia Acreana” tem por objetivo identificar a visão e visibilidade dada ao papel da mulher na história e na sociedade acreana, buscando compreender as experiências sociais da mulher ao longo do tempo em uma perspectiva de discussão de gênero. O segundo capítulo, parte da revisão de literatura e faz uma abordagem sobre a inserção da mulher nos seringais, retratando sua participação nos primeiros e segundo surtos da borracha, onde a historiografia local evidencia a invisibilidade da mulher principalmente neste primeiro momento da abertura dos seringais e na atividade de extração do látex, considerados naquela época como o “ouro branco”. O terceiro capítulo “O Cotidiano da Mulher nos Seringais Acreanos” excursiona pelos seringais partindo da memória e da historia de algumas mulheres e homens que viveram o cotidiano de um seringal, buscando reconstruir, a partir de seus relatos, o perfil, as atribuições enquanto esposa, mãe, dona de casa e trabalhadora.

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ABSTRACT

This study starts of the oral history to give visibility to the role of woman within the Acre rubber plantations during the second rubber boom. It made use of interview with women and men who experienced the daily life of these groves. The title " The presence of women in rubber plantations Acreanos” reflects its purpose and its results show an incipient historiography regarding the evidence of workspaces and addressing these social subjects whose invisibility has been anchoring today the principles of patriarchal society and put us as a challenge to break the silence and virility which is treated with this period Acre’s history. It is organized into chapters , with the first chapter, "Saving Women : A brief excursion into the Historiography Acre " aims to identify the vision and visibility given to the role of woman in history and Acre society , seeking to understand the social experiences of women over time in a discussion of gender perspective . The second chapter of the literature review and presents an approach for the integration of woman in the rubber, portraying their participation in the first and second outbreaks of rubber, where the local historiography highlights the invisibility of woman especially in this first moment of opening of the rubber and in the activity of extracting latex, considered at that time as the " white gold" . The third chapter " Everyday Life of Woman in the rubber Acre " by the rubber tours starting from the memory and history of some women and men who lived the daily life of a rubber plantation, seeking to rebuild from their accounts , profile, responsibilities like wife , mother , housewife and working.

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CEN - Cá Estamos Nós

CTA - Centro dos Trabalhadores da Amazônia DNI - Departamento Nacional de Imigração

SEMTA - Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia UFAC - Universidade Federal do Acre

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO... 11

1 O RESGATE DO FEMININO: UMA BREVE INCURSÃO PELA HISTORIOGRAFIA ACREANA... 15

2 A MULHER NOS SERINGAIS ACREANOS... 20

2.1 O CONTEXTO DA FORMAÇÃO DO SERINGAL... 20

2.2 O CONTEXTO DA PRESENÇA FEMININA NO PRIMEIRO E SEGUNDO SURTOS DA BORRACHA... 27

2.2.1 Primeiro Surto da Borracha... 26

2.2.2 Segundo Surto da Borracha... 29

2.2.3 O Trabalho da Mulher no Seringal... 31

3 O PAPEL E O COTIDIANO DA MULHER NOS SERINGAIS: RELATOS DE VIDA... 35

3.1 O COTIDIANO DA MULHER... 36

3.2 A RELAÇÃO HOMEM x MULHER... 41

3.3 A VIDA SOCIAL DENTRO DOS SERINGAIS... 44

3.4 A PARTICIPAÇÃO DA MULHER NA LUTA PELA TERRA... 47

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS... 54

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INTRODUÇÃO

Quando se tem como objeto de estudo a mulher e o gênero como categoria de análise defronta-se com uma historia onde há a crença de que registros mais tradicionais ignoraram as contribuições das mulheres e o efeito que os eventos históricos tiveram nas mulheres.

Aprendemos na academia que a história das mulheres é o estudo do papel que as mulheres tiveram na história ao longo do seu desenvolvimento. Também é o estudo dos métodos de abordagens desta historia que nos evidencia, claramente, que a história das mulheres, na sua grande maioria, é fruto de uma forma de revisionismo, ou revisão histórica, cujo objetivo principal consiste em confrontar ou confirmar o consenso histórico tradicional da invisibilidade da mulher nas sociedades.

Partindo dos estudos na perspectiva feminista, até a metade do século XX, as sociedades ocidentais valorizam o papel do homem em detrimento do papel da mulher, evidenciando-a numa posição de subjugação ao homem.

Estes estudos evidenciam uma tradição cuja maioria atribui uma importância particular ao papel social da mulher no lar, nos seus papeis de mãe e esposa, destinada, portanto, às tarefas domésticas, à reprodução e à educação dos filhos.

A literatura nos evidencia que a ruptura com esta visão do papel da mulher na sociedade é recente e está relacionada ao atual modelo de desenvolvimento econômico capitalista, que estimula a produção familiar e para o mercado.

Mas, a literatura evidencia, também, que quando a sociedade passou a ter como parâmetro a realidade urbana, as camponesas sofreram com uma dupla hierarquia perpetuada. Assim, foram inferiorizadas por duas razões: a primeira, por serem mulheres; e a segunda, por fazerem parte de um lugar considerada atrasada, ignorante.

O Brasil, por um longo período, mesmo anterior à invasão européia, era um mundo rural organizado patriarcalmente, pois a historia relata que já nas formas de organização da vida indígena brasileira, o mando e a superioridade masculina já predominavam. Eram os caciques que escolhiam as esposas para si e para os outros homens, por exemplo. Também era o poder deles que destinava as terras e promovia a partilha dos alimentos. Esta realidade permanece, mesmo após a colonização européia no Brasil.

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Assim, falar sobre a mulher nos seringais acreanos não é tarefa fácil, embora seja possível o acesso a uma vasta literatura que trata do cotidiano dos seringais. A dificuldade reside no fato de que esta vasta literatura se constitui em uma historiografia cujo foco não se centra na mulher, mas na superioridade do papel masculino na construção dos seringais e na extração da borracha, bem como de sua luta pela posse da terra local, confirmando a concepção inerente ao estudo da história das mulheres de que registros mais tradicionais minimizaram ou ignoraram as contribuições das mulheres.

A historiografia acreana sobre a mulher e seu papel na sociedade não difere de historiografias de outras sociedades, as quais revelam a invisibilidade do papel na mulher nos fatos sociais e reafirmam a sua subordinação ao homem.

Este estudo, sob o titulo “A Presença da Mulher nos Seringais Acreanos” tem por finalidade discutir o papel da mulher nos seringais locais durante o período da chamada “batalha da borracha”, visando visibilizar no cotidiano dos seringais os espaços de trabalho e enfrentamento desses sujeitos sociais cuja invisibilidade vem se ancorando nos princípios da sociedade patriarcal.

A escolha deste tema se deve em parte as experiências de familiares vividas em seringais acreanos na região do alto Purus. Entre outros, este é um dos motivos do interesse em compreender a mulher no seringal numa época que a atividade extrativista fora o principal fator para migração de famílias do nordeste brasileiro, que evidencia trajetos de mulheres e suas experiências nos seringais locais.

Por outro lado, a temática de gênero na historiografia acreana, ainda é um desafio aos historiadores/historiadoras para romper com o silêncio e a virilidade com que é tratado esse período da história acreana.

Neste sentido, pensar numa proposta de releitura da história acreana deste período é pensar na problemática de conceitos e concepção antigos de que a mulher não desenvolvia nenhum trabalho no seringal. Desta forma, tratar de assuntos que compõem o conjunto feminino e delinear seu papel nas relações e vivência na floresta para romper com antigos preconceitos acerca da participação e trabalho da mulher nos seringais, constituiu nosso objetivo maior neste estudo, o qual teve como questões norteadoras os seguintes questionamentos: qual o papel da mulher no processo de construção da família seringueira? Quais as relações estabelecidas entre o espaço da casa e o espaço da floresta, suas atribuições

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quanto ao trabalho, à educação dos filhos e dever de esposa? Como elas eram retratadas?

Portanto, identificar como a historiografia local retrata estas mulheres e discutir como a estruturação do poder masculino se constrói em cima da invisibilidade da mulher e da apropriação ou usurpação do poder feminino, bem como evidenciar que os papeis desempenhados no âmbito do seringal e a estruturação do poder masculino se deram pela apropriação ou usurpação do poder feminino, fato naturalizado ao longo da história, se constituíram em objetivos nossos..

Contudo, os caminhos metodológicos traçados para a efetivação desta pesquisa não se constituíram em tarefas fáceis. A caminhada de uma aluna - pesquisadora, mãe e esposa não são fáceis de conciliar, mas, por isso mesmo se torna mais desafiador. A opção pela fonte oral nos leva a busca de outros caminhos, das narrativas que nos possibilitaram reconstruir a história. Entretanto, não é fácil identificá-las, principalmente quando se buscam novas falas, novas interpretações e, principalmente, quando se deve considerar que as escolhas das fontes devem estar alinhadas com os objetivos da pesquisa e estas escolhas devem considerar o significado de sua experiência, conforme advoga Alberti (2005).

Na perspectiva de reconstruir a história e lançar luz sobre o papel da mulher dentro do contexto dos seringais acreanos é que as fontes orais foram aos poucos sendo incorporadas às outras fontes, subsidiando e enriquecendo este reconstruir à medida que nos diziam, nos revelavam fatos.

Como advoga Costa (1994) a renovação da historiografia traz junto a necessidade de compreensão da vida dos indivíduos em sociedade, pois no seu duplo movimento de combater as abordagens tradicionais e propor novas tendências, os equívocos foram muitos. No primeiro caso, as recusas levaram à reprodução de abordagens estruturalistas por parte dos historiadores, as quais evidenciavam as transformações do mundo contemporâneo. No segundo, preocupados em demolir essas abordagens, advogam o novo muitas vezes desprovidos “de referenciais necessários para que ele possa se situar no presente e projetar a construção de uma sociedade mais livre e mais justa” (COSTA: 1994).

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Torna-se importante pensar a estrutura desta monografia sendo composta por três capítulos. O primeiro capítulo, “O Resgate do Feminino: Uma breve incursão pela Historiografia Acreana” tem por objetivo identificar a visão e visibilidade dada ao papel da mulher na história e na sociedade acreana, buscando compreender as experiências sociais da mulher ao longo do tempo em uma perspectiva de discussão de gênero.

O segundo capítulo, partindo da revisão de literatura, traz uma abordagem sobre a inserção da mulher nos seringais, retratando sua participação nos primeiros e segundo surtos da borracha, onde a historiografia local evidencia a invisibilidade da mulher principalmente neste primeiro momento da abertura dos seringais e na atividade de extração do látex, considerados naquela época como o “ouro branco”.

O terceiro capítulo “O Cotidiano da Mulher nos Seringais Acreanos” excursiona pelos seringais partindo da memória e da historia de algumas mulheres e homens que viveram o cotidiano de um seringal, buscando reconstruir, a partir de seus relatos, o perfil, as atribuições enquanto esposa, mãe, dona de casa e trabalhadora.

Feitas essas considerações iniciais cabe destacar que a relevância deste estudo consiste na possibilidade de se tornar parte da historiografia local que busca romper com a mentalidade e posturas de colocar somente o homem em evidencia em detrimento da participação e papéis da mulher neste processo de consolidação de parte da historia acreana.

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1 O RESGATE DO FEMININO: UMA BREVE INCURSÃO PELA HISTORIOGRAFIA ACREANA

Ao longo de uma pesquisa as ideias vão tomando corpo, se materializando à medida que vamos nos debruçando sobre as escritas, delas nos apropriando e, estas, por vezes, tecidas com tanta riqueza de informações que nos levam àquele mundo relatado.

Ao adentrarmos a historiografia da mulher nos deparamos com uma historia que parece tão atual e prenhe de significados, mas, também de preconceitos.

O fato é que a história evidencia um trajeto que, embora entremeado por diferentes caminhos, levam a uma mesma situação: sociedades marcadas pela marginalização da mulher, isto porque ser homem ou ser mulher, na sociedade em que vivemos, significa assumir os papéis sociais por ela impostos. Papeis estes definidos num conjunto de normas de valores desenvolvidos e legitimados há séculos, e que impõe tanto ao homem quanto à mulher, comportamentos distintos, papéis socialmente limitados, ou legitimados, que indicam o que é masculino e o que é feminino.

Assim, as imagens positivas e negativas que acompanham os conceitos de masculinidade e feminilidade foram culturalmente apreendidas. Representam alicerces de uma sólida construção de papéis de gênero, estabelecidos e baseados nos princípios de autoridade e superioridade do homem em relação à mulher.

Contribuições como a de Joan Scott (1989) são de suma importância para a historiografia da mulher, pois ao tratar da questão do gênero nos revela que esta é uma categoria primeiramente adotada pelas feministas americanas que advogavam a qualidade fundamentalmente social das distinções baseadas no sexo ou na diferença sexual.

Mas, interessa-nos, neste particular, está dialogando com a historiografia acreana, portanto, este capítulo tem por objetivo identificar a visão e visibilidade dadas ao papel da mulher na história e na sociedade acreana, buscando compreender as experiências sociais da mulher ao longo do tempo em uma perspectiva de discussão de gênero.

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A temática de gênero na historiografia acreana ainda é um desafio aos historiadores/historiadoras que visam romper com o silêncio e a virilidade com que é tratado esse período da história acreana.

Mas, embora mínima, ainda, a historiografia local da mulher tem nos presenteado com trabalho como o de Margarete Edul Prado de Souza Lopes, “Motivos de Mulher na Amazônia: produção de escritoras acreanas no século XX” (2006), onde a mesma descreve: “Se a situação era hostil e difícil para os homens, mais desfavorável ainda se tornava para as mulheres, que não eram consideradas capazes para o serviço da extração, embora muitas o tenham feito na prática”.

Também o professor Carlos Alberto Alves de Souza tem contribuído muito para esta historiografia ao admitir que a mulher foi silenciada em prol de uma historia predominantemente masculina, como se evidencia em uma de suas obras, “História do Acre” (1992), onde ele diz: “Neste processo de migração nordestina para o Acre, de reconhecimento dos chamados “Soldados da Borracha”, as mulheres foram silenciadas. (...) quando se fala de trabalho nos seringais fala-se tão somente de homens”.

Em “Mulheres nos Seringais Acreanos: A construção de muitas fronteiras” (1999), outra obra de Carlos Alberto Alves de Souza esclarece que o "fazer-se" de uma história das mulheres seringueiras do Acre se firma por questões metodológicas, como uma prática que deve lidar com sujeitos sociais e coletivos que viveram e que vivem num mundo formado por muitas fronteiras e por diferentes modos de vida.

Outro trabalho deste autor, "Aquirianas - Mulheres da Floresta na História do Acre" (2009), parte da perspectiva da História Social para buscar retratar a historia da mulher local evidenciando o cotidiano das mulheres trabalhadoras rurais, que sempre foram excluídas da história, como ele próprio afirma:

"O fazer-se" de uma história das mulheres seringueiras do Acre se firma por questões metodológicas, como uma prática que deve lidar com sujeitos sociais e coletivos que viveram e que vivem num mundo formado por muitas fronteiras e por diferentes modos de vida. Essas mulheres, em suas lutas, enfrentam problemas e dificuldades de várias ordens, e as saídas encontradas também são múltiplas. Daí a importância de se estudar essas mulheres seringueiras articulando suas vidas em diversos momentos do seu cotidiano, nos seringais, que fortalecem uma tradição que se faz presente no viver dos homens e mulheres da Amazônia. (SOUZA, 2009, p.3)

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Para ele, essas mulheres foram vítimas de dominações de todas as ordens, mas também foram agentes de constituição das mais variadas formas de resistência. A professora Tereza Almeida Cruz em “Os Poderes Informais das Mulheres” (1999) nos diz que “historiografia das últimas décadas tem procurado inverter as perspectivas historiográficas tradicionais, voltando-se para a memória de grupos sociais marginalizados do poder”.

A partir desta nova perspectiva, surge um novo rumo a ser traçado dentro desta historiografia, onde caminhos se abrem para a história da mulher que, como afirma Tereza Almeida Cruz, são “tramas cotidianas prenhes de significações”.

Tereza Almeida Cruz discute a ampliação do conceito de poder a partir da perspectiva de Michele Perrot, que afirma ser este um conceito polissêmico, tendo, do ponto de vista singular uma conotação política, representando e designando a figura central, cardeal do Estado, que comumente se supõe masculina. No plural, de acordo com a autora, ele é fragmentado, múltiplo, permeado de influências difusas e periféricas, onde as mulheres têm sua grande parcela e, assim, também exercem seus “poderes” (CRUZ, 1999, p.2).

Esses, entre outros trabalhos que evidenciam trajetórias, cotidiano e experiência de vida de mulheres nos seringais acreanos, possibilitam um melhor entendimento de como esta era tratada pela sociedade e transportada para a historiografia.

“Do privado ao público, a mulher na historia do Acre”, como o próprio nome indica, é outro texto que traz o papel da mulher na historia do Acre que, de forma objetiva é exposto pela professora Maria José Bezerra, a qual afirma que calar as mulheres, considerá-las personagens de menor importância nos acontecimentos históricos, ou tratá-las como expectadoras silenciosas de suas práticas sociais tem sido lugar comum na historiografia acreana, exceto em alguns trabalhos acadêmicos pós 1970, quando estas mulheres aparecem nas cenas históricas dos movimentos sociais e por influência das novas tendências historiográfica contemporânea, de inspiração francesa ou inglesa, que chegam às universidades brasileiras.

Em “Damas da noite: sexualidade e prazer como estratégia de sobrevivência”, Maria José Bezerra, Maria Rita da Costa e Maria Madalena Guedes Campos, abordam um dos temas mais carentes da historiografia local, que é a condição feminina e a partir do qual é possível refletir sobre a prostituição de mulheres que

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fazem desta uma profissão, bem como da exploração sexual de crianças e adolescentes no município de Rio Branco.

Este estudo é de grande relevância ao traçar parte desta historia a partir da historia oral, onde os relatos das chamadas “Damas da noite” nos evidenciam as percepções, as expectativas, sonhos e desalentos dessas mulheres, crianças e adolescentes que, a despeito do que dizem a seus respeitos, ousam sonhar.

Outro trabalho interessante na historiografia acreana é “Seringueiros – Memória, História e Identidade” (1997). Organizado, pela professora Maria José Bezerra, do Departamento de Historia da Universidade Federal do Acre e produzido pelos alunos concludentes do Curso de Licenciatura Plena em História de 1995, este trabalho resgata a historia do seringueiro, considerados por muitos como alicerces da economia e da vida social acreana, porém sempre colocados por tantos outros à margem de uma história que sempre priorizou a elite política e econômica locais.

Este trabalho buscou e, trouxe à tona, o cotidiano dos seringueiros dentro dos seringais acreanos, se constituindo num rico material de pesquisa exatamente pela riqueza de informações haja vista a amplitude de enfoques abordados no que diz respeito à vida do seringueiro dentro dos seringais acreanos.

Como não poderia deixar de ser, alguns capítulos deste estudo, composto por três volumes e, por isso mesmo um dos mais densos trabalhos já feitos acerca do seringueiro acreano, aborda a participação das mulheres no cotidiano do seringal, bem como sua participação dos movimentos de resistência à expropriação dos seringais pelos fazendeiros que incentivados pelo governo local vieram para cá com o objetivo de implantar grandes fazendas para a criação de gado, mercadoria de grande valor no mercado mundial.

Assim, merece destaque o capitulo “A Relação Homem-Mulher no Seringal” produzido por quatro alunas e que retrata o cotidiano da mulher no seringal, seus papeis de mãe e esposa e sua participação na produção da borracha. Para tanto, resgatar a discussão do conceito de gênero e trata da subordinação histórica vivida pela mulher.

Cristina Scheibe Woff, com sua pesquisa “Mulheres da Floresta: uma história do Alto Juruá - Acre. (1890 - 1945)” tem sua contribuição na historiografia local da mulher ao analisar a constituição de um sistema de relações de gênero que se baseia em estereótipos e convicções vigentes em nossa sociedade.

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Observando as condições singulares impostas pela natureza da floresta e pelas condições de trabalho no seringal, Woff, evidencia como se relacionam e se constituem os homens e mulheres nesta formação social, tramitando entre as diferentes faces destas relações, estas marcadas por violências, preconceitos, tensões, mas também por estratégias, resistências, invenções e inversões de papeis.

Glória Maria Gomes da Silva, nos apresenta “A mão e a pena: representações sobre a condição feminina na cidade de Rio Branco”, (2008) que se constitui em uma dissertação de mestrado do Programa de Mestrado em Letras – Linguagem e Identidade, ofertado pela Universidade Federal do Acre (UFAC). Nesta pesquisa Glória Maria Gomes da Silva busca observar qual a representação que alguns sujeitos da Cidade de Rio Branco, homens e mulheres, têm sobre a mulher. Para dar conta de apreender esta representação, a pesquisadora parte da análise de cem redações do vestibular do ano de 2006 da UFAC, as quais versavam sobre o seguinte tema: “A Mulher e a construção de um novo paradigma”, bem como esta representação aparece nas notícias das paginas policiais do jornal A Gazeta, de grande circulação na cidade e, ainda, na representação da voz do poder público, do ano de 2008, ano em que aconteceu um crime contra uma mulher que sensibilizou a sociedade local.

Como resultado desta pesquisa Glória Maria Gomes da Silva apreende, no que dizem respeito à análise das redações que seus autores produziram, seus discursos sobre a questão feminina, tendo como base um universo mental fortemente marcada pelos enquadramentos que condicionam e reduzem a mulher pelo discurso masculino e patriarcal. A análise aprofunda esta posição e evidencia a subordinação da mulher ao homem.

Como se pode ver, embora ainda incipiente, a historiografia que trata da temática em questão é rica do ponto de vista de que, de fato, a prioriza e busca ser autêntica, verídica.

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2 A MULHER NOS SERINGAIS ACREANOS

2.1 O CONTEXTO DA FORMAÇÃO DO SERINGAL

Embora a história do Acre se confunda com a história social da borracha para muitos e parece se iniciar com a vinda dos primeiros nordestinos para a região com o objetivo de formar os seringais para a extração da borracha, diferentes povos nativos já habitavam as terras acreanas, antes mesmo da chegada dos europeus ao Brasil. Prova disto e que no século XIX existia no Acre cerca de 50 grupos indígenas, os quais tinham a sua própria história, seus modos de vida, sua cultura e tradições, sua religião e sua sabedoria.

A afirmação inicial decorre do fato de que não só o Acre, mas toda a Amazônia se insere no contexto nacional a partir da economia da borracha, cujo potencial econômico levou a região a ser conhecida até mesmo fora dos limites da nação brasileira.

Entretanto, não se pode deixar de lado uma historia e um povo que já aqui se encontrava: os indígenas, cujas existências e cultura foram solapadas pela ganância e culturas do invasor quando da vinda destes para a Amazônia.

Embora as primeiras expedições tenham ainda começado no século XV, quando em 1499 o espanhol Pizon chega à região, foi na segunda metade do século XVI que a borracha foi vista pela primeira vez quando os colonizadores chegaram à Região Amazônica e lá encontraram os índios Latino-Americanos brincando com bolas rudimentares feitas da seiva da árvore, que os índios chamavam de "caucho"1. Quando, a partir de 1860, começaram a acontecer as primeiras viagens de exploração se constatou a presença indígena, e também a grande riqueza natural dos rios acreanos, despertando a cobiça dos exploradores, o que levou em 1870 à corrida do ouro, ocasionando que em poucos anos os rios acreanos fossem tomados de assalto e milhares de homens vindos de todas as partes do Brasil e do mundo passassem a subir os rios estabelecendo imensos seringais em suas margens. Era a febre provocada pelo ouro negro, a borracha extraída da seringueira que depois de defumada era exportada para abastecer as indústrias européias e norte-americanas, cada vez mais ávidas por esse produto (NEVES, 2013).

1

Estas informações foram extraídas do site:

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Popularmente a árvore da borracha, era conhecida como a “árvore que chora”, pelo simples fato de que, quando cortada, jorra um liquido de seu interior, como evidencia a figura abaixo, extraída do portal “Cá Estamos Nós” (CEN), a qual integra o trabalho de pesquisa “A Borracha”, de Carlos Leite Ribeiro, um dos colaboradores deste portal que acomoda trabalhos de vários autores e que tratam de temas diversos, sendo este, como ele mesmo intitula, a maior ponte literária entre Portugal e Brasil.

A região amazônica brasileira se constitui um território bastante extenso, com uma enorme floresta tropical onde fauna e flora são ricas em diversidades e esta última é detentora de grandes quantidades de recursos florestais, rios, igarapés e igapós. Entre sua diversidade a flora amazônica conta com uma arvore cientificamente chamada de Hevea Brasiliensis, conhecida popularmente como seringueira, retratada na figura abaixo, a qual faz parte de artigo elaborado pelo site Painel Florestal, que trata de questões ligadas ao meio ambiente no mundo virtual, apresentando desde anúncios ligados á esta temática como entrevistas, dados da produção no Brasil e no mundo, produções científicas e s inovações pertinentes:

Fonte: http://www.painelflorestal.com.br/noticias/estudo-mostra-a-viabilidade-do-uso-do-tronco-da-seringueira-para-moveis.

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O processo de vulcanização2 do látex descoberto por Charles Goodyear, em 1839 possibilitou maior resistência do produto às mudanças de temperatura ampliando, assim, o seu uso na confecção de uma maior variedade de produtos e em 1888 a fabricação dos pneus Dunlop, aliado ao uso destes nas indústrias automobilísticas, no uso da bicicleta e outros artefatos, na segunda metade do século XIX, foram algumas das transformações que ocasionaram a invasão de terras indígenas em busca do látex, matéria-prima, da maior reserva da hevea brasiliensis, na Amazônia brasileira que descoberta por pesquisadores de diversas partes do mundo, despertou o interesse da Europa pela região, abrindo caminho para a implantação dos seringais, transformando a Amazônia em palco de investimentos internacionais, impondo novas relações sociais, comerciais e de produção e, conseqüentemente, expropriando os povos nativos de suas terras. (SOUZA, 2002; NEVES, 2002).

Foi este cenário que levou ao deslocamento das mãos de obras do Nordeste para a região, ocupando áreas ainda não alcançadas pelo homem branco e originando o atual Estado do Acre (SOUZA, 1992; NEVES, 2002).

Fonte:http://www.caestamosnos.org/Pesquisas_Carlos_Leite_Ribeiro/A_Borracha.html

2

A vulcanização da borracha é a adição de enxofre sob aquecimento e na presença de catalisadores. Durante esse processo, os átomos de enxofre quebram as ligações duplas e formam ligações unindo as moléculas da borracha, que são os poli-isoprenos.

(23)

Este líquido, o látex, o qual alguns chamam de leite da seringa, outros denominaram de ouro branco, além de originar a borracha, que com sua vulcanização proporcionou ao homem a descoberta de muitos produtos, ocasionou a abertura e instalação dos seringais na região amazônica, inclusive no Acre.

Antes da vinda do nordestino, a região da Amazônia era ocupada pelos índios que vivia em sintonia com a floresta e dela extraia o necessário para sua sobrevivência. O contato do homem branco com esta região deu-se em um primeiro momento ainda quando o Brasil era colônia de Portugal, com o principal objetivo de proteger o imenso território da invasão de outros povos e na tentativa de detectar as possibilidades de exploração dos recursos florestais.

Na metade do século XIX, findo o período das “drogas do sertão” e iniciada uma ocupação mais sistemática da Amazônia, temos uma nova base cultural estabelecida. A fronteira do território da Amazônia brasileira permaneceria móvel até o início do século XX, quando os contornos políticos do Brasil seriam definidos com a conquista dos territórios do Amapá e de Roraima, ao Norte, e do Acre, no extremo Oeste (Tom da Amazônia, [s/d], p.86)

Estes extremos, especialmente as regiões dos altos rios, na parte mais ocidental da floresta, permaneciam como área de refúgio dos primeiros habitantes, os povos indígenas mais arredios que não foram incorporados aos empreendimentos colonialistas, nem de Portugal nem da Espanha. Esta Amazônia profunda retinha suas riquezas em segredo e realimentava o mito do “inferno verde”3

.

Com a descoberta da vulcanização e a fabricação de pneus4 a borracha se torna uma matéria prima estratégia para as indústrias dos EUA e Europa, configurando-se na quase única fonte de riqueza desta parte do Brasil e levando , provoca segundo Martinello (1985:23-24) “... o período de maior expressão política, cultural e sócio-econômico da região Amazônica, gerando condições materiais e de

3

Este termo representa literariamente a Amazônia brasileira do início do século XX, contexto onde se deu todo o processo de abertura dos seringais e conflitos pela posse da terrra, no Caso do Acre, entre seringueiros, índios e bolivianos.

4

Para conhecer como se dá este processo de vulcanização e a descoberta e fabricação de pneus vê:

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vida nunca antes experimentadas, propiciando novos espaços vitais para a nação, além da revitalização de seu organismo social e financeiro".

Desta forma, a Amazônia brasileira que até então vinha passando por um processo de ocupação lenta baseado em atividades bem definidas (coleta extrativa das drogas do sertão e uma agricultura paralela), começa a sofrer transformações importantes. Sua principal atividade econômica passa a basear-se no mono extrativismo gumífero e um grande esforço em busca da nova riqueza é estabelecido.

À medida que os preços da borracha aumentavam no mercado internacional, quantidades enormes de brasileiros embrenhavam-se na densa mata amazônica extraindo borracha. A grande indústria internacional, que necessitava da matéria-prima, criava todas as condições necessárias para a exploração da "hévea".

O primeiro surto da borracha reflete um contexto difícil. Tanto pelo processo de formação dos seringais onde se vivencia o conflito entre os seringueiros, índios e bolivianos, pela extração da borracha, que exigia muito tempo do seringueiro em seu corte e defumação, mas também pelas relações que se estabeleciam, pois as relações de trabalho nos seringais do Acre fundamentavam-se na subordinação de seringueiros a patrões, os quais sujeitavam os trabalhadores ao sistema de aviamento. Por este sistema, os seringueiros eram obrigados a pagar uma taxa anual (renda) pelas estradas de seringa que exploravam, além de entregar toda a sua produção de borracha nos barracões, onde encontravam disponíveis para venda artigos de consumo doméstico (sal, açúcar, querosene, munição etc.), sendo que a borracha operava como uma moeda para a aquisição dessas mercadorias, sendo que as mercadorias eram permutadas com os donos dos barracões. Mas, devido ao preço extremamente elevado dessas mercadorias, os seringueiros terminavam por contrair uma dívida com o "barracão" que, mesmo comportando saldos em seu favor, era renovada no início da safra anual de borracha, ocasião em que se aviavam. (Corrêa et al., 2010, p.30)

De acordo com estes autores, para piorar, os extrativistas eram forçados a dedicar-se quase que exclusivamente à coleta do látex, pois aos donos dos seringais não interessava a abertura de áreas de pasto e de lavouras. Também era proibido nas colocações dos seringueiros o cultivo de agricultura de subsistência, a caça e a pesca, já que isso poderia implicar na diminuição do número de seringueiras a serem exploradas, e ainda incorrer no desvio da mão de obra do

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extrativismo para a agropecuária. Mais importante ainda, caso os seringueiros fossem bem sucedidos na agropecuária, sua dependência para com os patrões seria fortemente reduzida. Assim, Embora o controle do processo de geração e apropriação do excedente fosse monopolizado pelos agentes do grande capital internacional, a dinâmica das relações internas permanecia regida por uma trama típica do capital mercantil - o de imobilizar a força de trabalho e perpetuar sua utilização e exploração na atividade extrativa.

Assim, as chances de que se organizasse qualquer tipo de ação coletiva a fim de confrontar esta situação eram mínimas, pois além do evidente desequilíbrio de forças ente patrões e seringueiros, estes viviam isolados uns dos outros, sem muitas oportunidades de interação, situação favorecida pela própria geografia dos seringais, já que as colocações ficavam distantes uma da outra.

Mas, como esclarecem Corrêa et al.,(2010, p.30) o Acre se consolidava como o maior produtor de látex do país, que praticamente monopolizava toda a produção da borracha mundial, entre fins do século XIX e começo do século XX. Nesse sentido, a produção da borracha no Acre representava uma importante atividade econômica com implicações locais, nacionais e internacionais, envolvendo desde o seringueiro até os diversos setores da indústria, especialmente o da indústria automobilística.

Contudo, todo esse processo passa por grandes transformações e o Acre passa a sofrer as conseqüências dessas transformações. Como evidenciam Corrêa et al.,(2010, p.30) o ciclo da borracha, importante elemento econômico da estruturação de tal padrão, entra em fase de declínio. Entre as causas de tal processo aparece a noção de que a partir de 1915 entrou no mercado mundial a produção de borracha de cultivo oriunda dos seringais asiáticos, o que, devido à impossibilidade de concorrência, fez declinar a produção de borracha nativa da Amazônia, fator evidenciado também no Estado do Acre.

Esses autores evidenciam, ainda, que este fato trouxe como conseqüência um arrefecimento do controle do seringalista, permitindo ao seringueiro fazer agricultura de subsistência, bem como explorar atividades primárias comerciais, como castanha, madeira, entre outros. Assim, os seringueiros foram ganhando autonomia no processo de produção através da posse da terra e do acesso parcial a alguns meios de produção.

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Muitos seringais foram desativados em conseqüência desta concorrência com a produção da Malásia.

Mas, durante a II Guerra Mundial, a economia extrativa da borracha no Acre volta a receber novo estímulo, aparecendo ai a figura do “soldado da borracha”5 quando o sistema de controle da produção do seringueiro obrigou-o a dedicar-se exclusivamente à extração do látex, já que, como esclarece Oliveira Filho:

Após o fim do primeiro ciclo da borracha, os seringais estavam abandonados e havia neles uma quantidade muito inferior de trabalhadores do que a demanda norte-americana necessitava. A solução que o governo de Getúlio Vargas encontrou para isto previa sanar três problemas: produzir borracha suficiente para atender a demanda externa, povoar a Amazônia (que sempre foi vista, pelos governantes, como um verdadeiro vazio demográfico) e resolver a crise campesina que se instalara na região Nordeste em virtude da grave seca. Isto resultou numa forte campanha, empreendida pelo governo federal e denominada de “Batalha da Borracha”, que tratou de recrutar milhares de nordestinos, sobretudo cearenses, para trabalhar nos seringais amazônicos (OLIVEIRA FILHO, 2010).

Mas, cabe ressaltar que não só os nordestinos vieram para cá neste momento, como se entende pelo trecho acima, o que aconteceu mais no primeiro surto, mas, também, de outros estados brasileiros vieram trabalhadores tentar a sorte na região amazônica, conforme esclarece o professor Pedro Martinello:

Enquanto o primeiro movimento migratório havia sido organizado, de início, à maneira tradicional com os sertanejos (...) este novo contingente ampliou-se e "enriqueceu-se" com outros elementos regionais desconhecidos e estranhos ao próprio meio e à história econômica e demográfica da Amazônia, cariocas do morro e da cidade, fluminenses de Niterói e do interior do Rio, capixabas de Vitória do Espírito Santo, baianos de Ilhéus e de Salvador, pernambucanos de Recife, mineiros da capital e das serras. De todas as classes, cores, profissões e idades. Ferreiros, carpinteiros, engraxates, choferes de caminhão, operários de fábricas e usinas, cansados das máquinas e seduzidos pela oportunidade de conhecer, à custa do governo, terras e paisagens distantes; trabalhadores braçais e agricultores, cujo sedentarismo não podia vencer a emoção psicológica da aventura há muito recalcada e comprimida, eis a grande "arca de Noé" que formava esta segunda leva de "soldados da borracha" (MARTINELLO, 1985).

5

Termo atribuído aos nordestinos e outros brasileiros de outras regiões arregimentados para produzir borracha para atender exclusivamente a demanda da guerra.

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Vale assinalar que em 1969-1970 uma boa parte dos seringais nativos no Acre entrou novamente em estágio de desativação, mas, ai, a situação era outra: a introdução da atividade agropecuária como conseqüência da crise que se instala com o fim da guerra e a queda na venda e produção da borracha.

Todavia, nosso intuito não é de voltar à atenção especificamente para este fato. Estamos caminhando uns passos mais a frente. Buscamos identificar para compreender como se insere a figura feminina neste contexto primeiro da economia da borracha, a partir da qual onde a sociedade local à mulher neste contexto, mas, se deve considerar que só é possível dá visibilidade ao que já existe. Portanto, se parte da compreensão de que as mulheres, ao contrário do que muitos afirmam, integraram este contexto, embora que ainda não de forma acentuada, mas um dos maiores erros que a historiografia comete é, em sua maioria, tratar da mulher, de seu papel no processo de ocupação e formação da sociedade acreana sem considerar que quando os trabalhadores arregimentados aqui chegaram encontram os índios e, entre estes, a mulher indígena.

2.2 O CONTEXTO DA PRESENÇA FEMININA NO PRIMEIRO E SEGUNDO SURTOS DA BORRACHA

Não é abundante o referencial bibliográfico que trata do nascimento dos seringais e mais ainda, da presença da mulher neste contexto. Daí decorre uma das dificuldades de se trabalhar com esta temática. Entretanto, essa reconstrução é possível a partir do exercício de se “tecer uma teia” com o referencial que se tem onde se pode ir tirando umas poucas informações “aqui e outras acolá”, como preconiza o dito popular. Reconstrução, portanto, é a palavra “de ordem”. Visitar, revisitar o material selecionado é de fundamental importância e, a cada revisitada, novas descobertas vão interligando os fios desta teia a qual, no final nos presenteia com este trabalho, o qual reflete o papel da mulher no processo de formação dos seringais e no seu cotidiano.

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2.2.1 Primeiro Surto da Borracha

No que diz respeito ao primeiro surto da borracha, a abertura dos seringais se deu, de acordo com Wolff (1999, p.61) entre 1870 a 1900 aproximadamente, sendo à custa desta abertura financiada pelas Casas Aviadoras de Belém e Manaus, mas como esclarece esta autora, a maioria dos seringueiros já chegava aos seringais “abertos”, e com o sistema de produção e comércio já bem organizados (p.63). Assim, o Acre vive um contexto onde milhares de nordestinos são transferidos para a região amazônica em busca da borracha que se valorizava no mercado internacional, em decorrência das descobertas já citadas anteriormente.

Com relação a este particular o seringueiro Pedro Ribeiro dos Santos evidencia a seguinte realidade:

(...) Antigamente, no tempo que vinha cearense, os primeiros que vieram pra cá, que o governo exportou, dava o nome de brabo, agora de quarenta pra cá é que começou outro apelido de arigó. Mas os premeros, nossos pais se dava o nome de brabo aos cearenses, que eles chegavam aqui e não conheciam nada. O governo exportou muita gente pra cá pro Acre. De navio de vim de mil pessoa. Agora eu não alcancei, que eu já sou filho dessa gente”1

Wollf (1999, p.63) afirma que ao chegar no seringal, o “brabo”, como era chamado o seringueiro que não tinha ainda experiência, recebia no barracão os suprimentos para sua primeira quinzena na mata: farinha, jabá (charque), sal, sabão, querosene para a iluminação, uma espingarda, munição e os utensílios próprios para o corte da seringa: machadinha, tigelas para colher o leite e balde para recolher o leite. Este era, então, encaminhado para uma colocação, onde havia uma barraca de paxiúba, coberta de palha e, ás vezes, um “manso” , seringueiro já com experiência morando.

Mas, como esclarece Wollf (2011, p. 29) quem vinha do Ceará eram principalmente os homens e, de fato, poucas mulheres e crianças neste primeiro momento acompanhavam os maridos a lugares tão distantes como o Alto Juruá, e as famílias que fugiam juntas da seca e da miséria do sertão nordestino costumavam ficar em lugares mais próximos de Manaus ou de outra cidade.

Entretanto, Wollf nos alerta para o fato de que elas não eram tão poucas assim, se a cidade for considerada. De acordo com esta autora, as mulheres

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perfaziam aproximadamente 25% da população não indígena do Alto Juruá, na época da implantação do Território Federal do Acre, tal como relatou o coronel Thaumaturgo de Azevedo, primeiro prefeito do departamento do Alto Juruá em 1904:

Estes primeiros cearenses vinham com a intenção de fazer seu “pé de meia” e voltar para sua terra. Mas muitos ficaram, seja por vontade própria ou pelas dívidas que contraíam com os patrões e que não conseguiam saldar.

Muitos morreram e não puderam voltar, como pretendiam quando deixaram suas famílias e para cá vieram, conforme evidencia a senhora Maria do Carmo:

Meus pais contavam, em noites de lua, quando todos jantavam e sentavam na varanda para tomar um café, que os primeiros nordestinos, muitos deles pretendiam voltar a sua terra natal, mas morreram por aqui mesmo. Deixaram pais, outros mulher e filhos e nunca mais voltaram. A malária matava muito gente. 2

A fala de seu Pedro Ribeiro também relata este particular:

Os que vieram premeiro, os cearenses que vieram, voltou algum. A maior parte tá aí nessa mata, morto. Muito matavam, e era assim”. Morriam de “sezão”, de doenças variadas, de desnutrição por causa dos alimentos velhos fornecidos pelos patrões, morriam também nas lutas contra os índios e ainda, (...) alguns patrões chegavam a mandar matar aqueles seringueiros que se revoltavam, ou que exigiam receber seu saldo para irem embora. 1

Wollf (2011, p. 30) relata que sua pesquisa evidenciou que estes seringueiros que ficavam não se conformavam em viver a vida inteira, solteiros e que era comum que, no período de chuvas, aqueles que conseguiam algum saldo fossem para as cidades em busca de divertimento nos bordéis ou de tratamento para suas doenças. Alguns patrões, entretanto, levavam prostitutas para os próprios seringais para evitar que os seringueiros fossem embora e não voltassem mais.

Mas, conforme esclarece Wollf, aos poucos os seringueiros foram formando suas famílias. As mulheres eram as filhas daqueles que desde o início foram acompanhados pelas esposas, muitas vezes meninas ainda muito novas; eram mulheres que se encomendava ao patrão que as iam buscar em Manaus ou Belém,

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muitas vezes prostitutas, as quais procuravam outras alternativas de vida; e ainda, na região era muito comum o casamento com mulheres índias, trazidas de suas aldeias contra a vontade, através de expedições de matança chamadas de correrias, em que se matava quase todo mundo, menos as mulheres jovens.

Entretanto, em Mulheres da Floresta, Wolff (1999, p.67) relata que além dos seringueiros, viviam nos seringais alguns empregados “intermediários” (grifo da autora): um guarda-livros que cuidava da contabilidade e das contas correntes dos seringueiros; empregados de balcão; mateiros e fiscais; agricultores e trabalhadores nos engenhos; muitas vezes até um caçador e/ou pescador que se encarregava de fornecer gêneros à mesa do patrão. Era bastante comum que esses empregados fossem acompanhados por esposas ou companheiras, que participava, então, dos trabalhos do dia-a-dia do seringal.

O fato é que esta autora chama a atenção para a diferença de números entre a população masculina e a feminina na região dos altos rios, expressa nos diversos relatos dos entrevistados e, também, nas obras pesquisadas. Entretanto, outros dão conta de que existiam, sim, as mulheres e que tal fato se justifica se considerarmos que talvez nestes primeiros anos de abertura dos seringais, cada vez mais para o alto dos rios, não houvesse ai a mulher. Partindo desta hipótese, somente após algum tempo o seringueiros resolviam casar ou procurar parceiras (WOLLF, 1999, p.70).

Mas, independente do quantitativo de mulher presente nestes espaços e de sua invisibilidade não se pode deixar de se reportar às mulheres indígenas, mais invisíveis ainda e que viveram momentos muito mais duros até, pois como afirma Ferreira (s/d, p.4) foram vítimas das chamadas correrias, foram organizadas pelos seringalistas e eram constituídas por jagunços para perseguir, torturar e matar comunidades indígenas. Capturavam não só o índio para trabalhos forçados; suas mulheres e filhas eram capturadas para saciar a animalidade sexual dos capangas, como também eram vendidas ou trocadas por borracha ou outros produtos das necessidades.

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2.2.2 Segundo Surto da Borracha

Esta segunda corrente migratória dos nordestinos à região do Amazonas e Acre se dá em decorrência do envolvimento do Brasil na II Guerra Mundial em 1942, o governo brasileiro forneceu contingentes militares para as frentes de combate e firmou convênio com Rubber Reserve Company, assinando também os chamados Acordos de Washington, objetivando desenvolver a produção da borracha na Amazônia (NASCIMENTO, 1998).

De conformidade com o professor Martinello, em 1942, período de grande seca no Nordeste, contingentes significativos de retirantes chegaram à Amazônia, estimando-se que cerca de 34.000 seringueiros chegavam à região, com produção média anual de 16.000 toneladas de borracha. Mas, conforme esclarece Martinello, os estadunidenses ambicionavam aumentar mais a produção, se fazendo necessário aumentar o numero de extratores, o que alcançou a quantidade de 100 mil contratações em 1944. Para isso, o governo brasileiro criou a "batalha da borracha" e para viabilizar este projeto os governos brasileiros e estadunidenses criaram vários órgãos e instituições que se encarregariam do financiamento, recrutamento, transporte, alojamento, assistência médica e sanitária e alimentação para os que lutariam nessa batalha, entre eles, primeiramente o Departamento Nacional de Imigração (DNI) e posteriormente, o Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia (SEMTA). (MARTINELLO, 1985)

Mas, cabe ressaltar que neste segundo surto da borracha aconteceram três correntes migratórias: a primeira em 1942, quando da introdução do Brasil na Guerra e compromisso em fornecer a borracha para atender as demandas da guerra; a segunda em 1943, quando vieram cerca de 60 mil e a terceira em 1944, quando vieram 100 mil pessoas recrutadas visando atender o desejo de aumento da produção anual da borracha por parte dos governos e estadunidenses.

Portanto, no chamado segundo surto da borracha, na primeira corrente migratória como esclarece Martinello, é só o sertanejo vindo do Ceará, da Paraíba e Rio Grande do Norte, homens que se deslocavam com as famílias para a capital, no intuito de emigrar. Era uma migração familiar e que voluntariamente se destinou ao corte da seringa, sendo estes os chamados "seringueiros voluntários"

Contudo, o professor Martinello (1985) relata que o segundo momento migratório se diferencia do primeiro. Este segundo, entretanto, por acenar com

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vantagens diversas, contempla o deslocamento de pessoas dos diversos pontos do país, inclusive dos centros urbanos como Rio de Janeiro e Minas Gerais, sendo estes profissionais das mais diversas áreas como visto anteriormente no trabalho de Pedro Martinello (1985).

Contudo, Nascimento (1998) relata que nesta segunda corrente migratória o Serviço de Encaminhamento de Trabalhadores para Amazônia (SEMTA) encaminhou para Amazônia apenas homens solteiros, (mais ou menos 11.000) que foram arrebanhados de outras regiões do país, inclusive de cadeias públicas, principalmente influenciadas pelas propagandas. Destes, apenas novecentos foram colocados nos seringais, e os demais ficaram em Belém e em Manaus.

A terceira corrente migratória volta a priorizar os nordestinos e entre os períodos de 1944 a 1945 cerca de 50 mil “soldados da borracha” nordestinos ssao recurtados para atender a demanda imposta pela guerra.

Mas o fato é que neste segundo surto, os seringais já instalados, o seringueiro que não trouxe suas famílias já podia formar a sua família e, assim, a presença feminina é mais marcante neste espaço, embora ainda não tenha visibilidade em muitas das literaturas que tratam deste período histórico.

2.2.3 O Trabalho da Mulher no Seringal

O fato da família se fazer presente provoca uma mudança no cenário do seringal, pois o seringueiro conta, agora com a ajuda de filhos e da mulher, às vezes, um pai, um irmão, um tio, de forma que se pode contar com mais pessoas produzindo, mas, também, uma maior necessidade de se não se estar tão dependente do barracão e, no caso especifico da mulher, objeto deste estudo, entre as muitas atividades que exerce, está a defumação do látex para a confecção da borracha, a qual não se constitui tarefa fácil, tanto pelo esforço de ficar horas a fio sentada, rodando a pela de borracha e, ainda, pela quantidade de fumaça aspirada durante a realização desta atividade, até mesmo pela própria constituição do ambiente, como se observou através da figura abaixo:

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Figura 1 – Mulher defumando o látex para fabricar a péla de borracha.

Fonte: http://www.tomdaamazonia.org.br/biblioteca/files/Cad.Prof-4-Historia.pdf

Considerada perigosa em decorrência dos perigos da selva, a extração da borracha é tida, ainda hoje, como uma atividade exclusivamente masculina, relegando, assim, o trabalho e desempenho da mulher no desenvolvimento desta atividade.

Como evidencia Simonian (2001) ao tratar sobre as mulheres seringueiras na Amazônia brasileira apesar da produção acadêmica e iconográfica do processo de produção da borracha ser extensa e importante, pouco tratam da mulher

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especificamente, tendo, no caso da iconografia, se limitado a mostrar uma rica produção iconográfica sobre o homem seringueiro.

Esta autora relata que a revalorização da borracha no período da II Guerra Mundial se deu quando o governo dos Estados Unidos da América financiou a produção da borracha brasileira para garantir a demanda mundial posta pela guerra, possibilitando o surgimento de uma nova categoria social: a dos soldados da borracha, trabalhadores enviados do nordeste brasileiro para a região da Amazônia mediante a proposta destes serem repatriados e de receberem uma pensão compatível com a dos militares, promessa que ativou a vinda de muitos, porém vindo a ser cumprida somente após a promulgação da Constituição Federal de 1988, após muitas lutas e morte de muitos daqueles que viveram esta realizada e que morreram sem recebê-la. (SIMONIAN, 2001, p.77)

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3 O PAPEL E O COTIDIANO DA MULHER NOS SERINGAIS: RELATOS DE VIDA

Como advoga Dias (1984:45), o cotidiano, a partir da historia social, se revela como área de improvisação de papéis informais, novos e de potencialidades de conflitos e confrontos, onde se multiplicam formas peculiares de resistência e luta.

Neste sentido, o cotidiano presencia a luta diária dos sujeitos que viveram neste ambiente do seringal, sendo permeado de significados e significações que permitem a compreensão de como estas historias foram ao longo do tempo se constituindo.

O cotidiano da mulher nos seringais, de forma geral, mesmo relegado ao terreno das rotinas obscuras e tendo sido silenciado por tantos anos pela Historiografia local, evidencia uma história prenhe de muitos significados, ou melhor, de muitas contribuições à História, reafirmando o posicionamento de Dias (1984).

Como dito anteriormente, a mulher não teve uma participação significativa no momento conhecido como o primeiro surto da borracha (1876 a 1912), sendo este um período em que a mulher não se fazia presente entre a primeira leva de nordestinos vindos para as terras acreanas para a abertura dos seringais e extração do látex e produção da borracha. Assim, o arigó, homem nordestino, sozinho, larga sua família nos sertões brasileiros, fugindo da seca, da miséria e vem para a Amazônia, passando a compor o cenário de uma nova realidade: a dos seringais.

Assim, é somente no segundo surto da borracha (1939-1945), quando a partir de 1943 a Amazônia viveu um novo El Dourado e a corrida em busca do ouro branco que, no século passado já havia provocado um processo migratório do Nordeste para o Norte do País, volta a acontecer. É neste segundo processo migratório que a mulher tem uma maior participação, pois o nordestino vem e traz sua família, esposa e filhos.

Mas, cabe ressaltar que no período intermediário entre o primeiro e o segundo surtos da borracha, o cotidiano do seringal passa por grandes transformações.

Como afirma Wolff (2011, p.32), se no primeiro surto, da borracha os seringueiros viviam basicamente da troca desta, - a qual era produzida e basicamente trocada pelas mercadorias vendidas pelos patrões nos chamados barracões - e, eventualmente de alguma caça e pesca, com a crise da borracha em consequência da concorrência com a Malásia, agora a agricultura, a caça, a pesca,

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a criação de pequenos animais, o artesanato e a extração de outros produtos florestais tais como madeiras nobres, peles de animais, óleos vegetais, entre outros, passavam a ser atividades fundamentais para a sua sobrevivência e, como esclarece Wolff (2011), “um seringueiro sozinho não conseguiria praticar tantas atividades simultaneamente”, evidenciando, assim, a importância do papel que a mulher exerceu e, ainda exerce, dentro deste ambiente.

Neste contexto, este capítulo busca colocar em evidencia o papel da mulher dentro dos seringais acreanos, destacando o seu cotidiano de dona de casa, mãe, mulher, esposa e de sujeito cuja participação na luta pela posse da terra teve ,significados importantes. Mas, fundamentalmente este capítulo se constrói a partir dos relatos de mulheres e homens que vivenciaram o cotidiano dos seringais acreanos no período que compreende o segundo surto da borracha.

A utilização das fontes orais neste trabalho com seringueiras e seringueiros se deu por ser este um recurso bastante atrativo, fascinante até, à medida que permite perceber as dimensões importantes da vida que estes sujeitos constituíram na floresta e reviver este cotidiano permite-lhes, e a nós também, a reconstrução de suas identidades e, assim, o entendimento deste modo especifico de viver.

Assim, inicia-se este capítulo pelo cotidiano, cuja rotina é cheia de atividades onde a mulher tem seu tempo e forças consumidos, mas que suas falas são cheias de significados que nos permite avançar em nossas interpretações de historiadores.

3.1 O COTIDIANO DA MULHER

O segundo surto da borracha na região do Acre se deu no século XX, em conseqüência da Segunda Guerra Mundial que ocorreu no período que vai de 1939 a 1945, momento em que a região produz para atender a demanda de guerra. Neste período a mulher assume uma participação mais decisiva e seu trabalho passa a ser fundamental dentro das colocações, sendo que a divisão do trabalho era feita entre a mulher, maridos e, quando tinham, com os filhos. A mulher era responsável pelo cuidado com a casa e filhos. Também ajudava o marido nos serviços de abertura e manutenção do roçado e, muitas, auxiliavam o marido no trabalho de corte da seringueira, coleta do látex e, depois, na produção da borracha, com a defumação do látex.

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Após o segundo surto da borracha e com a crise que se apresenta novamente na economia gumífera, o seringueiro adquire maior liberdade de dividir seu tempo com outras atividades, como o roçado, a criação de animais domésticos, a caça e a pesca. Principalmente por que já se faz presente a figura da família no espaço dos seringais.

Entretanto, o homem não realiza todas essas atividades sozinho. Conta com a ajuda da esposa/companheira e dos filhos. Mas, mesmo tendo uma carga de trabalho não tão inferior ao do homem, a mulher não tem, dada à estrutura da sociedade do seringal, seu trabalho reconhecido, como evidencia Nascimento:

Embora o trabalho da mulher no cotidiano do seringal não ficasse em nada a dever ao trabalho executado pelo homem, a estrutura da sociedade do seringal não admitia o contrato de trabalho enquanto seringueira e, em consequência, não era permitido o seu cadastramento no Barracão e movimentação de conta no mesmo.

Neste sentido, todas as ações da mulher eram contabilizadas de forma indireta, através do nome de seu companheiro, mesmo que este não estivesse mais vivo. Esta situação inviabiliza a aposentadoria das mulheres na categoria de seringueiro, com direito a receber dois salários mínimos (NASCIMENTO, 1988:2)

Esta autora relata que a presença da mulher no corte da seringa apresenta três causas principais. A primeira era em conseqüência da necessidade dos pais em aumentar a renda utilizando-se da mão de obra familiar, que incluía as filhas ainda pequenas, que achavam natural ajudar no sustento da família; a segunda, segunda causa do trabalho da mulher no corte da seringa é a decisão de ajudar o marido, que, endividado no Barracão, não vê outra saída senão contar com a ajuda da mulher; a terceira, em conseqüência da perda ou da invalidez do chefe da família, seja o pai ou marido (p: 3-4).

Esta questão é evidenciada também no relato do senhor José Guedes6, ex-seringueiro, natural de Xapurí e que atualmente reside no município de Acrelândia e trabalha como professor na rede local de educação, o qual vivenciou, juntamente com seus irmãos, o contexto do seringal após o período conhecido como a Batalha da Borracha. De acordo com a sua fala, as mulheres desenvolviam, entre outras atividades, também o corte da seringa:

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Natural do Município de Xapurí, no Acre, nasceu no Seringal Filipinas, de propriedade do português Henrique Figueiredo, na Seção Santa Isabel, no ano de 1934.

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No caso das mulheres que não tinham filhos, algumas ajudavam o marido na colheita do leite da seringa. Ou ajudavam a ajuntar o sernambi que também era um produto vendido, só que era menos da metade do preço da borracha. Também não era todas as mulheres que fazia este tipo de serviço, muitas delas só fazia o serviço de casa.

Agora a respeito da mulher seringueira mesmo eu conheci algumas que perdiam o marido e não queria casar novamente e se dispunham a cortar seringa no lugar do marido. Mas, não eram todas. Às vezes o marido de uma determinada mulher morria e ficava endividado com o patrão e, neste caso, a viúva tinha aquele capricho de pagar a conta do falecido esposo e dava continuidade na atividade que o marido exercia (GUEDES. Entrevista. 2013)

Como se vê, alem do corte da seringa, atividades que nem todas as mulheres desenvolvidas, pois se restringia principalmente àquelas que perdiam o marido ou àquelas que, por não terem filhos acabavam tendo um tempo maior e, assim, podiam tirar um pouco do seu tempo para ajudar o marido, o cotidiano de trabalho da mulher dentro dos seringais é permeado por muitas outras que requeriam desta força, vitalidade, coragem e disposição.

Assim, como era o cotidiano dessa mulher, para além do corte ou defumação da seringa?

O cotidiano de trabalho da mulher no seringal é marcado por uma carga de trabalho bem extensa e pelo desenvolvimento de diversas atividades, bem diferente do homem, o qual tinha seu tempo distribuído entre as atividades do corte e produção da borracha e a caça. Já a mulher tinha que dividir seu tempo entre muitas atividades, como evidencia o relato de dona Raimunda, ex-seringueira, natural de Feijó e que nasceu no ano de 1933, e que à época da entrevista trabalhava como serviços gerais em uma empresa terceirizada que prestava serviços no Tribunal de Justiça em Rio Branco:

Lá a gente botava roçado, plantava macaxeira, milho, arroz, feijão, criava galinha, porcos, essas coisas que dava da gente viver, graças a Deus. Ajudava meu marido a cortar seringa, ajudei o primeiro, ajudei o segundo a cortar, colher, ia buscar cavaco lá na cavaqueira, partia e enchia o buião, ali a gente defumava e fazia aquela borracha, no fim do mês o patrão vinha buscar (SILVA. Entrevista. 1996).

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