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Análise da obra "Palestina" de Joe Sacco sob a ótica de estudos culturais

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA FEDERAL DO PARANÁ DEPARTAMENTO ACADÊMICO DE DESENHO INDUSTRIAL

CURSO DE TECNOLOGIA EM DESIGN GRÁFICO

JÚLIA NASCIMENTO DE SOUZA

ANÁLISE DA OBRA “PALESTINA” DE JOE SACCO SOB A ÓTICA DE ESTUDOS CULTURAIS

TRABALHO DE DIPLOMAÇÃO

CURITIBA 2015

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JÚLIA NASCIMENTO DE SOUZA

ANÁLISE DA OBRA “PALESTINA” DE JOE SACCO SOB A ÓTICA DE ESTUDOS CULTURAIS

Trabalho de Conclusão de Curso de graduação, apre-sentado à disciplina de Trabalho de Diplomação, do Curso Superior de Tecnologia em Design Gráfico do Departamento Acadêmico Desenho Industrial – DADIN – da Universidade Tecnológica Federal do Paraná – UTFPR, como requisito parcial para obtenção dotítulo de Tecnólogo.

Orientadora: Profª. Simone Landal

CURITIBA 2015

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Ao Bernardo, que me ensinou a enxergar a Palestina com novos olhos.

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RESUMO

SOUZA, Júlia Nascimento de. Análise da obra “Palestina” de Joe Sacco sob a ótica de estudos culturais. 2015. Trabalho de diplomação (Tecnologia em Design Gráfico) - Departamento Acadêmico de Desenho Industrial. Universidade Tecnológica Fede-ral do Paraná. Curitiba, 2015.

Esta pesquisa consiste em uma análise qualitativa da obra em quadrinhos Palestina, do autor Joe Sacco, sob o viés de estudos culturais relacionados a identidades cionais, com o objetivo de identificar de que maneiras expressões da identidade na-cional palestina encontram-se representadas na obra. Apresenta um breve histórico da trajetória profissional do autor, conceituações básicas sobre identidade nacional e contextualização histórica da Palestina, os quais fornecem base teórica necessária para estabelecer paralelos entre traços da identidade palestina e as representações construídas pelo autor, analisando aspectos formais e discursivos.

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ABSTRACT

SOUZA, Júlia Nascimento de. Analysis of the book "Palestine" by Joe Sacco from the perspective of cultural studies. 2015. Trabalho de diplomação (Tecnologia em Design Gráfico) - Departamento Acadêmico de Desenho Industrial. Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Curitiba, 2015.

This research consists of a qualitative analysis of the graphic novel Palestine, by Joe Sacco, under the bias of cultural studies related to national identities, in order to iden-tify the ways in which expressions of the palestinian national identity are represented in this book. It presents a brief history of professional trajectory of the author, basic concepts of national identity and historical context of Palestine, which provide theore-tical basis for drawing parallels between traces of palestinian identity and the repre-sentations constructed by the author, analyzing formal and discursive aspects.

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LISTA

Figura 1 - Capa do livro Derrotista.. ... 13

Figura 2 – Abertura do capítulo Quando boas bombas acontecem a pessoas más. 14 Figura 3 – Trecho do capítulo Mais mulheres, mais crianças, mais rápido. ... 15

Figura 4 – Capas de Palestina – uma nação ocupada e Palestina – na faixa de Gaza. ... 16

Figura 5 – Capa de Área de Segurança Gorazde. ... 17

Figura 6 - Capa de Uma história de Sarajevo. ... 17

Figura 7 – Trecho do capítulo Uma história nojenta.. ... 19

Figura 8 – Trecho do capítulo Como amei a guerra. ... 20

Figura 9 – Sacco conversa sobre a questão palestina ... 21

Figura 10 – Capas das publicações de Palestina. ... 22

Figura 11 - Capa de publicação da série Palestina feita à mão por Sacco. ... 23

Figura 12 – Rascunhos do diário de viagem de Sacco. ... 26

Figura 13 – Comparações feitas pelo autor entre seus desenhos e as fotografias que utilizou como referência, e seus comentários... 27

Figura 14 – Comparações feitas pelo autor entre seus desenhos e as fotografias que utilizou como referência, e seus comentários... 28

Figura 15 – Sacco conversa com jovens israelenses ... 31

Figura 16 - Manifestação popular contra assentamentos israelenses. ... 32

Figura 17 – Manifestação popular contra assentamentos israelenses. ... 33

Figura 18 – Histórico da ocupação Israelense na Palestina ... 46

Figura 19 – Representação panorâmicado campo de refugiados de Jabalia. ... 51

Figura 20 – Sacco observa o campo de dentro de seu carro ... 52

Figura 21 - Sacco age com desdém perante os palestinos ... 53

Figura 22 – Família em suas antigas terras ... 54

Figura 23 – Processo de expulsão ... 55

Figura 24 – Crianças refugiadas ... 57

Figura 25 – Ato contra assentamentos israelenses ... 58

Figura 26 - Golda Meir ... 59

Figura 27 – Personagem falando sobre resistência ... 60

Figura 28 – Relato sobre grupos de resistência ... 62

Figura 29 – Divergências entre grupos ... 63

Figura 30 – Cena de briga ... 64

Figura 31 - Personagens cantando músicas da Fatah ... 64

Figura 32 – Jovem exibindo sua identidade ... 66

Figura 33 – Personagem comenta sobre a vergonha de nunca se ter ido para a prisão ... 66

Figura 34 – Sacco fala sobre a relação dos palestinos com a prisão ... 67

Figura 35 – Garota baleada por atirar pedras em soldados ... 68

Figura 36 - Personagem expressa sua revolta ... 68

Figura 37 – Personagem expressa nacionalismo ... 69

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Figura 39 – Primeira Intifada ... 71

Figura 40 – Obra do grafiteiro Banksy ... 71

Figura 41 - Sacco faz uso de recursos visuais para reforçar sua mensagem ... 72

Figura 42 – Uso de trajes típicos ... 74

Figura 43 – Representação do hábito de beber chá ... 74

Figura 44 – Keffiyeh como símbolo nacional. ... 77

Figura 45 – Representação da assinatura da Declaração de Balfour ... 76

Figura 46 - Representação de Lorde Balfour em seu escritório. ... 77

Figura 47 – Morte de jovem palestino ... 78

Figura 48 – Sacco representa a ação de soldados israelenses ... 79

Figura 49 – Comparativo entre as páginas 104 e 111 para demonstrar a progressão dos quadros ... 81

Figura 50 – Árvores cortadas por soldados ... 82

Figura 51 - Estrada bloqueada para veículos de placa palestina ... 83

Figura 52 – Personagem contando sobre as dificuldades para exportar produtos agrícolas ... 84

Figura 53 – Sacco é questionado por palestinos ... 85

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 9

2 O AUTOR E SUA OBRA ... 12

SACCO E A PALESTINA ... 18

SEU PROCESSO PRODUTIVO ... 25

2 IDENTIDADE NACIONAL: CONCEITOS BÁSICOS ... 35

4 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA ... 41

5 ANÁLISE DA OBRA DE JOE SACCO SOB A ÓTICA DA IDENTIDADE NACIONAL PALESTINA ... 50

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 87

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1 INTRODUÇÃO

Ao longo da história do design, muitas foram as discussões acerca do que o define e de quais são seus propósitos. Proveniente da arte e por muitos com ela confundido, o controverso mundo do design motivou diversos estudiosos a teoriza-rem sobre suas práticas e partiteoriza-rem em busca de conceitos. Quanto a suas funções, historicamente o design já provou ter inúmeras, não somente por sua versatilidade, mas em grande parte por conta do contexto específico em que se encontra aplicado, visto que constitui-se como uma disciplina intrinsecamente cultural. A grandiosa ma-nufatura de cerâmicas de Sèvres, datada do século VXIII e por muitos considerada a origem do design enquanto atividade projetual, produzia suntuosas peças no estilo rococó que serviam para alimentar a sofisticação da corte francesa e reforçar a dife-renciação entre ela e a plebe. Já na década de 1920, o Modernismo trouxe consigo a exaltação do funcionalismo, traduzida pela máxima do arquiteto Louis Sullivan “a forma segue a função”. Os cartazes dos períodos das grandes guerras mundiais são recheados de pessoas enfáticas apontando seus dedos para o espectador, com o claro propósito de persuadi-los a engajarem-se. O design pós-moderno é um cons-tante convite à reflexão sobre o estilo de vida contemporâneo e as aflições nele con-tidas.

Seja através da pura função ou de devaneios filosóficos, ideologias políticas ou propostas de novos estilos de vida, a história indica que o design e suas possí-veis funções convergem para um ponto em comum, que é o ato de comunicar. Com o auxílio da antropologia foi-se além, chegando ao entendimento de que mais que comunicar, o design tem a grande capacidade de criar significados e consolidar ima-gens e estereótipos através da constituição de discursos. Muito além de um reflexo, o design auxilia na construção de indivíduos e culturas, seja através da formação de autoimagem ou de um direcionamento de olhar sobre o outro. Por mais inofensivas que possam parecer, as escolhas formais e textuais tomadas na produção de peças gráficas são capazes de exercer poderosa influência sobre o espectador, transmitin-do-lhe sensações, remetendo a referências anteriores, reforçando ou não imagens pré-concebidas, e, assim, traçando o caminho para estabelecer um discurso.

É com o entendimento da importância desta função do design que escolheu-se trabalhar com história em quadrinhos, peça gráfica construída a partir de

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ras estratégias estéticas responsáveis por reforçar sua mensagem e que, como qualquer outra peça gráfica, é carregada de potencial discursivo. Mais especifica-mente, optou-se por realizar uma análise comparativa entre a obra escolhida e um levantamento teórico e histórico sobre seu tema, a fim de compreender o posiciona-mento do autor perante o assunto, identificar seu discurso enquanto estrangeiro, discutir os recursos visuais por ele empregados na construção de sua mensagem e ainda determinar a proximidade do conteúdo da obra com aquele encontrado em livros e artigos acadêmicos.

Aqui, destacamos o trabalho do jornalista maltês radicado nos Estados Uni-dos Joe Sacco, que ganhou notoriedade ao unir o jornalismo com as histórias em quadrinhos. Sacco tem dedicado boa parte de sua carreira a realizar retratos jorna-lísticos de territórios em conflito através da arte sequencial e suas publicações acer-ca da Palestina lhe renderam premiações como o Ameriacer-can Book Awardse o Prêmio Eisner. O presente trabalho propõe-se a analisar sua obra, mais especificamente o livro “Palestina”, sob a ótica de estudos culturais, a fim de investigar como se dá este retrato do povo palestino através do olhar do autor. Para tanto, a obra será estudada paralelamente com autores que dedicam-se a explorar questões de identidade cultu-ral, como por exemplo Stuart Hall, referência no tema, e Rashid Khalidi, reconhecido teórico dedicado a estudos palestinos, entre outros.

A cultura Palestina constitui-se desde a antiguidade em meio à disputa por di-reitos e à luta por espaço, seja ele cultural, político ou geográfico. Conflitos sócio-políticos originados nos tempos bíblicos encontram-se ativamente presentes em su-as terrsu-as até a atualidade, sem perder força. A disputa por uma terra considerada santa por dois povos que enxergam a si mesmos como merecedores resultou, entre outras coisas, na desapropriação geográfica forçada de uma grande parcela do povo palestino. Esta mudança imposta levou não apenas à reorganização populacional, mas também impactou sua construção cultural. A perda não só de territórios mas também de legitimidade e representatividade política foi responsável por moldar tra-ços marcantes no amálgama que une o povo palestino, ou seja, sua identidade na-cional. Tem-se como objetivo permear a análise da obra de Joe Sacco com discus-sões acerca do conflito israelo-palestino e de seus reflexos na formação do povo palestino.

O trabalho estrutura-se em capítulos responsáveis por fornecer conceitos e contextos necessários para uma familiarização com o tema, iniciando-se com um

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breve histórico da trajetória profissional do autor, seguido por uma introdução aos conceitos básicos de identidade e uma contextualização histórica da Palestina desde o final do século XIX, e então finalizando o trabalho com a análise da obra de Joe Sacco propriamente dita. Para tanto, foram consultadas fontes acadêmicas como livros e artigos e também fontes jornalísticas, como jornais, revistas, releases de edi-toras, entre outros.

A análise será feita tanto no aspecto discursivo, examinando o conteúdo tra-zido por Sacco da viagem à Palestina que deu origem ao livro que aqui estudamos, quanto no aspecto morfológico, para a qual foram tomados como base autores como Will Eisner e Paulo Ramos e na qual serão investigadas as decisões estéticas do autor e a mensagem que carregam. A análise será composta por estes dois aspec-tos pois acredita-se que sejam complementares e que assim esta torne-se mais rica e abrangente. Optou-se pela utilização de imagens em tamanho grande inseridas no texto, para que detalhes não fossem prejudicados na reprodução. Por este motivo, algumas das imagens encontram-se ligeiramente deslocadas do texto a que são re-ferentes, para que pudessem ser alocadas com mais espaço.

Para realizar esta análise, primeiramente foram lidas obras acadêmicas acer-ca da história e identidade nacional palestina, a fim de obter uma base teóriacer-ca sobre o assunto, e em seguida foi realizada a leitura crítica da obra, buscando possíveis pontos de convergência ou divergência entre os autores já lidos e o livro de Joe Sacco, bem como a reflexão sobre como tais representações foram feitas pelo autor da história em quadrinhos. Buscou-se em fontes acadêmicas a confirmação de da-dos históricos ou afirmações contundentes do autor, a fim de identificar a qualidade jornalística de seu trabalho.

Entende-se que a construção de uma história em quadrinhos passa comple-tamente sob a valoração da mão e das crenças de seu autor, levando consigo muito do que o próprio autor pensa e acredita (não necessariamente mais do que qualquer produção jornalística), ainda mais no caso de Joe Sacco, que desempenha tanto o papel de roteirista quanto o de ilustrador. Por este motivo, a intenção da pesquisa aqui apresentada não consiste em provar a veracidade dos relatos feitos por Sacco em seu trabalho, mas sim medir a proximidade das mensagens que porta com estu-dos acadêmicos sobre a Palestina, bem como comentar o impacto do aspecto mor-fológico da HQ nessas mensagens.

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2 O AUTOR E SUA OBRA

Para embasar o estudo da obra de Joe Sacco, faz-se conveniente, entre ou-tros fatores, compreender suas origens enquanto profissional, suas referências e suas motivações, de maneira a construir um histórico que permita identificar seu lo-cal de fala, além de entendê-lo no contexto da produção de histórias em quadrinhos. Para tanto, desenvolveu-se este capítulo com base em entrevistas concedidas pelo autor, matérias de revistas e jornais e biografias fornecidas por editoras.

Joe Sacco nasceu em 2 de outubro de 1960 no arquipélago de Malta, ao sul da Europa, e aos 12 anos mudou-se para Los Angeles com seus pais, onde viveu sua adolescência e juventude, formando-se mais tarde em jornalismo pela Universi-dade de Oregon em 1981. Já graduado, chegou a seguir carreira como jornalista trabalhando em diversos jornais, porém o escopo de possibilidades que encontrou não atendeu a suas expectativas, levando-o à insatisfação profissional (SACCO, 2011, p. xvii) Frente a esta situação, decidiu então viajar,interrompendo sua carreira jornalística e dedicar-se integralmente à atividade que até então levava como hobbi-e, a produção de histórias em quadrinhos. Seu contato com a produção de HQ (his-tórias em quadrinhos) tem origem na infância, por unir tanto as práticas do desenho e da conotação de histórias, ambas apreciadas pelo autor quando criança. Mais tar-de, ao longo de sua carreira, torna-se evidente que não apenas seu distanciamento do jornalismo foi temporário, como foi justamente o viés jornalístico de sua obra em HQ que o lançou ao reconhecimento mundial. Afastando-se de sua antiga rotina em terras americanas, Sacco passa um semestre em seu país de origem. Lá publica o primeiro quadrinho já lançado em língua maltesa chamado “Imħabba Vera”, ou “A-mor verdadeiro” (KABUTAKAPUA, 2009, p.1).

De volta aos Estados Unidos, em 1986, muda-se para Los Angeles, onde tra-balha como editor de notícias da revista The Comics Journal, uma das mais impor-tantes publicações na área de histórias em quadrinhos à época, voltada a levar ao público notícias sobre o mercado de HQ, resenhas sobre as últimas publicações, entre outros temas relacionados. Em 1988, volta a viajar para a Europa e segue sua produção de HQ. Fruto de suas experiências durante esta viagem, lança seis edi-ções de sua revista independente Yahoo, na qual relata sua estadia na Europa. Mui-tas das histórias lançadas na série Yahoo foram relançadas em 2006 na

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compilação Derrotista, que reú-ne alguns dos primeiros trabalhos do autor e revela sua versatilidade tanto em termos de temática quanto de tra-ço. Nesta obra, encontram-se trabalhos que vão de tiras satíricas acerca do modo de vida contemporâneo a histó-rias autobiográficas, como por exemplo em “In the Company of Long Hair” (ori-ginalmente contida na edição número dois da publicação Yahoo), na qual Sacco relata os meses que passou em turnê na Europa com uma banda de rock fazendo os registros da viagem em HQ. Destaca-se a aparição de dois capítulos compostos por duas de suas primeiras histórias com temática de

guerra, originalmente produzidas em 1990, nas quais o autor relata situações de uso de força aérea contra civis (SACCO, 2006).

Na primeira delas, intitulada “Quando boas bombas acontecem para pessoas más” e encontrada na página 121, Sacco dedica-se a colocar em evidência o desca-so e até a crueldade com que são tratadas as populações civis em três ocasiões es-pecíficas: o bombardeio britânico à Alemanha entre 1940 e 1945, o bombardeio dos Estados Unidos ao Japão entre 1944 e 1945 e o bombardeio também americano à Líbia, em abril de 1986. Este trecho constrói-se através de um conjunto de citações de documentos e matérias jornalísticas da época nas quais os comandantes pro-nunciaram-se a respeito de suas posturas nos conflitos, demonstrando severidade ao tratar o ataque às populações civis como consequência inevitável ou ainda como manobra imprescindível para o enfraquecimento do inimigo. Ao final do capítulo, en-contra-se uma extensa lista com as referências de cada uma das citações.

Figura 1 - Capa do livro Derrotista. Fonte: Editora Conrad.

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14 Figura 2 - Abertura do capítulo Quando boas bombas acontecem a pessoas más. Fonte: Sacco, 2006.

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O segundo capítulo com temática de guerra, iniciado na página 133, traz a história chamada “Mais mulheres, mais crianças, mais rápido”, em que Sacco conta a experiência vivida por sua mãe durante os bombardeios alemães e italianos a Mal-ta durante a II Guerra Mundial.

Figura 3 - Trecho do capítulo Mais mulheres, mais crianças, mais rápido. Fonte: Sacco, 2006.

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O nome da história provém de uma declaração de Stanley Baldwin em 1932, o então primeiro-ministro britânico, na qual ele afirma (SACCO, 2006, p. 134):

Acho bom que o homem comum perceba que não há força na Terra que possa protegê-lo de ser atingido por uma bomba. O bombardeio sempre o atingirá. A única defesa é o ataque, ou seja, matar mulheres e crianças mais rápido que o inimigo para salvar a si mesmo.

No final do ano de 1991, viajou para o Oriente Médio, onde obteve a vivência necessária para desenvolver sua obra mais importante e reconhecida, chamada Pa-lestina, lançada em 1995 e que lhe rendeu o prêmio American Book Awards em 1996. Responsável por popularizar o termo “jornalismo em quadrinhos” (já antes di-rigido a outros autores), a obra lançou o nome de Joe Sacco às vistas da mídia e do grande público. No Brasil, a obra foi lançada em duas partes: em 2000 a primeira, chamada Palestina - uma nação ocupada e em 2003 a segunda, chamada Palestina - na faixa de Gaza, tendo sido a primeira premiada com o troféu HQ Mix daquele ano como melhor graphic novel estrangeira. Sendo o tema presente trabalho, a obra será abordada e explorada com mais profundidade adiante.

Figura 4 – Capa de Palestina – uma nação ocupada e Palestina – na faixa de Gaza. Fonte: Editora Conrad.

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Dando continuidade à sua rotina produtiva, Sacco volta a jar em 1995, desta vez com desti-no à Bósnia, mais especificamente à capital Sarajevo. Lá, produz o aclamado título Área de segurança Gorazde, lançado em 2001 e ven-cedor do prêmio Will Eisner no mesmo ano como melhor novela gráfica original. No livro, o autor fala sobre as áreas de segurança criadas pela ONU com o intuito de proteger os cidadãos da Bósnia dos ataques sérvios, representan-do com riqueza de detalhes as situações de limpeza étnica vivi-das nesta ocasião.

Em 2001, Sacco volta à Bósnia e como resultado de sua estadia produz “Uma história de Sarajevo”, lançada em 2003. Com profusão de detalhes e olhar hu-manizado, a obra aborda os confli-tos étnicos instalados na Bósnia em 1991, na disputa entre sérvios, croatas e muçulmanos para obter o controle do país. O autor narra a impotência do governo em conter e administrar o conflito e dualidade entre bom e mau encontrada nos guerrilheiros, utilizando para isso a figura de seu amigo sérvio Neven, através de suas memórias e de

Figura 5 – Capa de Área de Segurança Gorazde. Fonte: Editora Conrad.

Figura 6 – Capa de Uma história de Sarajevo. Fonte: Editora Conrad.

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relatos de sua própria participação ativa no conflito.

Entre gibis de super-heróis, quando criança Sacco também consumia exem-plares relançados da Revista Madda década de 50, as quais podem ter sido sua primeira influência para o tom irônico e crítico que emprega em seus trabalhos. Sua produção jornalística guarda grande relação com os preceitos do que se conhece como Jornalismo Gonzo, traçados por Hunter S. Thompson, influência declarada do autor. Gonzo é o estilo de narrativa literária em que o autor mergulha-se profunda-mente na história e na ação, fazendo com que a objetividade deixe de estar neces-sariamente em primeiro lugar.

Em entrevista à revista Mother Jones, o autor fala sobre a influência de Mi-chael Herr em seu trabalho, escritor e ex-correspondente de guerra nova-iorquino que ficou conhecido por sua obra Despachos, lançada em 1977, a qual traz memó-rias de seus tempos como correspondente da Guerra do Vietnã. Apesar de afirmar na mesma entrevistaque a influência de Robert Crumb em seu trabalho resume-se à forma de desenhar (influência esta de fato muito perceptível em suas páginas, sem-pre muito carregadas de texturas e detalhamentos), é possível identificar outros pon-tos de forte semelhança no trabalho de ambos os autores, sendo a principal delas o uso do sarcasmo na construção de críticas sociais (no caso de Sacco, mais comum seus trabalhos provenientes do início de sua carreira).

SACCO E A PALESTINA

Nas páginas da HQ Derrotista (e em sua própria carreira profissional), é pos-sível perceber em Joe Sacco certa inquietude e já um interesse a respeito de territó-rios em conflito. Na história “Uma experiência nojenta” (SACCO, 2006, p. 98 - 109), tem-se um intenso fluxo de ideias disposto em escrita livre, quase sem pontuação, combinados a ilustrações muito carregadas em texturas que narram um momento de conflito interno, onde o autor fala consigo mesmo e repassa seus pensamentos em busca de uma melhor compreensão de seu conflito pessoal, o que denota sua per-sonalidade intranquila.

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19 Ilustração 08 – Trecho do capítulo Uma história nojenta.

Fonte: Sacco, 2006.

Figura 7 – Trecho do capítulo Uma história nojenta. Fonte: Sacco, 2006.

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Já no capítulo “Como amei a guerra” (SACCO, 2006, p. 159 - 191), o qual o autor representa a si mesmo intensamente impactado com a situação de guerra que acompanha com ansiedade pela televisão, por vezes chegando a priorizá-la em de-trimento de seu convívio social (evidentemente com o tom irônico característico de sua obra). As páginas deste capítulo trazem a fusão do tema de guerra com ques-tões pessoais do autor (como, por exemplo, seu conturbado relacionamento a dis-tância), o que evidencia ainda mais o fato de estas duas esferas encontrarem-se em níveis similares de relevância para o autor (levando em conta os exageros admitidos no suporte de HQ).

Figura 8 – Trecho do capítulo Como amei a guerra. Fonte: Sacco, 2006.

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O capítulo traz também algumas das primeiras menções de Sacco acerca da ques-tão palestina. Na página 170, há o diálogo entre Sacco e um colega palestino no qual o autor pergunta ao outro se não teria sido ci-nismo da parte de Saddam Hussein ligar o Kuwait à questão palestina (da qual o gover-nante era fiel apoiador), obtendo como res-posta “Sim, mas ele é o único que fala a nos-so respeito”. Diante desta afirmação acerca da importância da visibilidade para a causa palestina e do pouco apoio recebido por parte da comunidade internacional, Sacco decide viajar poucos meses depois para a Cisjordâ-nia e a Faixa de Gaza para dar início ao que viria a ser seu mais notável trabalho, de a-cordo com a editora Fantagraphics (sem da-ta).

Segundo Joe Sacco (2011), a obra Pa-lestina é fruto de sua viagem a este território realizada entre dezembro de 1991 e janeiro de 1992, motivada por sua crescente percep-ção acerca da defasagem e imparcialidade encontradas no retrato do conflito entre Israel e Palestina feito pela mídia ocidental. Foi ori-ginalmente publicada em nove capítulos em formato de revista durante o período entre 1993 e 1994, sendo nos anos seguintes compilada em dois volumes, Palestina - Uma nação ocupada (que abrange do primeiro ao quinto capítulo)

Figura 9 – Sacco conversa sobre a questão palestina. Fonte: Sacco, 2006.

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22 e Palestina - Na faixa de Gaza (incluindo do sexto ao nono capítulo), como já citado anteriormente. Mais tarde, em 2001, foram unidas em um único exemplar chamado apenas de “Palestina”. Em entrevista concedida à Al Jazeera em 2008, Sacco co-menta que, com esta publicação, tinha o objetivo quase inconsciente dar aos pales-tinos uma voz para que mostrassem a si mesmos, sobrepondo os estereótipos de terroristas ou vítimas tão amplamente difundidos no Ocidente, não negando esses papéis, mas buscando apresentá-los de uma maneira que se distanciasse dessa visão que Said (2007) chama de orientalista. Pretendia não apenas apresentar o co-tidiano dos residentes da zona de conflito, mas sobretudo trazer à tona sua humani-dade, seus hábitos e práticas enquanto pessoas comuns, pois, como dá a entender em sua obra (SACCO, 2011, p.8), isto facilita a identificação entre o leitor e o perso-nagem.

Figura 10 – Capas das publicações de Palestina Fonte: Sacco, 2010.

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23 Figura 11 – Capa de publicação da série Palestina feita à mão por Sacco.

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Segundo José Arbex Junior, o autor obteve êxito em seu objetivo de trazer à comunidade ocidental uma representação humanizada (e não vitimizada) da Palesti-na (ARBEX apud SACCO, p. xv):

Sacco dá uma cara aos árabes sem cara. Mostra o sofrimento das mães pa-lestinas, a ansiedade das crianças. o terror dos homens diante de um exér-cito formidável, poderoso e fascistoide. Mas ele nao faz um „panfleto pales-tino‟. Ao contrário, há todo um esforço para mergulhar no componente pro-fundamente humano da tragédia palestina. Produz seus heróis e seus co-vardes, suas esperanças e suas frustrações. Nisso residem a legitimidade e o poder deste livro: no mundo em que imperam as imagens, Sacco produz as suas próprias imagens de mundo para subverter, questionar uma per-cepção uniformizada pela grande mídia.

Logo nas primeiras páginas de Palestina encontra-se uma passagem que e-xemplifica este pensamento, na qual Sacco diz que compadece-se ao assistir pela televisão as trágicas notícias do cotidiano palestino, mas que contudo este ainda lhe era um povo sem rosto, uma massa uniforme distante de sua realidade. Em suas palavras:

Se os palestinos tem afundado por décadas, tem sido expulsos, bombarde-ados, chutados a torto e a direito, mesmo quando isso chegou ao jornal da noite eu nunca soube um nome ou lembrei de um rosto, muito menos do ca-fé da manhã deles.

O autor demonstra o cuidado de evitar realizar um retrato vitimizado ou ideali-zado (o que poderia acontecer por conta da simpatia que nutre pelo povo e pela causa palestina), e por vezes demonstra em suas páginas sua impaciência ou des-contentamento com a ansiedade dos palestinos para contarem suas histórias. Com a ironia característica de seu trabalho, ora escancarada, ora sutil, expõe comporta-mentos insistentes e até com certo tom de infantilidade, explicados pelo sentimento de urgência dos palestinos para se desvencilharem da situação em que vivem. Na página 28 de Palestina - Uma nação ocupada, tem-se um exemplo onde Sacco é pressionado por um estudante palestino a conseguir-lhe uma bolsa de estudos de engenharia nos Estados Unidos, colocando ao fim da conversa um bilhete no bolso do autor contendo seu endereço, o qual foi “esquecido para sempre”, em suas pala-vras.

A obra Palestina voltou a atenção da crítica para a direção de Sacco, por con-ta da profundidade e sensibilidade expressas em sua pesquisa e na represencon-tação por ele construída (SAID apud SACCO, 2011, p. xi), sendo esta obra responsável

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por traçar novos parâmetros na produção de quadrinhos enquanto mídia documen-tal. Tal reconhecimento levou Palestina a ser frequentemente colocada em paralelo com Maus, de Art Spiegelman, que em 1992 ganhou o prêmio Pulitzer de jornalismo e literatura e é considerado um clássico contemporâneo das histórias em quadri-nhos. A obra consiste na narrativa de Vladek Spiegelman, judeu polonês e pai de Art Spiegelman, sobre sua experiência no campo de concentração de Auschwitz, con-tando-a ao filho. O autor dedica-se a fazer um relato incisivo e impactante a respeito de uma realidade permeada por crueldade e abusos, no seu caso o Holocausto, e a faz sem sentimentalismos. Da mesma maneira que, posteriormente, Sacco busca retratar o lado humano de seus personagens sem enquadrá-los em dicotomias de bem e mal, mostrando características pessoais de suas personalidades que vão a-lém da esfera que contempla a situação de conflito (conforme comentando acima), ArtSpiegelman também o fez em Maus. Spiegelman retrata seu pai como um homem valoroso e destemido, mas também expõe seu lado sovina, racista e mesquinho. É possível perceber que ambos os autores possuem a intenção de produzir o retrato de um povo com enfoque em seu aspecto mais humano e individual a partir de um ponto de vista definido (a perspectiva dos judeus, no caso de Spiegelman, e dos re-fugiados palestinos, no caso de Sacco), dando rostos à massa anônima e impesso-al, e não objetivando destacar os mocinhos e vilões da história (ainda que estes pos-tos sejam naturalmente ocupados, dadas as perspectivas adotadas.

SEU PROCESSO PRODUTIVO

O processo de escrita de Joe Sacco desenvolve-se de maneira fluida e orgâ-nica, seguindo o fluxo de pensamento do autor e sem rígidos planejamentos de cro-nograma, de forma que, segundo o autor, nunca se saiba se terá a duração de “seis semanas ou seis meses”, conforme entrevista concedida à Cardiff University. A eta-pa das ilustrações é realizada com dedicação aos detalhes e à relação de verossimi-lhança entre os locais e situações retratados e sua representação em desenho, po-dendo levar um longo tempo. A exemplo, pode-se citar sua última grande obra, “Notas sobre Gaza” (a qual trata sobre as incursões israelenses em nas cidades de Khan Younis e Rafah, em 1956, que resultaram na morte de centenas de civis

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tinos), que apresenta um intervalo de sete anos entre a última viagem de Sacco à faixa de Gaza, em 2003, e a publicação da obra, em 2010.

Como explicado nas páginas iniciais da edição especial de Palestina, o pro-cesso de coleta de informações para esta obra consistiu em entrevistas formais ano-tadas em um caderno e a alimentação de um diário, onde o autor costumava anotar diariamente todas as suas impressões, acontecimentos, encontros, conversas, e o que mais julgasse pertinente (SACCO, 2011, p. vxiii). Para a produção desta obra, o autor adotou a utilização de fotografias como base para suas ilustrações, o que con-fere a seus cenários grande similaridade ao real. Ao realizar entrevistas, o autor cos-tuma pedir ao entrevistado permissão para tirar uma foto sua, a fim de utilizá-la na produção das ilustrações. Segundo o autor, em quase todos os casos recebe esta autorização; caso contrário, faz rápidos rascunhos durante a própria entrevista.

Figura 12 – Rascunhos do diário de viagem de Sacco. Fonte: Sacco, 2010.

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27 Figura 13 – Comparações feitas pelo autor entre seus desenhos e as fotografias que utilizou

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28 Figura 14 – Comparações feitas pelo autor entre seus desenhos e as fotografias que utilizou

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A diagramação de suas páginas varia de construções sóbrias e lineares a composições caóticas e carregadas, variando de acordo com o conteúdo. A maior parte das páginas do livro é composta por quadros e legendas irregulares, dispostos nas páginas como se fossem fotos ou bilhetes, dando conotação informal de diário de viagem, recurso que de fato foi utilizado por Sacco para coletar o conteúdo pre-sente no livro, como mencionado anteriormente.

O detalhamento facial dos personagens de Sacco deve-se às críticas que re-cebeu de autores palestinos por conta de seu traço cartunizado, o qual, segundo eles, falhava em transmitir a seriedade e gravidade dos episódios que se propunha a representar; segundo o autor, as primeiras publicações de Palestina caracterizavam-se pelo estilo bigfoot, ou caracterizavam-seja, muito caricaturais, e após as críticas passou a caracterizavam-se es-forçar para alcançar certo realismo(termo utilizado pelo próprio autor). No entanto, autor diz nunca tê-lo alcançado totalmente, seja pela falta de educação formal na área de desenho, seja por não fazer questão de perder completamente suas carac-terísticas de cartum (SACCO, 2011, p. xvii).

É recorrente que se levantem questionamentos acerca da validade do título de jornalismo em HQ que convencionalmente atribui-se às principais obras de Joe Sacco, principalmente pelas representações que o autor faz de si mesmo dentro dos eventos que está relatando. Há quem alegue ser seu trabalho pouco objetivo, parci-al, e por este motivo distante da prática do jornalismo. O autor, por sua vez, defende que a ideia de um jornalismo cem por cento objetivo, livre de qualquer subjetividade, é idealizada e não corresponde com os veículos tradicionais tanto quanto normal-mente se acredita. Em suas palavras, sua intenção com Palestina não foi ser objeti-vo, mas sim honesto (SACCO, 2011, p. xvii).

Em entrevista ao jornal The Quietus, Sacco aponta o fato de que mesmo em mídias mais tradicionais no ramo jornalístico, como televisão e jornais, a informação passa pelo crivo de quem a escreve ou edita, representando assim uma versão es-pecífica da história, e não uma verdade. Em um grau que varia de acordo com o tra-balho e com o profissional e que ajuda a determinar a seriedade do produto final, o jornalismo é sempre permeado pela visão daquele que o pratica. Em suas palavras:

O jornalista está sempre „na jogada‟, na vida real. As pessoas estão sempre respondendo a um indivíduo muito específico. Obviamente há muito mais acontecendo do que se está recebendo [a partir de fontes de notícias ma-instream]. Pelo menos eu quero deixar o leitor a par disso.

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Apesar de amplamente reconhecida, a crítica mais recorrente à obra Palestina é a de que Sacco mostrou apenas o lado palestino do conflito. Segundo o autor, tal ob-servação é justificada, entretanto afirma não ser esta característica fruto de descui-do, e defende que Israel já encontra-se suficientemente bem defendida e represen-tada pela grande mídia norte-americana e pelos grandes líderes políticos dos Esta-dos UniEsta-dos. Apesar disso, é possível encontrar passagens da obra em que o autor representa israelenses de maneira também humanizada e solidários com a causa palestina. Exemplo disso é a passagem a partir da página 253 (figura 15, a seguir), na qual Sacco conhece duas jovens israelenses e passa seu dia ouvindo seus posi-cionamentos a respeito das ocupações israelenses e da solução binacional para o conflito (oras concordando, oras discordando com o sionismo), e também nas pági-nas 18 e 19 (figuras 16 e 17, a seguir), pági-nas quais o autor presencia uma manifesta-ção popular composta por judeus contrários aos assentamentos em terras palesti-nas.

Segundo a revista Opera Mundi, o autor não cedeu à tentação de militar poli-ticamente em favor da causa palestina, e em alguns trechos relata de maneira cômi-ca sua posição de “observador de rapina”, sempre à espera de alguma tragédia ou conflito que lhe renda uma boa história. Como exemplo, a revista cita o trecho escri-to presente na página 208 de Palestina, que diz:

Estou piscando rápido, tirando fotos na minha cabeça e pensando: „isto vai ficar ótimo numa página dupla de gibi‟ (...) Consegui, tá entendendo? Viajei milhares de quilômetros de avião, ônibus e táxi para chegar exatamente a-qui: Jabalia, o campo de refugiados mais imperdível da Faixa de Gaza, o berço da Intifada, uma Disneylândia de abandono e pobreza (...) Estou me beliscando em um carro, numa escuridão numa enchente, tonto por causa da ferocidade lá fora, pensando: „Pode vir, eu aguento‟, mas a minha janela está bem fechada.

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31 Figura 15 – Sacco conversa com jovens israelenses.

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32 Figura 16 – Manifestação popular contra assentamentos israelenses.

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33 Figura 17 – Manifestação popular contra assentamentos israelenses.

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Nota-se, neste capítulo, que regiões em conflito sempre estiveram presentes entre seus assuntos de interesse no que tange sua profissão, e a partir daí é possí-vel começar a entender o envolvimento do autor com o tema. Entende-se também o interesse ainda mais profundo queo autor desenvolveu pela história palestina, o que o motivou a ir até o local e produzir o livro que aqui é analisado. No capítulo seguin-te, será feita uma pausa no tema de história em quadrinhos para que se possa elu-cidar alguns conceitos básicos a respeito de identidades nacionais, etapa fundamen-tal para que se possa delimitar claramente o tema de estudo desta pesquisa.

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2 IDENTIDADE NACIONAL: CONCEITOS BÁSICOS

Considerando que esta pesquisa propõe-se a entender a relação da obra Pa-lestina de Joe Sacco com a identidade nacional paPa-lestina, julga-se de grande impor-tância explicitar aqui os conceitos de identidade que tomaremos como parâmetro de análise, para isso utilizando definições de autores como Stuart Hall e Manuel Castel-ls. Desta forma, este capítulo dedica-se a discutir estes conceitos a fim de criar uma base teórica para a realização da análise.

Sob o discurso do senso comum, o tema identidade é abordado vulgarmente como um atributo inato de cada ser humano, intrínseco em sua essência, uma parte em seu imútavel âmago reponsável por estabelecer seus valores e posicionamentos perante o mundo e si mesmo. Tais “configurações”, por assim dizer, são vistas qua-se que como biológicas, como qua-se, de tão fundamentais, estivesqua-sem enraizadas no DNA e nada se pudesse fazer para alterá-las.

Apesar de amplamente difundida, a percepção em questão se mostra bastan-te simplista e debastan-terminista, uma vez que não parbastan-te de um questionamento crítico ini-cial e, portanto, ignora uma série de fatores envolvidos na construção da identidade, justificando com o acaso um conceito que pode ser explicado através de uma análi-se cultural. Para realizar o preanáli-sente estudo, faz-análi-se necessário primeiro desmistificar o que é identidade e como funcionam seus mecanismos, fazendo uso de conceitos estabelecidos por estudiosos da área.

Para iniciar a discussão, é interessante citar os três tipos de indivíduos defini-dos por Stuart Hall (1992), a fim de entender a progressão do conceito de identidade ao longo da história. O primeiro deles é o sujeito do Iluminismo, “indivíduo totalmente centrado, unificado, dotado das capacidades de razão, de consciência e de ação, cujo „centro‟ consistia num núcleo interior” (HALL, 1992, p.11). O segundo é chama-do de sujeito sociológico, que também possui um núcleo interior, o qual, por sua vez, é produto de sua relação com as pessoas a sua volta (HALL, 1992, p.11).. Por fim, o terceiro deles é conhecido como sujeito pós-moderno, o mais consoante com os es-tudos culturais atuais, cuja identidade é definida historicamente e não biologicamen-te, transformada constantemente por estímulos externos e que pode ser diferente de acordo com cada ocasião (HALL, 1992, p. 13).

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Segundo Manuel Castells (1996, p. 23), toda e qualquer identidade é uma construção, sendo produto da interação do indivíduo com um conjunto de fatores como geografia, biologia, religião, intituições de poder, fantasias pessoais, memórias coletivas e sua história, entre outros. Cada indivíduo ou grupo social processa as informações e experiências advindas destes fatores de acordo com seu próprio con-texto, reorganiza seus significados e a partir disso produz parâmetros e gera identifi-cações. É, portanto, um processo cultural. Resumidamente, o autor sintetiza esta ideia conceituando identidade como um “processo de construção de significado com base em um atributo cultural, ou ainda um conjunto de atributos culturais, interrela-cionados, o(s) qual(is) prevalece(m) sobre outras fontes de significado” (CASTELLS, 1996, p.22).

Considerando o caráter variável dos aspectos envolvidos nesta construção, é possível compreender que as identidades não são fixas ou inatas, estando sujeitas a modificações de acordo com o contexto do indivíduo. Desta forma, Stuart Hall (1992, p.39) argumenta que se deve enxergar identidade como um processo em andamen-to, inclusive sugerindo que fosse utilizado o termo identificação, denotando uma pro-dução de significado não necessariamente permanente. De acordo com o autor, “a identidade surge não tanto da plenitude da identidade que já existe dentro de nós como indivíduos, mas de uma falta de inteireza que é „preenchida‟ a partir de nosso exterior, pelas formas através das quais nós imaginamos ser vistos por outros”. (HALL, 1992, p.39)

Castells (1996, p.23) destaca a importância de diferenciar identidade do que os sociólogos chamam de papéis. O autor explica que papéis são definidos por nor-mas estabelecidas por instituições e organizações da sociedade, determinando fun-ções. Ou seja, de acordo com sua colocação na sociedade, cada indivíduo deverá desenvolver determinadas funções (como um governante deve prezar pela honesti-dade ou uma mãe deve zelar pela segurança de seu filho, por exemplo). Identida-des, por sua vez, geram significados que são incorporados pelos indivíduos e são capazes de produzir valores. É possível que, em dado momento, papel e identidade se cruzem, ainda segundo o autor, que cita como exemplo o papel de pai, que torna-se uma identidade no momento em que esta torna-seja a mais importante autodefinição do indivíduo.

Para explicar como se dá o jogo de identidades e esclarecer como múltiplas identidades podem ser incorporadas por um único indivíduo, Hall utiliza-se do

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plo de George Bush que, em 1991, ainda como presidente dos EUA, encaminhou à Suprema Corte o juiz Clarence Thomas, negro e de posições políticas conservado-ras, com o objetivo de restaurar o posicionamento conservador na Corte. Com tal indicação, o presidente angariou o apoio tanto de eleitores brancos, que, mesmo podendo ter preconceitos raciais contra Thomas, o apoiaram por conta de sua postu-ra conservadopostu-ra, e eleitores negros, persuadidos pela identificação postu-racial com o juiz. Durante o processo de indicação ao senado, Thomas foi acusado de assédio sexual pela colega negra Anita Hill. Mais fragmentações aconteceram: alguns negros per-maneceram apoiando Thomas com base no fato de ser negro, enquanto outros prio-rizaram a questão sexual. As mulheres negras estavam especialmente divididas de acordo com a identidade com que mais se identificavam, a de mulher ou a de negra. Os homens negros dividiam-se de acordo com sua identidificação com o sexismo ou com o liberalismo. Os homens brancos separavam-se em grupos em que prevaleci-am não apenas questões políticas, mas tprevaleci-ambém o racismo ou o sexismo. As mulhe-res brancas conservadoras apoiavam Thomas por conta de sua posição contrária ao feminismo. As mulheres brancas feministas eram contra Thomas, pois priorizavam a questão sexual à política liberal. O exemplo nos mostra que as identidades podem ser contraditórias, dependendo do ponto de vista que se adota, e essas contradi-ções são percebidas tanto na sociedade quanto dentro da própria cabeça do indiví-duo.

Segundo Castells (1996, p.24), a construção de identidades se dá sempre dentro de contextos marcados por relações de poder. Portanto, o autor propõe uma distinção entre os tipos de construção e origens dessas identidades, categorizando-as entre identidades legitimadorcategorizando-as (aquelcategorizando-as inseridcategorizando-as por instituições de poder com o intuito de expandir e justificar sua dominação), identidades de projeto (que utili-zam-se de material cultural de qualquer natureza para reposicionar um determinado grupo dentro da sociedade, com o objetivo final de atingir uma transformação gene-ralizada) e identidades de resistência, com a qual identifica-se a construção da iden-tidade palestina, como se explicará mais adiante. Castells define esta categoria de identidade como sendo “criada por atores que se encontram em posições/condições desvalorizadas e/ou estigmatizadas pela lógica da dominação, construindo, assim, trincheiras de resistência e sobrevivência com base em princípios diferentes dos que permeiam as instituições da sociedade” (CASTELLS, 1996, p.24).

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Como se pode compreender de acordo com os autores até então citados, i-dentidade é o conjunto de significados guardados por um indivíduo e que são um produto cultural, fruto de suas vivências e referências particulares. Em outra escala, pode-se dizer que o mesmo acontece com as chamadas nações, através da identdade nacional. De acordo com Stuart Hall (1992, p. 49), da mesma forma que a i-dentidade individual, a ii-dentidade nacional não é intrínseca ao ser humano, presente nele desde seu nascimento, mas sim uma construção que se forma e transforma através de representações. O autor cita o exemplo de que só é possível saber o que é “ser inglês” a partir do momento em que se conhece o conjunto de características que dão sentido à ideia de “inglesidade” (ou englishness). Assim sendo, quem nasce no Brasil, por exemplo, não é apenas cidadão brasileiro, mas sim participante da ideia de nação tal qual sua cultura é representada. Em outras palavras, a identidade nacional constitui um discurso, ou seja, um modo de construir sentidos que influen-cia tanto as ações do indivíduo quando a maneira com a qual ele enxerga a si mes-mo (HALL, 1992, p. 51). Citando Benedict Anderson (1983 apud HALL, 1992, p. 51), Hall define identidade nacional como “comunidade imaginada”, uma vez que os sig-nificados que a compõe permeiam a história da nação e as memórias coletivas que unem o passado com o presente, bem como a forma como é representada. Com-plementando o conceito de comunidades imaginadas, Castells (1996, p. 69) define identidade nacional como “comunidades construídas nas mentes e memória coletiva das pessoas por meio de uma história e de projetos políticos compartilhados”.

Stuart Hall (1992) destaca o equívoco recorrente de tomar a etnia (conjunto de características culturais como língua, religião, tradições, identificação com o lu-gar) como elemento fundamental da identidade de um povo, recordando que ne-nhuma das nações europeias apresenta população 100% homogênea cultural e et-nicamente. Em suas próprias palavras, “as nações modernas são, todas, híbridos culturais” (HALL, 1992, p. 63).Ao invés de etnia, Castells (1996, p. 46) afirma que o que constitui o principal fator de unificação de uma nação são suas histórias compar-tilhadas, e argumenta utilizando-se do exemplo dos Estados Unidos, uma nação al-tamente diversificada em termos étnicos e sociais, mas cujo povo mantém-se unifi-cado através do compartilhamento de uma história e de um projeto comum a todos, ainda que sob diferentes perspectivas. Segundo Hall (1992, p. 52), as histórias na-cionaiscontadas nas famílias, escolas e passadas de geração a geração represen-tam experiências compartilhadas e constroem um lugar comum no imaginário

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lar que liga a vida presente com o passado, lugar este que precede a existência das pessoas e continua a existir após sua morte. Castells (1996, p. 70) coloca também o idioma bem desenvolvido como um importante instrumento de auto reconhecimento e estabelecedor de fronteiras invisíveis, por ser o elo entre a vida pública e a priva-da, o passado e o presente, independente do reconhecimento recebido por parte das instituições do Estado.

Existem ainda outros mecanismos capazes de ativar o imaginário comum de um determinado povo e com isso gerar sentimento de unidade, como por exemplo a ênfase nas origens e a ideia de atemporalidade, ou seja, a identidade nacional como algo “que sempre esteve lá”, a raiz das essências da nação (HALL, 1992, p. 53). Desta forma, os indivíduos participantes de uma mesma nação sentem-se parte de um algo maior que vai além de suas próprias histórias e seu próprio tempo, como que unidos em uma grande e ancestral família. Outro mecanismo, também relacio-nado com a ideia de atemporalidade, são os mitos fundacionais, que consistem na história que marca a origem de determinado povo, sempre localizadas num passado muito distante. (HALL, 1992, p. 55). Desta forma, os indivíduos enxergam um início bem marcado para sua história enquanto grupo, tendo assim a sensação de mere-cimento e credibilidade. Existe ainda a ideia de povo ou folk puro (HALL, 1992, p. 56), como que detentor de uma identidade essencial semelhante àquela entendida através do sujeito do Iluminismo definido por Hall, o qual citamos no início do capítu-lo.

É importante entender que o nacionalismo contemporâneo não necessaria-mente deve estar voltado à construção de um Estado-Nação soberano e que, assim sendo, as nações são entidades independentes do Estado (CASTELLS, 1996, p. 46). A lealdade e identificação que formam o que hoje entende-se como identidade nacional, nas nações pré-modernas eram direcionadas a tribos e aldeias, as quais passaram a ter suas semelhanças e diferenças reunidas sob uma única estrutura governamental, caracterizando os chamados Estados-Nação (HALL, 1992, p. 49). Em outras palavras, as nações podem ter sua existência anterior à formação de um Estado que a represente, uma vez que baseiam-se em fatores históricos e culturais, conforme afirmam os autores estudados.

Uma vez entendidas as definições de identidade e identidade nacional, faz-se relevante traçar um histórico geral dos episódios que contribuíram para a construção do que hoje compreende-se como identidade nacional palestina (mais

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mente, aqueles a partir do final do século XIX e início do século XX, decorrentes do avanço do movimento sionista em direção à Palestina). O próximo capítulo tem co-mo objetivo explanar tais acontecimentos e seu reflexo no processo de construção cultural da Palestina.

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4 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA

A relação com o outro apresentou-se como sendo um fator decisivo na forma-ção da identidade nacional palestina. Mesmo já possuindo tradições culturais pró-prias e certo senso de coletividade (ainda que pré-nacional, como será explorado mais adiante), é inegável a relevância do conflito com Israel no processo de forma-ção dessa identidade, por ter colocando em constante cheque a autonomia, legitimi-dade e até mesmo a existência do povo palestino. Entendendo essa importância, entende-se também a necessidade de compreender as origens históricas deste con-flito, de maneira a possibilitar que se enxergue com maior clareza suas raízes. Neste capítulo, será realizada uma breve elucidação sobre os acontecimentos que levaram à tal tensão política e cultural, tomando como base principal a obra Identidade Pales-tina, de Rashid Khalidi (1997).

Até o século XIX, a estrutura produtiva vigente na Palestina apresentava ter-ras coletivas, de posse do Estado, cultivadas de maneira compartilhada pelos habi-tantes e sem registro. A partir da metade deste século observou-se um notável de-senvolvimento, representado por fatores como o aumento das atividades de impren-sa, crescimento na área da educação em regiões urbanas e expansão da economia de mercados, entre outros. Dentre estes fatores destaca-se o início da privatização de territórios, proveniente da promulgação da legislação que permitia a aquisição de terras feita pelo governo Otomano, a qual entrou em vigência em 1858 e iniciou um importante processo de concentração de terras nas mãos de poucos, considerando que, pela primeira vez, se tinha a oportunidade de adquirir terras legalmente.

Os maiores beneficiários destas novas leis foram os comerciantes de áreas costeiras prósperas como Beirut, Haifa, Jaffa e Gaza, que estavam em processo de enriquecimento por conta do recente desenvolvimento econômico. Os prósperos mercadores das áreas urbanas passaram a enxergar as regiões litorâneas produti-vas como grandes oportunidades de investimento, dadas as condições facilitadas para a transferência de títulos determinadas pela nova lei, começando então a ad-quirir terras, sem impedir que os camponeses continuassem cultivando-as e exer-cendo seus trabalhos, como faziam enquanto a terra era legalmente comunitária.

Esta medida revelou-se vantajosa não apenas para os mercadores árabes, mas também para a parte da população europeia simpatizante das ideias sionistas, corrente de pensamento que começou a se desenvolver na segunda metade do

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culo XIX que defendia a criação de um Estado judeu independente e soberano sobre as terras onde originalmente existiu o Reino de Israel (Eretz Israel), ou seja, no terri-tório habitado pela população palestina. No início do sionismo, muitos de seus adep-tos europeus acreditavam ser a Palestina uma terra vazia e com pouco cultivo, ideia que foi reforçada e difundida pelos principais líderes do movimento, como Theodor Herzl, Chaim Nachman Bialik e Max Mandelstamm (tendo Herzl nunca mencionado os árabes em sua principal obra Der Judenstaat, ou O Estado Judeu) (KHALIDI, 1997, p.101). Entretanto, o autor destaca que, ainda que outros focos de lealdade estivesse presentes entre os árabes residentes da Palestina antes da I Guerra Mun-dial, a ideia de uma Palestina como fonte de identidade e também como uma comu-nidade com interesses compartilhados já estava enraizada (KHALIDI, 1997, p. 156).

Segundo Khalidi (1997, p.94), do início do século XX até 1914 a população judaica na palestina dobrou, indo de 30.000 pessoas para 60.000, um crescimento maior do que a média apresentada pela população total neste período, que nos anos anteriores à I Guerra Mundial era estimada em cerca de 720.000 habitantes, de a-cordo com estudos de dados do governo otomano (KHALIDI, 1997, p.96). Ainda de acordo com o autor, a grande concentração dos judeus encontrava-se nas cidades, e estes apresentavam perfis altamente religiosos e apolíticos, diferentemente dos judeus residentes nos campos, os quais eram bem posicionados quanto as políticas sionistas.

É importante ressaltar que, mesmo sendo verdade que muitos palestinos venderam suas terras, seja por ganância ou falta de patriotismo, ou mesmo por ne-cessidade ou desconhecimento acerca de quem tomaria posse em seu lugar, a mai-or parte das terras vendidas partiu das mãos de proprietários não-palestinos, para os quais estas vendas não representavam nada além de transações econômicas. Se-gundo Khalidi (1997, p. 112), proprietários ausentes e não-palestinos foram respon-sáveis pela venda de 143.577 dunums(equivalente a 58% do total de terras vendi-das), proprietários ausentes mas palestinos pela venda de 88.689 dunums (equiva-lente a 36%) e os proprietários locais por apenas 15.200 dunums (equiva(equiva-lente a 6%), sendo o dunum a unidade de medida utilizada no Império Otomano equivalente a 1.000 m².

Os confrontos entre árabes e judeus começaram quando os sionistas habitan-tes das regiões rurais passaram a expulsar os trabalhadores árabes, substituindo-os por trabalhadores judeus e transformando territórios em assentamentos.Muitos dos

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camponeses, acostumados com o direito de cultivar suas terras, só descobriam que não detinham mais o direito de cultivar tais propriedades no momento de sua expul-são por parte dos novos proprietários.A situação se agravou entre 1903 e 1905, quando uma leva de imigrantes judeus sionistas provenientes da Rússia instalaram-se nas novas colônias. Estes imigrantes traziam uma forte ideologia socialista, com ideais de conquista do trabalho e conquista do solo, o que basicamente significava intensificar as expulsões dos árabes (KHALIDI, 1997, p.100)

Ao tirar o emprego dos camponeses árabes, os colonos judeus não estavam apenas criando uma situação de empoderamento que compensasse as diásporas históricas pelas quais passaram. De fato, estavam disputando terras já habitadas e cultivadas, opondo-se a trabalhadores sem posses, os quais ainda acreditavam ter direitos sobre a terra (KHALIDI, 1997, p. 105).

Em abril de 1909, como resposta a uma crescente onda de violência, a então organização secreta de defesa judaica Bar-Giora fundou publicamente um grupo paramilitar chamado Ha-Shomer(ou O Guardião), o qual tinha o objetivo de guardar as terras destinadas a novos assentamentos judeus e apresentava ideologia violenta e ostensiva atuação armada. Segundo estudiosos, Ha-Shomer originou o que hoje se chama Haganah, grupo que deu início às organizações militares oficiais israelen-ses e que atua até a atualidade, mostrando-se de vital importância para a dissemi-nação do sionismo (KHALIDI, 1997, p. 106).

Alguns fatores já representavam pontos de unidade e identificação entre os palestinos, como a religião, o pertencimento local e os hábitos de cultivo, e a oposi-ção às vendas de terras a organizações sionistas revelou-se como um novo e impor-tante fator que somou-se aos anteriores. Este sentimento em comum foi responsável por unir os camponeses e os intelectuais urbanos e fazê-los lutar juntos por suas terras, em alguns momentos de forma violenta. Os palestinos urbanos, que opu-nham-se à ideologia sionista, encontraram na resistência dos palestinos das regiões interioranas a luta prática de seus pensamentos, e vice e versa. Assim, formou-se mais um elemento de identificação compartilhado entre palestinos rurais e urbanos, fazendo-os enxergar a si mesmos como partes de um mesmo povo, que comparti-lham uma mesma história e um mesmo destino (KHALIDI, 1997, p.114). Esta conso-nância de posicionamentos deu-se não apenas pela experiência compartilhada, mas também pelos esforços de alguns meios de comunicação palestinos, como por e-xemplo o jornal Filastin, fortemente antissionista, cujos editores tiveram a iniciativa

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de distribuir suas publicações nas vilas do interior de Jaffa, sabendo que esse era um dos principais alvos de colonização. Também o jornal Al-Karmil empenhou-se na luta antissionista, focando em difundir por todo o território os acontecimentos das áreas rurais. Devido a seu intenso trabalho, seu editor Najib Nassar chegou a ser citado em fontes sionistas como “pessoalmente envolvido em colaborar com a resis-tência dos camponeses” (KHALIDI, 1997, p.115).

Com a derrota da Tríplice Aliança na I Guerra Mundial, o Império Otomano (então aliado político da Alemanha) encerrou seus 400 anos de domínio sobre o ter-ritório da Palestina e concedeu o mandato à Grã-Bretanha, oficializado em 1919 na Conferência de San Remo. Pouco antes, em 1917, a Grã-Bretanha havia firmado um compromisso com as lideranças sionistas afirmando que realizaria seus maiores es-forços para facilitar e concretizar o objetivo da criação de um Estado exclusivamente judeu, compromisso este que ficou conhecido como a Declaração de Balfour (EL-NIMR, 1993, p.54). As dificuldades enfrentadas durante a I Guerra Mundial expandi-ram o senso de identidade nacional entre os palestinos, além de aprofundar as idei-as de “destino compartilhado” e da imagem do “outro”, por enfrentarem todos os mesmos oponentes. (KHALIDI, 1997, p.193).

Apesar de terem seguido apresentando uma frente de resistência unificada perante seus oponentes nos anos seguintes à I Guerra Mundial, as elites palestinas foram aos poucos sendo marcadas por divisões, não apenas internas mas também com relação aos jovens pobres e desapropriados das cidades de Jaffa e Haifa (di-nâmicos centros culturais e econômicos da época) e com camponeses do interior. Essa situação foi ainda acentuada pela crise econômica mundial da década de 1930, que acabou atingindo também a Palestina e, principalmente, pelas grandes ondas de imigração judaica provenientes das perseguições nazistas. Só no ano de 1935, mais de 60.000 imigrantes judeus instalaram-se na Palestina (KHALIDI, 1997, p.189), número que aumentou para 100.000 ao fim da II Guerra Mundial (EL-NIMR, 1993, p. 54).

Este clima de instabilidade somado à descrença gerada pela falta de efetivi-dade das lideranças dos movimentos nacionalistas culminou no início espontâneo de uma greve geral, iniciada em abril de 1936, seguida também por um levante armado de duração de três anos, do qual o Mandato Britânico perdeu brevemente o controle, mas logo em seguida pôs em prática campanhas de pesada repressão para retomar o domínio (KHALIDI, 1997, p. 189). Ao fim da revolta, a economia árabe da Palestina

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estava devastada pelos anos de greve, boicotes e represálias britânicas, e seu exér-cito com várias baixas – 5.000 mortes e 10.000 feridos (números relativamente altos numa população de 1 milhão de árabes). Foi em situação de instabilidade que a Pa-lestina entrou no período da II Guerra Mundial, e desta maneira enfraquecida enfren-tou seu maior desafio, em 1947. Com uma liderança dividida, finanças muito limita-das, forças militares não-centralizadas e sem aliados confiáveis, os palestinos viram-se diante de Israel, um oponente politicamente unificado e com instituições centrali-zadas e altamente motivadas (KHALIDI, 1997, p. 190).

Em 1947, a ONU aprovou o plano de partição da Palestina, reservando para a população árabe da Palestina (a qual representava 70% da população) 47% do terri-tório, e deixando o restante para Israel. A Palestina rejeitou esta proposta e reivindi-cou independência, mas com o alto nível de financiamento e armamento israelense e o apoio pouco efetivo de outros países árabes, acabou não obtendo êxito (EL-NIMR, 1993, p.54). Israel possuía apoio político tanto dos EUA quanto da URSS, que deram suporte à partição do território e imediatamente reconheceram o novo Estado de Israel. (KHALIDI, 1997, p.191). Cerca de 1,4 milhão de palesti-nos(equivalente a mais da metade da população árabe da Palestina) foram forçados a deixar suas casas e tornar-se refugiados, e em 1949 Israel já dominava 77% do território total. (EL NIMR, 1993, p.54).

Ao final do processo de desapropriação, mais de 400 cidades e vilas na Gali-leia, na região litorânea, na área entre Jaffa e Jerusalém, e no sul do país foram despovoadas, anexadas a Israel e habitadas por israelenses, e a maior parte de sua

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população árabe foi dispersa pela região como refugiados. Exércitos de diversos países árabes entraram em território palestino para tentar impedir que expedições sionistas instalassem mais assentamentos judeus fora de suas fronteiras, porém não obtiveram êxito, resultando na perda das importantes cidades de Jaffa e Haifa, entre outras (KHALIDI, 1997, p.178).

O período compreendido entre os anos de 1949 e 1964, quando ocorreu a ascensão da OLP (Organização para Libertação da Palestina), caracterizou-se por uma diminuição nas manifestações nacionais palestinas, período este que ficou co-nhecido como “os anos perdidos”. Este hiato deve-se, em partes, ao fato de que a sociedade palestina encontrava-se devastada pelo processo de ocupação israelense vivido entre novembro de 1947 e maio de 1948, no qual encontraram-se desorgani-zados diante de um movimento sionista fortemente armado (KHALIDI, 1997, p.178).

Durante os anos perdidos, dificilmente se enxergava um centro de gravidade claro para os palestinos, devido à sua fragmentação por conta das expulsões decor-rentes da criação do Estado de Israel. O maior grupo de palestinos encontrava-se na Jordânia, à qual foi anexada a região central da Palestina conhecida como Cisjordâ-nia em 1949, e estes receberam cidadaCisjordâ-nia jordaCisjordâ-niana. Menos de 200.000 palestinos permaneceram em seus territórios incorporados ao Estado de Israel, e estes

recebe-Figura 18 – Histórico da ocupação Israelense na Palestina. Fonte: www.viomundo.com.br

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ram cidadania israelense, porém permaneceram impedidos de realizar quaisquer manifestações de sua identidade nacional. Aqueles localizados na Faixa de Gaza, sob comando do Egito, ou refugiados na Síria e no Líbano, também enfrentaram bar-reiras para a organização política, livre expressão e manifestações de sua identida-de. (KHALIDI, 1997, p.179)

Nos campos de refugiados, os locais de trabalho, escolas e universidades frequentados por palestinos nos anos após 1948 representaram o ponto de origem de uma nova geração de grupos nacionalistas que começaram clandestinamente em 1950 e emergiram publicamente em 1960. Uma união estudantil na Universidade do Cairo chamada de Ittihad Talabat Filastin (The Union of Palestinian Students, ou U-nião dos Estudantes Palestinos) foi fundada em 1950 por um estudante de engenha-ria participante da guerra de 1947-49, chamado Yasser Arafat, que posteriormente ficou conhecido como o líder da Autoridade Palestina, presidente da PLO e líder do partido Fatah (fundado por ele, Abu Jihad, e outros na mesma década, na Faixa de Gaza). Na metade da década de 1950, estes grupos já haviam se desdobrado em uma grande rede de organizações nacionalistas que, apesar de pequenas e vulne-ráveis e de possuírem agendas distintas, foram responsáveis por ressuscitar entre os palestinos sua força nacionalista (KHALIDI, 1997, p.180).

A PLO foi idealizada pelo presidente egípcio Jamal Abdal-Nasser e fundada em 1964 pela Liga Árabe sob sua tutela (BECKER, 1984, p.41). A grande expansão israelense foi vista como um empecilho para al-Nasser, cujo principal objetivo era estabelecer a hegemonia egípcia. Percebendo que não seria possível vencer Israel através da força, após diversas derrotas militares na tentativa de removê-lo de seu caminho, o presidente entendeu como mais vantajoso o fortalecimento dos países árabes como um todo (seguindo os preceitos do Arabismo), podendo assim repre-sentar um oponente mais poderoso diante de Israel. Al-Nasser utilizou-se do senti-mento geral de humilhação tido pelos países árabes em relação à conquista da Pa-lestina por parte dos judeus e tomou-o como um elemento de unificação, estabele-cendo a criação da OLP em janeiro de 1964. (BECKER, 1984, p.44). A organização proclamava seu objetivo como “forjar a consciência palestina” na geração presente e condenava o movimento sionista como imperialista, racista e fascista (BECKER, 1984, p.47). Como já citado, este foi o marco do fim dos chamados anos perdidos da Palestina, a partir do qual os movimentos nacionalistas voltaram conquistar notorie-dade.

Referências

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