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Análise das condições de verdade e dos requerimentos existenciais em axiomatizações da aritmética

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Academic year: 2021

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Instituto de Filosofia e Ciˆencias Humanas

Edgar Luis Bezerra de Almeida

An ´alise das Condi¸c ˜oes de Verdade e dos Requerimentos Existenciais

em

Axiomatiza¸c ˜oes da Aritm´etica

Campinas

2017

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ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7980-713

Ficha catalográfica

Universidade Estadual de Campinas

Biblioteca do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Paulo Roberto de Oliveira - CRB 8/6272

Almeida, Edgar Luis Bezerra de,

AL64a AlmAnálise das condições de verdade e dos requerimentos existenciais em axiomatizações da aritmética / Edgar Luis Bezerra de Almeida. – Campinas, SP : [s.n.], 2017.

AlmOrientador: Itala Maria Loffredo D'Ottaviano. AlmCoorientador: Rodrigo de Alvarenga Freire.

AlmTese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.

Alm1. Aritmética. 2. Ontologia. 3. Verdade. I. D'Ottaviano, Itala Maria Loffredo, 1944-. II. Freire, Rodrigo de Alvarenga. III. Universidade Estadual de

Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. IV. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Analysis of truth conditions and existential requirements in

axiomatizations of arithmetic

Palavras-chave em inglês:

Arithmetic Ontology Truth

Área de concentração: Filosofia Titulação: Doutor em Filosofia Banca examinadora:

Itala Maria Loffredo D'Ottaviano [Orientador] Alexandre Fernandes Batista Costa-Leite Edélcio Gonçalves de Souza

Hugo Luiz Mariano Giorgio Venturi

Data de defesa: 11-12-2017

Programa de Pós-Graduação: Filosofia

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Instituto de Filosofia e Ciˆencias Humanas

A Comissão Julgadora dos trabalhos de Defesa de Tese de Doutorado, composta pelos Professores Doutores a seguir descritos, em sessão pública realizada em 11/12/2017, considerou o candidato Edgar Luis Bezerra de Almeida aprovado.

Profa Dra Itala Maria Loffredo D’Ottaviano Prof Dr Alexandre Fernandes Batista Costa-Leite Prof Dr Edélcio Gonçalves de Souza

Prof Dr Hugo Luiz Mariano Prof Dr Giorgio Venturi

A Ata de Defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica do aluno.

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Agradecimentos

Agradeço, respeitosa e carinhosamente, à professora Itala D’Ottaviano; os anos em que estive sob sua supervisão despertaram em mim profundo respeito e admiração. A liberdade de trabalho que usufruí e a confiança em mim depositada sempre foram fontes de motivação e entusiasmo e, sem seu respaldo, este trabalho não lograria êxito.

Agradeço, afetuosa e imensamente, a Rodrigo Freire, grande amigo e excelente orientador desta tese de doutorado. Desde antes de me graduar, Rodrigo sempre me incentivou e motivou com relação à academia e, durante meus anos como pós-graduando, esteve sempre presente e muito solícito. É colossal minha gratidão pela confiança em mim depositada, pelas muitas horas de trabalho em seminários e pelos muitos quilômetros de caminhadas, regadas à conversas sobre lógica e filosofia da matemática, pelos campi da Unicamp, USP e UnB.

Agradeço, alegre e emocionadamente, a meus queridíssimos amigos Leandro, Hen-rique, Newton, Inés, Alfredo e Juliana. As viagens, a cumplicidade e a convivência das quais tive o privilégio e felicidade de gozar na companhia de vocês foram alguns dos principais mo-mentos de alegria e contentamento que vivenciei durante os anos de doutoramento. Os muitos bons momentos com vocês compartilhados deixaram marcas indeléveis em mim e, sem vossa amizade, estes últimos anos teriam sido muito menos divertidos e tranquilos.

Agradeço, muitíssimo, aos professores, aos pesquisadores e a todos os colegas -em especial ao Bruno, Edson, Dave e Francesco - pela convivência harmoniosa, pelo ambiente amistoso e pelo clima de camaradagem e descontração presentes em todas as atividades desen-volvidas no Centro de Lógica. Sem esta atmosfera extremamente favorável, as muitas horas em que passei no Centro de Lógica certamente não teriam sido tão proveitosas e prazerosas.

Por fim, gradeço à FAPESP, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, pela concessão da bolsa de doutorado, cujo número do processo é 2013/01.011-6.

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Resumo

Esta Tese tem por objetivo contribuir para o entendimento de dois assuntos caros à filosofia da matemática, a noções de verdade de proposições matemáticas e a noção de existência em aritmética. Para isso, são apresentadas duas contribuições originais, uma para cada um desses assuntos. Com relação à noção de verdade, são exploradas as consequências da adoção do pressuposto que as condições de verdade das proposições aritméticas são determinadas por um padrão normativo instituído pela prática matemática. A análise desenvolvida estabelece precisamente em qual sentido o modelo padrão da aritmética - e consequentemente, o valor de verdade das sentenças aritméticas - é fixado pelo pressuposto de análise. Quanto à noção de existência, é desenvolvida uma proposta de avaliação dos requerimentos existenciais das sentenças aritméticas a partir do pressuposto que o importe existencial destas sentenças é um atributo das condições de verdade das proposições aritméticas. A análise desse pressuposto motiva uma definição precisa e bem fundamentada, no contexto aritmético, para o conceito de axioma de existência de conjuntos. Adicionalmente, a análise fomenta um critério de diferen-ciação entre os axiomas de teorias que são, sob o prisma das interpretações, indistinguíveis.

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Abstract

This Thesis aims to contribute to the understanding of two important subjects to the philosophy of mathematics. The notion of truth for mathematical propositions and the notion of existence in arithmetic. To pursue this target two original contributions are presented, one for each of these subjects. With regard to the notion of truth, we explore the consequences of adopting a normative framework to fix the truth value of arithmetic propositions. This normative framework is instituted by mathematical practice. The analysis will establish in what sense the standard model of arithmetic - and hence the truth value of arithmetic sentences - is fixed by the analysis’ hypothesis. Concerned with the notion of existence, a proposal is made to evaluate the existential requirements of arithmetic sentences. This evaluation is based on the assumption that the existential import of these sentences is an attribute of the truth conditions of arithmetic propositions. The analysis of this assumption motivates a precise and well-founded definition, in the arithmetical context, to the concept of existence axiom in arithmetical context. In addition, the analysis fosters a criterion of differentiation between the axioms of theories that are, from the perspective of interpretations, indistinguishable.

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Sumário

Introdução 10

1 Análise das Condições de Verdade 19

1.1 Os princípios diretivos da aritmética . . . 20

1.2 Análise dos princípios diretivos . . . 28

1.3 Outras análises das condições de verdade . . . 42

1.4 Normatividade e verdade . . . 54

2 Análise dos Requerimentos Existenciais 69 2.1 Avaliação existencial da teoria de conjuntos . . . 72

2.2 Avaliação existencial da aritmética de Peano . . . 78

2.3 Avaliação existencial da aritmética de segunda ordem . . . 94

2.4 Análise dos resultados . . . 104

Considerações Finais 110 Notas 117 Introdução . . . 117 Capítulo 1 . . . 119 Capítulo 2 . . . 130 Considerações Finais . . . 132 Bibliografia 133 Índice Remissivo 137

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Introdução

Tanto a noção de verdade de proposições matemáticas quanto à noção de importe existencial dessas proposições são temas de inegável interesse para a filosofia da matemática. São também, há muito, fontes de acalorado debate e rigoroso escrutínio, dos quais resultaram uma miríade de interpretações e propostas de caracterização para tais noções. Não obstante, acreditamos que há ainda muito para ser esclarecido e muitas lacunas a serem preenchidas. Este trabalho é uma contribuição original, ainda que bastante modesta e limitada ao âmbito da aritmética, à compreensão dessas duas noções.

O propósito, aqui, não é discutir em que consiste a verdade das proposições arit-méticas ou elucubrar questões metafísicas acerca da existência em matemática. O que faremos é apresentar duas propostas. A primeira consiste em um argumento voltado para a fixação do valor de verdade das sentenças aritméticas. A segunda é uma proposta de avaliação das demandas existenciais de sentenças aritméticas em sistemas axiomáticos.

Os pressupostos empregados nas discussões serão apresentados, de modo explícito, ao longo da exposição, mas não serão alvo de defesa, crítica ou análise. Esses pressupostos devem ser vistos como hipóteses de trabalho, com as conclusões condicionadas à adoção dos pressupostos. Entretanto, tais pressupostos não são arbitrários; pelo contrário, encontram respaldo em robustos quadros conceituais contemporâneos, cujas apresentações e análises não estão no escopo desta Tese. Com relação a estes quadros teceremos apenas alguns comentários, pertinentes às conclusões obtidas e para elas direcionados.

Neste trabalho, o estudo dos requerimentos existenciais é centrado em preceitos semânticos, enquanto que na análise das condições de verdade das sentenças aritméticas há substancial ênfase na prática matemática. Estas características são indícios da forte conexão entre as propostas presentes nesta Tese de Doutorado e parte significativa do debate contem-porâneo em filosofia da matemática.

Uma rápida reflexão sobre o papel da filosofia na matemática expõe duas posições diametralmente opostas. Em um extremo, a filosofia precede à matemática. Posturas ou atitudes, cujas motivações e justificativas são de cunho filosófico, exercem pressão sobre a

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matemática a qual, consequentemente, é influenciada e direcionada pela filosofia. Indícios desse comportamento podem ser vistos na escola intuicionista, onde posições filosóficas acerca de princípios lógicos e da natureza matemática engendram uma rejeição ao princípio do terceiro excluído e, consequentemente, alteram de modo muito significativo os métodos e resultados do universo matemático. Mostras desta primazia da filosofia sobre a matemática podem ser vistos, também, em Leopold Kronecker, Henri Poincaré e Henri Lesbegue.1

Embora influente, a concepção de que a filosofia tem alguma prioridade sobre a matemática não parece ser ratificada pela história desta última. De fato, a adoção do princípio do terceiro excluído pelos matemáticos não parece ser motivada por razões filosóficas. O mesmo pode ser dito da inclusão do axioma da escolha à teoria canônica de conjuntos, bem como a adoção das definições impredicativas e a existência de um modelo pretendido para a aritmética. Outra atitude, no extremo oposto da descrita acima, preconiza que a filosofia não tem implicações na matemática. Mais incisivamente: a matemática é indiferente e independente da filosofia. Com isso, ponderações filosóficas acerca da ontologia de objetos abstratos ou sobre o status epistemológico da verdade matemática não oferecem qualquer contribuição para matemática. Segundo Stewart Shapiro, com o qual concordamos, um filósofo que se atenha a esta posição limita seu trabalho à simples descrição das atividades executadas pelos matemáticos. Além disso, tal filósofo deve estar disposto a rejeitar todos os seus esforços, caso estes entrem em conflito com desenvolvimentos na matemática.2

Um exemplo bastante ilustrativo das consequências de se adotar, em alguma me-dida, uma ou outra atitude, é oferecida pela comparação dos posicionamentos de Errett Bishop e Paul Bernays frente à crise pela qual passaram os fundamentos da matemática no começo do século XX. Para Bernays, não havia crise alguma, pelo menos não para os matemáticos; as ob-jeções eram, todas, de natureza filosófica, e a alegada crise na matemática era apenas aparente. Bishop defendeu o oposto: a falta de escrúpulos filosóficos conduziu, sim, a matemática para uma crise; essa crise era urgente e só poderia ser ignorada propositadamente.3 Outro exemplo, este na segunda metade do século XX, é dado pelas posições antagônicas de Willard Quine e Penelope Maddy acerca da adoção de novos axiomas para a teoria de conjuntos. Quine, mo-tivado por considerações filosóficas, propõe que a teoria de conjuntos seja munida do axioma da construtibilidade, mesmo que a maioria dos teóricos de conjuntos rejeite tal axioma. Na direção oposta, Maddy indica que a filosofia da matemática deve se concentrar em analisar em aspectos metodológicos do trabalho matemático e, em particular, as implicações do axioma da construtibilidade.4

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que se afasta dos extremos e com muitas semelhanças à posição professada por Shapiro em Philosophy of Mathematics: Structure and Ontology. Mas com uma diferença importante.

Como Shapiro, acreditamos que, em geral, os matemáticos sabem o que estão fa-zendo e fazem algo que é valoroso; também endossamos o princípio de que a maior parte da matemática é correta.5 No entanto, isso não nos impede de reconhecer que os matemáticos even-tualmente cometem erros e incorrem em equívocos, alguns sistemática e continuadamente. Um dos papéis da filosofia tem sido, e é, revelar alguns destes equívocos.6 Também concordamos com Shapiro que não é possível escolher uma ontologia correta para então fazer matemática, nem que se pode extrair a ontologia correta a partir da matemática como praticada.7 Em sin-tonia com essa posição, a análise desenvolvida nesta Tese de Doutorado não endossa, e não pressupõe, a adoção de uma posição particular com relação a ontologia de entes matemáticos. Por razões que devem ficar claras ao longo da exposição, neste trabalho nos comprometemos com a objetividade das proposições aritméticas acerca de números, não com a existência de números.

Discordamos de Shapiro com relação à afirmação que “filosofia e matemática são intimamente relacionadas, com nenhuma dominando a outra”.8 Como ele, entendemos que as duas disciplinas são intimamente relacionadas. Mas, acreditamos, há uma pequena diferença hierárquica entre elas, com predomínio da matemática sobre a filosofia. Por exemplo, se a análise matemática de uma posição filosófica se mostrar inconsistente, então tal posição deve ser abandonada, mesmo que seja extremamente criativa e eloquente acerca da matemática. Mas um campo da matemática, por mais desarticulado e inverossímil que possa se revelar à análise filosófica, não deve ser descartado em por esta razão.

Com relação à filosofia da matemática, endossamos a posição de que se trata de uma atividade tanto descritiva quanto interpretativa da matemática. Neste sentido, não é seu papel estipular como os matemáticos devem atuar, nem tentar impor quais problemas devem ser atacados. No entanto, descrição e interpretação da matemática não devem ser os únicos papéis desempenhados pela filosofia da matemática. Sugestões de quadros conceituais e análises críticas do trabalho matemático são, em nosso entender, tarefas a serem executadas em filosofia da matemática. Em não oposição a este entendimento, e por razões que se tornarão claras ao longo da exposição, adotamos paradigmas pouco explorados na análise das noções de verdade e existência no contexto aritmético.9 Para a verdade sugerimos um novo esquema de fixação do valor de verdade das sentenças aritméticas. Este esquema procura superar algumas das principais dificuldades encontradas pelas tradições realista e formalista ao abordar o mesmo problema. Quanto à existência, a análise fundamenta-se em critérios semânticos, não

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em critérios sintáticos. Como resultado as sentenças aritméticas são classificadas, de modo uniforme e homogêneo, quanto às demandas existenciais.

Contemporaneamente, sistemas axiomáticos desempenham papel central na des-crição e interpretação da matemática. Estes sistemas possuem duas componentes: sistemas formais e modelos. Os modelos são de natureza semântica-veritativa, enquanto os sistemas formais são de natureza sintático-dedutiva. Grosso modo, o modelo codifica as condições de verdade das proposições do ramo da matemática descrito pelo sistema axiomático, enquanto o sistema formal codifica a linguagem, os métodos de dedução e os termos primitivos da área da matemática em análise.

Fixado um sistema formal, há duas possibilidades para seus modelos: ou há um único modelo (a menos de isomorfismos) ou há uma infinidade de modelos (não isomorfos). Quando ocorre o primeiro caso, trata-se de um sistema formal interpretado e, quando ocorre o outro caso, o sistema formal é não interpretado. Essa nomenclatura é estendida, de modo natural, também aos sistemas axiomáticos. Tal diferenciação na relação entre os sistemas formais e os modelos não é incomum na literatura sobre lógica matemática e filosofia da matemática.10

Exemplos canônicos de sistemas axiomáticos não interpretados são os da teoria de grupos; nestes, toda estrutura que ateste a veracidade dos axiomas de grupos é um mo-delo genuíno da teoria de grupos.11 Defendemos que o mesmo não ocorre com a aritmética. Endossamos a postura, compartilhada por muitos matemáticos e filósofos, que os sistemas axiomáticos da aritmética são interpretados: há, a menos de isomorfismos, um único modelo para a aritmética. Este modelo é o modelo padrão, ou modelo pretendido, da aritmética.12

O entendimento de que há um modelo padrão para a aritmética acarreta consequên-cias imediatas para a análise da verdade em aritmética: se há um modelo privilegiado, então as condições de verdade das proposições aritméticas estão dadas por esse modelo. E, uma vez que as condições de verdade das proposições são preservadas nas sentenças que expressam a proposição, o valor de verdade da proposição pode ser aferido pela inspeção recursiva da sentença. Deste modo, se a estipulação do modelo padrão da aritmética estiver alicerçada em bases robustas, então o mesmo poderá ser dito sobre a verdade das proposições aritméticas. Entretanto, é reconhecidamente problemático fornecer bases segundo as quais um modelo da aritmética possa, justificadamente, ser denominado modelo padrão. Fornecer bases para a esti-pulação do modelo padrão e, consequentemente, do valor de verdade das sentenças aritméticas é o primeiro dos problemas atacados nesta Tese. Visando a este fim, será adotado o pressu-posto de que a verdade das proposições aritméticas é determinada por princípios de natureza normativa, instituídos pela prática matemática. A partir desse pressuposto, o enredo que será

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seguido na investigação do problema é formado por quatro partes.

Na primeira parte, são oferecidas referências para o quadro conceitual que suporta a adoção do pressuposto acima. Visto que este pressuposto situa a verdade das sentenças arit-méticas em um espaço normativo, são apresentadas algumas considerações sobre classificação de normas direcionadas para a matemática. O intuito dessas considerações não é caracterizar por completo a noção de norma no contexto aritmético; é, sim, fornecer uma lista de condições, que entendemos necessárias, para que uma expressão seja uma norma para a prática aritmé-tica. Em seguida, explicações são oferecidas para a noção de prática matemática, que é outro constituinte do pressuposto. De modo similar ao anterior, não se pretende caracterizar essa noção; apenas fornecemos uma formulação de como essa noção deve ser entendida no contexto desta Tese. Em seguida, são enunciadas as normas que, alegamos, regem a aritmética e estão em conformidade com as considerações tecidas previamente. Por fim, afirmamos que se a aritmética é uma disciplina regida por tais normas, então qualquer estrutura que se conforme a estas normas pode ser denominada modelo padrão da aritmética.

Na segunda seção esclarecemos em qual sentido, precisamente, as normas enunci-adas são fundantes da estipulação do modelo padrão. Para isso, é desenvolvida uma análise rigorosa tanto das normas quanto dos métodos de análise das normas. As ferramentas empre-gadas na análise das normas são os sistemas semânticos de Per Lindström.13 Uma vez avaliadas as normas, procede-se a avaliação dos sistemas semânticos; para isso, são consideradas três mé-tricas, que quantificam e qualificam aspectos matemáticos, dedutivos e modelo-teóricos. A partir dos resultados dessas análises é possível estabelecer, de modo preciso, em qual medida a adoção do quadro normativo contribui para a fundamentação do modelo pretendido da aritmé-tica. Além de fixar o modelo padrão da aritmética, a análise oferece uma fundamentação para verdade dos axiomas da aritmética de Peano e, por fim, a análise também motiva a sugestão de que linguagens infinitárias podem desempenhar papel relevante, ou pelo menos interessante, no estudo de questões fundacionais.

Este não é o primeiro trabalho desenvolvido com o objetivo de fundamentar a esti-pulação do modelo padrão da aritmética. Como expresso no início desta Introdução, este é um problema importante, há muito discutido e para o qual formulamos, dentre tantas outras, uma contribuição original. Deste modo, é certamente benéfico comparar a proposta aqui defendida com outras presentes na literatura. Isto é realizado na terceira seção, quando são apresentadas e discutidas três propostas. A primeira é uma estratégia, proposta por Vann McGee, que consi-dera modelos da teoria de conjuntos com átomos e em segunda ordem. A segunda é o critério de minimalidade empregado por Haim Gaifman e, a última, é o estruturalismo modal de

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Geof-frey Hellman. O resultado das comparações é extremamente favorável à proposta apresentada nesse trabalho.

A quarta, e última, seção dedicada à análise da verdade traz o esboço de um esquema conceitual para a verdade de sentenças aritméticas; tal esquema é coerente com a análise desenvolvida nas seções anteriores e, uma vez adotado, serve de suporte às mesmas. Este esquema é comparado a outros dois esquemas conceituais que se dedicam ao mesmo fim, associados às tradições formalista e realista em filosofia da matemática. Por esta razão, são apresentadas algumas das características da fixação do valor de verdade das sentenças aritmé-ticas por estas escolas. Concomitantemente, são apresentados os principais problemas dessas abordagens: os “modelos no céu”, no caso da tradição realista e o problema da transcendência da verdade, ligado à escola formalista. Apresentados os esquemas e destacados os problemas, discorremos sobre o novo esquema conceitual, que pressupõe o entendimento normativo da aritmética e compartilha muitas das virtudes, mas não de todos os vícios, das abordagens tra-dicionais citadas. Com isto, concluímos as investigações acerca das condições de verdade das sentenças aritméticas.

Acreditamos que a conjunção das estratégias empregadas na análise com as con-clusões obtidas são uma forte evidência de que a proposta presente nesta Tese deva ser consi-derada, ao menos, um modo interessante de pensar a fixação do modelo padrão da aritmética. Na sequência do trabalho o foco migra, da noção de verdade, para considerações a respeito dos requerimentos existenciais das sentenças aritméticas.

Uma motivação para a análise existencial reside no folclore, bastante difundido, que sistemas formais bi-interpretáveis são dedutivamente equivalentes. Tal posição não carece de fundamento; de fato, se dois sistemas formais são bi-interpretáveis, então as linguagens são interdefiníveis, todo teorema de um sistema é mapeado em um teorema do outro sistema e toda dedução de teorema elaborada em um dos sistemas pode ser mecanicamente convertida, no outro sistema, na dedução da interpretação do teorema. Deste modo, a diferença entre sistemas formais bi-interpretáveis consistiria, apenas, nos símbolos escolhidos como primitivos e nas sentenças escolhidas como axiomas. Do ponto de vista dedutivo, tais distinções não parecem ser relevantes. Além disso, como consequência da bi-interpretação, a interdefinibilidade dos modelos dos sistemas formais não permite que haja uma diferenciação significativa por apelo às classes de modelos dos sistemas formais. Trata-se, portanto, de uma forma bastante forte de equivalência.

Visto por este prisma folclórico, o sistema axiomático da aritmética de Peano e uma certa teoria axiomática de conjuntos T são equivalentes.14 Não se coloca em disputa que esses

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sistemas são extremamente parecidos do ponto de vista dedutivo e da classe de modelos. Mas, se sustentamos que sistemas axiomáticos são um instrumento de interpretação da matemática, é natural que seja formulada a seguinte questão: há algum sentido preciso, segundo o qual os sistemas axiomáticos da aritmética de Peano e a teoria T são, significativamente, distinguíveis? A análise das demandas existenciais desenvolvida nesta Tese de Doutorado fornece, no nível dos axiomas da teorias envolvidas, uma resposta afirmativa para esta questão.

Outra motivação para a investigação da noção de existência em sistemas axiomáti-cos da aritmética reside na ausência de uma definição precisa - a despeito do uso amplamente disseminado - da noção axioma de existência de conjuntos em contextos aritméticos.15 A análise existencial, voltada para os axiomas das aritméticas de Peano e de segunda ordem, motiva a formulação de uma definição de axioma de existência no contexto aritmético e, com isso, preenche uma lacuna conceitual detectada nos tratados fundacionais contemporâneos em aritmética.

A definição que será apresentada neste trabalho é adequada por ao menos duas razões. Primeiramente, a definição encontra-se em conformidade com as investigações sobre axiomas de existência desenvolvidas pelo programa da matemática reversa, programa este apresentado por Stephen Simpson e discutido brevemente na Seção 2.4 deste trabalho. Outra razão é a uniformidade da definição presente nesta Tese com a definição de axioma de existência, no contexto da teoria de conjuntos ZFC, formulada por Rodrigo Freire.

Deve ser destacado que a homogeneidade entre a proposta de Freire e a desen-volvida neste trabalho não é acidental; pelo contrário, foi esperada e almejada. Isto porque as estratégias utilizadas nas investigações existenciais aqui desenvolvidas são, integralmente, motivadas e fundamentadas no trabalho realizado por Freire.

A tarefa de investigar a noção de axioma de existência demandou de Freire a confecção de três artigos científicos. No primeiro [27], a partir de pressupostos semânticos é oferecida uma definição original, precisa e bem fundamentada, da noção de axioma de existência de conjuntos na teoria ZFC; essa definição motiva, do ponto de vista existencial, uma classificação original dos axiomas desta teoria. No segundo artigo [28], a classificação dos axiomas é alvo de avaliação, revelando que se trata de uma classificação bastante robusta e estável. Por fim, no terceiro e último artigo [29], a análise existencial é estendida e utilizada como ferramenta de investigação para a busca de novos axiomas para a teoria de conjuntos. As estratégias empregadas por Freire no primeiro dos artigos são, aqui, adaptadas para o contexto aritmético e exploradas em quatro etapas, com uma seção dedicada a cada uma das etapas.

Na primeira etapa são apresentados, breve e explicitamente, os pressupostos que são empregados na análise existencial das sentenças. Em seguida são discutidas, também

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de modo breve, duas propostas distintas (cada uma delas fundadas em pressupostos distintos daqueles empregados por Freire e aqui adotados) de análise existencial de sentenças aritméticas. Concomitantemente, são tecidos alguns comentários sobre problemas inerentes, e que julgamos sérios, dessas propostas. Encerramos a primeira parte com a apresentação da estratégia geral presente no primeiro artigo de Freire e das adaptações necessárias para a análise da aritmética. Na etapa seguinte é apresentado um sistema axiomático da aritmética de Peano em primeira ordem. Na sequência, a teoria de conjuntos bi-interpretável com o a aritmética de Peano é apresentada e a noção de grau de requerimento existencial, para sentenças aritméticas, é definida. São exploradas algumas consequências dessa definição e os axiomas da aritmética de Peano são classificados em razão de seu grau de requerimento existencial.

A seção seguinte é dedicada à aritmética de segunda ordem e segue roteiro análogo ao da etapa anterior: um sistema axiomático da aritmética de segunda ordem é apresentado e a teoria de conjuntos bi-interpretável com esta aritmética é descrita; a definição de grau de requerimento existencial, dada para Peano, é estendida para a aritmética de segunda ordem; as sentenças da aritmética de segunda ordem são classificadas em função de seu grau de requerimento existencial e algumas consequências da definição são exploradas.

Na última seção desta Tese são avaliadas as consequências do estudo existencial para os problemas acima delineados. O resultado é bastante animador, pois é bem ajustada ao emprego corrente da noção de existência no programa de matemática reversa. Além disso, a análise aponta para uma diferenciação significativa entre as axiomatizações da aritmética de Peano e da teoria T.

Antes de iniciarmos a análise sistemática das ideias e resultados até o momento delineados, é imperativo que sejam feitos esclarecimentos, e reconhecimentos, relativos a ori-ginalidade das ideias aqui presentes.

Nesta Introdução procuramos apresentar, motivar e delinear os temas aos quais essa Tese se dedica: uma análise das condições de verdade e dos requerimentos existenciais em sistemas axiomáticos aritméticos. Para ambos os temas, as posições assumidas e endossadas pelo autor desse trabalho foram profundamente influenciadas pelas posições de seus orienta-dores acerca de lógica e filosofia da matemática. Particularmente influentes foram as posições de Freire acerca da natureza da matemática.

No caso da análise existencial, a influência pode ser diretamente referenciada: os métodos de análise e algumas das motivações foram extraídas e motivadas pelos trabalhos de Freire acima citados. Quanto às investigações acerca da verdade, a influência também é marcante, mas mais difícil de ser referenciada. A atitude de considerar a matemática regida

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por normas instituídas pela prática é uma concepção e visão de matemática elaborada por Rodrigo Freire e, infelizmente, ainda não publicada. O autor deste trabalho foi profundamente influenciado e cativado por essa posição ao longo de seu doutoramento, e endossa essa visão da natureza matemática. Dito isso, a análise das condições de verdade em aritmética desenvolvida nesta Tese deve ser vista como o estudo de um caso particular (aritmética), feita pelo autor da Tese, da concepção de matemática concebida por Freire.

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Análise das Condições de Verdade

Este capítulo é dedicado à análise das condições de verdade das sentenças aritmé-ticas,1a qual será articulada em torno da suposição que a aritmética é de natureza normativa e que as normas relevantes são instituídas pela prática matemática. O elemento normativo não desempenha papel acessório na estipulação do conteúdo proposicional das sentenças aritmé-ticas; pelo contrário, as normas que regem a aritmética determinam o valor de verdade das proposições aritméticas. Entretanto, não é o objetivo deste trabalho discorrer sobre o papel das normas na determinação das condições de verdade de proposições em geral e, em particular, da aritmética; há um rico e extenso debate a este respeito. Uma argumentação contemporânea, muito abrangente, filosoficamente articulada, bem fundamentada e bastante influente acerca da relação entre normatividade e conteúdo proposicional é professada por Robert Brandom.

Segundo Brandom, os pensamentos e argumentos desenvolvidos por nós - seres sapientes, moralmente comprometidos com aquilo que afirmamos e logicamente articulados -são governados por normas que estão implícitas na prática discursiva, e é precisamente esta prática que institui os padrões normativos que constituem o significado das próprias palavras; o significado das palavras é, essencialmente, social.2 E, uma vez que estejamos comprometidos com os respectivos discursos e estes são fundados na prática social, a explicação do conteúdo proposicional é desenvolvida a partir da prática pública em direção ao pensamento e conteúdo privado. O ponto central em Brandom - e para o pressuposto que assumimos na análise desenvolvida neste capítulo - é que o fundamento do conteúdo proposicional do discurso racional é a prática social. A descrição precisa deste rico quadro conceitual é apresentada por Brandom em seu prestigiado Making it Explicit, [9].

Cientes desse aparato conceitual, assumimos que o conteúdo proposicional de sen-tenças aritméticas (condições de verdade inclusas) é fundado na prática matemática e analisa-mos as consequências, com relação à fixação do valor de verdade de sentenças aritméticas, da

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adoção do seguinte pressuposto:

As condi¸c ˜oes de verdade das senten¸cas aritm´eticas s ˜ao determinadas por normas que, por sua vez, s ˜ao

institu´idas pela pr ´atica matem ´atica.

O cerne de nossa proposta de análise das condições de verdade é estabelecer, em qual medida e sob quais condições, a estrutura padrão da aritmética pode ser fixada com base neste pressuposto. Mas o pressuposto não será objeto de análise. Isto porque qualquer projeto de análise conceitual das relações entre os componentes individuais do pressuposto - verdade, normatividade, prática matemática - constitui, por si só, tema de investigação filosófica que demanda por um trabalho, intensa e exclusivamente, destinado a esse fim.

Na sequência discorremos de modo breve acerca de condições que nos parecem suficientes para as noções de norma e prática matemática. Julgamos que o entendimento destas noções segundo as condições apresentadas é coerente com as demandas presentes no quadro conceitual de Brandom e bastam para os propósitos desta Tese. Também apresentamos uma coleção de normas que, acreditamos, estão presentes na prática matemática da aritmética. Uma das evidências da adequação destas normas enquanto regimento do discurso aritmético é a fixação do modelo padrão da aritmética, discutido na Seção 1.2.

1.1

Os princípios diretivos da aritmética

Contemporaneamente, análises filosóficas da matemática e, em particular da arit-mética, tem se voltado à prática matemática em busca de fundamentação, inspiração e moti-vação. Exemplos dessa tendência podem ser vistos no compêndio editado por Paolo Mancuso [56] e no livro de José Ferreirós [23]. Uma vez que, no que tange a investigação da noção de ver-dade em aritmética, a noção de prática matemática aparece como um dos componentes centrais do pressuposto adotado, o trabalho desenvolvido nesta Tese pode ser considerado alinhado à investigações atuais em filosofia da matemática.

Ainda que bastante empregada, não é uma tarefa fácil definir, ou mesmo caracterizar de modo abrangente, a noção de prática matemática. E, embora a análise apresentada neste capítulo prescinda de uma caracterização dessa noção, alguns comentários serão tecidos com a expectativa de fornecer uma noção de prática matemática que seja coerente com o pressuposto adotado e com o quadro conceitual que lhe dá suporte.

Uma explicação comumente encontrada, mas inócua e não objetiva, estabelece que prática matemática é “o produto do trabalho do matemático.”3 Uma definição precisa,

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filosoficamente articulada e bastante influente é apresentada por Philip Kitcher em [45], para quem a matemática, assim como qualquer outra atividade humana, é falível. Ainda segundo Kitcher, a lógica matemática é uma ferramenta de extrema importância para os programas fundacionais, mas não é apropriada para a análise das descobertas em matemática ou para esclarecimentos acerca da natureza do conhecimento matemático. É a prática matemática que possui lugar privilegiado para reflexões sobre tais questões.

A partir desta perspectiva, Kitcher formula uma explicação para o acúmulo de conhecimento matemático. Na articulação dessa explicação, a noção de prática matemática recebe uma definição precisa, cuja inspiração é, assumidamente, a concepção de Kuhn acerca do conhecimento científico.4 Um elemento que Kitcher vê, em Kuhn, é o entendimento de que acúmulo de conhecimento científico deve ser explicado pelas mudanças da prática científica a partir de diversas componentes, tais como: linguagem; princípios teóricos; exemplos de trabalhos experimentais e teóricos dignos de emulação; métodos de raciocínio; técnicas de resolução de problemas; avaliações da importância de questões; pontos de vista metacientíficos e assim por diante. Para Kitcher, o principal insight de Kuhn sobre as mudanças em ciência é a visão de que a história de um campo científico pode ser considerada uma sequência de práticas. E, a partir deste ponto de vista, propõe uma tese análoga para a matemática, ou seja, que o acúmulo do conhecimento matemático deve ser explicado pelos desenvolvimentos da prática matemática.5

Kitcher, influenciado pelas ideias de Kuhn, sustenta que a noção de prática mate-mática é constituída por cinco componentes e denotada pela quíntupla hL, M, Q, R, Si, em que L é uma linguagem na qual os demais componentes são desenvolvidos, M é a metamatemática (que, entre outros fatores, inclui os padrões de rigor em voga), Q são os problemas matemáticos aceitos, R são as formas de raciocínio aceitas e S são asserções. A partir dessa noção, é de-senvolvida uma extensa análise da metodologia da matemática, explicando como a mediação racional da passagem de uma prática matemática para outra incrementa o conhecimento mate-mático. Com isso, o problema de explicar o acúmulo de conhecimento matemático reduz-se ao problema de entender o que torna a transição de uma prática hL, M, Q, R, Si, para uma prática imediatamente seguinte hL0, M0, Q0, R0, S0i, uma transição racional.

As ideais de Kitcher acerca da prática matemática e do conhecimento matemático influenciaram, assumida e diretamente, as posições que José Ferreirós manifesta em Mathema-tical Practice, [23]. Nesta obra, Ferreirós investiga o lugar do conhecimento matemático dentro do conhecimento humano e, ao atacar este problema, adota a perspectiva de que a reflexão filo-sófica sobre a matemática e sua metodologia deve ser interdisciplinar e centralizada na noção

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de prática matemática. Contudo, esta postura não descarta que outros pontos de vista possam ser interessantes e esclarecedores; indica, apenas, que não são por ele considerados. De modo coerente com essa posição, o elemento interdisciplinar da análise do conhecimento matemático tecida por Ferreirós emprega uma perspectiva cognitiva, pragmática e histórica.6

Ferreirós exclui a componente M, metamatemática, da definição de prática mate-mática em Kitcher, de modo que a quádrupla resultante constitua uma primeira aproximação do que ele entende como a noção de framework.7 Esta noção desempenha papel importante na caracterização de prática matemática oferecida por Ferreirós e ilumina um ponto de discor-dância deste com relação a Kitcher. Para Ferreirós - diferentemente do que sustenta Kitcher - em um mesmo momento histórico podem coexistir diversos frameworks para a prática ma-temática, sendo que o elemento chave para a compreensão do conhecimento matemático são as inter-relações entre as diversas práticas matemáticas. Após tecer algumas críticas à concep-ção (precisa) de Kitcher, Ferreirós reconhece que definir uma noconcep-ção de prática ou de prática matemática é deveras complicado e, também por essa razão, ele se limita a oferecer uma carac-terização que, embora bastante inclusiva, fornece um conjunto de condições suficientes, mas não necessárias, para a noção de prática matemática.

Neste processo de caracterização são avaliados os trabalhos e métodos tanto de historiadores quanto de filósofos da matemática. Ao longo da avaliação, Ferreirós destaca que não há prática sem praticantes, que são os fatores regulativos da prática matemática que tornam o conhecimento matemático possível e que as análises desses fatores regulativos não devem excluir os praticantes. Por fim, ele advoga que a noção de prática requer um certo grau restrito de generalidade, pois não se trata de uma noção que visa à compreensão de todo conhecimento compartilhado por uma comunidade. Estas considerações redundam na seguinte caracterização: “prática matemática é o que a comunidade de matemáticos faz quando emprega recursos como frameworks com base em suas habilidades cognitivas para resolver problemas, provar teoremas, formatar teorias e (às vezes) elaborar novos frameworks”.8

No quadro conceitual de Brandom, normas implícitas na prática discursiva de uma comunidade desempenham papel central na instituição do conteúdo proposicional do discurso racional da comunidade. Na extensão de nossa compreensão do quadro de Brandom e da proposta de Ferreirós, a caracterização de prática matemática oferecida pelo último é harmônica com a noção geral de prática pressuposta no quadro conceitual do primeiro. É segundo a caracterização de Ferreirós, enunciada no parágrafo anterior, que a noção de prática matemática deve ser entendida nesta Tese.

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relevante na filosofia da matemática contemporânea. O mesmo pode ser dito acerca do papel das normas na estipulação do conteúdo proposicional e do significado de proposições. Isto pode ser atestado, por exemplo, pelas múltiplas referências oferecidas por Kathrin Glüer e Åsa Wikforss em [32]. Entretanto, caracterizar em que consiste uma norma, assim como caracterizar a noção de prática matemática, não é tarefa das mais simples.

Em [75], Georg von Wright discute diversos empregos e fornece uma classificação bastante ampla das normas empregadas nos mais variados discursos. Tal classificação identifica três grupos principais de normas, as prescrições, as regras e as normas técnicas. Para von Wright, exemplos canônicos de prescrições são as normas de cunho jurídico e as leis do estado, impostas por agentes em posição de autoridade com relação àqueles que se submetem às normas. A promulgação é componente essencial das prescrições, cuja efetividade é resguardada por sanções que são anunciadas juntamente com a promulgação. Regras são caracterizadas como normas que regulam o desenvolvimento dos mais diversos tipos de jogos; exemplos canônicos de regras são aquelas que regem as partidas de xadrez e de beisebol. As regras não descrevem e não prescrevem o jogo, elas determinam o jogo e, em geral, não possuem uma contraparte semântica. As normas técnicas dizem respeito aos meios necessários para que determinados fins sejam atingidos. Exemplos canônicos dessas normas são de instruções de uso, nas suas diversas formulações. Ainda segundo von Wright, há outros três grupos de normas que, em uma primeira aproximação, podem ser vistos como combinações dos grupos acima. As normas morais compartilham de características das prescrições e das normas técnicas, enquanto as regras ideais apresentam características em comum com as regras e as normas técnicas. Por fim, os costumes compartilham propriedades com as regras e as prescrições.

Quanto ao foco deste trabalho, a aritmética, von Wright sugere que as normas que legislam sobre o discurso matemático devem ser classificadas como regras.9 Uma classificação em que as normas que regem o discurso aritmético são vistas como regras de um jogo pode ser entendida como um endosso à tradição formalista da matemática, posição que não endossamos. Lembramos que o pressuposto central adotado neste capítulo é que a aritmética é uma disciplina cujo discurso é legislado por normas, que as normas determinam o valor de verdade das proposições aritméticas e que essas normas são instituídas pela prática matemática. No restante deste trabalho, as normas que se ajustam a este pressuposto serão denominadas princípios diretivos da aritmética e, muitas vezes, referenciadas apenas por princípios diretivos ou, simplesmente, princípios.10

Os princípios diretivos não se identificam com nenhuma das classificações apre-sentadas por von Wright, embora compartilhem com as prescrições algumas características.

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Por exemplo, em consonância com as prescrições, os princípios diretivos exercem pressão nor-mativa sobre os membros da comunidade matemática e são passíveis de aprimoramentos e substituições; em dissonância, não há promulgação dos princípios e não são previstas sanções àqueles que não se sujeitem as normas. Em tais casos, identifica-se a ocorrência de erros e, em situações extremas, a não conformidade aos princípios diretivos é um atestado de que o assunto em discussão não é aritmética.

Mesmo que a aritmética fosse considerada um jogo simbólico-formal e os princípios diretivos os axiomas desse formalismo (ambas as conjuntas são rejeitadas nesta Tese), ainda assim os princípios diretivos não deveriam ser classificados como regras (no sentido de von Wright), pois os princípios possuem dimensão semântica. Esta dimensão semântica, a qual não é inteiramente capturada por sistemas formais de primeira ordem, permite a possibilidade de fixação do modelo padrão da aritmética a partir dos princípios diretivos.11

As características catalogadas por von Wright contemplam apenas parcialmente a fundamentação e enunciação das propriedades que almejamos para os princípios diretivos. As demais características encontram respaldo conceitual em outros quadros conceituais nor-mativos. Um exemplo de tal quadro é o apresentado por John Searle em seu importante e influente Speach Acts [65], no qual é investigada a natureza da linguagem através da análise dos denominados atos de fala.12 Central na abordagem de Searle é o pressuposto que falar uma dada linguagem é performar atos em conformidade com certas normas, que por sua vez são estratificadas em duas classes principais, as regras constitutivas e as regras regulativas. Estas últimas podem sempre ser reformuladas na forma imperativa e legislam sobre um estado de coisas independente das normas. Um exemplo canônico são as normas de etiqueta.13 Os prin-cípios diretivos não se enquadram na categoria de regras regulativas; tampouco são exemplos de normas regulativas, embora compartilhem de algumas das especificidades destas.

De modo similar às regras constitutivas, não há sanções para violações dos princí-pios diretivos. Ademais, não parece razoável que os princíprincí-pios diretivos da aritmética possam ser violados; afinal, como violar uma diretiva que é constitutiva da aritmética? Se há uma tal violação, não se trata da aritmética. Ainda em conformidade com as normas constitutivas, princípios diretivos não necessariamente precisam ser parafraseadas no imperativo.

Uma das principais características das normas constitutivas de Searle, e da qual também são munidos os princípios diretivos da aritmética, é a seguinte: os princípios são seguidos mesmo que não sejam conhecidos.14 Além disso, em tese, um matemático que im-plicitamente se sujeita a um princípio diretivo pode rejeitar tal princípio quando apresentado a uma formulação explícita do mesmo. Isso pode ocorrer pois, ao ser formulado de modo

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explícito em uma linguagem específica, ocorrem distorções na codificação do princípio. Outra razão deve-se à possibilidade de, ao ser exposto a uma formulação explícita do princípio, o matemático não identificá-lo como aceitável, mesmo que parte significativa de sua atividade profissional seja implicitamente governada pelo princípio. Acreditamos que um exemplo elu-cidativo desta última situação pode ser visto na teoria de conjuntos, com relação ao princípio de escolha dessa teoria.15 Conforme descrito por Gregory Moore em [61, p. 92-103] , Lebes-gue empregou, implicitamente, princípios de escolha em seu trabalho matemático mas, ao ser apresentado a formulação explícita do princípio desenvolvida por Zermelo (isto é, ao axioma da escolha), manifestou contundente oposição. Embora não conheçamos, para a aritmética, um exemplo contundente como o de Lebesgue, essa possibilidade não é excluída.

Para que sejam submetidos à análise, os princípios diretivos devem ser formulados explicitamente. Em conformidade com o não endosso a versões fortes de realismo matemático, a formulação dos princípios não deve apelar à intuição de objetos matemáticos. Uma vez que são instituídos pela prática matemática, os princípios devem ser corretos com relação a história da aritmética. Do ponto de vista metodológico, os princípios diretivos devem ser extraídos da prática matemática da aritmética padrão e em conformidade com a tese que tanto o significado das expressões dessa disciplina quanto o valor de verdade de suas proposições são instituídos pelos princípios. Princípios que possam ser fundantes da verdade de sentenças afirmativas acerca da existência de números que não são denotados por numerais (os números não-standard) não parecem razoáveis, pois entendemos que a enunciação destes elementos são manifestações dos sistemas formais da aritmética, não da prática aritmética padrão.

Ressaltamos que princípios diretivos da aritmética não são um sistema formal e não são substitutos de sistemas formais. Isso, naturalmente, não os impede de serem submetidos à análises lógicas, matemáticas e formais. Tanto este é o caso que, após serem enunciados de modo explícito, serão submetidos ao escrutínio lógico. Não sustentamos que o modo como serão avaliados é a única forma produtiva de se analisar os princípios, mas certamente é uma forma legítima de fazê-lo.

A seguir serão enunciados, de modo explícito, quatro princípios diretivos para a aritmética. Esta lista não é necessariamente minimal, pois eventualmente um dos princípios pode ser considerado redundante na presença dos demais. Além disto, essa não é a lista de princípios diretivos, pois outros princípios poderiam, eventualmente, ser admitidos. Por fim, não está excluída a possibilidade de desenvolvimentos em aritmética fomentarem a adoção de novos princípios diretivos - a prática matemática institui os princípios, não o contrário.16 Entretanto, mesmo que este seja o caso, no que diz respeito à fixação do valor de verdade das

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sentenças aritméticas, a adoção de novos princípios diretivos não é relevante; os princípios diretivos aqui listados fixam o modelo padrão da aritmética e, consequentemente, qualquer novo princípio diretivo será inócuo para a fixação do valor de verdade de sentenças aritméticas - essa afirmação será avaliada na próxima seção. Uma vez que os princípios enunciados fixam o valor de verdade das sentenças aritméticas, uma eventual revisão não trivial da lista de princípios diretivos submeteria o valor de verdade das sentenças aritméticas à revisão. Mas este não parece ser o caso; o lastro que estes princípios encontram na história da aritmética nos deixam bastante confiantes de que estes são corretos e não serão revisados. Os princípios diretivos da aritmética são enunciados a seguir.

Primeiro Princ´ipio Diretivo da Aritm´etica(PD1):

Cada número é denotado por um único numeral, que é um objeto sintático obtido pela repetição, possivelmente vazia, de um símbolo primitivo.

Segundo Princ´ipio Diretivo da Aritm´etica(PD2): Cada numeral denota um único número.

Terceiro Princ´ipio Diretivo da Aritm´etica(PD3):

Dados dois numerais s and t, a soma dos números denotados por s e t é denotada pelo numeral obtido pela repetição do símbolo primitivo

determinado por s sobre t.

Quarto Princ´ipio Diretivo da Aritm´etica(PD4):

Dados dois numerais s e t, o produto dos números denotados por s e t é denotado pelo numeral obtido pela repetição da repetição s determinada por t.

O ordenamento dos princípios - primeiro, segundo, etc - destina-se, exclusivamente, a identi-ficação dos mesmos com vistas à referências futuras. Não há nenhuma relação de prioridade entre eles. Além disso, parece-nos razoável a afirmação que, uma vez seja aceita a tese de que a aritmética é de natureza normativa, dificilmente os princípios diretivos acima elencados poderão ser vistos em oposição às normas que regem a aritmética. Quanto ao terceiro princípio diretivo, uma forma de entender a denotação da soma dos números denotados por s e t é pela concatenação dos numerais s e t. De forma análoga, a denotação do número que é o produto dos números denotados por s e t pode ser entendida como t concatenação iteradas de s. Mas como concatenação não é a única forma possível de proceder com os numerais, optamos pelas formulações mais gerais dos princípios.

Os princípios diretivos PD1 e PD2 não devem ser vistos como uma proposta de identificação entre número e numeral. Há ao menos duas boas razões para isso. A primeira, é que tal identificação acarreta um forte comprometimento acerca da ontologia dos números; quando números são numerais, a existência de números está determinada pela existência dos

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numerais e, uma vez que estes últimos são elementos sintáticos, recursivos e linguísticos, o mesmo deveria ser dito acerca dos números. Estamos comprometidos com a objetividade do valor de verdade das sentenças aritméticas, não com a existência de tais objetos. Julgamos que, quando a fixação do modelo pretendido da aritmética é fundada nos princípios diretivos, podemos prescindir de objetos particulares, físicos ou metafísicos, para a fixação do valor de verdade de proposições da aritmética; o que é relevante é a determinação de um critério para que se possa analisar todos os possíveis candidatos interessados em desempenhar o papel dos números em aritmética. E esse critério é fornecido pelos princípios diretivos da aritmética (voltaremos a este tema na Seção 1.4). Outra razão para a não adoção do colapso entre número e numeral é que esta abordagem já foi considerada, em filosofia da matemática, por algumas versões fortes de formalismo e, quando submetidas à análise, tais propostas se revelaram bastante inapropriadas.

Uma forma adequada de compreender os princípios PD1e PD2é em analogia com a tese de William Kneale, professada em Numbers and Numerals, segundo a qual números es-tão para numerais assim como proposições eses-tão para sentenças.17 Esta afirmação deve ser entendida do seguinte modo: há diversas concepções distintas acerca da natureza das proposi-ções, cada uma delas visando a distintos problemas ontológicos e epistemológicos; entretanto, a despeito dessa multiplicidade de abordagens, em geral não é problemático assumir que as sentenças são o vetor por meio do qual analisamos as proposições (esta é a posição adotada neste trabalho com relação a ambos os temas em análise, as condições de verdade e os requeri-mentos existenciais de proposições aritméticas). Analogamente, independentemente do status ontológico e epistemológico dos números, os numerais são o veículo de análise dos números no que tange questões aritméticas. Com isso, assim como para cada proposição há uma sentença (a menos de equivalência), para cada número há um numeral (a menos de isomorfismos). E, assim como sentenças são objetos linguístico que expressam as condições de verdade das proposições, numerais são objetos sintáticos que expressam propriedades combinatórias dos números.

Além disso, assim como não há uma correspondência unívoca entre proposições e sentenças - uma mesma proposição pode ser expressa por uma infinidade de sentenças equivalentes -, também não há uma correspondência unívoca entre números e numerais. Isto porque os numerais são vistos neste trabalho como objetos sintáticos obtidos por recursão a partir de símbolo primitivo e há, claramente, infinitos modos de construir tais numerais.

Quanto aos princípios que regem as manipulações numéricas básicas, não nos parece razoável questionar que estes refletem, de modo preciso, a prática das operações de soma e a multiplicação. E também nos parece claro que, quando a aritmética é concebida como

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elemento de um espaço normativo, estes são os princípios que legislam sobre as operações de soma e multiplicação. Além de bastante resistentes a críticas (por inversão do ônus da prova), os princípios diretivos PD3 e PD4 encontram amplo lastro na história da matemática. Por exemplo, quando são analisados alguns dos textos canônicos em história da matemática, nota-se que o ensino da soma, da forma efetuada em ábacos ou pelos pitagóricos, pode ser escrita, de modo não problemático e com linguagem moderna, na forma do princípio PD3. Se o símbolo primitivo presente no enunciado dos princípios é, como no artigo em que Holger Leuz [53] propõe uma fundamentação moderna da aritmética grega, representado pelo símbolo •, a passagem a seguir, em que Leuz comenta sobre a adição nos Elementos de Euclides, pode ser lida como um endosso da adequação do PD3com relação a história da matemática:

[Euclides] não introduz a soma e a subtração como operações primi-tivas separadas, na verdade Euclides nem sequer define a soma. Em vez disso, ele usa noções intuitivas de reunião ou composição [...] A apresentação de números como multiplicidades, acompanhada de dia-gramas informativos, torna na realidade claro o suficiente o que soma e subtração são. [...] O que as palavras que acabei de usar não implicam é óbvio o suficiente quando pensamos nelas e visualizamos em termos de coleções de pontos:18

• • • • • compostos com • • • resulta em • • • • • • • •

Quanto à multiplicação, a adequação do princípio diretivo PD4com relação a his-tória da matemática é evidenciada, por exemplo, pela leitura livro VII dos Elementos:

Um número é dito multiplicar um número, quando, quantas são as unidades nele tantas vezes o multiplicado seja adicionado, e algum seja produzido. [7, p. 270]

É claramente não problemático parafrasear a passagem acima na forma PD4. Na sequência, os princípios diretivos serão submetidos ao escrutínio de sistemas lógicos. O objetivo desse exame é indicar precisamente em quais, sentido e medida, o modelo padrão da aritmética - e, consequentemente, o valor de verdade das sentenças aritméticas - é fixado pelos os princípios diretivos da aritmética.

1.2

Análise dos princípios diretivos

Sustentamos que os princípios diretivos não são entes matemáticos, não são sistemas formais e não são substitutos de sistemas formais; os princípios são constitutivos do espaço normativo que rege aritmética e, neste sentido, devem ser vistos como anteriores aos sistemas formais da aritmética. Mas não há razão para supor que estas considerações inviabilizem a

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análise rigorosa e formal dos princípios. Pelo contrário, uma análise dessa natureza é realizada nesta seção e os princípios são examinados de uma perspectiva lógica.

Esclarecimentos quanto ao método de análise se fazem necessários, pois o termo ‘lógica’ é, usualmente, acompanhado de muitas qualificações, aplicações e apresentações. Gö-del, por exemplo, em Russell’s Mathematical Logic toma por lógica a lógica formal a qual, por sua vez, apresenta duas facetas distintas: por um lado, é um ramo da matemática e, por outro lado, é uma ciência anterior a todas as outras.19 A análise que desenvolveremos não ocorrerá segundo a perspectiva de “ciência anterior a todas as outras” mas, sim, de uma perspectiva bastante próxima à matemática.

A noção de lógica empregada na análise dos princípios é a de Lindström, segundo o qual uma lógica L é um par hLΣ, |=i. Uma lógica, no sentido de Lindström, usualmente é denominada lógica abstrata mas, no entanto, julgamos que a denominação sistema semântico é mais adequada e daremos preferência a esta denominação. Dado um sistema semântico L, a primeira componente par é um conjunto de sentenças em uma assinaturaΣ. Serão considerados apenas sistemas semânticos cujas sentenças admitam definição recursiva. A segunda compo-nente dos sistemas semânticos é a relação de satisfatibilidade entre a classe dasΣ-estruturas e asΣ-sentenças. Exige-se, dentre outras condições, que a classe de estruturas seja fechada por redutos e isomorfismos.20

Sistemas semânticos não necessariamente são munidos de uma contraparte formal, isto é, não necessariamente há um sistema formal correlato para os sistemas semânticos. Entre-tanto, este não é o caso dos sistemas semânticos empregados na análise dos princípios diretivos. O sistema formal correlato a um sistema semântico é composto por uma linguagem formal, um conjunto recursivo de axiomas e uma coleção finita de regras de inferência. Exemplos de tais sistemas semânticos são a lógica de primeira ordem, lógica de segunda ordem e a lógica infinitária que admite sentenças formadas por disjunções enumeráveis e ocorrência de quanti-ficadores apenas em número finito. Tais sistemas serão denotados, respectivamente, Lωω, L2e Lω1ω. A apresentação detalhada desses sistemas pode ser vista, por exemplo, em [19] ou [20].

Formalização é o processo de reescrita de sentenças da linguagem natural em uma linguagem formal.21 Uma das principais características da formalização é a eliminação de am-biguidades ou vaguidades que, eventualmente, estejam presentes em sentenças da linguagem natural. Em [49], Georg Kreisel destaca que a formalização tem outras virtudes além da elimi-nação de ambiguidades, pois desempenha papel destacado em processos cognitivos, filosóficos e relativos à prática matemática. Isto porque a formalização de um conceito é parte importante do processo psicológico de entendimento, além de ser componente essencial do programa de

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Hilbert e desempenhar papel de relevo no trabalho diário do lógico-matemático. Exemplos dessa última afirmação são a análise da estrutura cumulativa de conjuntos desenvolvida por Zermelo, a explicação do porquê um problema matemático é um problema aberto com relação a uma teoria e o entendimento do processo de memorização de provas matemáticas. Estas são algumas das razões pelas quais a legitimidade e correção da formalização da linguagem natural não é posta em discussão neste trabalho.

O primeiro passo em direção à análise rigorosa dos princípios diretivos é a forma-lização dos mesmos. E, ainda que a formaforma-lização fosse considerada apenas da perspectiva da eliminação de ambiguidades e vaguidades, isso não acarretaria que os princípios devessem ser considerados vagos ou ambíguos. Os princípios diretivos da aritmética governam a prática aritmética e, certamente, não há vaguidade ou imprecisão nesta afirmação ou nos enunciados PD1− PD4. A formalização, como a empregamos nesta Tese, não tem por foco a eliminação de ambiguidades. A formalização é o primeiro movimento em direção a avaliação dos princípios no que diz respeito à fixação do modelo padrão da aritmética.

Uma objeção que pode ser levantada quanto à formalização dos princípios diz respeito a uma pretensa circularidade: a aritmética é governada por princípios que, por sua vez, são formalizados em sistemas semânticos, os quais são formulados em metateorias impregnadas de noções aritméticas. Mas não há circularidade alguma. Isto porque os princípios diretivos da aritmética precedem conceitualmente os sistemas formais empregados na análise. Esta observação continua válida mesmo quando os sistemas nos quais os princípios diretivos são analisados internalizam completamente a aritmética ou quando a metateoria desses sistemas é a aritmética.

Na formalização dos princípios será empregada a assinaturaΣ = {+, ·, s, 0}, em que 0 é símbolo de constante, s é símbolo de função unária e tanto+ quanto · são símbolos de função binária. A interpretação pretendida aos símbolos é a usual: 0 é o numeral que denota o número zero, s é o símbolo de função tal que, para cada numeral t, tem-se que st é o numeral que denota o número que é o sucessor do número denotado por t. Por sua vez+ é o símbolo de operação binária tal que, dados os numerais t e v, tem-se que t+ v é o numeral que denota a soma dos números denotados por t e v. Analogamente, · é o símbolo de operação binária tal que, dados os numerais t e v, tem-se que t · v é o numeral que denota o produto dos números denotados por t e v. A não estipulação de uma interpretação pretendida aos símbolos da assinatura inviabiliza a formalização dos princípios. Isso porque a atribuição de símbolos da linguagem formal a termos, relações e expressões da linguagem natural é elemento central da formalização. Não é possível formalizar o discurso normativo aritmético, ou qualquer discurso, se não é atribuída

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uma interpretação privilegiada aos membros da assinatura da linguagem a ser interpretada. A concatenação de sequências de símbolos será representada por_ e, com isso, a concatenação das sequências u e v será denotada u_v. Os numerais são os termos sm(t), definidos por recursão a partir dosΣ-termos t pelas seguintes cláusulas:

s0(t)= t e sm+1(t)= s_sm(t).

Uma vez que o único termo da assinatura Σ em consideração é o símbolo de constante 0, adotamos a definição recursiva dos numerais em que s0(0)= 0 e sm(t), para m> 0, é a expressão formada pela repetição de m símbolos s à esquerda do símbolo 0. Como usual, os numerais 0, s0, ss0, etc, serão representados por 0, 1, 2, etc.

O principal objetivo dessa seção é analisar em que medida os princípios diretivos da aritmética contribuem para a fixação do modelo padrão da aritmética. Diremos que uma coleção de sentençasΓ com assinatura Σ em uma lógica L fixa a estrutura A quando A é modelo deΓ e qualquer outro modelo de Γ é isomorfo a A. Uma vez que, dada qualquer estrutura Ae qualquer conjunto X equipotente ao domínio de A, há um modo canônico de obter uma estrutura B, isomorfa a A e com domínio X, não é possível fixar uma estrutura a menos de sua classe de isomorfismos. Posto de outro modo, uma coleção de sentenças fixa uma estrutura quando a coleção de sentenças é, no sentido da teoria de modelos, categórica.

A contribuição dos princípios diretivos para a fixação da estrutura padrão será avaliada do seguinte modo. Primeiro, escolhemos um sistema semântico L cuja linguagem seja suficientemente expressiva para formalizar, ao menos parcialmente, os princípios diretivos a partir da assinaturaΣ. Uma Σ-estrutura A é correta segundo os princípios diretivos da aritmética quando A é um modelo do conjunto de sentenças que corresponde a formalização dos princípios diretivos. Neste sentido, os princípios constituem um critério de seleção, dentre todas as Σ-estruturas, daquelas que são corretas segundo os princípios diretivos. Se quaisquer dois membros na classe das estruturas corretas segundo os princípios diretivos são isomorfos, então os princípios diretivos da aritmética fixam as estruturas aritméticas corretas. Se os princípios diretivos da aritmética fixam as estruturas aritméticas corretas e hω, +, ×, suc, 0i é uma estrutura correta, então os princípios diretivos da aritmética fixam o modelo pretendido da aritmética.

É natural que se proceda a uma meta-análise dos princípios diretivos, isto é, que os sistemas semânticos que avaliam os princípios diretivos da aritmética sejam submetidos, eles próprios, à análise. Tais sistemas serão avaliados com base em aspectos dedutivos, metateóricos e matemáticos. Com relação ao primeiro desses aspectos, uma lógica é avaliada enquanto ciência da dedução, e o caráter dedutivo encontra-se intrinsecamente associado ao aparato

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formal. Desta perspectiva, o critério de avaliação dos sistemas semânticos é a completude. Sistemas semânticos nos quais as sentenças válidas sejam demonstráveis no sistema formal correlato são mais bem avaliados do que os sistemas semânticos que não apresentam esta característica.

O caráter metateórico está relacionado ao papel de instrumento de identificação de estruturas matemáticas e noções correlatas que os sistemas semânticos podem assumir. Esse aspecto será avaliado, prioritariamente, segundo as propriedades semânticas de Löwenheim-Skolem e compacidade. Uma característica de sistemas semânticos munidos da propriedade de Löwenheim-Skolem é a impossibilidade de fixar estruturas que possuam domínio infinito. Já os sistemas munidos da propriedade de compacidade não distinguem estruturas com domínio finito, mas arbitrariamente grande, de estruturas com domínio infinito. Sistemas semânticos munidos dessas propriedades serão mais bem avaliados do que aqueles que não as possuem.22 Sistemas semânticos são impregnados de noções matemáticas, e o ambiente natural de avaliação dessas noções é a teoria de conjuntos ZFC. Uma forma usual de avaliar quão impregnado de noções matemáticas encontra-se um determinado conceito, expressável em ZFC, é pela aferição da classe de modelos de ZFC para a qual o conceito sob avaliação é absoluto - quanto maior a classe de modelos, menos impregnada de noções matemáticas encontra-se a noção em análise. Nos casos considerados neste trabalho, a coleção de sentenças é definida por recursão a partir de uma relação bem fundada e absoluta para modelos transitivos de ZFC e, portanto, como consequência de um resultado bem conhecido [50, Teorema IV.5.6], a coleção de sentenças é absoluta para modelos transitivos de ZFC. Resta, portanto, avaliar para quais classes de modelos a relação de satisfatibilidade é absoluta.

Análise dos princípios diretivos em primeira ordem

Linguagens de primeira ordem são bastante expressivas, o que é atestado pelo fato de parte significativa da matemática contemporânea ser descrita em uma dessas linguagens.23 Mas não é possível formalizar, em primeira ordem e com uma única sentença, a expressão “a todo número corresponde um único numeral”.24 Uma vez que o princípio diretivo PD1, apresentado através de uma expressão em linguagem natural, não pode ser formalizado por uma única sentença em linguagem de primeira ordem, diremos que este princípio não admite uma formalização plena em primeira ordem. Entretanto, pode-se apelar ao esquema de indução, presente nas axiomatizações em primeira ordem da aritmética de Peano, e estabelecer uma correlação entre o princípio diretivo PD1e as infinitas instâncias do esquema de indução. Essa correlação pode ser entendida como uma formalização parcial do princípio diretivo PD1.

Referências

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