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Modelos históricos de missão numa sociedade industrial

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Academic year: 2021

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numa sociedade industrial*

M a rlo n R onald Fluck

À memória de minha mãe, estímulo ao es­ tudo acadêmico, Brunhilde Fluck

* 2 0.0 1. 19 2 9 + 0 2.1 1 . 1 9 8 7

1.0 — A so c ie d a d e in d u s tria l 1.1 — D e s e n v o lv im e n to h is tó ric o

A R evolução In d u stria l tem sido d e fin id a com o sendo o processo de m udança de um a so cie d a d e o rg a n iz a d a em to rn o de e c o n o m ia a g rá ­ ria para um o u tro tip o de so cie d a d e , o n d e a in d ú stria passa a ser o centro o rg a n iz a d o r da e c o n o m ia . A e c o n o m ia qu e era do tip o fe u d a l, te n d o passado p e la fase m e rc a n tilis ta , a p o rta a g o ra em um processo de e v o lu ­ tiv a c a p ita liz a ç ã o , pressuposto básico para o s u rg im e n to das indústrias. O país p io n e iro é a In g la te rra , o n d e , de 1780 a 1840, irá ser gestada essa sem ente tra n s fo rm a d o ra da e c o n o m ia . Torna-se, dessa fo rm a , a " o fic in a do m u n d o ''1. Tal fa to o correu p o rq u e

" A agricultura estava preparada para desempenhar as suas três funções principais numa era de industrialização: aumentar a produção e a produtividade, de forma a alim entar uma popula­ ção não agrícola crescente; fornecer um excedente cada vez maior de pessoas para as cidades e para as indústrias; e ofere­ cer um mecanismo para a acumulação de capital a utilizar nos setores mais modernos da economia (Outras duas funções eram

* Palestra p ro fe rid a a 28.09.87 na III C onsu lta T e o ló g ica N a c io n a l, p ro m o v id a p e la F raternidad e T e o ló g ica L a tin o -a m e ric a n a , na cid a d e de Rio de J a n e iro , sobre o te m a "M is s õ e s U rb a n a s". 1 — HOBSBAWM, E.J. A e ra d a s revoluções; 1789-1848. 2 ,e d . Lisboa, Preseça, s.d. (B ib lio te c a de

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naturalmente menos importantes na Grã-Bretanha: criar um mercado suficientemente vasto entre a população agrícola — normalmente a grande massa da população — e proporcionar um excedente para as exportações, o que contribui para asse­ gurar importações de capital). Criara-se já um volume apreciá­ vel de capital social — o dispendioso equipamento geral ne­ cessário para toda a economia poder progredir — nomeada­ mente com a construção naval, as facilidades portuárias e a melhoria das estradas e canais. A política estava |á orientada para o lucro. (..) Tudo o que os industriais tinham de conseguir para serem aceites entre os governantes da sociedade, era d i­ nheiro su ficie n te ".2

O in íc io do processo de m u d a n ça dá-se q u a n d o surgem a lg u n s n o ­ vos inventos, resultados de pesquisa h u m a n a na busca po r técnicas m ais avançadas. O p rim e iro desses, o .d a m á q u in a a v a p o r por Jam es W att, em 1768, q u a n d o a p lic a d o a o sistem a fa b ril, dá in ício à substituição da e n e rg ia h u m a n a p e la da m á q u in a . A q u ilo qu e a n te rio rm e n te se p ro d u ­ zia co m o m a n u fa tu ra com eça, pouco a pouco, a ser ca ra c te riz a d o com o m a q u in o fa tu ra . A p a rtir daí, com eça um novo tip o de re la çã o do hom em com o tra b a lh o :

" ( ...) enquanto a máquina estiver em funcionamento, as pes­ soas devem trabalhar — homens, mulheres e crianças amarra­ das ao ferro e ao vapor. A máquina anim al está presa por ca­ deias à máquina de ferro, a qual não conhece o sofrimento nem a fa d ig a ".^

A o c o n trá rio da fe rra m e n ta , q u e a pena s fa c ilita o tra b a lh o h u m a ­ no, a m á q u in a substitui-o. A a p lic a ç ã o da m á q u in a de W a tt acrescenta- se o d e s e n v o lv im e n to da m in e ra ç ã o e da m e ta lu rg ia , a b rin d o , assim, as portas para o s u rg im e n to da in d ú stria pesada (fe rro e aço), o q u e in te rfe ­ re no m e lh o ra m e n to de todas as indústrias in cip ie n te s. A co n ju g a çã o desses in ve n to s le vo u à c ria çã o de m eios de transportes m ais velozes e eficazes: n a v e g a ç ã o com barcos m o vid o s a v a p o r e transporte através de locom otivas.

"M a l tinha demonstrado a sua viabilidade na Grã-Bretanha (do ponto de vista técnico e financeiro), em 1825-30, e já o mundo ocidental todo começava a planear a construção do caminho- de-ferro (...). A razão está sem dúvida em que nenhum outro

2 — Id., ib id ., p .48s.

3 — J.F .C .HARRISON, ap. BRESCIANI, M a ria S tella M . Londres e P a ris no século X IX : o esp e tá cu lo d a p o breza . São Paulo, B rasilien se, 1982. (Tudo é h is tó ria , 52). p.96s.

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invento revelou ao cidadão comum, de form a tão categórica, o poder e a velocidade da nova era; uma revelação tornada ain­ da mais sensacional com a notável maturidade técnica mesmo das primeiras linhas de cam inho-de-ferro (Na década de trinta era já possível atingir velocidades de cerca de cem quilômetros horários). A estrada de ferro por onde deslizavam cobras com plumas de fumo à velocidade do vento, através de países e continentes, cujas margens e ramais, pontes e estações form a­ vam um conglomerado de construções, remetendo para o pro­ vincianismo as pirâmides e os aquedutos romanos e até a Gran­ de Muralha da China, eram o verdadeiro símbolo do triunfo tecnológico do h om em .''4

Por v o lta de 1870, to d o o co n tin e n te e u ro p e u estava d o ta d o de um novo sistem a de com unicaçõe s, g e ra lm e n te construído com c a p ita l b ritâ ­ nico: as estradas de fe rro . O m u n d o estava a b e rto para a expansã o a ce ­ le ra d a do in d u stria lism o . As coisas vão com eçar a a co n te ce r com v e lo c i­ d ade. A p a rtir dos anos 40, a exp a n sã o vai se d a r a nível de B élgica e França. A pós suas u n ifica çõ e s políticas, em 1870, A le m a n h a e Itá lia e x ­ p e rim e n ta m um e v id e n te progresso in d u s tria l, destacan do-se a p rim e ira , visto possuir um d e s e n v o lv id o e n v o lv im e n to com a m in e ra ç ã o de fe rro e c arvão já de lo n g a data. Em fin s do século XIX, já supera a In g la te rra na p ro d u çã o de aço e pro d u to s quím icos. Em fin s desse século, Rússia, Esta­ dos U nidos e Jap ã o vêem ta m b é m a im p la n ta ç ã o da re v o lu ç ã o indus­ tria l.

O m e io dos cristãos re a g ire m d ia n te do m a q u in is m o p o d e ser p e lo m enos ilu stra tivo para a nossa busca por um a m issio lo g ia c o n te x tu a liz a - da na época q u e nos toca v iv e r. D iante da in d u s tria liz a ç ã o não é possível te n ta r o ca m in h o do saudosism o, através do re fú g io no passado, ou a d e ­ rir a um pessim ism o in a tiv o . O processo é in e x o rá v e l: estam os no m e io d e le e tem os de a c o rd a r para a re a lid a d e , a não ser qu e q u e ira m o s ser le va d o s a re b o q u e p e la "lo c o m o tiv a ” da h istó ria , to rn a n d o -n o s, assim, "p ro d u to s a lie n íg e n a s deslocad os na p aisage m tr o p ic a l" 5.

1.2 — E feitos da R evolução In d u s tria l

A in o va çã o qu e re p re se n to u a R evolução Industrial tro u xe consigo e fe ito s p e rce p tíve is em to d o o processo de d e s e n v o lv im e n to d o p ro g re s­ so técnico.

4 — E.J.HOBSBAWM, o p .c ., p .66.

5 — Tomo e m p re sta d a um a expressão c u n h a d a na C onsulta sobre C ris to lo g ia , a u s p ic ia d a p e ta Fra­ te rn id a d e T e o ló g ica L a tin o -a m e ric a n a : DOCUMENTO de Porto A le g re . Boletim T eo lógico, São Leopold o, 2(6): 43, 1986.

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1.2.1 — C a p ita liz a ç ã o e p ro le ta riz a ç ã o

O s u rg im e n to das indústrias pressupõe progresso té cn ico , o qu e , por sua vez, som ente se v ia b iliz a com a e x istê n cia de c a p ita l d is p o n ív e l, visto qu e to d o progresso té cn ico tem de ser p a g o de um a fo rm a ou de o u ­ tra. Pode-se d ize r, p o rta n to , q u e a c a p ita liz a ç ã o está na o rig e m d a indus­ tria liz a ç ã o , mas, ao m esm o te m p o , com o a e v o lu ç ã o té cn ica é um p ro ­ cesso d in â m ic o q u e tem se d e se n ca d e a d o a través dos séculos, a c a p ita li­ zação é e fe ito da in d u s tria liz a ç ã o . Levanta-se a p e rg u n ta : A p a rtir do qu e se consegue a a c u m u la ç ã o desse ca p ita l? E xatam ente a p a rtir do tra ­ b a lh o d a q u e le qu e será s u b m e tid o à m á q u in a : o p ro le tá rio . Em rápidos traços p o d e r-se -ia e sta b e le c e r o a x io m a : N ão há in d u s tria liz a ç ã o sem te c n ic iz a ç ã o ; não há tecnicização. sem c a p ita liz a ç ã o ; não há c a p ita liz a ­ ção sem p ro le ta riz a ç ã o . O c a p ita l a ser a c u m u la d o surge p e la absorção da d ife re n ç a e n tre o v a lo r de troca d o tra b a lh o (a q u ilo qu e o tra b a lh a d o r recebe com o s a lá rio a fim de p o d e r re p ro d u z ir a fo rç a de tra b a lh o de fo r ­ mas a estar “ p ro n to " para tra b a lh a r no o u tro d ia : o s a lá rio m ín im o para te r so b re v id a ) e o v a lo r re a l do tra b a lh o (a q u ilo qu e se g a n h a p e la ven d a das m e rca d o ria s p ro d u zid a s p e lo tra b a lh a d o r, o q u e será um v a lo r m u ito a cim a ). A d ife re n ç a e n tre esses dois v a lo re s é o v a lo r s u p le m e n ta r (m ais- v a lia ), q u e , en tã o , está d is p o n ív e l para c a p ita liz a ç ã o e in v e stim e n to . E nesse se n tid o qu e Ellul d irá q u e "o s q u e fa z e m a v a n ç a r a c iê n c ia são b u r­ g u e s e s "6. O progresso té cn ico nã o dispensa a a c u m u la ç ã o de capitais.

Cabe a q u i escla re ce r o c o n ce ito de " p r o le tá r io " , qu e surge, p e la p rim e ira vez, no Im p é rio R om ano:

"Q uando os censores romanos introduziram a palavra 'classis' para dividir a população em grupos diferentes para efeito de pagamento de impostos não devem ter previsto o futuro aci­ dentado dessa categoria. (...) em um extremo estavam os 'assi- dui' (...), no outro extremo estavam os 'p ro le ta rii', cuja única propriedade consistia em sua numerosa descendência — 'pro­ les' — e que eram superados apenas pelo 'lum penproletaria- do' dos 'capite censi', contados pelas cabeças."'

6 — ELLUL, Jacques. A técnica e o d e sa fio do século. Rio de J a n e iro , Paz e Terra, 1968. (Rumos da C u ltu ra M o d e rn a , 12). p .56.

7 — DAHRENDORF, R alf. A s c la sse s e se u s conflitos na S o c ie d ad e Industrial. B rasília, UnB, 1982. (P ensam ento P olítico, 28). p .l5 s .

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O c o n ce ito , no e n ta n to , e v o lu i, de fo rm a s q u e não é o m esm o que " p o b r e " . Ellul e sclarece-no s que

"M a rx não se interessou pelos pobres como tais, e não baseou sua análise da sociedade numa oposição entre ricos e pobres. Para ele, proletário não é equivalente a pobre. O proletário é aquele que, por um lado, é espoliado da totalidade de seus meios de vida pelo crescimento do capital e, por outro lado, não tem outra saída para sobreviver senão vender sua força de trabalho ao capitalista. Mas, como o capitalismo produz a tota­ lidade das condições humanas de vida na nossa sociedade, o proletariado é aquele que acumula em si a totalidade das ca­ racterísticas negativas desta sociedade. O capitalismo utiliza máquinas e se encarna na indústria, o proletário será submeti­ do à máquina, sendo exclusivamente um operário da indústria. O capitalismo concentra mão-de-obra e provoca uma urbaniza­ ção acelerada, o proletário será exclusivamente um homem da cidade. Para Marx, não há proletários no campo. O capitalis­ mo, para obter a força de trabalho necessária, arranca os cam­ poneses da terra e os arrasta para um meio a rtificia l; o proletá­ rio será um homem desenraizado e que perdeu sua pátria. Dis­ so resulta que o proletário é um homem sem cultura, pois foi retirado do seu meio natural tradicional e não pode ter acesso a uma cultura de tipo burguês, divulgada pela escola e pelos jor­ nais. Os salários do proletário não permitem que ele viva ver­ dadeiramente, devendo sua mulher e, desde muito cedo, seus filhos se ligarem ao trabalho industrial; também a duração do trabalho, tão longa quanto possível, proíbe ao proletário viver uma vida de fam ília "n o rm a l", quer dizer, o proletário é aque­

le que não tem fam ília. O trabalho na fábrica, além de penoso e arriscado, faz com que o proletário não possa levar uma vida saudável: ele não tem saúde ... Assim, o proletário é um ho­ mem desenraizado, explorado, urbanizado, sem pátria, sem fam ília, sem cultura, sem saúde, reduzido a um 'apêndice da

, . , Q

maquina ... .°

C om o po d e m o s ver, e n tã o , a c a p ita liz a ç ã o , p ré -re q u is ito para o progresso te c n o ló g ic o , torna-se v iá v e l b a sica m e n te através da e s p o lia ­ ção e d o m in a ç ã o so frid a s p e lo o p e ra ria d o in d u s tria l. Esse é o processo

8 — ELLUL, Jacques. M u d a r de revolução; o in e lu tá v e l p ro le ta ria d o . Rio de J a n e iro , Rocco, 1985. p. 13s. V eja-se ta m b é m RÉMOND, René. O sé cu lo X IX ; 1815-1914. São Paulo, C u ltrix , 1986 (In ­ tro d u çã o à h istó ria de nosso te m p o , 2), p. 103-8.

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que ca ra cte riza as sociedad es q u e q u e ira m e v o lu ir te c n o lo g ic a m e n te fa ­ la n d o , sejam c a p ita lista s ou socialistas9.

1.2.2 — A c e le ra ç ã o d o p rocesso d e u rb a n iz a ç ã o

E nquanto no p e río d o da m a n u fa tu ra era possível p ro d u z ir tu d o em casa, a g o ra as m á q u in a s já não p o d e m ser levadas para casa: têm de f i ­ car em um lugar, visto qu e a lo co m o çã o das m esm as é in v iá v e l e ta m ­ bém precisam fic a r p ro te g id a s contra a q u e le s q u e , e v e n tu a lm e n te , q u e i­ ram destruí-las, pois vê e m nelas um in im ig o qu e tira o sustento de m u i­ tos. A p a rtir do século XVIII, p o rta n to , s u rg irã o as cidades in dustriais. Co­ m o é necessário um c o n tin g e n te de pessoas dispostas a a tu a re m nas in ­ dústrias provoca-se o ê x o d o ru ra l, a c e le ra n d o -s e , assim, a u rb a n iza çã o . A a to m iz a ç ã o p ro d u z id a com o re su lta d o da re v o lu ç ã o de 1789, qu e dis­ solveu corporaçõe s, ordens re lig io sa s e q u e se v o lto u contra a p ró p ria fa ­ m ília , c o la b o ro u m u ito para a p e rd a de raízes com a d e stru içã o das estru­ turas tra d ic io n a is de vid a ru ra l, p e rm a n e c e n d o u n ic a m e n te o Estado, fo r ­ ça interessada d ire ta m e n te p e la ascensão da indústria. Londres, por e x e m p lo , terá um crescim ento p o p u la c io n a l de 1.873.676 hb, em 1841, a 4.232.118 hb., em 1891. E vid e n te m e n te , um g ra n d e resíduo p o p u la c io n a l estará aí, sem pre à disposição co m o reserva, a espera de q u a lq u e r tip o de e m p re g o , o q u e p o ssib ilita a m a io r e s p o lia ç ã o im a g in á v e l. E! R eal­ m ente, a cid a d e é te a tro da so cie d a d e te c n o ló g ic a e suas contradiçõe s.

1.2.3 — A u m e n to da p ro d u ç ã o e d iv is ã o so c ia l d o tra b a lh o

O su rg im e n to de novas técnicas tro u xe consigo o a u m e n to da p ro ­ d ução, o que, no e n ta n to , não vem a d im in u ir a jo rn a d a de tra b a lh o qu e , n a q u e la é p oca, é de 14 a 18 horas d iá ria s. Por o u tro la d o , e n q u a n to antes h a v ia um ro d ízio de ta re fa s e ritm o de tra b a lh o , a g o ra tem de se se g u ir o ritm o m ecâ n ico e m o n ó to n o da m á q u in a . A d ivisã o social do tra ­ b a lh o s ig n ific o u e sp e c ia liz a ç ã o p ro fis s io n a l: a ro tin a torna-se um a cons­ tante. A c o n tin u id a d e do tra b a lh o , e n v o lv e n d o in clu sive d o m in g o e dias festivos, tornou-se, in clu sive , m e io de d e scristia n iza çã o , visto q u e im pos­ s ib ilito u a p a rtic ip a ç ã o nas práticas eclesiais. Tensões psico ló g ica s de to ­ do tip o resultam dessa s u p e ra tiv id a d e m o n ó to n a , m ecâ n ica e, m uitas v e ­ zes, p erigosa e re a liz a d a em condiçõe s insalubres.

9 — Cf. Jacques ELLUL, M u d a r de revolução, p .32-137. Ellul de m o n stra irre fu ta v e lm e n te , s e g u in d o M a rx , a im p o s s ib ilid a d e de um a so cie d a d e passar a um a e c o n o m ia do tip o socialista , v in d o d ire ta m e n te de um m o d o de p ro d u çã o fe u d a l. As te n ta tiv a s h itó rica s têm re v e la d o q u e , ne­ cessa riam e nte, tem -se de , e n tã o , g e ra r in d u s tria liz a ç ã o , s u rg in d o ta m b é m aí um p ro le ta ria ­ do.

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1.2.4 — In c re m e n to a o c o m é rc io e s u rg im e n to d e c o m b in a ç õ e s fin a n ­ ce ira s

O ca p ita l necessário para in ve stir na busca por novas técnicas que v ie ra m a d e se n ca d e a r a R evolução Industrial era a c u m u la ç ã o co n se g u i­ da por co m e rcia n te s, e n v o lv id o s no d e se n c a d e a m e n to do m e rc a n tilis m o , qu e v in h a se d e s e n v o lv e n d o nos séculos XVI e XVIII. Desde os inícios, co­ m é rcio e in d ú stria estão, p o rta n to , vin cu la d o s. Com a m e lh o ra nos m eios de tra n sp o rte , os fre te s d im in u e m de preço, o qu e dá p o s s ib ilid a d e de o fe re c e r os produtos a preços reduzidos, o qu e in c e n tiv o u a d e m a n d a , in c re m e n ta n d o o co m é rcio . O m u n d o vai se to rn a n d o um a u n id a d e e co ­ n ô m ica . O co m é rcio e x te rio r é e s tim u la d o .

Da m esm a fo rm a , com eçam a a co n te ce r as co n ju g a çõ e s de indús­ trias, a p a re c e n d o os trustes, cartéis e m o n o p ó lio s.

A c re d ito qu e , com o a cim a exposto, tenha co n se g u id o c a ra c te ri­ zar, de um a fo rm a a rte sa n a l, a so cie d a d e in d u s tria l. C a b e -m e , a g o ra , e x p o r o re fe re n c ia l te ó ric o de le itu ra qu e u tiliz o :

2.0 — O c o n c e ito d e m issão

Para ler a histó ria e d isco rre r acerca de m odelos históricos de m is­ são, necessário se fa z esclarecer a p a rtir de q u e c o n ce ito de m issão está se p a rtin d o . A o d e fin ir a m issão cristã h o d ie rn a a c re d ito q u e é essencial que se o fa ça a p a rtir da C risto lo g ia . O cristão, com o a lg u é m q u e está e m Cristo (Rm 8), tem o com prom isso de in ic ia r po r este p o n to de re fe rê n c ia . O p ró p rio e v a n g e lh o , em Jo 20.21. d e m a n d a -o : "A ssim co m o o Pai m e

e n v io u , eu ta m b é m vos e n v io " . Mas, com o deu-se esse m issionar crísti-

co? M t 4.23s d e scre ve -o co m o d e sd o b ra n d o -se em " p re g a n d o o e v a n g e ­ lho do re in o e c u ra n d o to d a sorte de d o e n ç a s ...": e v a n g e liz a ç ã o e cura a p a re ce m com o ênfases essenciais. Em a lg u n s m om entos, Cristo so m e n ­ te p re g o u , em outros, som ente curou, e, em outros, os dois aspectos esti­ ve ra m a c o n te ce n d o em um m esm o e n co n tro . Daí, d e d u zo q u e Cristo es­ capa às p a d ro n iza çõ e s p le n ip o te n c iá ria s . E vangeliza ção, e n te n d id a co­ m o c h a m a d o à um a fé v iv a e a um re la c io n a m e n to pessoal c o m p ro m e ti­ do com o Cristo, e e n g a ja m e n to social, no sen tid o a m p lo de assistencial- p ro m o c io n a l, te ra p ê u tic o , p o lític o e co m u n a l (At 2 e 4), são am bos m a n ­ d a to do e v a n g e lh o . Entendo que

"Nosso próximo não é uma alma incorpórea para que possa­ mos lim itar-nos a amar sua alma, nem tampouco é um corpo

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sem alma, para que possamos ocupar-nos somente de seu bem-estar físico, nem tampouco um corpo com alma isolado da sociedade. Deus criou o homem, que é meu próximo, como um corpo com alma, integrado em uma comunidade. Portanto, se amamos a nosso próximo tal qual Deus o fez, inevitavelm ente teremos de ocupar-nos de seu bem-estar total — o bem de sua alma, de seu corpo e de sua vida comunitária. Mas, no entanto, é esta visão do homem como ser social, tanto como psicosso­ mático, que nos obriga a agregar a dimensão política à preocu­ pação social. A atividade hum anitária se ocupa das vítimas de uma sociedade enferma. Nós teríamos de ocupar-nos da m edi­ cina preventiva ou da saúde com unitária também, o que signi­ fica a busca de estruturas sociais melhores, nas quais a paz, a dignidade, a liberdade e a justiça estejam asseguradas para to­ dos os homens. Não há razão que nos impeça de, na persegui­ ção desta tarefa, unir forças com todos os homens de boa von­ tade, ainda que se dê o caso de que não sejam cristãos.''11-1 N o m eu e n te n d e r a e v a n g e liz a ç ã o e a ação social são c o m p a ­ n h e ira s q u e se p e rte n c e m , apesar de serem in d e p e n d e n te s . Cada um a existe sem precisar um a ser o m e io para ch e g a r à outra. A m b a s são e x ­ pressão de um a m o r a u tê n tic o . N e g a r essas duas d im ensões seria d ilu ir o e v a n g e lh o , p a rc ia liz a r o te ste m u n h o . Estou c ie n te de qu e um a a lm a sem corpo não passa de um fa n ta s m a , mas, ao m esm o te m p o , de q u e um cor­ po sem um a lm a não passa de um cadáver.

Tendo tid o essa visão p a n o râ m ic a d o c o n ce ito de m issão q u e a d o ­ to nesse estudo, p o d e m o s passar ao esp e cífico :

3.0 — M o d e lo s h is tó ric o s d e m issã o n u m a s o c ie d a d e in d u s tria l 3.1 — Jo h a n n H in ric h W ic h e rn e a m issã o in te r n a 11

W ich e rn , filh o de um e scrivão e m p o b re c id o , fic o u ó rfã o aos q u in ­ ze anos, sendo e n tã o a u x ilia d o em seu sustento por um m o v im e n to de d e s p e rta m e n to e s p iritu a l da c id a d e de H a m b u rg o . Estudou te o lo g ia (1829-31), sendo qu e , ao fo rm a r-s e , assum e a d ire ç ã o de um a escola d o ­ m in ic a l em um b a irro p o b re , te n d o , a p a rtir da í, um co n ta to p ro fu n d o com a p o b re za , até e n tã o in im a g in á v e l na p ro p o rç ã o q u e está o c o rre n ­ do. Torna-se, e n tã o ,

10 — STOTT, John. La m isió n cristian a hoy. B .A ires, C erteza, 1977. p .37

11 — o re la to sobre W ich e rn é ba seado em : LATOURETTE, K enn eth Scott. Christian ity in a

rev olu tion ary-age; a histo ry o f c h ris tia n ity in the n in e te e n th a n d tw e n tie th cen turies. N .Y o rk,

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"fa m ilia riz a d o com as condições da nova classe trabalhadora dos subúrbios, reconhecendo o grande abismo que os separava e as multidões que cresciam rapidamente de trabalhadores diurnos e a separação dessas multidões da igreja, que ministra­ va às classes respeitáveis, deplorava a decadência moral, es­ pecialmente nas relações maritais, e a triste sorte das crianças no proletariado u rb a n o ."'2

A b riu um la r p a ra m e n in o s d e s fa v o re c id o s e a b a n d o n a d o s, na Rauheshaus, n um a p ro p rie d a d e rústica num su b ú rb io d e H am burgo. Junto com sua m ãe e irm ã , re u n iu m e n in o s v a g a b u n d o s, a m a io ria sen­ do ile g ítim o s e com c o n flito s com a p o líc ia (fich a d o s), e te n to u d a r-lh e s um a fo rm a ç ã o p ro fis s io n a l, a lé m de inserí-los em um a c o m u n id a d e cris­ tã, na q u a l m uitos fo ra m tra n sfo rm a d o s. W ic h e rn q u e ria fa z e r d a q u e la casa um m o d e lo d o re in o de Deus, um local de te ra p ia e te ste m u n h o cris­ tão. Os m eios usados po r W ich e rn fo ra m a m o r, c o n fia n ç a , v id a c o m u n i­ tá ria , tre in a m e n to para se a u to -m a n te re m , d e s e n v o lv im e n to d o a u to - re sp e ito e c a rá te r firm e . O a lv o da re e d u c a ç ã o e ra a tra n s fo rm a ç ã o da p e rs o n a lid a d e a o m o d e lo de Cristo. W ich e rn tre in o u pais a d o tivo s, sendo qu e a m a io ria desses p ro v in h a das classes cam ponesas e de artesões, e cada um tin h a de possuir um a profissão qu e lhes possibilitasse tra b a lh a r p a ra sua a u to -m a n u te n ç ã o caso surgisse a necessidade. Eram c a p a c ita ­ dos no cam po p e d a g ó g ic o , tin h a m de possuir c o m p ro m e tim e n to e x is te n ­ cia l com a fé cristã e um a é tica c o e re n te , bem com o ser m em b ro s ativos da ig re ja e v a n g é lic a . Tais o b re iro s, p re p a ra d o s por W ich e rn , serviram ta m b é m em lares de resgate, o rfa n a to s, hospitais, asilos para e p ilé tic o s e d e fic ie n te s m entais, co m o p re g a d o re s leigos, professores de pobres, e a lg u n s se rvira m nas prisões prussianas.

Em 1848, no d ia da ig re ja em W itte n b e rg , o fe re ce -se a o p o rtu n i­ d a d e para W ich e rn a p re se n ta r um p ro g ra m a para um a fre n te u n id a a le ­ m ã pro te sta n te , um a resposta e v a n g é lic a aos p ro b le m a s so frid o s p e lo o p e ra ria d o a le m ã o . V em à to n a , dessa fo rm a , um "M a n ife s to Protestan­ te " , no q u a l,

"N a base do princípio protestante do sacerdócio de todos os crentes, ele desejava alistar os leigos e o clero para a constru­ ção do reino de Deus. Ele propunha fazer isso através do recru­ tamento de missionários para ganhar para uma fé cristã viva as massas batizadas e nom inalm ente cristãs. Ele esperava fazer de cada paróquia uma verdadeira comunidade através da in­

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dução de cristãos a amarem uns aos outros. Ele esperava supe­ rar a desunião protestante. Isso queria fazer através do evange- lismo espiritual e através de levar os leigos a form arem asso­ ciações voluntárias para ministrar às necessidades materiais dos homens (...) Wichern fez um provocante discurso no qual descreveu as necessidades entre os trabalhadores, entre o pro­ letariado urbano, entre os trabalhadores temporários que tra­ balhavam nas estradas de ferro e nos canais, entre os prisionei­ ros das prisões e o desafio da rápida expansão de uma cosmo- visão materialista popularizada. Ele declarou que os tempos clamavam por uma grande campanha de amor para regenera­ ção da vida interna da nação, que a igreja (...) tem de levar o evangelho a todas as classes e, se as pessoas não vão à igreja, a igreja deve ir às pessoas."13

C om o resposta a o d e s a fio , é cria d a a M issão In terna. W ich e rn passa a e n v o lv e r-s e , a p a rtir de e n tã o , na p ro m o ç ã o e o rg a n iz a ç ã o de vá ria s institu içõ e s q u e vão s u rg in d o co m o re su lta d o de um a resposta do p o vo e v a n g é lic o d ia n te dos desafios. Pouco a pouco, as p ro vín cia s e es­ tados da A le m a n h a vã o sendo a tin g id o s , sendo q u e se o rg a n iz a m m uitas sociedad es da M issão In terna. Todas essas estavam u nidas num C om itê C e n tra l, q u e c o o rd e n a a m issão em to d o o país. In fe liz m e n te , W ich e rn n ã o chegou a in te g ra r um a a ce n tu a ç ã o no aspecto p o lític o -e s tru tu ra l à sua visão e p rá tic a m issio ló g ica , o q u e se d e ve em g ra n d e p a rte a um a visão p o sitiva d o estado co m o ca n a l da graça, a o la d o da ig re ja e da fa ­ m ília . Im a g in o q u e isso seja he ra n ça a b so rvid a da te o lo g ia de Lutero, na q u a l o estado a p a re ce co m o um a das ordens da cria çã o , d e s e m p e n h a n ­ d o o p a p e l de in stru m e n to da o rd e m p re se rva d o ra de Deus14. A p e sa r dis­ so, W ich e rn d e ve ser visto com o a lg u é m q u e p re p a ro u a ig re ja para des­ d o b ra m e n to s fu tu ro s d o la b o r m issio n á rio , de fo rm a s qu e , em cim a do tra b a lh o re a liz a d o po r e le , outros p u d e ra m d e s e n v o lv e r m ilitâ n c ia s p o lítica s e n g a ja d a s. C riava-se, co m o passo p rim e iro , um a s e n s ib ilid a d e p a ra com o estado do p ro le ta ria d o a le m ã o . W ic h e rn p a rtic ip o u a in d a , em 1857, da re fo rm a d o sistem a de prisões da Prússia15. Latourette sin te ­ tiza a a m p litu d e d o e n g a ja m e n to dos e n v o lv id o s com a M issão Interna, d iz e n d o :

13 — ld ., ib id ., p. 105.

14 — Discuto com m ais v a g a r este asp ecto p o litic o da te o lo g ia de Lutero e m : FLUCK, M a rlo n Ronald. H e rm e n ê u tic a em Lutero; um estudo fu n d a m e n ta d o em " A no b re za cristã de n a çã o a le m ã , acerca d o m e lh o ra m e n to d o e sta do c ris tã o ''. Estudos T e o ló gico s, São L e opold o, 26(2): 151-6,

1986.

15 — Cf. STEINMETZ, D avid C. W ich e rn , J o h a n n H in rich (1808-1881). In: DOUGLAS, J .D .(e d .). The

n ew in ternational dictio nary of the christian church. ó .e d . G ra n Rapids, Z o n d e rv a n , 1985.

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"Entre as diversas atividades estava a circulação de Bíblias, tentativas para uma melhor observância do domingo, o cuida­ do espiritual dos trabalhadores nas estradas de ferro que se ex­ pandiam, a m ultiplicação de pregadores itinerantes e de col- portores para a divulgação de literatura cristã, a promoção da arte cristã através do encorajamento de jovens pintores interes­ sados e da popularização de pinturas com temas sagrados, o apoio a movimentos contra o excessivo uso de bebidas alcoóli­ cas, campanhas contra a vagabundagem, loterias, prostituição, lares de resgate para prostitutas e mães solteiras, o cuidado de prisioneiros e de apenados que foram soltos, a organização de grupos jovens cristãos, no providenciamento de asilo para ma­ rinheiros alemães em portos, tanto na Alem anha como no es­ trangeiro, trazer à existência associações voluntárias para o cuidado de doentes, providenciar cuidado espiritual para ale­ mães residentes em outras terras e emigrantes alemães, e ten­ tativas para alcançar os educados, por um lado, e os trabalha­ dores nas muitas novas fábricas, por outro lado.

Em 1862, após diversos anos de planejamento, o 'Paulinum ' foi aberto, em Berlim, como uma instituição para treinar jovens a serem teólogos e professores de escola. O que ficou conhecido como 'Herbergen zu Heimat' (casas de alojam ento para arte­ sãos itinerantes) havia sido um sonho de Wiehern. (...) Esses la­ res combinam os confortos de uma estalagem com uma atmos­ fera religiosa. Cada uma tinha um 'Hausvater' que recebia um salário fixo e que dirigia as orações na manhã e à noite, cuja assistência era voluntária. (...) Esses lares eram auto-suficientes. (...) No começo do século XX, tais casas eram em número de cerca de quinhentas. Parecidas com essas casas, mas ainda as­ sim diferentes delas eram as colônias para trabalhadores, des­ tinadas a cuidar de mendigos que não tinham trabalho e que estavam se m ultiplicando e eram fonte de deteriorização moral e crime. Na década de 1880, mais que uma vintena dessas la­ res foram in icia d o s."16

3.2 — F rie d ric h v o n B o d e ls c h w in g h e a m issão d e B e th e l

B o d e lsch w in g h nasce n um a fa m ília p ie tista , sendo q u e seus pais c o n sa g ra m -n o para q u e sirva a Deus. Tem contato com a fé cristã através da m e d ita ç ã o d iá ria e x e rc ita d a por seus pais. Depois de te r te n ta d o a c a rre ira de m in e iro , desiste por p ro b le m a s de saúde. T rabalha d u ra n te a lg u m te m p o com o a d m in is tra d o r, até qu e é vo c a c io n a d o para o m in is ­ té rio . Já d u ra n te o te m p o de e studan te, e n vo lve -se com os p ro b le m a s dos m e n d ig o s qu e b atem à porta da casa de seu irm ã o , in d o visitá-los,

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d e sco b rin d o , assim , a situ a çã o su b -h u m a n a em q u e v iv e m 17. A p a rtir dessas e x p e riê n c ia s , che g a ò conclusão de q u e não é d a n d o esm olas que pod e a ju d á -lo s , e nem p re n d e n d o -o s, com o fa z ia o estado, mas sim p ro v id e n c ia n d o -lh e s e m p re g o 18. Em 1869, a c o n te c e -lh e um a e x p e riê n ­ cia q u e va i m a rc á -lo p ro fu n d a m e n te : de 12 a 25 de ja n e iro fa le c e m q u a ­ tro de seus filh o s , a c o m e tid o s de fo rte tosse. Todos m o rre m conscientes, mas ta m b é m convictos de q u e Cristo os salva em m e io a o s o frim e n to . Em 1872, é c o n v id a d o a assum ir o la r d e e p ilé tic o s de B ethel, q u e h a via sido a b e rto em 1867. Era um a e x p e riê n c ia c o m p le ta m e n te n o va , visto qu e , n a q u e la é p oca, a p ra x e era a b a n d o n a r os e p ilé tic o s em hospícios. Bo- d e ls c h w in g h tem co n vicçã o de q u e o servo da p a la v ra de Cristo precisa estar disposto a ser a m ig o e a ju d a d o r de pobres, d o e n te s e fracos. A fé in fa n til de um ra p a z d o e n te m e n ta l ou de um a g ric u lto r e p ilé tic o é um a e x p e riê n c ia q u e supera tu d o q u e a u n iv e rs id a d e pod e o fe re c e r19.

" A partir de sua própria experiência, Bodelschwingh sabia que este serviço inferior é a melhor escola prática preparatória para o anúncio da palavra de Deus. Aqui, não se está em frente à miséria, mas sim no meio dela, não se a vê somente de fora, mas pega junto com mãos auxiliadoras. Isto o anunciador da palavra de Deus deveria aprender, para poder depois ir à fren­ te da sua comunidade com bom exemplo e também tornar ou­ tros solícitos para cada serviço."20

N o tra b a lh o com os e p ilé tic o s , B o d e lsch w in g h coloca com o p ri­ m o rd ia l a pessoa d o d o e n te . D edica-se à p o im ê n ic a . F alando de sua a tu a ç ã o g lo b a l co m o cura d 'a lm a s , pode-se constatar qu e

"Q uem vinha a ele com uma dor, um desejo, um pedido, nun­ ca saia inconsolado. Ele sempre dava algo. Era natural que ele não podia satisfazer todos os pedidos que eram feitos a ele. Mas, sem nada nunca se ia dali, (...) algo cada um recebia jun­ to. (...) Mas, onde ele abraçava algum a coisa, ali ele colocava toda a sua pessoa, talvez também toda sua p a ix ã o ."21

1 7 — Cf. BODELSCHWINGH, G ustav v. Friedrich von B o de lsch w in gh ; e in e G e sch ich te se in e s Le­

b ens. 3 .ed. B e rlin , Furche V e rla g , 1924/5. p .llO s .

18 — Cf. BUNKE, Ernst. V a te r B o de lsch w in gh ; Blätter d e r Erinnerung. 3. ed. B e rlim , B e rlin e r S tadt­ m ission, 1910. p.30.

19 — Cf. G ustav v. BODELSCHWINGH, o p .c ., p.294.

20 — SENF-LOBETAL, Ernst. B o de lsch w in gh ; ein Lebensbild für u n sere Zeit. 5 .ed. G iessen, B runnen V e rla g , s.d. p.73.

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As pessoas precisam ser v a lo riz a d a s com o são. O e n g a ja m e n to po r elas d e v e ser m o tiv a d o p e lo a m o r. O a m o r não e sta b e le ce pré- requisitos. O a u x ílio a a lg u é m d e ve persistir, m esm o q u e a pessoa se m ostre cética à m ensagem cristã.

Para B o d e lsch w in g h , a c o m u n id a d e é o n ú c le o da ação. Os desa­ fio s le va d o s a d ia n te são assum idos p e la c o m u n id a d e de B ethel. E assim q u e a co n te ce a construção de a lb e rg u e s , c o lô n ia para d e se m p re g a d o s, casa p a ra tra b a lh a d o re s da c id a d e . Envolvem -se com necessitados em m uitas partes do país. B o d e lsch w in g h torna-se, in clu sive , m e m b ro da câ­ m ara de d e p u ta d o s, cargo q u e q u e r d e s e m p e n h a r p a ra tra ze r b e n e fício s le g a is aos q u e estão m e n d ig a n d o de cid a d e em c id a d e , sem e m p re g o 22. Q u e r qu e o p e q u e n o te n h a n o v a m e n te sua p ró p ria casa e p e d a ço de te r­ ra p a ra p la n ta r» .

De a co rd o com a co n ce p çã o d e re in o de Deus q u e possuia, Bo­ d e ls c h w in g h cria q u e , q u a n d o da " p a r u s ia " , tu d o seria de stru íd o , com exce çã o d o qu e fo i fe ito de a co rd o com a v o n ta d e de Deus. O tra b a lh o e n tre pobres e in s ig n ific a n te s está e n tre essas exceções, visto q u e Cristo id e n tific a -s e com os sofredores. S om ente q u e m v a lo riz a e a g e para o m e lh o ra m e n to desse m u n d o saberá v a lo riz a r e a g ir com vistas ao v in d o u ro

24-O co n ce ito de m issão tra n sp a re ce c la ra m e n te q u a n d o Bodelsch­ w in g h fa la sobre o c o n flito q u e estava h a v e n d o e n tre os p a rtid á rio s da m issão e xte rn a , q u e visava a e v a n g e liz a ç ã o de outros povos, e a m issão in te rn a , v o lta d a a o a u x ílio assistencial e p o lític o aos necessitados do p ró ­ p rio país:

“ Do mesmo modo como vocês não podem separar a mão d ire i­ ta da esquerda sem criar uma mutilação, assim também vocês não devem separar a missão externa e a missão interna. Uma não pode viver sem a outra, ambas precisam se ajudar recipro­ camente, pois são irm ã s."25

B o d e lsch w in g h fo i c o e re n te : a g iu em am bas. E xternam ente , na m issão para a Á fric a . In te rn a m e n te , Bethel fo i um dos m ais n o tá ve is g ru ­ pos de institu içõ e s v in c u la d a s à M issão In te rn a . D iaconisas, d iá co n o s e pastores fo rm a d o s em Bethel vã o ta n to p a ra outros centros na A le m a n h a ,

22 — Cf. Id., ib id ., p .441-51. 23 — Cf. Id., ib id ., p .290. 24 — Cf. Id., ib id ., p .290.

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com o ta m b é m p a ra países e stra n g e iro s26. O tra ço m ais m a rca n te q u e f i ­ ca, a p a rtir d o estudo desse m o d e lo , é o serviço no c a m p o da te ra p ê u tic a ao la d o do la b o r e va n g e lís tic o .

3.3 — A d o lf S to e c k e r e o P a rtid o C ris tã o S ocial O p e rá rio

O utra pessoa e n v o lv id a na busca p o r so lu çã o cristã para os p ro ­ b le m a s g e ra d o s p e la re v o lu ç ã o in d u s tria l na A le m a n h a fo i A d o lf Stoec­ ke r (1835-1908). Tem co n sciê n cia da a lie n a ç ã o dos tra b a lh a d o re s da ig re ja e d o cre scim e n to d o m a te ria lis m o e ateísm o. S toecker é d e fe n s o r d a u n id a d e n a c io n a l, mas ta m b é m lu ta p e la e m a n c ip a ç ã o da ig re ja de sua situação de tu te la po r p a rte d o Estado e d e sua id e n tific a ç ã o com as classes d o m in a n te s 27. Em seu la b o r pastoral S toecker tra b a lh o u em es­ tre ita v in c u la ç ã o com a M issão In te rn a , e m e sp e cia l no te m p o q u e esteve em M etz, a té q u e , e m 1874, fo i c h a m a d o para tra b a lh a r em B e rlim 28. Em 1877, cria a M issão U rbana d e B e rlim , q u e ta m b é m se v in c u la à M issão Interna. Torna-se cada vez m ais consciente da situ a çã o dos p ro le tá rio s e da

"derrota dos métodos existentes de pregação e de cuidado pas­ toral para alcançá-los e de sua convicção de que as atividades caritativas associadas òs igrejas eram apenas pagamentos par­ ciais da dívida devida a eles pelas classes governantes. Stoec­ ker chegou à conclusão de que ele e seus companheiros da Missão Interna estavam perseguindo os problemas políticos e sociais básicos e de que a Igreja Protestante e a monarquia prussiana estavam p e rd e n d o o a p o io das classes trabalhadoras."29

Stoecker e n co n tra va -se d ia n te de um a co n vicçã o p o lític a pessoal d e q u e , daí para a fre n te , d a r-se -ia um c o n flito básico: ou possuir-se-ia um a visão cristã do m u n d o ou n ã o 30. E, co m o " a fé cristã im p lic a ta m ­ bém no c o n h e c im e n to dos v e rd a d e iro s p rin c íp io s o rg a n iz a d o re s (o rd e n a - dores) desse m u n d o " 31, e la ta m b é m se re co n h e ce d e s a fia d a a a tu a r con- c re ta m e n te na o rg a n iz a ç ã o da so cie d a d e . M a n te n d o c o e rê n cia e n tre

26 — Cf. K enn eth Scott LATOURETTE, o p .c ., p. 108. 27 — Cf. Id., ib id ., p. 123.

28 — Cf. GRESCHAT, M a rtin . A d o lf S toecke r u n d d e r de u tsch e Protesantism us. In: BRAKELMANN, G ü n te r et a lii. Prote stan tism u s und Politik; W e rk und W irk u n g A d o lf Stoeckers. H a m b u rg , Hans C hristia ns V e rla g , 1982. (H a m b u rg e r B e iträ g e zur S ocial - und Z e itg e sch ich te , 17). p.23s. 29 — K enn eth Scott LATOURETTE, o p .c ., p.'123.

30 — Cf. BRAKELMANN, G ü n te r. A d o lf S toecker und d ie S o z ia ld e m o k ra tie . In: BRAKELMANN, G ü n ­ te r et a lii. , o p .c ., p.102.

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te o ria e p rá tic a , c ria r-se -á , em 1878, na c id a d e d e E iskeller, o Partido C ristão S ocial O p e rá rio , c u jo p ro g ra m a é o se g u in te :

"Princípios gerais:

I — O Partido Cristão Social Operário está fundam entado sob a fé cristã e o amor ao rei e à terra natal.

II — Ele rejeita a atual social-democracia como não prática, não cristã e não patriótica.

III — Ele pretende uma organização amistosa dos trabalhadores para, em relação com os outros fatores da vida do Estado, in i­ ciar as necessárias reformas práticas.

IV — Ele persegue como alvo a redução do abismo entre ricos e pobres e a obtenção de uma maior segurança econômica.

Algumas exigências: I. Nos auxílios estatais

A. O rganização dos trabalhadores

1. Criação de associações conforme o campo de trabalho distinto, mas que atinjam a totalidade do reino e, acoplada a isso, uma regulamentação do sistema de aprendizes (estágio).

2. Instalação de um tribunal arbitrai obrigatório.

3. Implantação de um m ontepio de pensão que garanta o fu ­ turo de viúvas e órfãos, assim como inválidos e velhos.

4. Autorização às distintas associações, conforme o campo de trabalho, para representação dos interesses e da justiça dos trabalhadores frente aos seus patrões.

5. Obrigação das distintas associações, conforme o campo de trabalho, no sentido de responsabilizarem-se pelo estabele­ cimento de contrato de compromisso para com os trabalhado­ res.

6. Controle do estado dos balanços das distintas associações conforme o campo de trabalho.

B. Proteção do trabalhador

1. Proibição do trabalho dom inical. Supressão do trabalho de crianças e de mulheres casadas nas fábricas.

2. Dias normais de trabalho modificados pelas distintas asso­ ciações conforme o campo de trabalho.

3. Aspirações enérgicas da internacionalização dessas leis de proteção aos trabalhadores, até chegar a esse alvo de sufi­ ciente amparo do trabalhador nacional.

4. Proteção das massas de trabalhadores contra as condições insalubres nos locais de trabalho e habitações.

5. Restauração das leis sobre usura. C . Empresas estatais

1. Empresas cordiais de trabalhadores, de propriedade esta­ tal ou m unicipal, existentes e dessas dimensões, até onde seja economicamente conveniente e tecnicamente admissível.

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D. Impostos

1. Imposto complementar progressivo como compensação para contrabalancear ou como imposto produtivo indireto.

2. Impostos progressivos sobre herança de grandes bens e parentesco distante.

3. Imposto da bolsa.

4. Altos impostos sobre o luxo. II. Ao clero

A participação amorosa e ativa em todas as aspirações que se orientam para a m elhoria do bem-estar físico e espiritual, bem como para a elevação ético-religiosa da totalidade do po­ vo.

III. Sobre as classes possuidoras de bens

Um pronto ir de encontro a favor da legítim a demanda das pessoas não de posses, especialmente por meio da influência sobre a legislação, com vistas àquilo que há por ser feito: ele­ vação dos salários e abreviação do tempo (horas) de serviço. IV. Sobre a auto-defesa

A. Apoio dedicado das distintas associações conforme o campo de trabalho como compensação daquilo que nas corporações era bom e útil.

B. Valorização da pessoa e da honra das profissões, banimento de toda brutalidade feita com prazer e assistência, em espírito cristão, à vida fa m ilia r.” 32

C om o po d e m o s ver, S toecker " lu ta contra os filh o s d o ilu m in is m o p o lític o , co n tra lib e ra lis m o e s o c ia lis m o "33. Tanto o so cia lism o , q u a n to o lib e ra lis m o são vistos co m o m o v im e n to s fin a n c ia d o s e in su fla d o s pelos judeus, p e lo m enos a n íve l d e A le m a n h a . Na m esm a situ a çã o e n co n tra - se ta m b é m sua a n á lis e sobre o c a p ita lis m o 34. O in te rn a c io n a lis m o d o so­ cia lis m o é visto co m o in fid e lid a d e com re la ç ã o à p á tria 35.

A crítica a o c a p ita lis m o era ra d ic a l. Diz qu e se tra ta de " u m fe u d a ­ lism o p io r q u e o da Idade M é d ia . O c a p ita l p ro d u z m a ra v ilh a s , mas às custas da satisfação da classe dos tra b a lh a d o re s . A m á q u in a p ro d u z m ais b a ra to , fa z , no e n ta n to , dos tra b a lh a d o re s , e s c ra v o s "36. 32 — ap . G ü n te r BRAKELMANN, o p .c ., p. 114-6. 33 — ld ., ib id ., p . 103. 34 — Cf. Id., ib id ., p. 105. 35 — Cf. Id., ib id ., p. 108. 36 — A d o lf STOECKER, a p .ld ., ib id ., p.99.

(17)

N a sua crítica a o socia lism o , Stoecker

"polem iza não contra os alvos dos socialistas radicais, mas ex­ clusivamente contra os meios para sua execução. Articula-se aí o medo de uma revolução sangrenta".37

Stoecker encontra-se sob o im p a cto da e x p e riê n c ia da C om una de Paris e da a rtic u la ç ã o d o p ro g ra m a d e G otha.

F alando sobre os resultados da m ilitâ n c ia p o lític a de Stoecker, La- to u re tte diz:

"Stoecker foi criticado tanto da parte da direita como da es­ querda e teve pouco apoio, ou nenhum, de seus colegas de m i­ nistério, por que os últimos afirm avam que seu chamado era para pregar e para cuidar das almas. Os sociais-democratas opunham-se a ele, às vezes, violentam ente. A liderança oficial da igreja queria que ele se retirasse da política. (...) Ele foi membro da Dieta prussiana, de 1879 a 1898. De 1881 a 1893, ele tinha assento no Reichstag do Império, e foi reeleito para is­ so em 1898. Por algum tempo, Bismarck tolerou-o como um possível meio de d ivid ir as forças socialistas.

As atividades arrojadas de Stoecker não podiam fazer outra coisa do que continuar a criar inimigos. Em 1890 ele foi despe­ dido de seu posto de pregador da côrte. Em 1896 ele foi forçado a sair do Partido Conservador porque os senhores de terra pro­ testantes da Prússia, que eram a retaguarda do partido, não to­ leravam a sua defesa do trabalhador rural. Ele também perdeu o apoio de alguns dos jovens socialistas cristãos. Em 1896, o im­ perador Guilherm e II declarou: 'Stoecker está terminado, como eu predisse há alguns anos atrás. Pastores políticos são impossí­ veis ... Pastores devem cuidar das almas de suas congregações e incrementar o amor ao próximo, mas devem deixar a política sozinha por que isso não é o seu n e g ó c io '."3®

3.4 — W ilh e lm W e itlin g e a Liga dos Justos

• Em 1834, re fu g ia d o s a le m ã e s fo rm a v a m , em Paris, um a associa­ ção in titu la d a "L ig a dos Proscritos". Essa Liga, com posta po r co lo n o s e ar- tesões a le m ã e s e x ila d o s p o r m o tivo s políticos, tin h a um a co m posição m ista de ra d ica is e d em ocratas, a d m ira d o re s da R evolução Francesa. Um a n o dep o is, em 1835, ch e g a va em Paris o a lfa ia te W ilh e lm W e itlin g

37 — ld ., ib id ., p .94.

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(1808-1871), qu e se to rn a m e m b ro da m esm a. Em 1836, os e le m e n to s mais radicais, com o d e s e n v o lv im e n to de sua visão p o lític a , c h e g a n d o já a co n stitu ir um tip o de visão socia lista , separam -se da Liga dos Proscritos, fo rm a n d o a in titu la d a Liga dos Justos, associação secreta in te rn a c io n a l qu e luta por superação de situações de fo m e e in ju stiça e q u e possuia ra ­ m ifica çõ e s na França, A le m a n h a , Suiça e In g la te rra . Surgia, e n tã o , o " n ú c le o p rim itiv o do m o v im e n to re v o lu c io n á rio a le m ã o " 39, qu e será re ­ co n h e cid o por Engels co m o " o 'p rim e iro m o v im e n to o p e rá rio in te rn a c io ­ n a l', e qu e p ro d u z iu m uitas das pessoas qu e to m a ra m o p a p e l d irig e n te na A ssociação In te rn a c io n a l dos T ra b a lh a d o re s "40. Desde o p rin c íp io , a Liga terá co m o proposta p rim o rd ia l a c o m u n h ã o de bens com unista. W e i­ tlin g irá to rn a r-se o p rin c ip a l id e ó lo g o da m esm a. Ele escreve, em 1838, o liv ro "D ie M e n s c h h e it w ie sie ist und w ie sie sein s o llte " (A H u m a n id a ­ de co m o e la é e com o d e v e ria ser), no q u a l p rocura d e m o n stra r a possi­ b ilid a d e deste co m u n ism o . Em sua concepçã o de c o m u n ism o fa z e m p a r­ te:

"e lim in a çã o do dinheiro, comunidade de bens, 'situação equi­ parada da vida de todos', elim inação das fronteiras nacionais e congraçamento generalizado para constituir uma 'Liga Familiar da H u m anidad e"'.4'

Em 1839, d e v id o a um le v a n te ao q u a l se associara, a Liga p re c i­ sou tra n s fe rir sua sede para Londres. Ela to rn a va -se cada vez m ais in te r­ n a c io n a l. "N o s cartões de m e m b ro estava o le m a : 'Todos os hom ens são irm ã o s', em p e lo m enos v in te lín g u a s "42- 1842, W e itlin g p u b lic a G a­ ra n tie n d e r H a rm o n ie und d e r F re ih e it" (G a ra n tia s da h a rm o n ia e da li­ b e rd a d e ) qu e , " d u ra n te lo n g o te m p o , fo i o catecism o dos com unistas a le m ã e s "43. Nesse escrito, a p ro p rie d a d e e o d in h e iro são descritos co­ mo a raiz de todos os m ales:

"Por que mente o jornalista,por que rouba o ladrão, por que o comerciante engana e por que o advogado defende uma causa má? Tudo por causa do dinheiro ... Por que o dono do

39 — PETITFILS, Je a n -C h ristia n . O s so c ia lism o s utópicos. São P aulo, C írcu lo do Livro, 1984. p. 134. 40 — ENGELS, Friedrich. Para a h istó ria da lig a dos com unistas. In: M A R X EN G ELS; obras esco lh idas

em três tom os. L isb o a /M o sco vo , A v a n te /P ro g re s s o , 1985. v .3. p. 192.

41 — H O FM AN N , W e rn er. A histó ria do m ovim e n to social do s sé cu lo s 19 e 20. Rio de J a n e iro , Tem ­ po B ra sile iro , 1984. (T em po U n iv e rs itá rio , 77). p .77.

42 — Friedrich ENGELS, o p .c ., p. 197.

43 — HEINES, a p .W e rn e r H O FM AN N , o p .c ., p .77. Os e lo g io s de M a rx a essa o b ra de W e itlin g são c i­ tados e m : F riedrich ENGELS, o p .c ., p.195s. Ta m bé m a p a re c e m e m : FEDOSSEIEV, P .N .(e d .).

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restaurante falsifica a bebida, o camponês o leite e a m antei­ ga, e por que o padeiro prepara o pão muito pequeno? Tudo por causa do dinheiro ... Por que existem pessoas que ensinam, escrevem e agem contra os seus deveres, a sua consciência e as suas convicções? Por causa do d in h e iro ."44

W e itlin g sonha com o a d v e n to de um a so cie d a d e socialista em q u e este ja m presentes a ig u a ld a d e e co n ô m ic a e a d e m o c ra c ia p o lítica . N ão consegue d e scre vê -la com o im u tá v e l. P o litic a m e n te fa la n d o , " u m a so cie d a d e c o m p le ta e in te g ra l não tem um re g im e , mas um a a d m in is tra ­ ç ã o " 45. A n a lis a a re a lid a d e te n d o c iê n c ia de q u e um processo de luta de classes está em a n d a m e n to . O c a m in h o p a ra a nova so cie d a d e passa p e ­ la re v o lu ç ã o , na q u a l a q u e d a das a tu a is in stituições está im p líc ita . Nes­ sa re v o lu ç ã o os "L u m p e n p ro le ta ria t" serão os e le m e n to s m ais decisivos46.

Em 1844, para e scâ n d a lo dos "o rto d o x o s " , W e itlin g escreve o "E v a n g e liu m des a rm e n S ü n d e rs" (E vangelh o do p o b re p e ca d o r)47. A í, W e itlin g a p o n ta p a ra o c o m u n ism o re lig io s o dos cam poneses do século XVI com o m o d e lo , sendo qu e Thom as M ü n tz e r torna-se, e n tã o , o p ro tó ti­ po do líd e r re v o lu c io n á rio 48. Desde e n tã o , W e itlin g e a Liga dos Justos q u e re m a g ir no se n tid o de um a re v o lu ç ã o d e m o c rá tic a e a b o lir a p ro ­ p rie d a d e , a fim de estabele cer-se um a nova sociedad e à luz das e x p e ­ riê n cia s da v id a em com um dos p rim e iro s cristãos (At 2 e 4). Q u e re m , em sum a, co n cre tiza r p o lític a e e c o n o m ic a m e n te seu m oto: "T o d o s os h o ­ mens são irm ã o s ".

E vid e n te m e n te , essa te n ta tiv a de re to rn o a um c o m u n ism o cristão p rim itiv o tro u xe reações contrárias. Engels d e n o m in a W e itlin g , desde e n ­ tão, co m o p re g a d o r de "c o m u n is m o p a le o c ris tã o "49, e n q u a n to M a rx d e ­ n o m in a seu interesse em c ria r um co m u n ism o baseado na fra te rn id a d e cristã com o "ru m in a ç õ e s sobre o a m o r " 50.

44 — W ilh e lm WEITLING, a p .W e rn e r HOFAAANN, o p .c., p .78. As coloca çoes de W e itlin g são m u ito pró x im a s a 1 Tm 6.10a.

45 — W ilh e lm WEITLING, ap. W e rn e r HOFAAANN, o p .c., p .79.

46 — Cf. FEDOSSEIEV, o p .c ., p . 127; Je a n -C h ristia n PETITFILS, o p .c ., p . 134.

47 — Cf. F riedrich ENGELS, o p .c ., p .201. O ptei p e lo títu lo co m o m e n c io n a d o po r Engels, visto q u e v i­ veu o m o m e n to e d ific ilm e n te m e n c io n a ria e rro n e a m e n te um liv ro e x is te n te na é p oca. Petit- fiIs m e n c io n a " p e s c a d o r", em vez de " p e c a d o r " . Cf. Je a n -C h ristia n PETITFILS, op. c., p . 135. 48 — Cf. Je a n -C h ristia n PETITFILS, o p .c ., p. 135.

49 — Friedrich ENGELS, o p .c ., p .208.

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Já desde 1843, Engels estava sendo c o n v id a d o p o r Karl S chapper, um dos líderes da Liga, a fa z e r parte da m esm a, mas esse, por razões es­ tratégicas, recusou51. Engels m esm o descreve o m o d o d e le e M a rx con­ d u z ire m tal e s tra té g ia :

" ( ...) oralmente, por carta e pela imprensa, influíamos sobre as perspectivas teóricas dos membros mais significativos da Li­ ga. Para isso serviam também diversas circulares litografadas que nós em ocasiões particulares enviávamos aos nossos am i­ gos e correspondentes pelo mundo, quando se tratava de coi­ sas internas do Partido comunista que se formava. Nestas, a Li­ ga esteve ela própria, por vezes, em jo g o ."52

Dessa fo rm a , M a rx e Engels fo ra m co n v e n c e n d o as lid e ra n ça s da Liga d e q u e suas id é ia s e ra m as únicas corretas. M a rx, em 1845, já h a v ia a rtic u la d o , " d e um m o d o a c a b a d o , (...) a sua te o ria m a te ria lis ta da his­ t ó r ia " 53, q u e consegu e " v e n d e r " aos líderes da Liga em Londres e em Paris.

Em 1846, M a rx e Engels fu n d a ra m o C o m itê de C o rre sp o n d ê n cia C om unista de Bruxelas. O a lv o era, a través da cria çã o de vá rio s com itês nacio n a is,

"O rganizar uma vasta propaganda das idéias comunistas, re­ forçar os laços com os operários avançados e os intelectuais re­ volucionários (...), conseguir, através de trocas de opiniões, a unidade de concepções e elaborar um plano de ação ú n ic o ."54 W e itlin g é c o n v id a d o a fa z e r parte. Tendo c h e g a d o em Bruxelas,

"M a rx e Engels fizeram tudo o que puderam para o ajudar a assimilar os fundamentos da concepção científica do mundo' Mas foi trabalho perdido. De uma susceptibilidade mórbida, convencido da sua in fa libilidad e, W eitling permanecia surdo a todos os argum entos."55

51 — Cf. Friedrich ENGELS, o p .c ., p .200 52 — ENGELS, o p .c ., p.200.

53 — Id., ib id ., p .199.

54 — P.N.FEDOSSEIEV, o p .c ., p . 124. Q u a n to aos C om itê s de C o rre sp o n d ê n cia C o m u n ista , veja-se ta m b é m : CHATELET, François et a lii. H istó ria d a s id é ia s políticas. Rio de J a n e iro , Jorge Za har Editor, 1985. p. 127s.

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Para a sessão d e 30 d e m arço de 1846, M a rx co n v id o u o escritor russo Pavel A n n e n k o v a p a rtic ip a r. E xatam ente nessa sessão, as d ife re n ­ ças e n tre a m bos to rn a ra m -se c o n flito a b e rto , qu e A n n e n k o v n arra:

"Vê-se Engels, 'de elevada estatura, aprumado, distinto como um inglês'; Marx, com a sua 'cabeça de leão', coberta de basta cabeleira negra, as mãos 'cobertas de pelos', o trajo 'm al abo­ toado', as maneiras desajeitadas e nada mundanas, mas orgu­ lhosas com um tom de desprezo, as de um homem que, não obstante os seus vinte e oito anos, já tem 'o direito e a energia de exigir respeito'. Ouve-se Marx, de voz vibrante a metálica, feita para em itir 'juízos radicais sobre os homens e as coisas, pa­ ra pronunciar palavras imperativas que excluem toda contradi­ ção. Esse tom de ditador dem ocrático, diz Anienkof, empre­ gando a respeito de Marx tal expressão, 'exprim ia a convicção profunda de que lhe cabia a missão de dom inar os espíritos e de prescrever-lhes leis'. A entrevista se encerra por uma violen­ ta cólera de Marx contra W eitling, quando este tenta justificar o seu agir, baseado na 'id é ia de justiça, de solidariedade e de amor fraterno', ousando lançar um sarcasmo a respeito das 'análises de gabinete, desenvolvidas longe do mundo sofredor e dos tormentos do povo'. Desferindo então na mesa um murro tal que a lâmpada treme, exclama o ditador intelectual: 'Ja­ mais a ignorância serviu a alguém .'

Era assim que, elim inando metodicamente, e brutalmente se necessário, todas as heresias, Marx e Engels remodelavam os grupos comunistas segundo as suas próprias opiniões doutri­ nais. No decurso do verão de 1847, um prim eiro congresso, reunido em Londres, decide a constituição de uma Liga dos co­

munistas, 'associação internacional de trabalhadores', natural­

mente clandestina. Em setembro surgia uma Revista Comunis­

ta, com a epígrafe: Proletários de todos os países uni-vos. Era

a nova divisa que substituía a antiga, 'todos os homens são ir­ mãos', demasiado impressa de cristianismo, de 'devaneio amoroso' e debilitante. Lia-se nesse prim eiro número — que seria também o último:

"N ã o somos negociantes de sistemas ... Não somos comunis­ tas que pretendem realizar tudo pelo amor ... Não somos co­ munistas que pregam desde já a paz perpétua, enquanto por toda parte se armam os nossos adversários para o combate. Não somos comunistas que julgam possível, logo após um com­ bate vitoriosamente sustentado, introduzir-se como que por en­ canto a comunidade dos bens ... Não somos comunistas que querem aniquilar a liberdade pessoal e fazer do mundo uma grande caserna ou uma grande oficina . . . '" . 56

(22)

D iante da re p rim e n d a re c e b id a , W e itlin g re tira -se de B ruxelas em fin s d e m a io d e 1846. M a rx é a p o ia d o e m sua visão p e la lid e ra n ç a d a Li­ ga em Londres, mas W e itlin g é s e g u id o na Suiça, em Paris, em H a m b u r­ go e outros lu g a re s57. Em a g osto de 1846, Engels vai a Paris p a ra c ria r a li um C o m itê d e C o rre sp o n d ê n cia C om unista, te n d o esse co m o um a de suas fu n çõ e s " c o m b a te r a in flu ê n c ia d e W e itlin g " 58. Em n o v e m b ro de 1846, o o rg a n is m o c e n tra l d a Liga escreve um a m ensagem em q u e se fa ­ la da

"necessidade de criar um 'partido de força' (...). A mensagem sugeria que se examinassem questões tácticas efetivam ente importantes: a atitude em relação às diferentes camadas da burguesia, aos partidos não proletários, etc. Propunha-se a convocação de um congresso comunista internacional para o começo de maio de 1847."59

Os d irig e n te s da Liga, e n c o n tra n d o p ro b le m a s na e la b o ra ç ã o do p ro g ra m a para o congresso, p e d e m a ju d a a M a rx e Engels. Os d irig e n te s a u to riz a m q u e se c o n v id e m a m bos a se to rn a re m m e m b ro s da Liga e que se p ro cu re seu a u x ílio na e la b o ra ç ã o d o p ro g ra m a p a ra o congresso. M a rx a c o lh e u com reserva a proposta d e m e m b re sia , mas, q u a n d o p e r­ ceb e u q u e estavam dispostos a o rg a n iz á -la se g u n d o o seu p ro g ra m a , re ­ solveu a c e ita r o c o n v ite , ju n ta m e n te com Engels60.

56 — CHEVALIER, Jea n-Jacq ues. A s g r a n d e s o b r a s política»; d e M a q u ia v e l a nossos dias. S.Paulo, A g ir, 1986. p. 284s. A b io g ra fia e d ilo ra d a p o r FEDOSSEIEV n a rra o c o n fro n to ta m b é m a p a rtir d o re la to de A n n e n k o v , d e ix a n d o d e la d o , no e n ta n to , a lg u n s aspectos s u b lin h a d o s p o r C h e va ­ lie r. S a lie n to u q u e M a rx :

"E s p e c ific o u q u e 'd irig ir-s e a o o p e rá rio sem id é ia s rig o ro s a m e n te c ie n tífic a s e sem d o u trin a p o sitiva e ra b rin c a r à p ro p a g a n d a , b rin c a d e ira tã o fú til q u a n to desonesta, q u e pres­ supõe, de um la d o , um p ro fe ta in s p ira d o e, d o o u tro , u n ic a m e n te b u rro s o u v in d o -o d e boca a b e rta '. Q u a n d o W e itlin g , e sp ica ça d o p o r estas observaçõ es, a p re se n to u os p a rtid á rio s da te o ria re v p lu c io n á ria co m o sábios de g a b in e te , a fa sta d o s d a v id a , co m o d o u trin á rio s insensí­ veis aos so frim e n to s d o p o vo , M a rx n ã o a g u e n to u e, sa lta n d o d o lu g a r, g rito u com có le ra : 'N u n c a a ig n o râ n c ia a ju d o u fosse q u e m fo s s e !'

A o c o n trá rio d e W e itlin g , M a rx c o n sid e ra va in d isp e n sá ve l lim p ar o m o v im e n to c o m u ­ nista dos e le m e n to s q u e p re g a v a m d o u trin a s vu lg a re s e ultrapassa das. E x ig ia q u e os a d e re n ­ tes a o m o v im e n to co m p re e n d e sse m a o rd e m sucessiva das ta re fa s re v o lu c io n á ria s , a in e v ita ­ b ilid a d e de u m a re v o lu ç ã o b u rgue sa na A le m a n h a , em vez d e se e n tre te re m , co m o W e itlin g , com as q u im e ra s de um a d v e n to im e d ia to d o c o m u n is m o ."

P. N. FEDOSSEIEV, o p .c ., p. 128. Os g rifo s são meus. 57 — Cf. id ., ib id ., p. 129.

58 — Id ., ib id ., p. 134. 59 — Id ., ib id ., p . 142. 60 — Cf. id ., ib id ., p .l4 2 s .

(23)

A d a ta d o congresso é a d ia d a d e m a io para ju n h o , o qu e p o s s ib ili­ ta q u e M a rx e Engels " a ju d e m " os m e m b ro s d a d ire ç ã o lo n d rin a a e n ri- g e ce r o p e n sa m e n to com re la ç ã o a outros socialism os. N o congresso, re a liz a d o em Londres, d e 2 a 9 de ju n h o de 1847, M a rx " n ã o p o d e estar p re s e n te ", mas d e ix o u "in s tru ç õ e s p o rm e n o riz a d a s " a o g ru p o d e B ruxe­ las sobre co m o a g ir61. E d a d o um passo na te n ta tiv a de a rtic u la r um p ro ­ g ra m a da Liga, visto q u e se co n sid e ra o "E sboço d e um a p rofissão de fé c o m u n is ta ", e la b o ra d o p o r Engels, com o base a p a rtir d a q u a l deve r-se -á e la b o ra r o p ro g ra m a . O congresso a d o ta as decisões p ré -fa b ric a d a s por M a rx:

" A decisão do congresso de e xclu ir da Liga os partidários de

W eitling proclamava a incom patibilidade do reconhecimento

dos dogmas sectários e utópicos com a filiação numa organiza­ ção proletária.

O congresso decidiu renunciar à antiga divisa, demasiado vaga — "Todos os homens são irm ãos!" — , que foi substituída pelo grande apelo sugerido por Marx e Engels — "Proletários de todos os países, uní-vos!"62

Convoca-se um n o vo congresso da Liga, a g o ra já d e n o m in a d a "C o m u n is ta ", para fin s de n o v e m b ro e inícios de d e z e m b ro d e 1847, sen­ d o q u e os grupos locais d e v e ria m d iscu tir sobre o "E sboço Nesse congresso, M a rx faz-se presente. Discute-se a nova d o u trin a .

"Toda contradição e dúvida foram finalm ente resolvidas, os novos princípios foram aprovados por unanim idade e Marx e eu fomos encarregados de elaborar o M anifesto"63

Em fe v e re iro d e 1848 estava p u b lic a d o o "M a n ife s to do Partido C o m u n is ta ". O n o vo g rito d e b a ta lh a in te rn a c io n a liz a -s e : "P ro le tá rio s de todos os países, u n í-v o s !"

M a rx e Engels conse g u e m seu in te n to de

"u tiliz a r como núcleo do partido proletário em formação, uma organização operária internacional já existente, refundindo-a totalm ente, segundo os padrões da nova d o u trin a ".64

61 — ld ., ib id ., p. 143.

62 — ld ., ib id ., p. 145. Os g rifo s são meus. 63 — Friedrich ENGELS, o p .c ., p .203. 64 — P.N.FEDOSSEIEV, o p .c ., p. 143.

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