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Dimensões políticas na Plaza de Mayo e a cidade de Buenos Aires como capital federal (1880 - 1910)

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INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

ANA CAROLINA OLIVEIRA ALVES

Dimensões políticas na Plaza de Mayo e a cidade de Buenos Aires

como capital federal (1880 – 1910)

CAMPINAS 2017

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Dimensões políticas na Plaza de Mayo e a cidade de Buenos Aires como capital federal (1880 – 1910)

Dissertação apresentada ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestra em História na Área de Política, Memória e Cidade

Supervisor/Orientador: Profa. Dra. Josianne Frância Cerasoli

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO

DEFENDIDA PELA ALUNA ANA

CAROLINA OLIVEIRA ALVES, E

ORIENTADA PELA PROFA. DRA.

JOSIANNE FRÂNCIA CERASOLI

_____________________________________

CAMPINAS 2017

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INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

A Comissão Julgadora dos trabalhos de Defesa de Dissertação de Mestrado composta pelos Professores Doutores a seguir descritos, em sessão pública realizada em 12 de dezembro de 2017, considerou a candidata Ana Carolina Oliveira Alves aprovada.

Prof(a) Dr(a) Josianne Frância Cerasoli

Prof(a) Dr(a) Maria Stella Martins Bresciani

Prof(a) Dr(a) Ana Claudia Scaglione Veiga de Castro

Prof(a) Dr(a) Lise Fernanda Sedrez (suplente)

Prof(a) Dr(a) Iara Lís Franco Schiavinatto (suplente)

A Ata de Defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica da aluna

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É difícil transmitir em palavras agradecimento àquelas pessoas que caminharam do meu lado até aqui e, principalmente, durante a escrita dessa dissertação. A jornada de três anos, dificultada pelos quase 500 quilômetros que me separavam da UNICAMP, tornou-se mais amena pelas pessoas que transpassaram meu percurso contribuindo para a conclusão desse trabalho.

À CAPES pela bolsa concedida durante esses anos de mestrado.

À minha orientadora, Josianne Cerasoli, pelo acolhimento e atenção ao longo desses três anos e, por todas os instigantes debates sobre os rumos dessa dissertação. Por ter sido sempre presente, a despeito da distância física, e pela enriquecedora experiência de poder contar com sua orientação nessa jornada, meu muito obrigada.

Às professoras com quem meus caminhos se cruzaram nesse processo, especialmente aquelas com quem compartilhei as aulas de linha no mestrado e que em tanto contribuíram para modificação de meu projeto inicial, Izabel Marson e Maria Stella Bresciani. A esta última, ainda, um agradecimento especial não só por compor minha banca, mas por se mostrar sempre disponível para auxiliar, com enorme generosidade acadêmica. À professora Ana Castro, pela disposição em compor minha banca e por todas as reflexões que ajudaram a repensar meu trabalho. Às professoras Iara Schiavinatto e Lise Sedrez pela participação como suplentes na defesa. À essa última, ainda, por me acompanhar desde minhas primeiras incursões em pesquisas históricas me ensinando tanto desde então. Ao seu grupo de orientação, agradeço pelo companheirismo e leitura sempre atenta de meu trabalho. À professora Alessandra Nicodemos por caminhar junto comigo em tantas lutas e partilhar reflexões imprescindíveis sobre nosso papel enquanto educadoras.

Às especiais ajudas obtidas nos arquivos argentinos, especialmente à Viviana Appella, funcionária das Bibliotecas Técnicas, por toda a atenção que me dedicou em todas coletas de fonte. À Alicia Novick e à Sonia Berjman, sempre solicitas para debates acadêmicos sobre meu objeto.

Aos meus amigos da UNICAMP por terem demonstrado que o meio acadêmico também se perfaz de amizade e companheirismo. Ao Leonardo que tornou sua casa em Barão Geraldo minha ao longo dessa trajetória construindo um laço além do acadêmico, um agradecimento especial por sua fraterna amizade em meio a tanto nervosismo e questões compartilhados. À Monique, sempre cuidadosa e afetuosa, não só por me fazer sempre sentir acolhida em São Paulo e em outros lugares pelos quais transitamos, mas também por ter me proporcionado tantas importantes reflexões sobre meu trabalho. À Suelen, pelas angustias e apoios divididos em meio as dificuldades de estudar uma cidade tão distante. Aos integrantes do CIEC,

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Agradeço aqueles amigos que extrapolaram os muros institucionais do IFCS tornando-se pretornando-sença constante em minha vida e coração. Ao Henrique, companheiro de todas as instâncias dessa vida, sem o qual vários dos meus passos não teriam sido dados e outros teriam sido muito mais trêmulos e inseguros, meu muito obrigada. Passar por essa difícil empreitada simultânea nos fez compartilhar todos os bons frutos que uma amizade sincera proporciona, crescendo fortes, estimulando voos altos, mas sem deixar de criar e cultivar nossas raízes juntos. À minha família de amigosBeatriz, Caio, Felipe, Lucas e Thiago, meu agradecimento. Por acompanharem minha difícil escolha de cursar um mestrado em outro estado e, mesmo me querendo perto, serem companheiros o suficiente para me dar seu apoio se fazendo, ainda assim, presença constante em meus dias. Às amigas de diferentes fases da graduação, Ana Luiza, Anne, Aline, Milene e Yasmin, por sua ajuda e carinho incondicional. Ao Felipe Melo que, entre as dificuldades de compartilhar da ponte área Rio-Campinas, se fez presente nesse processo com preocupação constante.

Aos amigos da vida, que há tempos já caminhavam comigo, Diogo, Filipe, Marianne, Priscylla, Camilla, Joyce, Lucas e Monique, meu eterno obrigado por essa amizade que acompanha cada nova etapa de nosso caminho se esforçando para estar presente, mas compreendendo as ausências, por vezes necessárias.

Ao Matheus por todo companheirismo e afeto, por ter estado presente em minha relação com a História desde o primeiro momento e sempre me fazer enxergar além dos meus horizontes compartilhando reflexões ainda que nos interessemos por temas tão díspares. Agradeço imensamente por todas as barras que você segurou apenas para garantir que elas fossem menos pesadas para mim e por estar do meu lado em tantas batalhas dessa vida.

À Ana e ao Sued, considerados parte de minha família, pelo constante acolhimento e, principalmente, pelas longas conversas que sempre me fizeram sentir em casa.

À minha família por ter constantemente me incentivado, em especial Rosa, Luiz, Alfredo, Cristina e Carine. À Monique, sempre presente nas frustrações e conquistas dessa vida. A minha avó Elma, parceira da vida, por ter ajudado a tornar Barão Geraldo um lugar mais familiar.

Aos meus pais, Sérgio e Patrícia, por uma parceria construída e reiterada ao longo da vida. Agradeço pelo apoio que se estende além do afetivo se perfazendo também em termos concretos dentro dos meus projetos acadêmicos como ao se disporem a passar dias dentro de arquivos coletando fontes históricas. Por sempre buscarem tornar meu caminho mais fácil, com a certeza de que, sem vocês, mais essa fase não teria sido concluída.

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Esta dissertação tem como objetivo investigar a dimensão política da Plaza de Mayo, localizada em Buenos Aires. A praça, constituída como parte do conjunto composto não só pela sede do governo local, mas também de um centro financeiro e uma instituição religiosa, foi historicamente expressão de diversas ações cívicas e coletivas. Buscamos compreender, a partir do processo anterior à ocupação desse espaço, sua concepção e reafirmação como essencialmente político. Nossa hipótese é de que se atualiza o sentido de poder na sociedade argentina por meio das narrativas em disputa na praça que, portanto, não está alheia às contendas políticas que se efetivam no espaço público e nele se materializam. Analisamos documentos oficiais, planos urbanísticos, periódicos especializados e da grande imprensa, considerados a partir de uma articulação entre cidade e política para investigar como a praça foi pensada e debatida. Para compreender as transformações desse espaço como intencionais foram escolhidos dois momentos: o processo de federalização da cidade na década de 1880 e as posteriores celebrações do Centenário da independência argentina, em 1910. As transformações urbanas experimentadas pela cidade no primeiro momento estão estreitamente relacionadas com seu novo status como capital e expressaram interesses específicos de um grupo que buscava mudanças físicas correspondentes ao projeto político de nacionalização da cidade. Essa retórica foi alimentada até 1910, segundo momento escolhido, quando afloraram discursos que, em meio a disputas, mobilizaram argumentos de valorização de certos eventos do passado implicando em sua expressão na cidade. A originalidade deste trabalho está em compreender, por meio desses dois momentos, como se desenvolvem as relações entre a política na Argentina e o próprio espaço urbano e identificar possíveis rupturas e continuidades nas narrativas e ideologias envolvidas nesse processo.

Palavras-chave: espaços públicos; cidades e vilas; Plaza de Mayo (Buenos Aires, Argentina) - História

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The goal of this master thesis is to investigate the political dimension of Plaza de Mayo, in Buenos Aires. This square has historically been the expression of several civic and collective actions, since it has been constituted as a part of a whole made by not only the government’s seat but also by a financial center and a religious institution. We try to understand its conception and reaffirmation as essentially political space through its previous occupation process. Our hypothesis is that the meaning of power in Argentinian society is updated through conflicting narratives in the square, which is not kept from the political struggle that takes place and materialize in the public space. We analyze official documents, urban planning, specialized press and the mainstream media, considered through a linking between politics and the city, in order to investigate how the political players have thought about the square and how they have debated its issues. In order to comprehend this public space’s transformations as intentional ones, we have chosen two historical moments: the process of the city’s federalization in the 1880s and the subsequent centenary celebrations of Argentinian independence, in 1910. The urban transformations that took place in the city in this first historical moment are closely related to its new status as the capital of the country, and they express specific interests of a group that intended to perform physical changes on the city, which corresponded to the political project to nationalize Buenos Aires. This discourse was impassioned until 1910, the second historical moment chosen here, when, through the political struggle, several speeches emerged intending to promote certain past events, which led to its expressions in the urban space. The uniqueness of this study is in trying to comprehend how the relations between Argentinian politics and the urban space itself are developed and, also, in finding disruption and continuity in the narratives and ideologies whenever it is possible.

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Esta disertación tiene como objetivo investigar la dimensión política de la Plaza de Mayo, ubicada en Buenos Aires. La plaza, constituida como parte de lo conjunto compuesto no solamente por la sede de lo gobierno local, sino también de un centro financiero y una institución religiosa, ha sido históricamente expresión de distintas acciones cívicas y colectivas. Buscamos comprender, desde lo proceso anterior a la ocupación de este espacio, su concepción y reafirmación como esencialmente político. Nuestra hipótesis es de que se actualiza lo sentido de poder en la sociedad argentina por medio de las narrativas en disputa em la plaza que, por tanto, no esta ajena a las contiendas políticas que se efectivan en lo espacio público y en el se materializan. Hemos analizado documentos oficiales, planes urbanísticos, periódicos especializados y de la gran prensa, considerados a partir de una articulación entre ciudad y política para investigar como la plaza ha sido pensada y debatida. Para comprender las transformaciones de ese espacio como intencionales han sido escogidos dos momentos: lo proceso de la federalización de la ciudad en la década de 1880 y las posteriores celebraciones de lo Centenario de la independencia Argentina, en 1910. Las transformaciones urbanas experimentadas por la ciudad en el primer momento están estrechamente relacionadas con su nuevo status como capital y expresaron intereses específicos de un grupo que buscaba cambios físicos correspondientes al proyecto político de nacionalización de la ciudad. Esa retórica fue alimentada hasta 1910, segundo momento escogido, cuando se perpetuaron discursos que, em medio de las disputas, movilizaron argumentos de valorización de ciertos eventos do pasado implicando en su expresión em la ciudad. La originalidad de este trabajo está en comprender, por medio de dos momentos, como se desarrollan las relaciones entre la política en Argentina y lo propio espacio urbano y identificar posibles rupturas y continuidades en las narrativas y ideologías implicadas em este proceso.

Palabras-clave: espacios públicos; ciudades y pueblos; Plaza de Mayo (Buenos Aires, Argentina) - Historia

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FIGURA 1: Esquema antigo da Plaza de Mayo ... 17

FIGURA 2: Esquema atual da Plaza de Mayo ... 19

FIGURAS 3A 3B E 3C: Mapas da Argentina e de Buenos Aires ... 34

FIGURA 4: Plano de Belgrano, Flores e dos limites do antigo município [1888] ... 56

FIGURA 5: Esquema da cidade de Buenos Aires [1887] ... 62

FIGURAS 6A E 6B: Recortes de plano topográfico destacando as praças [1840] ... 64

FIGURAS 7A E 7B: Vista das duas praças de distintos ângulos ... 66

FIGURA 8: Recortes de plano topográfico destacando lugares citados [1840]. ... 69

FIGURA 9: Porjeto de melhorias da Plaza Victoria [1882] ... 71

FIGURA 10: Recortes de plano topográfico destacando lugares citados [1840] ... 85

FIGURAS 11A E 11B: Fotografia da praça com detalhe da estátua de Belgrano [1875] ... 88

FIGURA 12: Fotografia da estátua do general Belgrano ... 91

FIGURA 13: Casa del Gobierno e Casa de Correos unidas pela obra de Tamburini ... 97

FIGURA 14: Abertura da Avenida de Mayo a partir da praça ... 102

FIGURA 15: Esquema da metade leste da Avenida de Mayo ... 103

FIGURA 16: Comemoração do Centenário na Plaza de Mayo ... 126

FIGURA 17: Plano da cidade de Buenos Aires [1910] ... 128

FIGURA 18: Plaza de Mayo após o projeto de Carlos Thays ... 129

FIGURA 19: Disposição da pirâmide em meio ao lado oeste da praça ... 137

FIGURA 20: Recorte da aquarela de Emeric Essex Vidal [1817] ... 138

FIGURA 21: Fotografia da pirâmide com destaque para a estátua da liberdade ... 139

FIGURA 22: Translado da pirâmide até o centro da praça [1912] ... 148

FIGURA 23A E 23B: Projetos espanhol e francês - “1810-1816-1910” e “Oceano” ... 161

FIGURA 24A, 24B, 24C E 24D: Projeto belga “Sol” ... 164

FIGURA 25A E 25B: Detalhes do projeto argentino “Arco de Triunfo” ... 166

FIGURA 26: Monumento a Mayo, proposta de Gaetano Moretti e Luigi Brizzolara. ... 168

FIGURAS 27A E 27B: Representação da Pátria e da Liberdade na proposta dos italianos. ... 170

FIGURA 28: Representação da posição do monumento em relação à praça ... 171

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Introdução ... 12

PARTE 1: Buenos Aires como metonímia da Argentina: as disputas em torno da questão capital, 1880 ... 32

Capítulo 1: Delineando a “questão capital”...33

Capítulo 2: Una sola plaza ... 54

Capítulo 3: Elementos urbanos e configurações simbólicas ... 81

PARTE 2: Mayo enquanto paradigma: (re)atualização do passado e construção simbólica, 1910 ... 107

Capítulo 4: Expressões simbólicas no espaço da cidade...108

Capítulo 5: Espaços historicamente assinalados: alegorias e artifícios ... 132

Capítulo 6: Civismo em debate no monumento à Revolución ... 151

Considerações Finais ... 176

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Introdução

Nas recorrentes imagens que compõem o repertório visual da história argentina a presença da Plaza de Mayo, praça central e mais antiga de Buenos Aires, é constante.1 Para quem transita pela cidade, é praticamente impossível apreendê-la sem passar por esse espaço emblemático que teve, ao longo do tempo, grande significado como marco político, histórico e sociocultural a partir de distintos acontecimentos. Parece-nos demasiado sugestivo, portanto, atentar para uma abordagem dos percursos e das representações dessa praça central de uma das metrópoles contemporâneas encarando-a como lugar que, ao mesmo tempo, resiste e se transforma em uma via de mão dupla. Por sua relação imbricada com a própria política, encaramos esse espaço não apenas a partir de sua função de reiterar o sentido de poder na Argentina, por sua centralidade e importância, mas também como atualizador dessa noção, pois com seus novos usos atrelam-se novos significados que, entretanto, relacionam-se diretamente com um sentido já adquirido pelo espaço ao longo de tanto tempo.

Essas percepções nos fizeram elegê-la objeto central dessa dissertação. Nosso estudo parte de uma preocupação pontual: compreender a relação que se desenvolve entre as gestões administrativas e as modificações da cidade de Buenos Aires, considerando um relacionamento imbricado entre cidade e política e, logo, materialidade e simbolismo, tomando a Plaza de Mayo como espaço de observação dessas questões. Focamos no período compreendido entre as últimas duas décadas do século XIX e a primeira do XX, caraterizado por mudanças abrangentes, embora sem analisar esse intervalo de forma contínua. Nosso recorte é baseado na escolha de dois momentos por consideramos que estes elucidam importantes questões sobre a complexa trajetória da modernização de Buenos Aires e de sua relação com esse espaço representativo.

O estabelecimento de nossos recortes espacial e temporal, tão importantes para a pesquisa historiográfica, nos coloca, inicialmente, uma pergunta: por que a Plaza de Mayo e, ainda, por que Buenos Aires? A cidade foi, desde sua fundação, um centro articulador e irradiador de políticas de pensamento. Desde que passou a desempenhar função de capital, Buenos Aires exerceu sobre o restante do território nacional ampla força simbólica e estética, desempenhando um papel difusor a partir da idealização de um projeto civilizatório que buscava uma modernização pautada na construção simbólica de uma capital. Uma vez detentora de capitalidade, o papel da cidade, que se constituiu voltada para fora, enquanto centro metropolitano, passou a confundir-se com o do

1 Optamos por conservar a grafia original do nome da praça por considerar que esse já carrega consigo grande carga

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país, atuando como uma espécie de vitrine republicana. Possivelmente por essa razão, a cidade foi e tem sido visada em diversos planos e projetos urbanísticos ao longo da sua história, que parecem refletir expectativas almejadas para toda a Argentina. Grande parte dessas estratégias de intervenção ocuparam-se ou envolveram a Plaza de Mayo justamente por sua representatividade. Partimos aqui do pressuposto de que ao mesmo tempo se intenta fazer de Buenos Aires representação de um microcosmos nacional nesse momento e se busca uma igual relação entre a praça e a cidade e, consequentemente, o país. A praça deve, portanto, ser capaz de representar a Argentina

A capitalidade passou a implicar um programa urbanístico e arquitetônico cujo teor foi o da monumentalidade e grandiosidade, determinando em grande parte o novo estabelecimento material do espaço urbano que passou a se pautar em seu novo papel. Isso explica o estabelecimento de nosso primeiro marco temporal nas mudanças pelas quais a cidade passou em função de sua federalização. Essa busca simbólica continuou ao longo do começo do século tendo como mote a comemoração do Centenário da Independência, em 1910, ocasião encarada como ideal para reafirmar tais sentidos. A capital definia, portanto, uma cidade como lugar de política, cultura, núcleo de sociabilidade intelectual e produção simbólica, representando o poder que lhe conferiria visibilidade decorrente da importância política adquirida. Acreditamos que estes dois momentos, enquanto atualizam o sentido de poder, não são alheios às disputas efetivadas no espaço público político e materializadas na praça, o que permite, a partir deles, compreender esse espaço como a própria materialização de um constante processo de negociação de projetos distintos.

Tendo em vista a centralidade e a importância do espaço da praça, uma revisão detalhada dos numerosos trabalhos que se dedicaram, de alguma forma, a compreender este espaço nos permite indicar como foram elaboradas as problemáticas trabalhadas na presente dissertação. Os trabalhos encontrados centraram-se nos movimentos que ocuparam a praça, como fez a socióloga argentina Silvia Sigal. A autora afirma ser difícil falar de apenas uma praça não só pelas transformações que ela passou ao longo do tempo – como a mudança de nome, como afirmado anteriormente – mas também pela multiplicidade de seus usos. Segundo a autora, podemos delimitar três praças dentro desta mesma a partir de três formas de apropriação distintas: a patriótica, a peronista e a das Madres.2 Em sua crônica sobre a praça, ela realiza um histórico da apropriação desse espaço para compreender o aumento e ressignificação desses atos. A escolha feita por Sigal contempla a de muitos outros autores que, em maior ou menor grau, priorizam analisar memórias das apropriações e dos movimentos (de muitos ou apenas de um) em detrimento

2 A autora divide seu livro em três partes designadas por suas apropriações estabelecendo um histórico dessas

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do espaço físico, em suas múltiplas dimensões e leituras. Há outros estudos em que as relações política e praça são também problematizados, embora com distintas ênfases. Gabriel Lerman, na mesma linha de Sigal, em “La Plaza Politica” também configura esse espaço como um fio condutor de ações heterogêneas em distintos momentos históricos entendendo-o como um amálgama de distintos acontecimentos da História Argentina marcando a expressão da política nacional. 3 O livro organizado por Mirta Lobato dedica-se à análise das ruas e praças de Buenos Aires como cenário de manifestações, festas e rituais, restringindo alguns capítulos a movimentos ocorridos na Plaza de Mayo como as manifestações católicas e as próprias Madres de Plaza de Mayo.4 Estudos mais recentes tendem a privilegiar o movimento das Madres no contexto dos outros movimentos.5

É legítimo que cada movimento se aproprie da praça de sua maneira e compreensível que, ao longo de tanto tempo, um movimento específico tenha estabelecido com este espaço uma singular relação de pertencimento – como o das Madres. Esse movimento parece ter relevância ao encararmos essa relação de apropriação – de tal forma que o símbolo do grupo foi incorporado à própria praça por meio de pinturas no chão – e, talvez, tenha sido o responsável por garantir tamanha visibilidade à praça em tempos recentes. Nossa opção foi encarar ambos, os movimentos e a praça, como pertencentes a uma relação dialógica. Analisamos a praça para além de um simples cenário onde se encontram e manifestam diferentes movimentos por considerar que essa visão limita as possibilidades de análise sobre a cidade por encará-la apenas como cenário, ou um palco, de processos políticos e sociais.6 De maneira distinta, o livro escrito por Sonia Berjman e Ramón Gutiérrez foca no espaço físico da praça e suas modificações ao longo do tempo.7 O espaço, constantemente reelaborado, é carregado de memórias desses projetos políticos e, portanto, possui uma significação coletiva peculiar para o imaginário dessa nação. Pretendemos seguir a linha de Berjman e Gutiérrez de maneira ampliada e encarar, além das transformações físicas, o próprio processo de construção da praça como algo intencional, como também portador de projetos políticos, capaz se mobilizar

3 LERMAN, Gabriel. La Plaza Política: Irrupciones, Vacíos y Regresos en Plaza de Mayo. Buenos Aires: Colihue,

2005

4 LOBATO, Mirta Zaida. (Ed.). Buenos Aires: manifestaciones, fiestas y rituales en el siglo XX. Buenos Aires: Biblos,

2011.

5A última praça enxergada por Sigal é privilegiada em muitos estudos que escolheram focar no movimento das Madres.

Outros dedicaram-se a outros movimentos ou encararam o espaço como cenário de ações estudando momentos específicos desta ocupação. O que a revisão nos mostra é que prevalece a tendência de enxergar este lugar como cenário de memórias específicas. Ver: BOUSQUET, Jean-Pierre. Las locas de Plaza de Mayo. Buenos Aires: El Cid, 1983; PONZIO, Maria Fernanda. Las Madres de Plaza de Mayo: à memória do sangue, o legado ao revés. 196f. Tese (Doutorado em Letras) – Instituto de Letras, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.

6 Esse tipo de análise foi responsável, segundo Josianne Cerasoli e Marisa Carpintéro, pela reiteração de uma “presença

oblíqua” da cidade nos estudos históricos. Ver: CARPINTÉRO, Marisa Varanda Teixeira; CERASOLI, Josianne Frância. A cidade como história. História: Questões & Debates, Curitiba, n. 50, p. 61-101, jan./jun. 2009.

7 BERJMAN, Sonia, GUTIERREZ, Ramón. La Plaza de Mayo: Escenario de la vida argentina. Colección Cuadernos

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aspectos simbólicos. Propomos aqui, portanto, uma discussão desse espaço não só como ocupado por movimentos ou componente do cenário de projetos políticos, mas como espaço público em debate que faz dele um espaço político desde a formação reiterando-se como tal.

Esse olhar sobre a praça nos permite enfatizar como as diversas apropriações políticas tiveram sua importância e foram também incorporadas pela própria praça de maneira a tornar complicado pensá-la dissociada desta multiplicidade de movimentos e apropriações e das tensões políticas que rodeiam sua história. Já que a praça ao mesmo tempo é incorporada pelos movimentos sociais e os incorpora, seu espaço é continuamente ressignificado, constituindo novas camadas de significado que se sobrepõem por ser um espaço particularmente utilizado como expressão de poder. A luta política se dá não só na esfera simbólica, mas também na apropriação do espaço público. Na praça se acirra uma tensão política, como espaço de disputa cuja visibilidade alcança toda a nação. Esse sentimento de pertencimento e de visibilidade historicamente foi responsável pela criação de um espaço que se volta contra si mesmo a partir de novas apropriações.

Um estudo dos espaços coletivos na cidade nos permite constatar a complexidade de formas e funções por eles adquiridas. A praça constitui um importante espaço urbano na cultura ocidental e, como espaço coletivo, recebeu acontecimentos relevantes da vida cotidiana estando vinculada aos momentos de transformações das cidades. Por meio de processos de apropriação, passam constantemente por ressignificações, configurando-se como locais privilegiados, portanto, por seu caráter coletivo e multifuncional, sendo elemento fundamental de políticas de intervenção urbana.8 É um espaço capaz de se adaptar às transformações das cidades e que permite apropriações diversas que fazem com que adquira, ao longo da história, várias formas e funções, mas continue essencialmente como um espaço coletivo de vital importância na vida urbana.

Os diferentes usos historicamente feitos das praças são aparentes. Uma primeira acepção do vocábulo plaza o define como um espaço da cidade destinado ao comércio, à reunião e à realização de festividades de todos os tipos. Vinculado a esse primeiro, uma segunda definição fazia alusão ao seu caráter público como lugar onde se conhecer notícia, onde seriam comunicadas normas e decisões governamentais.9 Assim, estava relacionada com o tornar público em uma referência implícita a um espaço que possibilitava tornar algo conhecido por todos. Essas diferentes

8 Júnia Caldeira dedicou-se a compreender a praça brasileira e, para isso, empreendeu grande análise sobre a trajetória

de conformação desse espaço ao longo do tempo. CALDEIRA, Júnia Marques. A praça brasileira: Trajetória de um espaço urbano – origem e modernidade. 2007. 434f. Tese (Doutorado em História), Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas. Campinas, SP, 2007.

9 NOVICK, Alicia., FAVELUKES, Graciela. Plaza. In: TOPALOV, Christian, BRESCIANI, Maria Stella Martins, DE

LILLE, Laurent Coudroy, D’ARC, Hélène Rivière (Org.). A aventura das palavras da cidade, através dos tempos,

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acepções do termo relacionam-se aos usos agregados que, longe de serem homogêneos, demonstram a historicidade desse elemento urbano.

Há mais de quatro séculos, a Plaza de Mayo configura-se de forma central no espaço urbano da capital e é derivada do espaço que desde a colonização espanhola foi dedicado à praça principal da cidade.10 Foi criada desde sua segunda fundação, em 1580, chamada anteriormente de

Plaza Mayor, estabelecendo-se como local de acontecimentos históricos relevantes tal como a Revolución de Mayo, em 1810 - movimento do início do século XIX visando a emancipação do

vice-reinado do Prata da Coroa espanhola – que deu nome à praça.11 O quadrilátero encontra-se hoje no bairro de Monserrat, e é delimitado pelas ruas Hipólito Yrigoyen, Balcarce, Bernardino Rivadavia e Simón Bolívar.12 Três linhas de metrô possuem estações próximas e a ela se ligam importantes avenidas como a Avenida de Mayo, que a conecta com a Plaza del Congresso, e as Avenidas Diagonais Sul e Norte – configuração material que acentua sua centralidade na dinâmica urbana.

Na época da segunda fundação da cidade, a área da praça era metade da atual e composta apenas por seu setor oeste: o perímetro destinado a ela ocupava, portanto, a manzana compreendida entre as ruas que atualmente chamam-se Rivadavia, Hipólito Yrigoyen, Defensa e Bolívar.13 A outra manzana, formada pelas três primeiras ruas além da atual Balcarce jamais foi

edificada, deixando-a abandonada até quando, posteriormente sofreu ações de grupos jesuítas. O setor leste se destinava ao forte da cidade, posteriormente, construído mais próximo do rio (letra A, fig. 1), deixando essa área livre. A metade leste, em frente ao forte, foi ocupada por jesuítas que levantaram capelas e outros edifícios, cujo espaço aberto quando demolidos mais tarde deu origem à Plaza de Armas, destinada a exercícios militares, chegando a chamar-se posteriormente Plaza del

Mercado e, em 1811, Plaza 25 de Mayo. Já a metade oeste mudou de nome apenas em 1806-1807,

passando a denominar-se Plaza de la Victoria remetendo à contenção de invasores ingleses que tentaram tomar a cidade nesses anos.

Ainda no século XVI se construiu nessa praça a Igreja Matriz da cidade, transformada em catedral depois de 1620, sofrendo reedificações constantes (letra C, fig. 1). O cabildo, edifício destinado à administração metropolitana, foi inaugurado em 1740 (letra D, fig. 1). Ainda na praça

10 BERJMAN, Sonia. La plaza española en Buenos Aires, 1580-1880. Buenos Aires: Kliczkowski, 2001.

11 Ver: LLANES, Ricardo. Antiguas Plazas de la Ciudad de Buenos Aires. Cuadernos de Buenos Aires. n48.

Municipalidad de la Ciudad de Buenos Aires. Buenos Aires, 1977.

12 O bairro de Monserrat é um dos integrantes da Comuna 1, uma das quinze unidades administrativas nas quais se

divide a Cidade Autônoma de Buenos Aires, juntamente com os bairros de Retiro, San Nicolás, Puerto Madero, San Telmo e Constitución.

13 Optamos por manter a grafia original da palavra manzana pela dupla acepção do termo em distintos países poder

causar certa confusão de significados. Nesse caso, nos referimos a denominação de um espaço urbano delimitado por ruas por todos os lados.

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localizavam-se o Teatro Colón (letra B, fig. 1) e a antiga sede do Congreso de la Nación (letra E, fig. 1). Na segunda metade do século XVIII foi sugerida a construção de um edifício destinado a ser o mercado na cidade. A Recova foi levantada a partir de 1803 e era um edifício alongado com várias arcadas que cruzava o meio da praça, dividindo-a em duas e separando-as fisicamente. A Recova foi um marco da praça até sua demolição em 1883, que uniu as praças ampliando sua superfície precisamente quando passou a chamar-se Plaza de Mayo. Uma série de modificações, tanto nas edificações públicas de seu entorno quanto na praça propriamente dita, sucedem-se e se tornam frequentes, sobretudo ao longo do XIX.

FIGURA 1: Esquema representativo do entorno do espaço das duas praças tendo o Rio da Prata à leste. Nossa

intenção é localizar os pontos citados no texto ainda que estes não sejam temporalmente concomitantes. Por isso, optamos por indicar as manzanas nas quais estes se inserem já que a tentativa de representação dos próprios edifícios poderia esbarrar em incongruências oriundas do recurso utilizado. A intenção não é representar fidedignamente a realidade, mas uma localização aproximada que permite ao leitor acompanhar as modificações materiais.

FONTE: Feito pela autora

Um ano após a Revolución de Mayo, foi decidido comemorar a data com um monumento público. Se levantou, portanto, um obelisco no centro da ainda Plaza de la Victoria, conhecido como

Pirámide de Mayo. A construção, em 1811, desse primeiro monumento pátrio formalizou a praça como lugar cívico e cenário arquitetônico e urbano em constante transformação. Esse foi

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reformado em 1856 por Prilidiano Pueyrredón que revestiu com argamassa a base adicionando também relevos decorativos. O escultor francês Joseph Dubourdieu foi o autor da estátua da liberdade que coroa a pirâmide, além de outras estátuas ao redor do monumento que foram posteriormente retiradas. Em 1912 o monumento foi transladado até o centro da praça, onde se encontra atualmente (letra E da fig. 2). Em 1873 foi inaugurada a estátua equestre de Manuel Belgrano, atualmente localizada em frente à Casa Rosada. O forte de Buenos Aires, fortaleza destinada à sua defesa e utilizada também como sede das autoridades residentes na cidade, tinha uma muralha de pedra e era cercado por um fosso conectando-se à praça a partir de uma ponde levadiça no lugar atualmente ocupado pela Casa Rosada, sede do governo federal, pelo qual foi gradualmente substituído. O forte foi finalizado em começos do século XVIII e localizava-se sobre o barranco do Rio da Prata que chegava a menos de cem metros da Plaza de Mayo. Ainda na década de 1850 seu alegado mal estado de conservação motivou o governador a demolir seu lado sul – na direção da atual rua Hipólito Yrigoyen – destruindo suas muralhas para construção da Aduana Nueva nos terrenos obtidos sobre o rio. Essa situava-se de frente para o rio, atrás do forte, projetada pelo engenheiro Edward Taylor.

Na década seguinte, o presidente Bartolomé Mitre ocupou o setor norte do edifício, como sede presidencial, a partir do seu restauro e da criação de um jardim em sua frente. Respondendo a um incêndio em suas dependências, o presidente subsequente, Domingo Faustino Sarmiento, reparou-o novamente agregando uma varanda a seu primeiro piso, rodeando-o de um jardim e pintando-o de rosa. Em sua seção sul, vazia desde a demolição do forte, foi construído um edifício para Correios e Telégrafos, na gestão do mesmo presidente, finalizado em 1879. Em 1882, o presidente Roca decidirá agregar aos dois edifícios restantes uma fachada simétrica, sendo esses apenas separados por uma rua. A remodelação da fachada da Casa del Gobierno se diferenciava da dos correios por uma varanda de cinco arcos. Apenas em 1885 se começou um plano integral de unificação da sede da presidência iniciado com um corpo central em formato de pórtico na fachada fechando a rua que então os separava e demolindo o que ainda restava dos edifícios anteriores para expandir o edifício até o rio e a rua Rivadavia. A Casa del Gobierno substitui, gradualmente, os vestígios do antigo forte ainda antes do século XX intensificando as relações daquele espaço não só com a cidade, mas com a Argentina como um todo.

Essa composição paulatina, porém, não foi homogênea ou imune a controvérsias. Em meio à preparação para as celebrações do Centenário em 1910 há uma forte tentativa de apagamento de um passado associado com o período colonial que conduz a perdas significativas no edifício do Cabildo que passa a ser retomado em um movimento contrário a partir da década de

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1930. A abertura da Avenida de Mayo (fig. 2) restringiu sua área que passou a ocupar apenas metade da quadra anterior (letra C, fig. 2) dividindo-a com o Palacio Municipal de la Ciudad (letra B, fig. 2). Atualmente, a Casa Rosada e a Catedral continuam em seus respectivos espaços e novas instituições passaram a incorporar esse espaço, tais como o Banco de la Nación e a Administración Federal de Ingresos

Públicos (letras A e D, fig. 2) substituindo, respectivamente, o Teatro Colón e o antigo Congreso.

Resultantes de todos esses anos da trajetória desse espaço, tanto o círculo ovalado no centro, reservado para pedestres, quanto sua jardinagem simétrica foram alvo de fervores de multidões em diversos momentos: fosse cumprindo rituais cívicos ou irrompendo em ocupações das mais distintas – pelos mais diversos motivos a praça sempre foi espaço da presença constante de corpos. Recentemente foi, mais uma vez, alvo de ações do Bicentenário que, visando uma exibição triunfal da cidade, envolveu também o eixo formado pela Avenida de Mayo e Plaza del Congreso.14

FIGURA 2: Esquema representativo do espaço atual da praça. Já é possível perceber, as mudanças no traçado da praça

– que, com a supressão da Recova que a dividia em duas, agora configurava uma única praça espaçosa e com bordas curvas substituindo sua forma anterior – a abertura da Avenida de Mayo além das Diagonais Norte e Sul à direita.

FONTE: Feito pela autora

A plaza é foco deste estudo por esse caráter público que permite uma clara compreensão do entrelaçamento da esfera política, dimensão simbólica e a própria materialidade

14A história da praça foi muito bem sintetizada pelo projeto “Memoria Visual de Buenos Aires” dirigido pelos arquitetos

Graciela Rapponi e Alberto Boselli que, baseados em fotografias, desenhos e documentos, buscaram reconstruir as modificações da cidade a partir de uma trajetória visual que mostra estas transformações históricas em alguns espaços.

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da cidade. De todos esses anos de história restam algumas lembranças visíveis como o Cabildo, ainda que incompleto, a Catedral, renovada e também a Casa del Gobierno, cujo edifício foi reduzido a sua parte sul. Muito do que se passou por ali, entretanto, bem como a própria materialidade da praça não pode ser visivelmente notada ainda hoje, mas fazem parte de sua história. História esta construída a partir desse espaço que, de acordo com nossa hipótese, conserva seus sentidos comprimidos: concentra memórias e conclama diversos signos ao longo do tempo.

É nesse sentido que a escolha dos dois momentos é uma opção metodológica, correspondente ao nosso pressuposto de que não é possível dissociar esse espaço das tensões políticas a ele associadas e, ao mesmo tempo, devido a isso, qualquer momento de sua história poderia evidenciar esta relação. Por compreendermos que toda a trajetória da praça aprofunda e amplia sua dimensão política, não acreditamos que essa tenha uma origem em um momento determinado, mas que, ao contrário, é reiterada com a partir de todos estes numa sobreposição de acontecimentos que a transformam simbolicamente.

A carga simbólica concentrada nesse espaço tem concentrado ao longo do tempo acentua nosso interesse de compreensão de suas relações com a cidade e o pais, que parecem ter se configurado de forma singular. Por isso, o intuito que percorremos é a busca da associação dessa dimensão simbólica com a material, já que ambas são elementos constitutivos da cidade. Concordamos com estudos que têm ressaltado a importância de se ampliar as análises sobre as cidades como objeto para a história, a fim de permitir uma compreensão mais rica a partir de narrativas e vivências que cumprem diversos papéis rotineiramente – sejam políticos, econômicos, sociais ou culturais.15 Todas essas dimensões constituem elementos relevantes nas intepretações da História Urbana.

Henri Lefebvre apresenta uma tipologia do espaço que distingue: espaço físico, mental e social, tentando unificar a teoria espacial e engendrar em uma mesma unidade teórica campos

15 Estudos formulados a partir dessas perspectivas ajudaram a definir novos caminhos para os estudos das cidades. O aporte

da filósofa francesa Françoise Choay foi essencial neste sentido já que a autora se deteve a analisar a relação entre a dimensão e política e, portanto, simbólica e a leitura das cidades. A também filósofa Anne Cauquelin afirma que a cidade é memória do passado e que o tempo está presente na constituição do espaço gerando um amálgama de diferentes camadas de sentido. Estudos realizados no Brasil também seguiram esta tendência. Estudos realizados pela historiadora Maria Stella Bresciani a partir dos anos 1980 versam sobre a questão urbana a partir de uma percepção plural ressaltando as imagens suscitadas pela cidade e como estas evidenciam códigos culturais e abrem novas perspectivas para os estudos das cidades. O trabalho de Cristina Freire é um exemplo desta ampliação ao analisar a justaposição de símbolos na perspectiva territorial utilizando dois monumentos de São Paulo como exemplos para identificar as camadas depositadas no espaço da cidade. Outros autores também seguiram esta tendência como veremos no decorrer do projeto. Elegemos esses trabalhos como representativos de uma produção maior que começou a conceder maior importância aos aspectos por nós destacados. Ver: CHOAY, Françoise.

O urbanismo: utopias e realidades – antologia. São Paulo: Perspectiva, 1979; CAUQUELIN, Anne. Essai de philosophie urbaine. Paris: PUF, 1982; BRESCIANI, M. S. As sete portas da cidade. Espaço & Debates: Revista de Estudos Regionais

e Urbanos. Núcleo de Estudos Regionais e Urbanos, 1981, p. 10-15; FREIRE, Cristina. Além dos mapas: os monumentos no imaginário contemporâneo. São Paulo: SESC/Annablume: FAPESP, 1997.

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separados.16 O exercício de analisar a praça segue estes princípios: separar a distância entre essas esferas parece promissor para este estudo, ainda que exija cautela para contornar esquematismos de uma tipologia. A experiência sensível tem seu lugar, ao lado do imaginário, nessa produção espacial, tal como ressaltou o autor ao enfatizar a importância de projeções, símbolos e utopias. Essa dimensão refere-se ao processo de significação conectado aos símbolos que se relacionam a materialidade do espaço como um veículo transmissor de discursos ligados a teorias, definições e escolhas. A praça não se encerra em sua materialidade. Ao contrário, seu espaço físico é a materialização do que Lefebvre chamou de espaço mental, ou seja, da forma como este foi concebido previamente em pensamento e que está intrinsecamente ligado à produção de significado.17

Embora tenham tido importância inegável para as sociedades americanas já como parte do processo colonizador, a partir do final do século XIX é possível notar o papel político de destaque gradualmente assumido pelas cidades no continente. O crescimento acelerado das economias capitalistas mundiais, no bojo da chamada segunda revolução industrial, estimulou um aumento da dinâmica da urbanização nas Américas. A América Latina recebeu desde então grande quantidade de imigrantes. Segundo estudo comparado sobre o período de 1876 a 1909, a Argentina recebeu pouco mais de três milhões de imigrantes dentre registrados e não registrados.18 Cabe ressaltar a importância de Buenos Aires nesse contexto como centro do espaço nacional, seja na dimensão política, econômica ou cultural, acentuada desde o final do século XVIII e, na prática, formalizada como predomínio administrativo em 1880 com sua federalização. Consolidou-se a idealização de um projeto civilizatório que transformaria a Capital e englobaria o país de forma mais geral – buscando uma modernização pautada na construção simbólica de uma capital.19

Como atesta Christophe Prochasson, ampliar as indagações do campo político não se reduz a aprofundar a consideração de sua dimensão cognitiva, mas também as simbólicas e afetivas, sendo feito com um conjunto de signos que conclamam identidades, transbordando das instituições que habitualmente a abrigaram.20 Os modos de enunciação da questão política também

16 LEFEBVRE, Henri. The production of space. Oxford, OX, UK ; Cambridge, Mass., USA: Blackwell, 1991. 17 Cabe ressaltar aqui que acompanhamos especificamente essa dimensão do pensamento do autor, ainda que tenhamos

ressalvas a outras questões ideologicamente marcadas abordadas por ele e que, a nosso ver, não nos ajudam nesta análise específica. Assim, outros autores, como os indicados anteriormente na nota 3, complementarão nossa análise sobre a dimensão simbólica.

18 KLEIN, Herbert. A integração dos imigrantes italianos no Brasil, na Argentina e Estados Unidos. Revista Novos Estudos. CEBRAP, São Paulo, n.25, p. 95-117, out. 1989.

19 HARDOY, Jorge Enrique, MORSE, Richard. Repensando la ciudad de America Latina. Buenos Aires: Grupo

Editor Latinoamericano, 1988.

20 PROCHASSON, Christophe. Emoções e política: primeiras aproximações. Varia História. Belo Horizonte, v.21,

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constituem tema central da área de concentração “Política, Memória e Cidade”, na qual se insere este estudo, cujo referencial consiste na exploração das dimensões assumidas pelo político a partir de diversas linguagens, reconhecendo, portanto, a imbricada relação entre história e política.21 Esta última dimensão, segundo Hannah Arendt, existe quando os homens agem e se comunicam coletivamente, o que requer um espaço onde estes possam se encontrar e interagir através da ação e da palavra.22 A autora defende, portanto, uma noção de esfera pública como lugar que gera a vida política. A atualização dessa esfera pública tem como condição o espaço público amparado pela ressignificação, como afirmou Pechman, do próprio sentido da cidade no plano objetivo quanto subjetivo da experiência urbana.23

A categoria de espaço público é utilizada em diversos campos com muitas intenções. É um espaço público em transformação, que traz à tona o caráter conflitivo da composição do espaço urbano e das apropriações – ininterruptas – da cidade. Como afirma Adrían Gorelik, esta categoria funciona como uma categoria-ponte que coloca em um mesmo horizonte conceitual duas dimensões da sociedade: a da política e a da cidade.24 O conflito, segundo o autor, é inerente à definição do espaço público. Cabe aqui compreender como funcionam essas representações do espaço público e como operam na cidade que se transforma. A proposta do autor é que além de considerar a capacidade da categoria de colocar unidas diferentes esferas, convenha decompor estas partes para compreender o que se passa com a cidade e com a política – agregando a este espaço as qualidades sociais e políticas.

O resultado disso são diferentes formas de percepção e apropriação da materialidade do espaço urbano que operam nesses processos políticos. Assim, diversas linguagens, de variadas ordens, incidem sobre esse espaço urbano e se configuram como a materialização de um repertório, como nos mostra a arquiteta, interessada em história da arquitetura e da cidade, Virginia

21 As pesquisas desenvolvidas nesta área destacam as múltiplas linguagens constitutivas das representações e do imaginário,

atentando para a contribuição de sentimentos e sensibilidades nas ações políticas buscando desvendar os caminhos percorridos pelas linguagens políticas e como podemos compreender o político. Alguns livros sintetizaram esse interesse destacando a importância de compreender as diferentes linguagens que operam nos processos políticos. Ver: BRESCIANI, Maria Stella Martins, NAXARA, Márcia Regina Capelari (org.). Memória e (res)sentimento. Indagações sobre uma questão sensível. Campinas-SP: Ed. da UNICAMP, 2000; SEIXAS, Jacy Alves de; BRESCIANI, Maria Stella Martins; BREPOHL, Marion. (org.). Razão e Paixão na Política. Brasília: Ed. da UnB, 2002; SEIXAS, Jacy Alves de. CERASOLI, Josianne Frância. NAXARA, Márcia Regina Capelari (org.). Tramas do político: linguagens, formas, jogos. Uberlândia: Edufu, 2012.

22 ARENDT, Hannah. As esferas pública e privada. In: A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária,

2004. p.59-83.

23 PECHMAN, Robert Moses. No avesso dos cartazes, a cidade perversa. Risco: Revista de Pesquisa em Arquitetura

e Urbanismo. Programa de Pós-graduação do Departamento de Arquitetura e Urbanismo EESC-USP, n. 20, p.6-13, 12 jul. 2014.

24 GORELIK, Adrian. O romance do espaço público. Arte & Ensaios. EBA/UFRJ n. 17. Rio de Janeiro, n.17,

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Bonicatto.25 A partir de sua análise de um projeto educacional de Ricardo Rojas encomendado pelo governo temos subsídios para entender essa orquestração de iniciativas em prol de uma imagem nacional. O trabalho de Rojas se inscreve na comemoração oficial do centenário da independência política e na busca por uma identidade argentina: o espaço urbano se tornava alvo de sua política educativa mediante ações que representam a consolidação destas posturas ideológicas como incorporação de monumentos, revisão de decoração, mudança de nomes de ruas e praças, dentre ouros. A arquitetura aparece, portanto, como elemento que colaborou para fortalecer a alma nacional e que ampliou o raio de ação destas ideais sendo convertida em veículo portador de valores. Diferentes linguagens são mobilizadas para dar voz a esse projeto e para materializar uma ideologia do que significaria ser argentino: educacionais, estéticas, artísticas, etc.

Em relação a aspectos políticos e culturais mais abrangentes, a partir de sua pesquisa sobre as representações do pan-americanismo sob o ponto de vista dos Estados Unidos, sobretudo na arquitetura, Robert Alexander González nos concede arcabouço para pensar como as imagens materializadas no ambiente construído da cidade são alimentadas por dado repertório cultural.26 A partir do exemplo específico de como se forjou a ideia de pan-América nos Estados Unidos, González mostra esse ambiente como a materialização sensível de ideologias em disputa. Esses projetos revelam como as expressões arquitetônicas ajudaram a moldar a construção ideológica de um determinado imaginário. Nossa intenção aqui é seguir caminho similar: compreender como essa materialidade deve ser lida, no caso argentino da Plaza de Mayo, para que possamos identificar discursos que se expressam em suas transformações.

Consideramos que o conceito de “capitalidade” delineado em “Europa das Capitais” por Giulio Carlo Argan que pode também ser aproximado ao caso de Buenos Aires.27 Segundo tal conceito, as cidades eleitas para capitais perderiam seu caráter municipal e passariam a funcionar ao mesmo tempo como a imagem do Estado e aparelho do seu poder. Buenos Aires ganha assim uma posição de destaque em meio à nação argentina sendo representante desse sentimento maior de pertencimento nacional. Assim, focar este estudo na Plaza de Mayo é essencial, pois partimos do pressuposto de que esta praça configura um espaço físico no qual a cidade de reconhece como tal. Esse referencial norteia a análise dos dois momentos específicos, selecionados neste estudo. O momento de reforma da praça antes ainda da virada do século XIX cujas as tramas

25 BONICATTO, Virginia. La materialización de una imagen nacional: Ricardo Rojas en la arquitectura argentina. Boletín de Estética. Buenos Aires: Cientro de Investigaciones Filosóficas/Programa de Estudios em Filosofía del

Arte. Ano 6, n.15, p.3-29, dez.2010-mar.2011.

26 GONZÁLEZ, Robert Alexander. Designing Pan-America: U.S. architectural visions for the Western Hemisphere.

Austin-TX: University of Texas Press, 2011

27 ARGAN, Giulio Carlo. Imagem e persuasão: ensaios sobre o barroco. Organização de Bruno Contardi. São Paulo:

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políticas envolveram a federalização da cidade deram origem a disputas que se refletiram nas reformas realizadas nas cidades. Neste, é possível destacar um projeto que está em consonância com a ideia pretendidas para a nova capital. Fica claro ser o espaço configurado a partir destas disputas e que é em resposta as próprias mudanças de poder político e social que a nova capital vai se delineando. Entre os festejos e comemorações que tiveram lugar na praça, sua importância fora ratificada em meio à modernidade buscada pela cidade como símbolo e expressão do poder representado pela capital nacional. O segundo momento, o Centenário da Independência, permite perceber sua inserção em uma tentativa de intervenção pautada ainda na importância desta praça como centro cívico. As ações concedem à praça espaço central não só por sua importância tradicional, mas pela necessidade de manutenção futura deste caráter de praça principal.

As possibilidades de investigação histórica sobre cidades são das mais variadas. Para compreendermos os processos, sejam políticos, sociais ou culturais, que compõe o espaço urbano, contamos também com uma gama variada de fontes. Inspirados principalmente no ensaio da historiadora Maria Stella Bresciani e seu objetivo de abordar diferentes entradas para os estudos urbanos, buscamos aqui trabalhar com essas possibilidades problematizando conceitos e questões vigentes no debate entre historiadores que se dedicam à História Urbana.28 Estas são, segundo a autora, portas conceituais relacionadas a saberes antigos e novos que abrem infinitas opções para o estudo das questões urbanas.29 Nessa perspectiva de ampliação dos estudos sobre cidades, acreditamos com Bresciani ser possível construí-los a partir de diferentes linguagens, considerando áreas – portas conceituais – constituintes da configuração do urbano na contemporaneidade.

As contribuições de Françoise Choay, que indicou uma relação direta entre posições político-filosóficas e os modos de compreensão das cidades, introduziram características centrais para a compreensão das cidades.30A relação indicada pela autora nos faz considerar metodologicamente a análise das concepções de espaço presentes nesses projetos urbanísticos – buscando-se, comparar diferentes temporalidades. Para os historiadores é interessante percorrer estas fontes já que aglutinam diversas camadas sobrepostas do tempo. A consequência direta da tendência de encarar a cidade e a seus saberes de maneira ampliada, a aproximação destes campos com as ciências humanas demanda uma definição de objetos, fontes e métodos de análise para uma melhor compreensão de como esta aproximação toma forma em termos de pesquisa. A principal consequência desse processo é o alargamento das investigações históricas, já que novos temas

28 BRESCIANI, Maria Stella Martins. As sete portas da cidade. Espaço & Debates: Revista de Estudos Regionais e

Urbanos. Núcleo de Estudos Regionais e Urbanos, São Paulo, p. 10-15, 1981.

29 BRESCIANI, Maria Stella Cidade e história. In: OLIVEIRA, Lúcia Lippi (Org.). Cidade: história e desafios, Rio de

Janeiro: Ed. FGV, 2002, p. 16-35.

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entram em cena, modificando as narrativas e também possibilitando a revisão daquelas tradicionais à luz de novas fontes com as quais os historiadores não tinham familiaridade.

Planos e projetos – Cartográficos ou não – buscam incidir, pensar e modificar o espaço urbano. Tentamos entender como essas tendências teórico-metodológicas ajudam a incorporar esses documentos e também nos fazem refletir de novas maneiras sobre os documentos tradicionais, que à luz dessas novas metodologias passam a ser encarados como portadores de discursos e ideologias que estão a todo momento se apropriando da cidade. Nossa orientação metodológica para investigar a produção intelectual desses atores se sustenta nesses pressupostos, buscando os diversos usos dos saberes constitutivos do campo do urbanismo, bem como seus distintos vínculos teóricos e políticos. Retomando a importância de estudar tais documentos, preocupamo-nos com os distintos significados da consolidação de uma proposta urbanística para o espaço da cidade e, principalmente, em como estes foram objeto de disputa por distintos agentes e interesses que os guiavam. Ainda que prováveis condições de ruptura política tenham inibido as tentativas de implementação do projeto, elas não impediram que este expressasse determinado pensamento sobre a cidade e suas necessidades que continuou reverberando. Os planos e projetos compõem a leitura da cidade fazendo parte do processo de pensa-la, sendo importantes para a produção do conhecimento e até para a estruturação de instituições e órgãos públicos.

Para realização desse trabalho lidamos com uma ampla variedade de fontes, consultada em distintos arquivos da cidade de Buenos Aires ou disponíveis online. Nas Bibliotecas Tecnicas del

Ministerio de Hacienda tivemos acesso a planos urbanísticos propostos para a cidade de Buenos Aires

além de documentos sobre seus edifícios e monumentos. Esses também foram consultados em outros arquivos como a Biblioteca Nacional Manuel Belgrano, a Sociedad Central de Arquitectos, o Museo

da Ciudad. No Archivo Histórico de la Ciudad de Buenos Aires consultamos um fundo destinado a

Municipalidade da cidade do final do século XIX até a década de 1940. Este concentra documentos oficiais, planos e decretos que representam importante acervo de origem estatal sobre o processo de expansão urbana e modernização. Algumas Memórias Municipais, relatórios de gestão, foram conseguidas nesse arquivo em formato digital e outras já se encontravam disponíveis no acervo online da Biblioteca Esteban Echeverría que também dispõe de censos municipais, estatísticas, periódicos, dentre outros. O Instituto de Arte Americano e Investigaciones Estéticas “Mario J. Buschiazzo” permitiu a consulta de amplo um catálogo de livros e revistas especializados em história, estética e patrimônio urbano e arquitetônico especialmente para a América Latina e Argentina. No Archivo

General de la Nación Argentina consultamos grande acervo fotográfico que permite notar mudanças

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foram obtidos em instituições como a Academia de la Historia, as Bibliotecas del Congreso, o Museo Mitre e a Direccion General Centro Documental de Información y Archivo Legislativo (CEDOM) da legislatura portenha nos quais coletamos documentação referente ao governo e a administração local, leis, regulamentos, boletins e decretos.

O debate público em torno das transformações sofridas pela cidade ou propostas para ela tem um espaço de destaque, ainda, em revistas técnicas que revelam as distintas intenções para com o edifício e a própria cidade. A Facultad de Arquitectura, Diseño y Urbanismo (FADU) da

Universidad de Buenos Aires (UBA) possui digitalizado um amplo acervo de revistas técnicas que

abarcam esse período. Tanto na Biblioteca Nacional Mariano Moreno quanto na Hemeroteca José

Hernandez consultamos acervos de jornais importantes para a cidade, e foi possível encontrar

disponível online publicações de revistas técnicas de arquitetura, também essenciais para o acompanhamento do debate público destas questões.

A própria maneira de projetar a cidade parte de propostas nem sempre consensuais e, por isso, o olhar lançado para estas fontes deve valorizar visões que buscam discutir, argumentar, justificar, propor e sugerir modificações para o espaço da cidade em diversos sentidos. Assim, elas nos ajudam a compreender como esses lugares são concebidos de distintas maneiras e, como esse conflito pode ser utilizado para verificar a relação das modificações materiais da cidade com projetos políticos. A ideia é entrecruzar as abordagens presentes nos documentos e compreender suas representações. A história em diálogo com outros saberes permite entrecruzamento da leitura de mapas, projetos, fotos e outras fontes possibilitando trabalhar com as noções de tempo e espaço sob diferentes perspectivas acompanhando distintos momentos históricos a partir de outras práticas discursivas.

Portanto, para compreender as intervenções no espaço da cidade é necessário atentar para as mudanças da própria política. Como Carl Schorske observou no caso de Viena, também aqui o entrelaçamento entre cidade e política se faz muito presente.31 A construção de um conjunto arquitetônico na capital austríaca – na chamada Ringstrasse – foi uma das grandes realizações do planejamento urbano e da imaginação liberal do século XIX.32 Os variados estilos de seus edifícios parecem reunidas harmoniosamente pelo compromisso com seus significados simbólicos de estilo. Entretanto, o que Schorske traz à tona nesse processo é o conflito que jaz escondido e solidificado nesta suposta harmonia. Afinal, durante sua construção, a Ringstrasse foi um espaço contestado e,

31 SCHORSKE, Carl. Viena Fin-de-siècle. São Paulo: Cia das Letras, 1989

32 A palavra Ringstrasse significa “rua do Anel” e faz referência a uma estrada que circularia a cidade tendo sido

construída de acordo com uma antiga muralha, que servia para proteger a cidade. O autor se dedicou a analisar seu conjunto arquitetônico compreendendo sua relação com o discurso que os materializava.

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portanto, resultado de lutas entre subgrupos que compunham as tentativas de moldar a política em mudança. A teoria de Schorske evidencia os conflitos ocultos na cidade, porém, que são tão importantes em sua constituição. A Plaza foi/é um espaço constantemente contestado. Não só sua ocupação, mas mesmo os projetos para esse espaço são resultantes de disputas políticas entre interesses de subgrupos participantes da elite e suas tentativas de moldar a política e a cidade de Buenos Aires que passava por mudanças rápidas. Fica claro que nesse ambiente construído projetam-se reivindicações de poder e de valores culturais assim como as verificadas no caso austríaco, e cabe investigar historicamente como se dá esse processo.33

A trajetória escolhida para efetivar a escrita de nossas reflexões também não está imune a muitas das questões levantadas aqui. Inicialmente buscávamos fugir de uma divisão estritamente cronológica e, com isso, linear. Apesar do mote da divisão inicial ser os dois períodos escolhidos, acreditamos que conseguimos escapar dos problemas dessa abordagem principalmente porque as questões elencadas não estão dessa forma descritas. Algumas questões situadas em uma ou outra parte tangenciam também o outro período. Apesar também de considerar que alguns assuntos dentro do texto possuíam autonomia para constarem em capítulos separados tentamos evitar uma divisão que separasse instâncias que metodologicamente escolhemos analisar em conjunto, tais como política e materialidades.

Assim, a escolha que se efetivou como melhor opção foi uma divisão inicial em duas partes divididas cada qual em três capítulos. A escolha se efetuou pela impressão de não estancar partes que ao nosso ver deveriam estar relacionadas, ainda que o processo de escrita tenha, inevitavelmente, esse efeito sobre nossas reflexões. A primeira parte destina-se as últimas décadas do século XIX e o processo de federalização enquanto a segunda foca no período do Centenário, já no século seguinte. Na primeira parte, dedicamo-nos a compreender o processo de federalização e suas implicações para as mudanças materiais da cidade fugindo, entretanto, de uma ideia que relaciona ambas de maneira mecânica e rígida. Para isso, compreenderemos também a institucionalização da capital a partir dos rearranjos estabelecidos na estrutura municipal e os elementos urbanos envolvidos nas disputas simbólicas que a praça suscita – os elementos escolhidos estão intrinsecamente relacionados com a própria praça, afinal, fizemos uma opção metodológica de compreendê-la não como um único espaço urbano apenas, mas como uma junção de artefatos que corroboram as narrativas simbólicas que se constroem em cima desta.

O que devemos atentar evitando essa ideia de tomar em conta somente os processos de transformação material ou as discussões de disciplinas preocupadas com o desenho urbano é a

33 SCHORSKE, Carl. Museu em espaço contestado: a espada, o cetro e o anel. In: Pensando com a História:

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dinâmica própria da gestão pública, os processos de construção institucional e administração do fenômeno urbano. Para isso, necessitávamos compreender a organização da administração municipal e seus vínculos com a federal além das funções ocupadas pelos distintos profissionais e personagens na gestão da cidade. No contexto estudado, entretanto, essa se tornou uma difícil demanda tendo em vista que essa própria estrutura foi modificada inúmeras vezes antes de definir-se de maneira completa. A institucionalização do status de capital foi verificada a partir das determinações de leis, ora municipais, ora federais que alteraram as distribuições de funções, como veremos no primeiro capítulo a partir do acompanhamento do processo que transformou ambas as praças em uma praça única nacional a partir da demolição da Recova.

O segundo capítulo versa sobre alguns elementos inscritos nos projetos não só da administração de Alvear, mas também de seus antecessores e/ou sucessores buscando recuperar sua relação com a praça nesse processo. Escolhemos destacar: a abertura da Avenida de Mayo, o estímulo à construção de edifícios como a sede dos poderes federais e atenção dada a alguns monumentos públicos como o caso destacado da estátua do General Belgrano. Consideramos serem esses elementos essenciais para compreender o próprio processo de transformação da praça porque os discursos que incidem sobre este espaço incidem também sobre eles justificando a criação ou modificação de novos elementos urbanos ou mesmo reivindicando a destruição de antigos a partir da incorporação de novas percepções da cidade.

Como demanda surgida no próprio processo de pesquisa, não seria coerente deixar a

Revolución de Mayo alheia a nossas reflexões, se considerarmos que os discursos e narrativas sobre a

praça buscam, a todo tempo, legitimidade a partir desse acontecimento. Na segunda parte da dissertação, escolhemos compreender como tal evento constitui-se em um paradigma a partir da comemoração do seu aniversário de cem anos que representou a busca por um efeito pedagógico por meio de escolhas deliberadas de colocá-lo em uma posição de destaque em meio à história argentina Nossa intenção é refletir sobre a reinterpretação constante desse evento em 1910 a partir do espaço da cidade que atualiza percepções e memórias a todo momento gerando comemorações que monumentalizam ou celebram determinados eventos, lugares ou personagens.

A Pirámide de Mayo, monumento da praça, passa a ser fio condutor dessa segunda parte por uma escolha de acompanhar sua trajetória em meio a tentativas de demolição que, ao contrário do caso da Recova, não foram efetivadas. Optamos por reservar a ela o terceiro capítulo porque tais disputas acontecem nos dois momentos estudados por nós e relacionam-se, diretamente, com o fio condutor que escolhemos. Acompanhar tais embates sobre sua permanência ou demolição nos

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