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Os negros no Brasil: uma história de construção da cidadania

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – UNIJUÍ

Lídia Caroline Chaves Fonseca Rubenich

OS NEGROS NO BRASIL: UMA HISTÓRIA DE

CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA

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Lídia Caroline Chaves Fonseca Rubenich

OS NEGROS NO BRASIL: UMA HISTÓRIA DE CONSTRUÇÃO DA

CIDADANIA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como condição para a Graduação no curso de História – Licenciatura Plena –, na Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – Unijuí.

Orientadora: Vera Lúcia Trennepohl

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OS NEGROS NO BRASIL: UMA HISTÓRIA DE CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA

de

Lídia Caroline Chaves Fonseca Rubenich

Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado ao Departamento de Humanidades e Educação, curso de História, Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul –

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RESUMO

O presente trabalho de conclusão de curso busca aprofundar o estudo a respeito do negro no Brasil, sua trajetória em território americano ao longo de três séculos bem como sua vinda para cá por intermédio do lucrativo tráfico negreiro e também quais foram suas formas de resistência nos engenhos e nas lavouras. Trataremos de um item muito importante que é o modo como a sociedade constrói essa leitura a respeito do negro, do preconceito e também da sua importância na construção e formação da historiografia brasileira. Abordaremos as leis étnicas raciais existentes no país que visam a reparar um erro cometido há muito tempo contra os escravos, oferecendo aos negros, aos pardos, aos afrodescendentes e aos índios as mesmas oportunidades que aos brancos, assim será clara sua importância para o desenvolvimento social.

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ABSTRACT

This course conclusion work seeks to deepen the study about the black in Brazil, its trajectory in American territory over three centuries and his coming here through the lucrative slave trade and also what were their forms of resistance in the mills and in the fields. We discuss a very important item that is how society constructs that reading about the black, prejudice, and also of its importance in the construction and development of Brazilian historiography. We discuss existing racial ethnic laws in the country that aim to fix a mistake made long ago against the slaves , giving black , to brown , to Afro-descendants and indigenous people the same opportunities as whites , so will clear their importance for social development .

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 9

1 CONTEXTO GERAL: HISTÓRIA DO NEGRO NO BRASIL ... 12

1.1 O Brasil Colonial e o Tráfico Negreiro ... 14

1.2 A Estrutura Escravista ... 15

1.3 A Resistência dos Escravos e as Leis Abolicionistas ... 19

2 COMO A SOCIEDADE CONSTRÓI ESSA LEITURA EM RELAÇÃO AOS NEGROS ... 23

2.1 A Construção de uma Identidade ... 26

3 IMPORTÂNCIA DA LEI DAS RELAÇÕES ÉTNICO RACIAIS ... 29

3.1 Diversas Leis e o Acesso dos Negros à Educação ... 30

CONCLUSÕES ... 35

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INTRODUÇÃO

Atualmente temos assistido muitos casos de racismo que vêm ocorrendo em nosso país. Esses atos são praticados por pessoas preconceituosas e maldosas e atinge a honra e a moral da vítima, pois quem sofre fica com sérias cicatrizes que precisam ser trabalhadas. Esse crime tem ocorrido com certa frequência nas escolas, nas vias públicas, no trabalho, no campo de futebol, na internet, etc. Por esse motivo, por meio de pesquisas e leituras, desenvolvemos este trabalho na tentativa de insistir mais uma vez a trajetória dos negros no Brasil, explicando, de forma clara, como eles chegaram até aqui, por que vieram, como era seu cotidiano, qual foi o papel da Igreja ante a escravatura e como muitos deles resistiram. Analisamos, também, o desfecho tão marcante com as leis abolicionistas, como a Lei do Ventre Livre, a Lei Sexagenária e a Lei Áurea.

Esse problema de desigualdade racial que o país enfrenta está intimamente ligado à visão que as pessoas ainda têm do negro submisso, inferior, dominado e subalterno. Por isso observamos que o pensamento de muitas pessoas “parou” no tempo, pois em pleno século 21 firmam essas ideias retrógradas e absurdas. Não podemos generalizar, mas infelizmente parte da população brasileira tem construído uma visão negativa referente aos negros, como, por exemplo, associar e enquadrar o perfil de um negro que usa roupas largas, boné na cabeça, que ouve funk, a um bandido e assaltante. Quase nunca se pensa em um meliante de pele clara, cabelo liso, louro e de olhos azuis!

O Estado brasileiro, contudo, tem criado e revigorado importantíssimas leis que visam proteger os (as) negros (as) de todo e qualquer tipo de crime racial que sofrerem. Há leis que proporcionam mais oportunidades e vagas a alunos de baixa renda, negros, afrodescendentes, pardos, indígenas para que possam frequentar um curso superior em uma universidade pública ou privada. Também foi proposta em lei a inclusão obrigatória no currículo escolar de disciplina para estudar a História da África e dos africanos e todas as contribuições econômicas, políticas e culturais que os negros exerceram no país. Desse modo, nas salas de aula há a oportunidade de esclarecer, construir e enriquecer o conhecimento sobre esse importantíssimo assunto.

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Esta é uma pesquisa bibliográfica, pois foram feitas investigações e leituras a respeito do tema. É um assunto que está presente na sociedade em geral, principalmente na realidade escolar, pois, a escola é um local em que há trocas de informações, experiências e vivências, em que se constroem novas aprendizagens e, muitas vezes, ocorrem práticas de preconceito,

bullyng e discriminação. Neste sentido, estudar a cultura negra e a História da África torna-se

imprescindível para amenizar esses atos, visando a esclarecer e permitir que os alunos construam outras ideias e conceitos referentes ao negro.

O Trabalho de Conclusão de Curso consistiu no levantamento de informações de várias fontes que discutem estas temáticas. Para isso, consultamos dois artigos acadêmicos como fontes bibliográficas: o primeiro intitulado O desafio de eliminar o racismo no Brasil –

a nova institucionalidade no combate à desigualdade racial, de Alexandre Ciconello; o

segundo é uma Dissertação no Mestrado em Gestão Educacional, de Cássio Cassel e Maria Aparecida Marques da Rocha, nomeada Apontamentos iniciais sobre a desigualdade racial e

a gestão universitária: um olhar na universidade privada, a partir do ciclo de políticas.

Examinamos também os artigos de Nilma Lino Gomes, intitulado Alguns termos e

conceitos presentes no debate sobre as relações raciais no Brasil: uma leve discussão; e Relações étnico-raciais, educação e descolonização dos currículos. Realizamos a leitura dos

livros O negro no Brasil – Histórias e desafios, de Marcos Rodrigues da Silva, e Uma

História do negro no Brasil, de Wlamyra R. de Albuquerque e Walter Fraga Filho. História do Brasil de Fausto Bóris. Senhores destas Terras de Gilberto Azanha e Vírginia Marcos

Valadão e O escravismo no Brasil de Mário Maestri.

O estudo está constituído de três Capítulos. No primeiro apresentaremos, de forma geral, a História do negro no Brasil, explicando como e porque vieram forçadamente trabalhar como escravos no Brasil colonial, bem como sua travessia do Atlântico por meio dos navios negreiros; apresentaremos, também, a estrutura escravista, seus ofícios, como viviam, como eram educados; veremos, ainda, os instrumentos horripilantes de tortura utilizados para castigar o cativo rebelde que cometesse algum "erro". É neste primeiro capítulo que estudaremos como a Igreja Católica se comportava a respeito da escravatura, e, dando sequência, mostraremos as formas de resistências e o movimento abolicionista.

No segundo Capítulo analisaremos como a sociedade constrói essa leitura em relação ao negro no Brasil. Não deveria, mas atualmente é comum vermos situações de desigualdade racial e de preconceito, quando pessoas brancas possuem mais oportunidades que as negras.

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Como são vistos na sociedade? Como são vistos na televisão? Que papéis ocupam na mesma? Qual sua importância? Como se constrói essa identidade? Quem são os negros no Brasil? Quais foram suas influências culturais no país?

No terceiro Capítulo apresentaremos as leis étnicas raciais e sua importância para a sociedade. Veremos que existem muitas leis, por exemplo, que incriminam o cidadão que comete racismo. No âmbito educacional, 50% das vagas são destinadas para estudantes de escola pública com renda igual ou inferior a um salário mínimo e meio per capita e também para aqueles que se autodeclararem pretos, pardos ou indígenas. Muitas universidades brasileiras públicas e privadas já adotaram as cotas raciais que surtiram grande efeito positivo na sociedade, e as universidades que ainda não implantaram essas reservas terão que cumpri-las até esse ano, pois essa implantação de cotas ocorreu de forma progressiva ao longo desses quatros anos (2012-2016).

Para finalizar expomos nossas conclusões a respeito do tema em estudo e as referências bibliográficas empregadas neste Trabalho.

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1 CONTEXTO GERAL: HISTÓRIA DOS NEGROS NO BRASIL

Durante os séculos 15 e 16, portugueses e espanhóis aventuraram-se nas temíveis navegações marítimas nos oceanos Pacífico, Índico e Atlântico, e fizeram o que nenhum outro europeu tinha conseguido: contornaram a África, alcançaram o Oriente e encontraram a América, momento em que iniciaram o grande encontro mundial entre diferentes povos. Era a humanidade dando um passo importantíssimo, promissor e responsável pelas conquistas e suas respectivas consequências geradas. Os motivos que levaram a essa aproximação e à iniciativa das viagens foi o desejo de comprar especiarias, como canela, pimenta, cravo, etc.1, e também a necessidade de conquistar novas terras para poder obter matérias-primas, metais preciosos e produtos que não se encontrava no Continente Europeu. Assim, continuaram a viagem, pois já contavam com objetos que facilitava ainda mais a navegação: bússola, caravela, astrolábio, armas de fogo, etc.

A expansão portuguesa começou em 1415, tomando e saqueando Ceuta, cidade comercial árabe no Norte da África. A partir daí os portugueses foram avançando cada vez mais pelo litoral da África, pois por lá haviam “coisas” interessantes para oferecer aos europeus.

Em 1492 Cristóvão Colombo “descobriu” a América, mas já havia milhares de seres humanos no território. Além de se maravilhar com as belezas naturais, Colombo mostrava uma enorme preocupação com o ouro e para tê-los em mão, mandava castigar o índio que não conseguisse lhe trazer nada2. Ele pensava que tinha chegado às Índias orientais; entretanto, no início no século 16, o cartógrafo e navegador italiano Américo Vespúcio descobriu que ele havia encontrado outro continente, por isso chamou o novo mundo de América, em homenagem ao seu nome.

1

GOMES, Maria Malvina;BASTOS, Souza. As Grandes Navegações Portuguesas e a Conquista das Águas Profundas pelo Brasil, http://ecen.com/eee87/eee87p/navegacoes.htm#A_autora: <acessado em março 2016>

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No dia 22 de abril de 1500, Pedro Álvares Cabral afastou-se das costas africanas e, chegando ao atual Brasil, verificou que em nossas matas existia uma árvore denominada pau-brasil e seu lenho servia para fabricar um corante vermelho de grande importância para o tingimento dos tecidos. A madeira era ótima para móveis. E seu preço alto na Europa.3

Para suprir os interesses econômicos de Portugal no Brasil recém-descoberto, os portugueses praticavam o escambo, que consistia na troca de mercadorias ou serviços sem fazer o uso da moeda, trocando com os índios, por exemplo, a extração do pau-brasil por bugigangas, exemplo: machados, facões, instrumentos de trabalho, espelho, corda. Foi nesse episódio que chegou da Companhia de Jesus, cujo objetivo era evangelizar os índios, ensinar a tocar e confeccionar seus instrumentos, a esculpir anjos e combater o protestantismo, inserindo, assim, o catolicismo nas regiões recém-descobertas, bem como transmitir-lhes os costumes europeus e a língua portuguesa.

O monopólio do pau-brasil, iniciado logo após o descobrimento, teve, aproximadamente, a duração de três séculos, mas foi perdendo sua importância à medida que outras atividades despertaram o interesse da Coroa.

Os colonos portugueses recorreram à exploração do trabalho dos povos indígenas que habitavam a costa brasileira. A escravidão foi um tipo de trabalho forçado também imposto às populações nativas. O índio escravizado era chamado de “negro da terra”, distinguindo-o assim do “negro da guiné”, como era identificado o escravo africano nos séculos XVI e XVII. Com o aumento da demanda por trabalho no corte do pau-brasil e depois nos engenhos, os colonizadores passaram a organizar expedições com o objetivo de capturar índios que habitavam em locais mais distantes da costa. Através das chamadas “guerras justas” comunidades indígenas que resistiram à conversão ao catolicismo foram submetidas à escravidão (ALBUQUERQUE; FILHO, 2006, p. 40).

Na capitania da Bahia, por exemplo, havia outro produto que começou a prosperar – a cana-de-açúcar –, que, em virtude do seu bom desenvolvimento nos Estados da Bahia e Pernambuco, rapidamente tornou o Brasil o maior produtor de açúcar do mundo, porém o país era pouco povoado, faltando, assim, mão de obra suficiente para o plantio e produção de cana. Desse modo, os portugueses utilizaram ainda mais os índios. Eles eram seminômades e alguns grupos praticavam horticultura rudimentar. Entretanto os indígenas também desenvolveram suas formas de resistências, fugiam, atacavam propriedades, adoeciam e morriam. Para suprir essa necessidade, o Rei de Portugal permitiu a vinda dos africanos para trabalharem como escravos nas nossas lavouras, o que seria muito lucrativo. Contudo, não contribuíram apenas na economia (mercantilismo), mas também na questão cultural (jesuítas) e social (adaptação

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em terra estranha). Em muitos lugares da América predominou a escravidão de origem africana. Foi o caso de Cuba, Jamaica, Haiti e Brasil.

“As razões da opção pelo escravo africano foram muitas. É melhor não falar em causas, mas em conjunto de fatores. A escravização do índio chocou-se com uma série de inconvenientes, tendo em vista os fins da colonização. Os índios tinham uma cultura incompatível com o trabalho intensivo e regular e mais ainda compulsório, como pretendido pelos europeus. Não eram vadios ou preguiçosos. Apenas faziam o necessário para garantir sua subsistência, o que não era difícil em uma época de peixes abundantes, frutas e animais. Muito de sua energia e imaginação era empregada nos rituais, nas celebrações e nas guerras. As noções de trabalho contínuo ou do que hoje chamaríamos de produtividade eram totalmente estranhas a eles. [...] A outra tentada pelas ordens religiosas, principalmente pelos jesuítas, por motivos que tinham muito a ver com suas concepções missionárias. Ela consistiu no esforço em transformar os índios, através do ensino, em “bons cristãos” reunindo-os em pequenreunindo-os povoadreunindo-os ou aldeias”.(BÓRIS, Fausto. 2012.p.49).

1.1 O Brasil Colonial e o Tráfico Negreiro

A presença negra no Brasil teve início na primeira metade do século 16 e permanece até hoje. De cada três brasileiros um era escravo ou tinha origem africana. O tráfico negreiro enriqueceu muitas pessoas, trouxe riqueza e poder aos donos de tais embarcações, suprindo de escravos os serviços domésticos e a indústria açucareira. Os maiores traficantes de escravos eram moradores da Colônia (brasileiros) e não da metrópole (Portugal). Primeiramente eles caçavam, entravam nas aldeias e prendiam os habitantes, esse era um comércio com os reinos da África Subsaariana. Com a valorização do escravo os próprios chefes das tribos africanas vendiam as pessoas em troca de tecido, cachaça, algodão, joias, armas, tabaco, etc., pois o homem africano já não era considerado ser humano, mas uma mercadoria qualquer.

Para chegarem à América eram embarcados nos navios negreiros, chamados também de tumbeiro de pequeno porte, que transportavam os escravos da África para o seu novo destino, com duração de, aproximadamente, dois meses. Cada navio levava em média 400 indivíduos; por isso, ao embarcar, eles eram marcados a ferro quente no peito ou nas costas para identificar a que traficante pertenciam4. Os cativos eram separados de seus familiares e grupos étnicos para evitar possíveis rebeliões. Ficavam amontoados e acorrentados uns sobre os outros em um porão muito quente, escuro, úmido e sem sol. O mau cheiro era muito grande, e o espaço para movimentação era mínimo. “A comida era uma mistura gosmenta de

4 ALBUQUERQUE, W. R. de; FILHO, W. F. Uma História do negro no Brasil. Salvador: Centro de

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farinha, água e pedaços de carne seca” 5 que era jogada, e a tripulação nem se preocupava se todos tinham recebido sua cota. Faziam suas necessidades fisiológicas próximas ao local onde passavam os dias. Segundo Silva (1987, pp.10-11) a situação era totalmente precária, com condições nulas de higiene e saúde; passava fome, sede e sofriam com o calor, com o aperto, e isso justifica as muitas doenças e mortes durante a viagem. Eles passavam fome porque quanto maior o espaço mais negros caberiam, portanto mais lucros, motivando, assim, a eliminação do alimento e ração que eles comiam. Quando alguém falecia, muitas vezes o corpo permanecia por dias junto com os vivos, pois não era comum o integrante do navio entrar no porão e ver. Assim, quando esse meio de transporte apresentava dificuldades no seu trajeto, o corpo era lançado ao mar, bem como aquele considerado incapaz de gerar lucros aos comerciantes.

Às vezes, muito raramente, o comandante permitia que os negros tomassem um pouquinho de sol, mas em troca tinham de pular e dançar para demonstrar “alegria”. “Aquele barco [...] pelo fedor, pela escassez de espaço, pelos gritos contínuos e pelas infinitas misérias de tantos infelizes, parecia um inferno” (ALBUQUERQUE; FILHO, 2006, p. 50). São palavras de Frei Sorrento, citado no livro de Albuquerque e Filho (2006), que era capuchinho italiano em dezembro de 1649 a bordo de um navio contendo mais de 900 escravos.

Nas embarcações havia diversas nações africanas, clãs e reinados que iriam formar um único contingente de pessoas. Em outras palavras, podemos afirmar que o tráfico negreiro compreende apenas o início de todos os atos de violência sofridos por homens, mulheres e crianças que participaram dessa comovente e trágica História. Existem várias hipóteses de um quadro estimativo da quantidade de africanos que chegaram ao Brasil, a mais aceita atualmente é de “Antonie de Tunay, que afirma a chegada de 3,6 milhões de escravos negros em três séculos de tráfico negreiro ao Brasil” (SILVA, 1987, p.14). Essa ação ocorreu desde a saída do seu território, e permaneceu durante a longa travessia marítima até o cativeiro. Eles foram submetidos a maus tratos cruéis e dolorosos. Uma realidade inconcebível para a dignidade humana.

1.2 A Estrutura Escravista

No século 17 os escravos que chegaram ao Brasil vieram, principalmente, do Congo e de Angola. No século seguinte eram originários da Costa do Ouro, onde atualmente estão

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Gana e Togo, Benin e Nigéria. A Bahia recebeu escravos que vinham de Benin. Assim que chegaram foram vendidos em leilões públicos de acordo com vários critérios: sexo, idade, força física. Eram comercializados também em metro e quilograma. (SILVA, 1987, p.11). Além disso, diferentes compradores podiam levar separadamente pais ou filhos, maridos e mulheres. Nas fazendas os escravos viviam em habitações coletivas – as chamadas senzalas – nas quais quase não havia janelas, o que facilitava a vigilância.

Na aquarela do holandês Le Clercq, o interior de uma senzala (1845). Fonte: <http://www.revistadehistoria.com.br/secao/capa/outros-poderes>.

Em relação ao trabalho escravo, a maior parte era realizada nas lavouras dos grandes proprietários de terras. Trabalhavam de sol a sol em canaviais, moendas, caldeiras. Estavam presentes também em outras ocupações na colônia: nos serviços domésticos, nas manufaturas de açúcar, no comércio ambulante, nas lojas, na criação do gado, nos açougues, nas oficinas de sapateiros, carpinteiros, ferreiros, na construção de casas e também estradas. Nas cidades, como havia muito serviço, alguns escravos se dedicavam ao trabalho doméstico e outros eram utilizados pelo governo. Os que viviam na zona urbana tinham uma vida menos presa do que a de quem vivia no campo. Havia o chamado escravo de ganho, que era autorizado por seu dono a sair em busca de um emprego; por exemplo, auxiliar um barbeiro a cortar cabelo e

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receber uma quantidade de dinheiro por isso. As mulheres também podiam ser, saindo para vender doces e bolinhos na rua, ou serem carregadoras.

Era muito comum o latifundiário ceder um pedacinho de terra para os escravos.6 Assim, nos poucos momentos de descanso (domingo), os escravos e suas famílias podiam usar aquela terra para plantar algo e criar alguns animais. Isso fazia com que sua alimentação melhorasse, podendo também vender o que tinham produzido e obter uma pequena fonte de renda.

A sociedade colonial estava dividida entre os escravos que formavam a base econômica, pois eram os responsáveis pela maioria dos serviços braçais executados na colônia. O senhor de engenho possuía o poder e a autoridade absoluta, e distinguia -se pelo direito de portar armas (espada), fazendo com que todos o obedecessem. Essa pirâmide social fica, então, composta por escravos e homens livres (senhor de terras sem engenho, ferreiro, carpinteiro, capataz), e no topo os aristocratas e o senhor do engenho. Em relação à família do latifundiário, era chamada patriarcal, porque era o pai o chefe absoluto sobre sua mulher e seus filhos. Ele decidia o futuro dos filhos e, geralmente, o mais velho herdava a propriedade; os outros seriam advogados, médicos e padres. As famílias ricas educavam as meninas diferentemente dos meninos. Elas estudavam menos e a maioria nem sabia ler e escrever, mas aprendiam coisas que agradariam seu futuro marido, como cantar, bordar, tocar um instrumento musical. Nessa sociedade, mesmo na classe popular, a mulher era inferior e submissa ao homem. Se ela fosse casada ou solteira jamais sairia sozinha para a rua; sempre estava na companhia de uma escrava de confiança. Geralmente as moças ricas se casavam com quem seu pai escolhesse. Na verdade, a união se dava entre famílias ricas para fortalecer as elites. Quando casada, seu papel era cuidar da casa, do marido e dos filhos. Ela somente liderava quando o marido viajava ou falecia.7

Os escravos tinham uma vida muito sofrida. A dureza do trabalho, a precariedade da alimentação, os maus tratos, as doenças, a falta de roupas e moradias apropriadas, faziam com que a taxa de mortalidade fosse alta. Deveras, trabalhavam por várias horas consecutivas e não tinham momentos para lazer, não tinham direito nenhum, mas, eram castigados! Assim o amadurecimento era precoce. Seus filhos os substituíam desde cedo. Infelizmente esse tempo era suficiente para vivenciar e conviver com todos os atos desumanos já mencionados. Além disso, eram muito comuns os castigos, ou seja, qualquer deslize do escravo implicava

6 SCHIMIDT, 2005. p.201. 7 SCHIMIDT, 2005. p.211.

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punição. Nesses 358 anos revoltosos de escravidão no Brasil, os negros africanos sempre foram vigiados pelos capatazes, que os surravam, usando sua força física para dominar.

A repreensão mais conhecida é o tronco, em que o prisioneiro ficava preso pelas canelas, de costas, totalmente nu, enquanto era açoitado com um chicote chamado bacalhau, que abria fendas até sangrar. Sobre a carne viva passavam um coquetel de sal, urina e pimenta que, além de doer, inflamava. Assim, os outros escravos, assistindo aquela cena horripilante, pensavam duas vezes antes de desobedecer. As agonias eram intermináveis: derramavam álcool sobre partes do corpo e depois encostavam o fogo para queimar; as amputações também compõem essas práticas, quando se amputava o seio, cortava o nariz, a orelha, os órgãos sexuais, arrancavam dentes à martelada, furavam um dos olhos, emparedavam o escravo vivo!8. Existia também o vira-mundo, um instrumento de ferro que prendiam mãos e pés. A máscara de flandres era um objeto de metal que cobria todo o rosto exceto o nariz e os olhos. Prendia-se com um cadeado atrás da cabeça e era utilizada para impedir a ingestão de alimentos ou bebida. A gargalheira era um colar de ferro com vários braços em forma de gancho, utilizado para chamar a atenção, identificando que aquele escravo havia cometido um erro9.

As escravas bonitas eram forçadas a se relacionar sexualmente com os seus senhores. Se engravidassem teriam de abortar. Às vezes, quando estupradas, davam à luz o (a) filho (a) com o latifundiário que, posteriormente, era vendido (a). Mesmo sendo filho, esses senhores vendia a criança como escrava. Toda essa situação despertava o ciúme nas suas esposas, pois as escravas eram cativas, belas, jovens e atraentes e, por isso, as mandavam mutilar, cortando seu rosto com uma navalha, etc. A escravidão é um dos capítulos mais sangrentos da História10.

Por trás disso, havia outros meios de controlar os cativos além da força física, como oferecer vantagens aos escravos que tivessem “melhor comportamento”, aos que produzissem mais do que os outros, aos que denunciassem as fugas, aos que nunca desobedecessem a ordens. Eles eram premiados com mais carne nas refeições, poderiam ser promovidos a escravos domésticos, teriam direito a descanso naquela semana e poderiam até ganhar uma calça nova! Muitos senhores de engenho transformavam seu cativo em liberto-forro, deixando de ser escravo, mas não gozava de todos os direitos. Os servos negociavam trocas de serviço,

8 SCHIMIDT, 2005, p.199

9 PAULO, Heverton. Os cinco piores castigos dados aos escravos no passado. Disponível em

http://www.ultracurioso.com.br/os-5-piores-castigos-dados-aos-escravos-no-passado/.<Acessado em 05 abril 2016>

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queriam menos castigos, um pedaço de terra, melhor alimentação; isso era, basicamente, uma forma de resistência e negociação.

Em relação à Igreja, os bispos e padres acreditavam que a escravidão era um meio de trazer os africanos para a “verdadeira religião”, pois, no fundo, ela colaborava com seus sermões, fazendo o escravo pensar que merecia ser escravo, como afirma Marcos Rodrigues da Silva:

Ao papa, ao apoiar o reino de Portugal, restava ratificar os gestos agressivos e invasores dos navegadores, abençoando suas nações e acentuando como positiva a prática do proselitismo, que consistia na violação das experiências religiosas do povo africano, com a implantação da exigência da fé e da prática religiosa do povo invasor, ou seja, do catolicismo (1987, p. 9).

De fato, uma vez que na sua terra natal os africanos serviam ao demônio, agora estariam sofrendo o castigo e a punição de Deus. Se, portanto, fossem obedientes e aceitassem as condições sem reclamar, alcançariam o perdão e, após a morte, iriam para o céu. É nítido que naquela sociedade, naquele tempo, os valores, as ideias, as crenças e a visão de mundo eram totalmente diferentes da atual, por isso muitos escravos naquela situação humilhante acreditavam fielmente nesse sermão. A igreja católica apoiava a escravidão africana e combatia a indígena porque o índio possuía uma alma pura, não tinha pecado, por isso havia grande interesse em catequizá-los de modo a conseguir mais fiéis e propagar o Catolicismo no mundo recém-descoberto, pois a Europa estava vivenciando a contrarreforma. O africano por sua vez, já estava condenado.

1.3 A Resistência dos Escravos e as Leis Abolicionistas

Para tentar resistir, os escravos africanos também se revoltaram contra os proprietários, cometendo suicídio, formando quilombos, fugindo, furtando, incendiando e destruindo plantações. Essas eram algumas maneiras de se rebelar. Havia outro tipo de resistência sutil e silenciosa, que era a recusa ao trabalho, quando o escravo se retirava para um canto e ali ficava até a morte. Essa atitude foi identificada como uma doença chamada banzo11, causada pela saudade que sentiam da África. Além disso, eles também envenenavam os membros da Casa Grande.

Quilombo era o nome dado aos acampamentos de escravos fugitivos, bem longe das povoações dos homens brancos que, com o tempo, se transformavam em aldeias, com uma vida social e econômica própria. O mais famoso foi o Quilombo dos Palmares, que se formou na Serra da Barriga, em Alagoas, no meio da mata e dos rios. Como era de difícil acesso, eles

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produziam mandioca, milho, cana-de-açúcar e banana, chegando até a comercializar com regiões vizinhas12.

O fim da escravidão não se deu de uma hora para outra. A partir da Independência do Brasil, em 1822, ficou claro que seria impossível construir um país livre contando com classes tão opostas. A Inglaterra aboliu a escravidão nas colônias em 1833 e transformou-se na maior defensora do fim do comércio escravista. Diante, também, da Revolução Industrial, o capitalismo se consolidou, e era necessário, portanto, que o trabalhador fosse assalariado, pois o escravo nada comprava, e com esse dinheiro empregado ao escravo poderiam comprar produtos ingleses. O Brasil foi pressionado pelos ingleses, pois éramos os maiores compradores de escravos. Assim, em 1831, surgiu a primeira lei que proibiu o tráfico negreiro, entretanto ela não foi acatada. Quando a Inglaterra abordava os navios em alto mar, os traficantes lançavam os escravos no mar para se livrar da prova do crime.

A Lei Eusébio de Queirós, criada em 1850, proibia o tráfico de escravos para o Brasil. Com a proibição do tráfico o preço dos escravos aumentou e menos pessoas podiam compra-los13. O tráfico, então, despencou gradativamente. Em 1865, com a abolição nos Estados Unidos, restavam somente dois países ocidentais a manter a escravidão: Cuba e Brasil, sendo o nosso país o último a abolir a escravatura. Antes de a Princesa Isabel assinar a Lei Áurea, teve duas leis que a antecederam. Foram elas: a Lei do Ventre Livre, de 1871, declarando livres os filhos de escravas a partir daquela data, e a Lei dos Sexagenários, de 1885, que concedia liberdade aos escravos maiores de 60 anos. Como já vimos, porém, muitos escravos nem chegavam a essa idade; morriam bem antes. Finalmente, em 13 de maio de 1888, foi assinada a Lei Áurea, que declarava extinta a escravidão no Brasil. Contudo, esse ato não partiu somente da vontade do governo de extinguir a escravidão. Os donos de escravos, por exemplo, alegavam que o escravo não teria condições e nem estava preparado para essa liberdade. Na verdade queriam que a escravatura fosse abolida em longo prazo, do contrário traria prejuízo econômico, pois, quem ofereceria mão-de-obra suficiente para continuar desenvolvendo as atividades agrícolas? O fim da escravidão se deu também por causa dos fortes movimentos abolicionista, como diz Albuquerque e Filho, 2006, p.175:

“Já os escravos tinham expectativas de que a abolição do cativeiro acontecesse o mais rápido possível. Estudos recentes demonstraram que os escravos tomaram iniciativas que aceleraram o fim da escravidão, como as fugas, a formação de quilombos e a rebeldia cotidiana. A

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VICENTINO, Cláudio. Viver a História. 2002.p.259.

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movimentação dos escravos teve repercussão política e influenciou decisivamente o processo da abolição. Influenciou inclusive a forma como os políticos encaminharam as discussões sobre as leis emancipacionistas. Deputados, senadores e conselheiros do Império, muitos deles grandes proprietários de escravos, estavam atentos ao que acontecia à sua volta e muitas das suas decisões foram tomadas sob pressão do que viam nas ruas e nas senzalas.”

Após esse longo trajeto que marcou a História do nosso país em razão da experiência da escravidão no Brasil colonial, percebemos que um dos principais objetivos dos europeus era o de obter lucros econômicos, e foi por meio das atividades agrícolas e domésticas nos engenhos que as nações europeias foram enriquecendo e se desenvolvendo. Inicialmente os índios tiveram sua mão de obra empregada na extração do pau-brasil e, mais tarde, os negros africanos foram arrancados à força de sua terra natal para serem cativos em uma terra estranha e desconhecida. Foram humilhados, castigados e, além disso, não passavam de simples objetos. Eram seres humanos, porém considerados apenas como uma mercadoria. Apesar de todo sofrimento, exploração e violência sofrida, eles foram muito importantes para o desenvolvimento do nosso país, pois sem sua mão de obra o Brasil não teria a possibilidade de avançar no processo econômico de produção no qual incessantemente o cativo trabalhava por horas e horas, em lugares distantes, avançando, assim, o território que extraía os minerais preciosos. Aconteceu o mesmo no ciclo da cana-de-açúcar, que se expandiu pelo nordeste brasileiro. Em suma, no plano econômico, os negros serviram como força de trabalho, fornecendo mão de obra escrava nas lavouras de cana-de-açúcar, algodão, café e mineração, sem remuneração, tratados de maneira desumana e submetidos a condições de vida muito precárias. Foi graças a este trabalho forçado do negro que se produziram as riquezas que ajudaram na construção do Brasil colonial e na estruturação da base econômica, além de contribuir e influenciar a cultura na sociedade brasileira. Por exemplo, a música brasileira é cheia de ritmos e de balanço, seja ela gaúcha, amazonense, seja ela paulista. O gosto pelo ritmo forte e melodia que nos incentiva a dançar tem muito a ver com as músicas cantadas ainda pelos escravos. Muitos instrumentos vieram da África, como o tamborim e uma porção de tipo de tambores. Nossa música popular (MPB) tem muito da África, é uma mistura da música europeia trazida pelos portugueses e até mesmo das músicas dos índios. O MPB é o encontro dessas três culturas: europeia, africana e indígena. Muitas comidas típicas de vários estados brasileiros mostram a influencia dos povos africanos. Por exemplo, o caruaru, o acarajé, a moqueca e o vatapá, todos eles feitos com azeite de dendê, um produto que o Brasil colonial importava em grande quantidade da África. A farofa é uma invenção dos africanos no

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Brasil, que aprenderam a utilizar a mandioca dos nossos índios. Os africanos também contribuíram com sua sabedoria a respeito da natureza e das técnicas de trabalho. Os escravos africanos ensinaram bastante aos portugueses do Brasil. Por exemplo, os negros sabiam cuidar muito bem de vacas, cavalos, cabras, jumentos, pois havia rebanhos desses animais na África. E por isso dominavam segredos de pesca no Atlântico, e eram excelentes marinheiros de oceano. Quando as plantações de arroz foram introduzidas no Maranhão, a sabedoria dos africanos foi decisiva. Afinal, já estavam acostumados com as técnicas de plantações de arroz da África Ocidental. As africanas eram artesãs habilidosas. Elas pegavam os fios de algodão e teciam renda, toalhas e tecidos, e combinavam os desenhos portugueses com as ideias da arte africana. O resultado eram peças maravilhosas, bonitas e refinadas.14

No próximo capítulo é apresentado o estudo que mostra como a sociedade construiu sua leitura sobre a presença do negro no Brasil.

14

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2 COMO A SOCIEDADE CONSTRÓI ESSA LEITURA EM RELAÇÃO AOS NEGROS

Muitos são os que afirmam a presença do racismo no Brasil, no entanto pouquíssimos admitem serem racista. Tudo está relacionado e tem origem no século 16 ao 19, quando o Brasil era colônia de Portugal, período em que ocorreram muitos fatos que marcaram a historiografia brasileira, principalmente a escravidão, e que perduraram por longuíssimos 300 anos no nosso país.

A escravidão foi um desfecho histórico que deu um novo sentido para o país. Muitos acontecimentos do passado nos influenciam ainda hoje seja social, cultural ou politicamente, como também nossas concepções e ideias que formulamos a partir disso, o que nos permitiu conhecer nossas origem e identidade, bem como reconhecer o passado do Brasil nesse episódio de intensa exploração. Desde que o Brasil foi colonizado os habitantes que já vivam aqui foram submetidos ao serviço escravo. Além da resistência, muitos índios adoeceram e morreram, diminuindo, assim, a mão de obra indígena que era primordial na extração do pau-brasil. Essa era uma atividade nômade, pois, na medida em que a floresta era explorada intensivamente, rapidamente se esgotava fazendo com que não formasse nenhum povoamento. Com o passar do tempo, com a descoberta de corantes artificiais, a extração do pau-brasil diminuiu porque o imposto especial que era pago por ela, passou a valer para outras madeiras. Essa extração entra em decadência e inicia-se o cultivo da cana-de-açúcar, pois era um produto de grande aceitação na Europa e na venda tinha um alto valor. A cana se adaptou ao solo e ao clima da Região Nordeste brasileira e foi plantada em larga escala. Com certeza Portugal lucraria muito com esse novo comércio, mas, para tanto, teria de suprir todas as tarefas com mão de obra escrava, dando início à importação de negros africanos, comprados como mercadorias e trazidos forçadamente ao Brasil dentro dos navios negreiros.

Nessa mesma linhagem notamos a evidente desigualdade que existia na sociedade colonial, quando a elite – Governo Geral – mandava e desmandava e os prisioneiros não

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tinham direito a praticamente nada, e até a Igreja Católica concordava com a escravatura do povo africano. O senhor de engenho possuía o poder político e se encontrava no topo da pirâmide social colonial; já o escravo estava inserido na base da mesma. Mediante fontes históricas, como documentos escritos, fotografias e também por meio dos objetos que compõem o patrimônio histórico cultural de cidades nordestinas, é possível analisar como o ciclo da cana-de-açúcar foi angustiante, torturante e doloroso para os cativos, pois, de uma hora para outra, tiveram de se “adaptar” à nova e turbulenta realidade.

Poço Comprido-PE. Tombado pelo Iphan e restaurado, funciona hoje como museu, com um acervo composto por fotos de diversos engenhos pernambucanos.

Fonte: <http://www.bahia.ws/guia-turismo-zona-da-mata-pernambuco/>.

Durante a longa estadia dos europeus em solo americano, houve miscigenação entre negros, índios e brancos, originando o mulato, o cafuzo e o caboclo. Atualmente, segundo o IBGE metade da população brasileira é negra e a maior parte dela é pobre. O que, porém, justifica isso? É que no Brasil continua existindo desigualdade social e há uma grande distância que separa o negro do branco, e, para conseguir superá-la, é necessário que as mesmas oportunidades destinadas ao homem branco sejam também oferecidas ao negro, por exemplo, no mercado de trabalho, em que vagas melhor remuneradas são ocupadas por pessoas de pele branca e o negro trabalha em funções mais subalternas, como em serviços braçais. Essa estrutura racial existente no Brasil apoia privilégios e nutre a exclusão e desigualdades sociais, dividindo a sociedade em branco/rico e negro/pobre. Partindo desta

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afirmativa, é mais provável que um garoto negro morra de forma violenta do que um garoto branco; as chances de uma menina negra morrer no sistema público de saúde são maiores que uma menina branca; da mesma forma que a pessoa branca receberá um salário mais alto que o negro e, por que não dizer, que a mocinha negra terá mais chance de engravidar precocemente ao contrário da moça de pele clara, que terá mais acesso a métodos contraceptivos.

Infelizmente muitas pessoas ainda têm um pensamento retrógrado. Por exemplo, quando há uma suspeita de roubo irão desconfiar primeiramente de uma pessoa negra, que se veste com roupas largas, alguém que escute rap, samba ou funk, porque este é o perfil “ideal” de um assaltante; da mesma forma quando ouvimos: “eu não sou racista, mas, minha filha jamais se casará com um moço negro!”; ambos os exemplos ilustram o racismo.

Tudo isso pode acarretar uma série de consequências familiares e sociais que atinge um país inteiro, como crianças, adolescentes e jovens abandonando a escola, revoltando-se, sendo vítimas de preconceito, entrando, muitas vezes, no mundo das drogas, do roubo e do crime. Por isso, se desde cedo a criança crescer se sentindo “diferente” das demais pessoas simplesmente por ser negra, é possível que em seu psicológico acentue ainda mais essa ideia de ser distinta, crescendo tendo preconceito consigo mesma. Neste âmbito, vemos como é importante o papel das escolas ao trabalhar as relações étnicas raciais e a História da África, que está proposto no currículo. Considera-se que, quanto mais conhecimento e mais educação as pessoas tiverem, maiores são as chances de extinguir pensamentos e ações de caráter racista e construir pessoas mais humanistas. Desse modo, conscientemente as crianças, os jovens e os adultos negros passarão a assumir uma vida mais segura e igualitária assumindo-se com mais convicção.

Partindo da vida real para os meios de comunicação, na televisão, por exemplo, assistimos muitas telenovelas em que os negros e afrodescendentes geralmente interpretam a cozinheira, a empregada doméstica, a prostituta, o taxista, o morador de favela que gosta de samba, o garoto de rua, o motorista, reforçando um estereótipo tradicional negativo; muito raramente selecionam um negro para ser protagonista. A televisão não é narrativa do real, mas mostra a construção do real e, agindo dessa forma, reforça o ato de exclusão da raça negra na sociedade. Historicamente comparando o negro do Brasil colonial e o do século 21, veremos que, infelizmente, muitos aspectos permanecem semelhantes. É óbvio que somos livres, que vivemos em um país democrático, que existem leis para punir quem comete racismo, onde não há mais escravatura, mas os negros ainda são reféns de preconceitos, bullyng e zombarias, seja em vias públicas, como em restaurantes, faculdades, nos campos de futebol, ou via internet. Racismo e preconceito não são recentes. Na verdade, o negro no Brasil colônia foi subalterno e dominado por alguém e infelizmente muitos ainda pensam que a cor da pele é um

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determinante importante, mas nem sempre foi. Pois na África no Egito Antigo tivemos vários Faraós e Reis, ou seja, negros que ocuparam lugares grandiosos na sociedade!

Está na nossa História o não reconhecimento e a não valorização dos negros, mesmo estes desenvolvendo e exercendo atividades totalmente cruciais para o andamento e funcionamento da sociedade. Sylvia da Silveira Nunes, em seu artigo intitulado Racismo no

Brasil: tentativas de disfarce de uma violência explícita (2016, p.90), assevera:

O Brasil foi o último país a abolir a escravidão. Esse fato histórico, aparentemente longínquo, deixou, na verdade, profundas marcas na sociedade brasileira, para entendê-las, é preciso esquecer os navios negreiros e os objetos de tortura. É preciso lembrar que a abolição foi lenta. Mas é preciso também pensar o lugar que a ciência ocupou na consolidação do preconceito contra os negros. Para que se lute contra o racismo é preciso primeiramente reconhecer que ele existe. Sem essa “confissão” tira-se do foco o alvo que se quer atingir.

Após a abolição da escravatura, nos anos posteriores, a cidadania esperada não se consumou porque o Estado manteve-se omisso em relação ao negro liberto e, mesmo depois da proclamação da República, em 1889, os ex-escravos e seus descendentes instituíram movimentos de mobilização racial no Brasil, criando grupos em alguns Estados. Esses movimentos visam a lutar contra o racismo e o preconceito, e têm o objetivo de resgatar a memória das pessoas que batalharam muito por sua liberdade. No Brasil temos exemplos de personalidades que marcaram a História, que ocuparam e/ou ocupam lugares de grande destaque, como Barack Obama, Charles Drew, Rosa Parks, os brasileiros: Joaquim Barbosa, Milton Santos, João Cândido Felisberto, Afonso Henriques de Lima Barreto, Machado de Assis, Maria Escolástica da Conceição Nazaré conhecida como mãe menininha, Ruth de Souza, entre outros.

2.1 A Construção de uma Identidade

Estamos inseridos em uma sociedade multicultural, isto é, vivemos em um país que possui culturas misturadas e distintas, que abriga cidadãos de diferentes crenças religiosas, raças, classe social, gosto musical, opção sexual, etc. Isso ocorre desde os tempos da colonização portuguesa no Brasil, período em que houve a miscigenação de culturas entre o branco (europeu), o índio e o negro. É por isso que o Brasil é considerado um país de grande diversidade cultural. A partir desse pressuposto, a sociedade “segue” uma dinâmica, se inova, atualiza, desenvolve e se transforma, agregando novos pensamentos, conceitos e valores éticos. Dessa forma, somos influenciados e influenciamos outras nações.

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Para falar de identidade social é importante ressaltar que, primeiramente, possuímos a identidade pessoal que, por intermédio de muitos aspectos, nos ligam a um determinado grupo social. É por isso que existem pessoas de várias nacionalidades, línguas, raças, classes sociais e religiões.

A criança, ao nascer, entra em contato com uma sociedade em constante movimento, e seu caráter e personalidade serão moldados de acordo com os valores que seus pais lhe ensinarão. É preciso que alguém a ensine a se a adaptar ao mundo, fazendo suas próprias escolhas entre o bem e o mal. Homens, mulheres, índios, negros, pobres, ricos, professores, advogados, padres, portanto, estão, de algum modo, inseridos em algum grupo porque apresentam finalidades em comum.

A identidade vai se construindo por meio do nosso modo de ser, de pensar, de ver o mundo, de dialogar, de festejar, de trabalhar... Esses conjuntos de fatores marcam a condição humana. É impossível construir uma identidade isoladamente, pois, quando as pessoas possuem semelhantes afinidades, trocam ideias, defendem causas juntas, pensam igualmente a respeito de algo. Nilma Lino Gomes, no artigo Alguns termos e conceitos presentes do debate

sobre relações raciais no Brasil: uma breve discussão, na página 41, afirma:

Portanto, a identidade não se prende apenas ao nível da cultura. Ela envolve também os níveis sócio-político e histórico em cada sociedade. Assim, a identidade vista de uma forma mais ampla e genérica é invocada quando “um grupo reivindica uma maior visibilidade social face ao apagamento a que foi, historicamente submetido” (NOVAES, 1993, p. 25).

Em outras palavras, entre o branco e o negro, entre o médico e o agricultor, entre o homossexual e o heterossexual, há uma série de fatores que os distanciam uns dos outros, justamente porque cada um deles ocupa espaços diferentes no meio social, mas nem por isso o rico é mais importante que o pobre e tampouco o índio é melhor que o branco. Todo cidadão é igual perante a Lei e devem ser tratados igualmente. Quando ocorrem casos de desrespeito, discriminação e preconceito à pessoa, a comunidade que foi vítima do mesmo se une e se manifesta, muitas vezes em vias públicas, com o objetivo de expressar a indignação mediante o ocorrido. Por isso vemos órgãos, entidades e projetos que são desenvolvidos e apoiam e defendem determinada causa.

Quando somos observados por pessoas que não fazem parte do nosso círculo social, ocorre de elas enxergarem diferenças que podem incomodá-las, sendo capazes de apontar o que, segundo elas, é um defeito. Este é um conceito de etnocentrismo na qual a pessoa

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considera somente a sua cultura, seus valores e costumes como verdade absoluta, a mais correta e superior às demais culturas. Assim nasce o preconceito contra o que é “diferente”.

Nesta mesma linha de raciocínio entendemos que identidade negra é uma construção social, cultural, política e histórica, pois, de acordo com a História do Brasil, sabemos o quão fundamental foi à mão de obra negra escrava, farta e barata, para o desenvolvimento econômico do país, não somente neste âmbito, mas os negros foram contribuintes essenciais em vários outros domínios, como cultural e também social. Com a convivência no Brasil Colônia os negros foram tecendo sua História, seus costumes, suas crenças, sua culinária, e, aos poucos, incorporaram na sociedade brasileira. É do nosso conhecimento todo o processo doloroso e deplorável da escravatura, na qual, mesmo após sua abolição, os escravos continuaram sendo cativos, tendo de lutar por seus direitos. Todas as conquistas foi mediante luta, e atualmente ela é constante, não por liberdade, mas por justiça social.

Para que a população entenda e reconheça melhor a História do negro, temos espaços destinados a isso que propiciam essa construção. Os colégios, em que se trabalha a educação étnica racial e a cultura afro-brasileira e africana, permitem ao aluno reconhecer, por exemplo, a História do povo africano, podendo corrigir as ideias equivocadas que possuem sobre esse continente, possibilitando saber mais a respeito da ancestralidade africana e ter em mente que há muitos descendentes de negros que são brasileiros – os afrodescendentes. Além do mais, é um assunto riquíssimo, porque a África tem suas formosuras que integram o patrimônio histórico cultural do mundo.

Tendo em vista que nas ciências sociais e nos movimentos negros se discute muito sobre a valorização do negro e do afrodescendente, atualmente tenta-se resgatar valores e costumes dos mesmos, não para colocá-la como superior ou perfeito, mas para tentar abrandar um pouco toda a injustiça que sofreram por mais de 300 anos, concedendo-lhes os mesmos direitos, a mesma igualdade, objetivando que as pessoas, de modo geral, possam eliminar conceitos inadequados e serem sujeitos históricos protagonistas construtores de novas Histórias e opiniões.

Na sequência, no Capítulo 3, é evidenciada a importância da Lei das Relações Étnicas Raciais para o estabelecimento da igualdade de Direitos para todos.

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3 IMPORTÂNCIA DA LEI DAS RELAÇÕES ÉTNICAS RACIAIS

O Estado brasileiro tem uma responsabilidade histórica muito grande em relação ao racismo no Brasil e na construção das enormes desigualdades raciais que existem atualmente no país, pois autenticou a escravidão e legalizou o tráfico de africanos trazidos forçadamente como mercadoria para o Brasil e entregues nas mãos de senhores brancos que detinham o poder e o controle do serviço escravo nos engenhos e nas lavouras. Não obstante, após a abolição da escravidão, o Estado determinou políticas incentivando a imigração europeia para o Brasil, pois a quantidade de pessoas brancas tinha de ser superior no país. Isso ficou conhecido como Darwinismo social (eugenia) na época, que visava ao branqueamento da população brasileira do fim do século 19 ao início do século 20. Esse era considerado um fator necessário para o desenvolvimento econômico e social do país.

Após o término da escravidão (13 de maio de 1888) os negros continuaram tendo uma vida difícil, e o Estado brasileiro não programou qualquer política para que os ex-escravos pudessem se integrar no mercado de trabalho. Os mesmos perderam lugar na agricultura e nas indústrias, pois o espaço foi ocupado pela mão de obra de imigrantes europeus, sendo eles a preferência dos barões do café e da indústria (coronéis).

No Brasil Colonial, Imperial e Republicano, manteve-se a postura permissiva de racismo e discriminação. Na área educacional, por exemplo, foi criado o Decreto nº 1.331-A, de 17 de fevereiro de 1854, no qual está escrito, no artigo 69, que não serão admitidos à matrícula, tampouco poderão frequentar as escolas, os meninos que padecerem moléstias contagiosas, os que não tiverem sido vacinados e os escravos. Na verdade, o negro era “adestrado” na forma de aprendizagem, pois desde cedo as crianças negras já eram ensinadas a exercer serviços domésticos, assim já cresciam familiarizadas com o trabalho escravo. Os meninos e as meninas carregavam baldes de água, serviam café, engraxavam sapatos, lavavam os pés dos seus senhores e dos membros da família, serviam à mesa, entregavam recados, lavavam os pratos, etc. Tendo em vista que, inicialmente (e ainda hoje, se

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considerarmos a necessidade da existência de cotas!), a educação foi negada aos negros, foi contrariado completamente o princípio de transformar as pessoas, estimulando os valores, os hábitos e os comportamentos, sabemos que no Brasil a educação esteve voltada às elites. Por esse motivo de desigualdade entre brancos, negros, índios, ricos e pobres na educação, fizeram-se necessárias políticas que revertessem essa situação. Com isso, ao longo dos anos, foram sendo criadas Leis justamente para tentar reverter esse quadro crítico, para que a educação possa ser um direito de todos conforme determinam as Leis brasileiras atuais.

3.1 Diversas Leis e o Acesso dos Negros à Educação

Em virtude da pressão dos movimentos sociais, principalmente ligados ao movimento negro, pela democratização do acesso ao Ensino Superior, o governo lança o programa “Universidade para Todos” – UPT –, mais conhecido como Prouni, criado com o objetivo de conceder bolsas de estudos em universidades privadas, em 2004 quando Luiz Inácio Lula da Silva era o presidente da República.

A Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012, propõe a ampliação de oportunidades sociais e educacionais no Brasil, sendo destinados 50% das vagas para estudantes de escola pública com renda igual ou inferior a um salário-mínimo e meio per capita. Nas instituições federais de Ensino Superior as vagas também serão preenchidas por pessoas que se autodeclararem pretos, pardos e indígenas, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Esse sistema de cotas é muito polêmico. Há pessoas que defendem esse método de inserir esses grupos étnicos em universidades públicas e privadas, entretanto outras discordam desse programa por pressuporem discriminatório e por causar conflito racial, porém esquecem que esse problema de incluir os índios, os negros e seus descendentes na educação e na sociedade, é historicamente secular. Por esse motivo, o objetivo principal é abrandar essa “dívida” do Estado para com estes grupos, amenizando as desigualdades sociais, econômicas e educacionais, garantindo-lhes os mesmos direitos para se graduar em um curso superior. Esse assunto é muito complexo principalmente para pessoas da classe média e alta que, na maioria das vezes, discordam das cotas. No texto de Cássio Cassel e Maria Aparecida Marques da Rocha, intitulado Apontamentos iniciais sobre a desigualdade

racial e a gestão universitária: um olhar para a universidade privada, a partir do ciclo de políticas (2014), há uma indagação para refletirmos de Domingues (2005, p. 169):

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Duas candidatas vão prestar prova da Fundação Universitária para o vestibular (FUVEST, instituição organizadora do Vestibular da USP) para o curso de medicina. Ambas chegam à segunda fase, mas apenas uma é aprovada. Uma é negra. Moradora da sinistra periferia da zona leste paulistana, com 13 anos já trabalhava para ajudar a mãe. É oriunda de uma família desestruturada, que convive com a violência. Para completar, estudou a noite, em escola pública. A outra é branca, mora no bairro estilizado do Morumbi. Estuda inglês, pratica esportes, tem alimentação saudável, dispõe de computador e todo o tipo de benesse material. Estudou nas melhores escolas particulares e ainda fez cursinho pré-vestibular. Coincidentemente foi a branca que ficou com a vaga do curso de medicina. Ambas eram concorrentes diretas, e pergunta-se: das duas, quem tem mais mérito?

O fato de a estudante branca pertencer a uma realidade totalmente diferente da estudante negra, faz com que a comparação entre ambas seja grandemente notável e distinta. A primeira tem uma vida tranquila em todos os quesitos, e a segunda nasceu em uma família desestruturada, passa por dificuldades, principalmente econômicas, e, nesse momento tão oportuno de batalhar por uma vida melhor ao ingressar em uma universidade, a vaga é dada para a moça de pele clara. Isso não é justo!; na verdade, em um olhar mais amplo, a moça branca terá muito mais oportunidades de se dar bem na vida: primeiro porque é branca e segundo porque tem dinheiro, assim, não se trata somente de merecimento, pois houve esforço das duas partes, mas, infelizmente, muitas pessoas ainda possuem mais “vantagens” por pertencer a uma classe social alta e também por simplesmente serem brancas. Em minha opinião na maioria das vezes o aluno cotista é o que dá mais valor ao estudo e o trata com mais responsabilidade.

Com certeza abre-se um leque de opiniões muito grande e diversificado, que deve ser respeitado, mas, de acordo com o exemplo citado, não podemos deixar de lado que, quando isso acontece, infelizmente reafirma a presença da desigualdade racial na sociedade brasileira. Se a estudante com todas essas dificuldades lutou e estudou muito sozinha para conseguir ser aprovada em um vestibular de medicina, sem ter frequentado cursinhos preparatórios, pergunta-se: Por que não dar uma oportunidade para que ela possa transformar sua vida, a de sua família e a de sua comunidade? É somente isso que precisa. Quem sabe um dia todos sejam tratados da mesma forma e tenham as mesmas oportunidades. Deste modo, não será mais preciso recorrer às leis de cotas raciais, pois estaremos vivendo em um país mais justo e mais humano, em um país que tanto lutamos para construir, e que a cor de pele não era para ser motivo de mérito. Por essa desigualdade de que tanto falamos se faz totalmente necessário, para que brancos, pardos, índios e negros possam ter acesso à educação, que ela seja um direito de todos (as).

Essa determinação que está proposta em lei deve ser cumprida até 30 de agosto de 2016, e, apesar de pouco tempo em vigor, já surtiu resultados significativos, pois, segundo a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir/PR), em agosto de 2015, 150

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mil vagas foram ocupadas por negros desde a criação da Lei de Cotas. As Universidades que adotam as cotas raciais são: Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj); Universidade do Estado da Bahia (Uneb), Universidade Estadual de Londrina (UEL), Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul (Uems), Universidade Federal da Bahia (Ufba), Universidade Federal do Paraná (UFPR), Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Universidade de Brasília (UnB), Universidade Estadual de Minas Gerais (Uemg), Universidade Federal do Tocantins (UFT), Universidade Estadual de Goiás (UEG), Universidade do Mato Grosso (Unemat), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Universidade Federal do Pará (Ufpa), Universidade Federal do Paraná (UFPR), Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Universidade Federal do Amapá (Unifap), Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), Universidade de Goiás (UFG), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal de São João Del-Rei (UFSJ), Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade Federal de Rio Grande (URG), Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Universidade Federal do Pampa (Unipampa), Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Universidade de Sergipe (UFS), Universidade de São Carlos (UFSCar).

Foi criada em 9 de janeiro de 2003 a Lei nº 10.639, que estabelece obrigatoriamente a inclusão no currículo oficial da Rede de Ensino no Brasil a temática “História e Cultura Afro-Brasileira” no Ensino Fundamental e Médio e em colégios particulares também. Esse tema aborda assuntos sobre a História da África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição desse povo na área social, econômica e política do Brasil. Por meio dessa Lei será possível notar seus feitos positivos na escola, que transformarão não apenas o conceito dos alunos em relação ao Continente Africano e à contribuição dos negros para o Brasil, mas transformará a sociedade na medida em que os alunos forem mudando seus atos e comportamentos referentes a esse assunto tão importante.

Além dessas leis que beneficiam principalmente os negros e pardos na área educacional, há também outras que existem para punir casos de racismo, pois racismo é crime!

A Lei nº 7.716/89, conhecida como Lei Caó, classifica o racismo como um crime inafiançável, punível com prisão de até cinco anos e multa. Foi criada em 5 de janeiro de 1989 e recebe esse nome em homenagem a seu autor, o então deputado e ativista do movimento negro Carlos Alberto de Oliveira. A legislação determina a pena de reclusão para quem

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cometer crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Infelizmente, mesmo tendo leis, ainda há discriminação.

Em 3 de julho de 1951 foi criada a primeira Lei que proibia a discriminação no Brasil, mais conhecida como Lei Afonso Arinos, que era jurista, político, professor, historiador e crítico brasileiro. Essa Lei prevê igualdade de tratamento e direitos iguais, não podendo nenhum estabelecimento maltratar ou deixar de prestar atendimento por preconceito de cor de pele, pois, nesse caso, o agressor e o dono do estabelecimento sofrem uma contravenção, e isso é uma espécie de “crime menor”, com penas simples. Pela falta de rigor na punição, entretanto, ela foi aprimorada na Lei Caó, já citada anteriormente.

É muito importante saber a diferença entre injúria racial e crime de racismo. A primeira está prevista no artigo 140, § 3º do Código Penal Brasileiro e consiste em ofender a honra de alguém, por exemplo: chamar um negro de macaco, negro fedorento, baiano vagabundo, índio preguiçoso, branco azedo, etc. Já o crime de racismo é uma discriminação dirigida a um grupo, como negar emprego a judeus em uma empresa, negar hospedagem em um hotel, impedir que uma pessoa negra entre ou frequente um restaurante, um bar, um clube de diversão, etc. Vale ressaltar que esses crimes de racismo e injúria racial podem acontecer em qualquer momento e lugar, como em shoppings, na rua, na escola, no trabalho, no campo de futebol e também via internet, pois, com o avanço da tecnologia, infelizmente pessoas maldosas e covardes têm usado essa ferramenta para atacar e agredir, ao postar comentários racistas, maliciosos e preconceituosos contra sujeitos que são, principalmente, negros. Isso já vitimou várias pessoas, até mesmos artistas famosos. Quando isto ocorre algumas medidas podem ser tomadas para auxiliar a polícia na investigação. No caso de ofensa virtual, o ofendido deve registrar as ofensas, imprimindo a página e anotando o endereço eletrônico da mesma, depois procurar a polícia. Além desse procedimento, a população brasileira pode contar com o disque 100 racismo – o disque Direitos Humanos. Ele é gratuito e está disponível 24 horas por dia. Essa é uma medida para garantir o direito dos cidadãos e abre a oportunidade de denunciar todos os casos de violação contra as mulheres negras, os homens, os quilombos, as igrejas de origem africana, etc.

Estas Leis são de caráter importantíssimo para a continuação da construção democrática da sociedade brasileira. Elas amparam cidadãos vítimas de ofensas, preconceito e discriminação, dão oportunidades para que todas as pessoas sejam tratadas de modo igualitário e favorecem que jovens negros se agreguem cada vez mais no Ensino Superior. Mediante elas busca-se, de certa forma, extinguir e abolir os crimes raciais, as injúrias e o

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preconceito, punindo o agressor de modo a manter a dignidade dos grupos afetados bem como seu direito de ir e vir, podendo frequentar qualquer lugar.

Atualmente a situação do negro no Brasil tem melhorado admiravelmente se comparada há 20, 30 anos atrás, por exemplo. Os números estatísticos têm aumentado relevantemente e foi por meio de lutas e dessas Leis que os mesmos puderam conquistar mais direitos, mais espaço na sociedade, no mercado de trabalho, nos concursos públicos e também nas universidades. Graças às Leis foi decretado que toda prática de racismo e discriminação é crime, por isso há punição para quem os pratica. É óbvio que o Brasil ainda não atingiu um nível satisfatório e há muito que melhorar. Por exemplo, muitos jovens e adultos negros permanecem marginalizados, abandonam a escola e vão para o mundo das drogas, do roubo... Grande parte deles é violentada diariamente, sendo vítima de preconceito. Para que a Lei surta um efeito mais eficaz será necessário mais algumas décadas de políticas afirmativas no Brasil para equilibrar justamente a igualdade entre negros e brancos. Quem sabe a futura geração esteja liberta de atitudes tão retrógradas como a discriminação.

Quando o Estado cria uma lei que favoreça e proteja o negro em território brasileiro, é uma forma de repensar e reconhecer a trajetória histórica que estes enfrentaram por longos três séculos na tentativa de solucionar e reparar os erros lamentavelmente cometidos. Significa que o Estado está em busca do que é justo e está praticando a democracia e a cidadania perante a população. No Brasil Colonial e imperial era evidente que qualquer tipo de resistência do escravo acarretaria em dolorosa punição, pois as políticas vigentes eram outras, e os modos de governar e pensar eram muito distintos dos de hoje. Assim, após a proclamação da República, os negros continuaram se unindo, cada vez com mais força, criando e participando de movimentos sociais cujo objetivo é dialogar, opinar, expor suas ideias, suas indignações, enfim, lutar por um mundo melhor, mais igualitário e humano. Há várias formas de manifestação. Têm jovens que usam o ambiente virtual, outros se expressam por meios culturais, como a dança, a música, etc.

Finalizando o terceiro Capítulo, seguimos para as Conclusões alcançadas diante das pesquisas efetuadas neste Trabalho de Conclusão de Curso.

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