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Boate Queen Vogue – Campina Grande – PB: espaço para afirmação de identidades homoafetivas?

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE - UFCG CENTRO DE HUMANIDADES - CH

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS - PPGCS

BOATE QUEEN VOGUE

– CAMPINA GRANDE – PB:

ESPAÇO PARA AFIRMAÇÃO DE IDENTIDADES

HOMOAFETIVAS?

MARIANNE SOUSA BARBOSA

CAMPINA GRANDE 2012

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE - UFCG CENTRO DE HUMANIDADES - CH

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS - PPGCS

BOATE QUEEN VOGUE

– CAMPINA GRANDE – PB: ESPAÇO

PARA AFIRMAÇÃO DE IDENTIDADES HOMOAFETIVAS?

Dissertação submetida ao mestrado no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Campina Grande – UFCG, como requisito para obtenção do título de mestre em Ciências Sociais, sob a orientação do professor Dr. Rogério Humberto Zeferino Nascimento.

CAMPINA GRANDE 2012

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FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL DA UFCG

B238b Barbosa, Marianne Sousa.

BoatezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA Queen Vogue - Campina Grande - PB : espaço para afirmação de identidades homoafetivas? / Marianne Sousa Barbosa. - Campina

Grande, 2012. 87 f.

Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - Universidade Federal de Campina Grande, Centro de Humanidades.

Orientador: Prof. Dr. Rogério Humberto Zeferino Nascimento. Referências.

1. Homoafetividade. 2. Sociabilidade Homoafetiva. 3. Identidade. 4. Formas Sociais. I . Título.

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Banca Examinadora:

Dissertação aprovada em 28 de junho de 2012.

______________________________________________ Prof. Dr. Rogério Humberto Zeferino Nascimento.

(Orientador)

________________________________________________ Prof. Dr. José Maria de Jesus Izquierdo Vilota

(Examinador)

_______________________________________________ Prof. Dr. Alarcon Agra do Ó

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RESUMO

A presente pesquisa teve como objetivo analisar a boate Queen Vogue como um espaço importante na cidade de Campina Grande para a afirmação das identidades homoafetivas. O uso das teorias acerca da constituição da identidade dos indivíduos, sobretudo a categoria de sujeito sociológico possibilitou compreender que a identidade é formada na interação entre o eu e a sociedade. A categoria de sujeito sociológico foi fundamental para a compreensão da identidade na modernidade, cuja característica essencial é permitir a mobilidade do indivíduo, ou seja, sua liberdade de movimento, assumindo identidades diversas. Através da contribuição dos teóricos, da realização da prática etnográfica e da técnica de entrevistas confirmou-se a importância da existência destes espaços de sociabilidade para os indivíduos vivenciarem suas práticas sexuais e liberarem seus desejos homoafetivos, afirmando assim, uma identidade que é reprimida em outros espaços sociais.

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ABSTRACT

This study aimed to analyze the nightclub Queen Vogue as an important space in the city of Campina Grande to the affirmation of identities homoaffectives. The use of theories about the constitution of the identity of individuals, especially the sociological category of subject allowed us to understand that identity is formed in the interaction between self and society. The sociological category of subject was fundamental to the understanding of identity in modernity, whose essential feature is to allow mobility of the individual, that is, their freedom of movement, assuming different identities. Employing the theory, ethnographic practice and the use of interviews, confirmed the importance of these spaces of sociability for individuals experiencing their sexual practices and to release their homoaffective desires, thus affirming an identity that is repressed in other social spaces.

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SUMÁRIO

Introdução____________________________________________________ 7 Capítulo 1 - Problematizando a homossexualidade _________________ 19 1.1 – A Homossexualidade no discurso médico e religioso ___________ 19 Capítulo 2 – Homossexualidade nas Ciências Sociais _______________ 32 2.1 – Movimentos de afirmação da homossexualidade ______________ 33 2.2 – A Homossexualidade na Paraíba masculina ___________________ 37 Capítulo 3 – Identidades homoafetivas ___________________________ 41 3.1 - Individualismo: Noções preliminares _________________________ 41 3.2 – Concepções de identidade _________________________________ 48 3.3 – Identidades pluridimensionais ______________________________ 52 3.4 – Os descentramentos do sujeito _____________________________ 54 Capítulo 4 – Formas sociais, espaço e campo: conceitos aplicados a

Queen Vogue _________________________________________________ 60

Praticando etnografia _________________________________________ 63 Considerações Finais __________________________________________ 76 Referências __________________________________________________ 81

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INTRODUÇÃO

Para Max Weber (1991) as fases que antecedem qualquer objeto de pesquisa em Ciências sociais são entusiasmadas vigorosamente por pressuposições subjetivas, as quais estão presentes até mesmo na preferência e demarcação do próprio objeto de análise. Entretanto, apesar da presença da dimensão subjetiva e delimitação do determinado conteúdo de análise, o rigor científico deve mostrar-se na execução de um definido estudo.

Contudo, a neutralidade axiológica do conhecimento para Weber está na conduta do pesquisador. Pois o estudioso da sociedade não deve enunciar se um fenômeno social é bom ou ruim, visto que isso pertence ao plano da fé, ou da política. O cientista social deve fazer uma separação minuciosa entre a constatação empírica e os julgamentos de valor, ou seja, entre a pesquisa e a persuasão particular. Em razão de o trabalho científico possuir uma lógica própria que exige uma descrição do fato, sem o pesquisador interferir neste com juízos de valor. Por acreditar na neutralidade axiológica do conhecimento Weber, embora reconhecesse a influência dos valores, não considerava que os resultados da pesquisa estivessem fatalmente corrompidos por eles. Weber complementa tal ideia em Sobre a Teoria das Ciências Sociais:

Emitir um juízo sobre a validade de tais valores é uma questão de fé e, provavelmente, tarefa do pensamento especulativo e interpretação do sentido da vida e do mundo. Mas certamente não é objetivo de uma ciência empírica no sentido em que aqui pretendemos praticá-la. (WEBER, 1991, p. 5)

No entanto, não se deve negar a importância das prenoções, pois as mesmas se tornam o ponto de partida do processo de escolha e delimitação do tema, da definição das estratégias de coleta e análise de dados empíricos e da pontualização do referencial teórico que será utilizado na execução de um projeto de pesquisa. Mas devemos tomar cuidado quando falamos de prenoções, pois elas não fundamentam as pesquisas. Nós devemos nos esforçar por abandoná-las, mesmo sabendo ser este um exercício difícil.

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De fato, o estudo deve se conduzir pela busca da maior objetividade na análise dos fenômenos sociais. As paixões, as crenças, os modos de olhar a realidade do cientista não podem dificultar a realização de sua tarefa, mas também não podem ser descartadas.

As exigências da vida cotidiana determinam que cada indivíduo assuma o desafio de interagir com seus semelhantes. Na multiplicidade dessas interações o indivíduo assume o desafio de vivenciar o processo de construção da sua própria identidade. Observando comportamentos, atitudes, manifestação de sentimentos, formas de linguagem, expressões culturais no trânsito por diversos espaços sociais, pode-se perceber que a identidade não é uma manifestação individual rígida, definida, sempre percebida da mesma forma nas diversas circunstâncias vivenciadas pelos indivíduos na vida coletiva.

Por diversas circunstâncias tive a oportunidade de construir vínculos afetivos de amizade com algumas pessoas homossexuais. Tal fato me fez observar que as formas de expressar sentimentos e pensamentos destes mudavam, a depender do contexto social onde eles interagiam e essas mudanças suscitaram em mim uma série de questionamentos. Foram muitas as ocasiões nas quais me perguntava: por que o comportamento daquelas pessoas, entre amigos e nos espaços de vivencias das práticas homossexuais, era diferente do comportamento apresentados em espaços sociais reduzidos, da forma como ocorre quando eles estão em casa com sua família, ou com colegas nos locais de trabalho?

Perante os amigos conhecedores de sua condição sexual eles falavam espontaneamente sobre seus amores, narravam aventuras vividas, as dificuldades enfrentadas para esconder da família sua identidade homossexual, seus sonhos, suas conquistas e decepções nos seus relacionamentos homoafetivos. Mas as formas de interação apresentadas por estes nos espaços sociais restritos, de família ou de trabalho, careciam da espontaneidade demonstrada na intimidade com os amigos. Dava a impressão que a depender do contexto social, aquelas pessoas homossexuais representavam diversas formas da sua identidade.

No entanto, muitas vezes percebi que o fato de os homossexuais terem de esconder ou dissimular sua orientação sexual geravam neles desconfortos e

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em muitos casos sofrimentos. Essas tensões suscitaram em mim um profundo interesse por pesquisar o universo das interações homoafetivas.

Meus primeiros contatos com a literatura sobre a homossexualidade surgiram das leituras foucaultianas1, pois me chamou atenção por tratar do tema de forma um tanto poética, uma vez que, Foucault (1926-1984) possuía certa afinidade com o tema, como ele mesmo afirma: “Toda vez que tentei fazer um trabalho teórico foi a partir de elementos de minha própria experiência” (FOUCAULT, apud ERIBON, 1990, P. 41).

Estas leituras, mais tarde, me renderam meu trabalho de conclusão de curso na Universidade Estadual da Paraíba, sob o título: Amizade e estilo de vida gay: Uma abordagem foucaultiana2, obtendo o título de graduada em Licenciatura em Filosofia. No mesmo ano, um projeto sobre a mesma temática me possibilitou o ingresso no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, com um projeto voltado à linha de pesquisa: Cultura e identidades. Esse interesse ganhou ressonância no decorrer do mestrado, através da conexão estabelecida com novas leituras que me possibilitaram observar qual abordagem sobre o tema seria mais interessante e quais autores me serviriam de base para desenvolver tal pesquisa.

Assim, foi possível compreender que as leituras de Bourdieu (1930-2002) - e os conceitos de habitus e campo; Simmel (1858-1918) - as formas sociais, a sociabilidade e o conceito de sociedade; Hall (1932) - e sua contribuição no que diz respeito às ideias de identidades fragmentadas e sujeito sociológico e por último, as contribuições de Foucault - com suas noções de biopoder, dispositivo de sexualidade, hipótese repressiva e heterotopias, seriam importantes para desenvolver a presente pesquisa, se aplicadas ao universo homossexual.

Como bem sabemos, uma das finalidades da pesquisa social é a exploração da diversidade: “Explorar a diversidade significa em muitas

1 Refiro-me as obras escritas pelo filósofo francês Michel Foucault que correspondem a terceira fase de

seu pensamento, pois o tema da sexualidade aparece de modo mais sistemático nesta fase, quando se propõe discutir a constituição das subjetividades desde o mundo antigo até a modernidade. As três fases distintas são as seguintes: na primeira, observamos sua análise dos discursos e saberes nas mais diversas vertentes; na segunda, tratava-se de articular esses saberes com estratégias e táticas de poder; o tema da sexualidade aparece de modo mais sistemático na chamada terceira fase, quando se propõe discutir a constituição das subjetividades desde o mundo antigo até a modernidade.

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ocasiões que o pesquisador tenha que ignorar os padrões gerais e se enfocar no conjunto de circunstâncias que possam atingir o objeto de estudo” (IZQUIERDO, 2010, p. 39). De maneira geral, explorar a diversidade permite ao pesquisador se aprofundar na compreensão e na apreciação da sócio-diversidade, pois a pesquisa sobre grupos diversos contribui à compreensão dos cientistas sociais em torno da vida social.

Ciente de tal finalidade e convencida da importância de compreender as sociedades que diferem da sociedade à qual pertence o pesquisador decidi analisar os conceitos de tais autores através das práticas homossexuais vivenciadas na boate Queen em Campina Grande – espaço contemplado para realização de minha pesquisa – um lugar freqüentado por pessoas que estão em busca de diversão e paquera (mas não apenas isto já que a boate é um espaço de trabalho para muitos: balconistas, garçons, aqueles que cuidam da limpeza do ambiente, os que alegram a boate com sua música). A Queen está em funcionamento desde sua inauguração em setembro de 1998 na Rua Presidente Epitácio Pessoa no centro comercial da cidade, e é a primeira boate oficialmente gay na Rainha da Borborema, embora não seja apenas freqüentada por gays.

Estabeleci contato com os freqüentadores da boate a partir das visitas que passei a fazer no lugar. Registrei quinze inspeções a Queen, todas aos sábados à noite. Não conhecia o ambiente e nunca havia ido a uma boate antes, nesse caso o desenvolvimento da pesquisa me possibilitou hábitos jamais experimentados. Mas que por alguns meses passaram a fazer parte de minha rotina enquanto pesquisadora.

A importância de um espaço como a Queen é fundamental para muitos homossexuais de Campina Grande e cidades próximas, pois funciona como um local não só de descontração, mas também veio cumprir uma função sociologicamente relevante para o processo de aceitação de uma vivência homossexual. Sobre isso, Barbosa da Silva3 afirma que quando o homossexual consegue efetuar contatos e descobrir a existência de outras pessoas semelhantes a ele na sociedade, este tende a encarar de outra forma sua

3 BARBOSA DA SILVA, José Fábio. Homossexualismo em São Paulo: um estudo de um grupo

minoritário. In: Homossexualismo em São Paulo e outros escritos / James N. Green e Ronaldo Trindade (orgs.). São Paulo: Editora UNESP, 2005.

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identidade homossexual, ou seja, ele passa a significar a sua afirmação pessoal como homossexual.

O presente trabalho tem como objetivo analisar e estudar a boate Queen Vogue como um espaço de vivência das práticas homossexuais que afirma e reforça as identidades em questão. Para atingir tal objetivo, foi indispensável a observação minuciosa dos indivíduos integrantes desse espaço no que diz respeito aos comportamentos desenvolvidos na Queen e que são particulares ao espaço da boate.

Mas será que os comportamentos vivenciados pelos homossexuais na boate são peculiares ao espaço? Eles se sentem a vontade no interior da boate para vivenciar a sua homossexualidade? O que eles procuram num espaço como a Queen? A convivência num espaço como a Queen reforça e afirma suas identidades homossexuais? Essas foram algumas das questões que nortearam a pesquisa a fim de conseguir chegar ao objetivo geral da mesma. Além destas problemáticas, considerei importante não só investigar o discurso homossexual, obtido através das entrevistas realizadas, mas seus comportamentos por mim observados.

Adotei como referencial teórico para a presente pesquisa livros e textos de Georg Simmel4 (1858-1918), autor que desenvolveu a sociologia formal ou sociologia das formas sociais. As principais formas de sociação estudadas por Simmel em sua obra foram: a determinação quantitativa do grupo - examinando o modo como o aspecto quantitativo afeta o tipo de relação social existente nas formas de vida coletiva; a dominação e subordinação – Simmel observa que as relações de poder não são unilaterais; o conflito - os indivíduos vivem em relação de cooperação e oposição; e a individualidade que pode ser de dois tipos: na forma quantitativa os indivíduos são iguais entre si e na sua forma qualitativa, eles procuram afirmar sua singularidade e personalidade, se diferenciando dos demais. Muitos estudiosos afirmam que tal abordagem foi

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Os textos que utilizei do Simmel estão disponíveis na obra Georg Simmel: Sociologia. Organizada por Evaristo de Moraes Filho; Tradução de Carlos Alberto Pavanelli – São Paulo: Ática, 1983. Outra obra empregada utilmente na pesquisa intitula-se de Questões fundamentais da sociologia: indivíduo e sociedade; tradução Pedro Caldas. – Rio de janeiro: Jorge Zahar Ed., 2006. Para melhor compreensão de alguns termos e temas do Simmel servi-me da obra de Jessé Souza e Berthold Oelze Simmel e a modernidade – Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2005.

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vital para o desenvolvimento da microssociologia5, considerando o autor como um dos precursores de tal ciência.

Além disso, utilizei o livro Identidade6 de Zygmunt Bauman, para melhor compreender das questões identitárias dos indivíduos já que para o autor a identidade “só nos é revelada como algo a ser inventado, e não descoberto; como alvo de um esforço, um objetivo; como uma coisa que ainda se precisa construir a partir do zero ou escolher entre alternativas e então lutar por ela e

protegê-la lutando ainda mais” (2005, p. 21-22). Além de Bauman, servi-me de

Stuart Hall que se dedica ao estudo da questão da identidade em sua obra A identidade cultural na pós-modernidade.

Expondo ainda o referencial teórico da presente pesquisa, cito no primeiro capítulo da dissertação as contribuições foucaultianas7 a respeito do discurso da sexualidade. Segundo o autor, as subjetividades dos indivíduos e a forma como estes se comportam são resultantes dos discursos presentes na sociedade, pois tais discursos são responsáveis por atribuir e fazer funcionar um regime de verdade particular a cada sociedade. Foucault apresenta no primeiro capítulo da História da Sexualidade (2007) como a homossexualidade surge no discurso médico e religioso como uma patologia, uma anomalia que precisa ser curada, tratada e sua prática é considerada pela Igreja um grave pecado do qual o indivíduo precisa purificar-se.

Para desenvolver tal análise, neste capítulo, problematizo a homossexualidade situando o contexto que abraça o discurso médico do século XIX, discurso marcado por "promessas" e tentativas de cura e de

5 É importante atentar para o conceito de macrossociologia para entendermos a noção de

microssociologia: “Sociólogos freqüentemente estabelecem uma distinção entre macrossociologia, que trata da vida social na escala mais ampla de organizações, comunidades e sociedades inteiras, e microssociologia, que focaliza o mundo face a face da interação social. Há, contudo, aqueles que argumentam que essa distinção é obscura, se não falsa, porque aquilo que se identifica como macroelementos da vida social é construído através do que ocorreu no micronível” JOHNSON, Allan G. Dicionário de sociologia: guia prático da linguagem sociológica; tradução, Ruy Jungmann; consultoria, Renato Lessa. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1997.

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BAUMAN, Zygmunt. Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi; tradução, Carlos Alberto Medeiros. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005.

7 Para tal parte da pesquisa utilizo as seguintes obras de Foucault: Os anormais: curso no Collège de

France (1974-1975); tradução de Eduardo Brandão. - São Paulo: Martins Fontes, 2001. Um diálogo sobre os prazeres do sexo: Nietzsche, Freud e Marx Theatrum Philosoficum. São Paulo: Landy, 2005. Ética,

sexualidade e política; organização e seleção de textos Manoel Barros da Motta; tradução Elisa Monteiro, Inês Autran Dourado Barbosa. – 2. ed. – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006. História da Sexualidade 1; A vontade de saber, tradução de Maria Thereza da Costa Albuquerque e J. A.Guilhon Albuquerque. Rio de janeiro: Edições Graal, 2007.

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tratamento, apoiado e reforçado pelas ideias do Cristianismo. Mas com o passar das décadas, observa-se o surgimento e um visível crescimento do ativismo político no que viria a se transformar na comunidade gay. Nesse sentido, o sociólogo John Gagnon afirma: "Esse ativismo interagiu com as atividades de cientistas sociais liberais e, em muitos casos, os ativistas assumiram um papel importante na realização de pesquisas e na transformação dos temas de pesquisa." E complementa:

[...] que as preferências eróticas pelo mesmo gênero não eram adquiridas por vias especiais ou patológicas e que não havia indícios de patologia especial ou freqüente, entre as pessoas com tais preferências, que não pudesse ser explicada pela opressão social. (GAGNON, 2006, p. 191)

No segundo capítulo, procuro fazer um apanhado bibliográfico sobre as primeiras obras brasileiras a discutirem o tema da homossexualidade, destacando suas influências para a comunidade LGBT e a importância da existência de ONG’s por todo o país que lutam pelo direito da cidadania da comunidade gay que clama pelo fim da homofobia.

No intuito de compreender a problemática da pesquisa, no terceiro capítulo, apresento as diversas contribuições a respeito da identidade desde a investigação da individualização do sujeito no Iluminismo até a modernidade tardia, como denomina Hall, descrevendo como a ideia de sujeito unificado e permanente dá espaço as identidades fragmentadas e deslocadas. Esse capítulo é guiado pelas contribuições teóricas de Hall e o conceito de formas sociais de Georg Simmel.

No quarto capítulo, faço uso da teoria etnográfica de autores como: Barth e Geertz para explicitarem a importância da prática sociológica. Utilizo também o conceito de habitus do sociólogo Bourdieu para melhor compreender o comportamento dos homossexuais freqüentadores da Queen. É nesta parte da dissertação que procuro apresentar os resultados da pesquisa etnográfica realizada, descrevendo o comportamento dos homossexuais na Queen, identificando-os como particulares e peculiares ao espaço da boate.

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Como bem sabemos, as técnicas mais importantes da sociologia são empregadas na pesquisa de campo “que se pode definir como a indagação dos fenômenos sociais com o objetivo de resolver um problema, comprovar uma hipótese ou descobrir relações desconhecidas entre os fatos examinados” (ASTI VERA, 1980, p. 35). Dessa forma, as técnicas de observação constituem o primeiro passo em um trabalho de campo, porque oferecem o contato inicial com o grupo social que se quer estudar.

De acordo com a afirmação de RUDIO (1982, p. 32) “O campo específico da ciência é a realidade empírica”, compreendemos a importância da observação enquanto técnica de pesquisa, pois a mesma deve ser considerada como ponto de partida para todo estudo científico e meio para verificar os conceitos adquiridos. Não sendo possível, portanto, falar em ciência sem fazer referência à observação.

Na vida quotidiana, a observação é um dos meios mais freqüentemente utilizados pelo ser humano para conhecer e compreender pessoas, coisas, acontecimentos e situações. Nas pessoas, podemos observar diretamente suas palavras, gestos e ações. Indiretamente, podemos observar os seus pensamentos e sentimentos, desde que se manifestem na forma das palavras, gestos e ações. Da mesma forma indireta, podemos, ainda, observar as atitudes de alguém, isto é, o seu ponto de vista e predisposição para com determinadas coisas, pessoas, acontecimentos, etc (RUDIO, 1982, p. 33)

Conclui-se da técnica da observação, no sentido mais simples, que observar é aplicar os sentidos a fim de obter uma determinada informação sobre algum aspecto dos fenômenos sociais. Dessa forma, tal técnica de pesquisa foi contemplada para realizar o presente trabalho. Assinalando, dentro da técnica, alguns elementos significativos da situação social que se observa, como por exemplo: os participantes, o ambiente e o comportamento social.

A minha função enquanto pesquisadora foi a de me integrar ao grupo selecionado como uma observadora, pois o pesquisador deve se integrar ao grupo que estuda, participando das atividades: sendo observador e, ao mesmo

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tempo, ator. Tal técnica foi criada nas ciências pela antropologia, principalmente pelo funcionalismo - que surge no início do século XX, como escola antropológica que se contrapôs ao evolucionismo e por um bom tempo disputaram juntas o campo do pensamento antropológico, respondendo em parte às críticas que a ele se faziam por seu eurocentrismo e etnocentrismo. Como afirma Izquierdo, a observação participante

partia do princípio de que, para conhecer as sociedades ‘arcaicas’, era preciso que o cientista deixasse seu gabinete e se deslocasse para os grupos que desejava estudar, permanecendo pelo tempo necessário integrado ao modo de vida que neles se desenvolvia (IZQUIERDO, 2010, p. 55).

Nesse sentido, considero importante o uso da etnografia no presente trabalho, pois como se trata da análise de pessoas, da investigação e exploração de ambientes e o modo como elas se comportam o exercício da etnografia possibilita e oferece a capacidade exigida de interação com o outro. Além do uso da etnografia, utilizamos a entrevista para a coleta de dados, visto que este é um procedimento ao qual o investigador recorre para conseguir opiniões, fatos ou testemunhos sobre determinada questão.

Como técnica de pesquisa na sociologia, a entrevista possui finalidade clara na obtenção de dados, como por exemplo, a tentativa de interpretação das atitudes dos indivíduos diante de uma dada situação. Embora alguns estudiosos prefiram dizer que as entrevistas são de grande valor na pesquisa, mas não suficientes porque, entre outras coisas, criam uma situação um tanto quanto forçada, além de o entrevistador organizar sua fala num processo de racionalização próprio ao discurso. A entrevista constitui um dos recursos de pesquisa, não o único, nem o melhor. Tivemos muita cautela ao utilizar esta técnica, pois como afirma Bourdieu em sua obra: Ofício de sociólogo: metodologia da pesquisa na sociologia:

Sempre que o sociólogo for inconsciente em relação à problemática implicada em suas perguntas, privar-se-à de compreender a problemática que os sujeitos implicam em suas respostas: nesse caso, estão preenchidas as condições para que passe

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desapercebido o equívoco que leva a descrever, em termos de ausência, determinadas realidades dissimuladas pelo próprio instrumento da observação e pela intenção, socialmente condicionada, do utilizador do instrumento (BOURDIEU, 2010, p. 56-57).

Foram realizadas trinta longas entrevistas com data e local cuidadosamente marcados, a maioria dos entrevistados, ou seja, vinte e cinco dos trinta entrevistados eram do sexo masculino e possuíam entre 20 e 35 anos de idade. Destes, cinco se apresentaram como estudantes universitários, dois eram professores de ensino superior, um enfermeiro, um cabeleireiro e o restante encontravam-se em alguma atividade profissional informal. Consideramos importante não só entrevistar homossexuais campinenses, mas também pessoas que residiam em cidades próximas a Campina Grande e que freqüentavam a Queen Vogue nos fins de semana. Nesse sentido, entrevistamos cinco homossexuais residentes na cidade de Itabaiana e dois da cidade de Lagoa Seca. Os outros entrevistados, no caso cinco, eram mulheres que estavam cursando o ensino superior na Universidade Federal de Campina Grande e Universidade Estadual da Paraíba, não possuíam vínculo empregatício e tinham entre 20 e 25 anos.

Elaborei, para as entrevistas, um roteiro com cerca de vinte questões abordando temas como a definição de cada informante sobre a sexualidade, o processo de descoberta de sua condição sexual, a maneira como a sexualidade é colocada diante dos parentes mais próximos e no local de trabalho e como lidam com o preconceito. Levantei também discussões sobre círculos de amizades, freqüência no espaço de lazer voltado a demanda sexual, como é o caso da Queen Vogue, e a sua importância no sentido de afirmar e reforçar suas identidades.

Munida de tais referenciais teóricos e técnicas de pesquisa, considerados por suas características indispensáveis para a realização de tal estudo, me propus o desafio de unir teoria à prática. Acredito que tal pesquisa possui devida importância, pois irá colaborar com a literatura já existente sobre a temática, aprimorando a ampliação do conhecimento deste fenômeno social e oferecendo uma contribuição reflexiva para os diretamente envolvidos, para os

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que integram o conjunto estudado e grupos militantes, assim, eles terão mais um estudo a respeito do tema.

Ao nos perguntarmos se nesses espaços de sociabilidade como é o caso da boate Queen, os indivíduos sentem suas identidades reforçadas e afirmadas, estamos tencionando algumas teorias e conceitos sobre o tema de modo a apresentarem seus limites e possibilidades. Acreditando que tal exercício teórico interessa a todos que não pretendem meramente repetir conceitos, mas utilizá-los como instrumentos de inovação intelectual.

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CAPÍTULO 1

“O homossexual no século XIX torna-se um personagem: um passado, uma história, uma infância, um caráter, uma forma de vida; também é morfologia, com uma anatomia indiscreta e, talvez, uma fisiologia misteriosa.” Foucault In: História da Sexualidade I: A vontade de saber.

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CAPÍTULO 1

PROBLEMATIZANDO A HOMOSSEXUALIDADE

Na Grécia Antiga, o filósofo Sócrates (469-399 a.C.) colocava a amizade entre mestre e discípulo como a mais elevada forma de inspiração. Ali, conforme observou Nietzsche em Humano Demasiado Humano (2008) a relação erótica dos homens com os rapazes era, num grau mais acessível ao nosso entendimento, o pressuposto único e necessário de toda educação masculina (mais ou menos como entre nós, durante muito tempo, toda educação elevada da mulher se realizou apenas mediante o namoro e o casamento). Não havia, com a mulher, troca intelectual nem namoro de fato. Todo o idealismo da força da natureza grega se lançou na relação dos homens com os rapazes. Assim também aconteceu, segundo Araújo (2006, p. 23) noutras localidades:

No Egito Antigo, na Mesopotâmia, na China e no Japão do século 11, o sexo entre homens era não apenas tolerado, mas institucionalizado. Na Nova Guiné, entre as tribos indígenas Sambia, os garotos mantinham relações sexuais orais com homens adultos e engoliam o sêmen no intuito de incorporarem o espírito da virilidade.

A idade da homossexualidade, como diria Foucault em História da Sexualidade, vem logo depois da era da libertinagem. É nesse momento, e somente a partir dele, quando a sexualidade, enquanto conjunto heterogêneo de discursos, instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas aparece, que surge o que hoje chamamos de homossexualidade .

1.1 - A HOMOSSEXUALIDADE NO DISCURSO MÉDICO E RELIGIOSO

Foucault apresenta no primeiro volume da “História da Sexualidade – A Vontade de Saber”, que até o século XVI a sexualidade era tratada com certa

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franqueza. Suas práticas não possuíam segredos, palavras eram ditas e coisas eram feitas sem disfarce. Não existiam códigos, havia obscenidade em excesso e transgressões deliberadas. Este século carrega a marca da ambiguidade: livre expressão e repressão, práticas proibidas e proliferação discursiva. A “repressão” entra em cena controlando o sexo e levando para a prática apenas das famílias. A sexualidade então passa a ser encerrada e confiscada, levada para dentro de casa, dando ao casal o poder de ditar as leis e agregarem a ela a função de reprodução. Como previam os processos sociais que visavam o controle e o disciplinamento da população. Foucault acrescenta:

Novas regras de decência, sem dúvida alguma, filtraram as palavras: polícia dos enunciados. Controle também das enunciações: definiu-se de maneira muito mais estrita onde e quando não era possível falar dele; em que situações, entre quais locutores, e em que relações sociais; estabeleceram-se assim, regiões senão de silêncio absoluto, pelo menos de tato e discrição: entre pais e filhos, por exemplo, ou educadores e alunos, patrões e serviçais. É quase certo ter havido aí toda uma economia restritiva. Ela se integra nessa política da língua e da palavra – espontânea por um lado e deliberada por outro – que acompanhou as redistribuições sociais da época clássica (FOUCAULT, 2007, p. 23-24).

Mas no nível do discurso e de seus domínios o fenômeno é quase inverso, pois se determinadas práticas foram coibidas os discursos sobre o sexo não cessaram de proliferar. Tal interdição pode ter provocado um contra-efeito valorizando e intensificando o discurso indecente: “... incitação institucional a falar do sexo e a falar dele cada vez mais; obstinação das instâncias do poder a ouvir falar e a fazê-lo falar ele próprio sob a forma da articulação explícita e do detalhe infinitamente acumulado” (FOUCAULT, 2007, p. 24).

Analisando práticas históricas fundamentais para se compreender as sexualidades contemporâneas, como a confissão cristã, o autor contestará o que ele chama de hipótese repressiva, que afirma haver uma repressão sobre o sexo e é necessário contestar tal repressão. Foucault a negará e propõe uma inversão mudando os termos do discurso: pois o problema não é saber se há

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ou não repressão, mas identificar porque se afirma que há. O seu objetivo é fazer uma genealogia que mostre como a hipótese repressiva surgiu e quais funções ela desempenhou na nossa sociedade. Para tal, é preciso demonstrar como as relações de verdade e poder foram erroneamente sustentadas como opostas por várias teorias de poder e, ao mesmo tempo, apresentar uma nova compreensão da relação poder-saber, pois o saber verdadeiro normatiza o prazer cotidiano e atinge as condutas individuais.

Questionando a hipótese repressiva, Foucault busca identificar o regime de poder-saber-prazer que sustenta o nosso discurso sobre a sexualidade. A partir de tal análise, ele afirma que a repressão não é a forma mais rigorosa de dominação, mas a prática que dá suporte a repressão, o saber, e a forma de proclamar-se a verdade é que mantém a dominação, porque oculta o verdadeiro poder.

Mais do que uma repressão, o que se observa é uma extraordinária proliferação dos discursos que ocasionam uma incitação contínua e crescente a falar de sexo. A análise da hipótese repressiva, permite compreender que “o poder, seu funcionamento, suas formas de exercício, não só não são interpretáveis em termos de repressão, mas, mais ainda, esses mecanismos construíram o que Foucault denomina o ‘dispositivo de sexualidade’ ”. (CASTRO, 2009, p. 384)

O dispositivo da sexualidade permite a expansão do discurso, a preocupação com a vitalidade do corpo e seu funcionamento. “O dispositivo, portanto, está sempre inscrito em um jogo de poder, estando sempre, no entanto, ligado a uma ou a configurações de saber que dele nascem, mas que igualmente o condicionam” (FOUCAULT, 1998, p. 246).

O indivíduo interessa ao Estado na medida em que é membro de uma população que deve estar sã e produtiva. O surgimento do indivíduo moderno como um objeto de preocupação política junto às ramificações desse processo na vida social, constitui a problemática do biopoder .

Antes o poder do Estado preocupava-se com os homens, com seus devidos direitos e deveres. Agora, preocupa-se com suas atividades cotidianas, que são essenciais para o bom funcionamento do Estado. O sexo tornou-se, no século XIX, o efeito pelo qual o poder uniu a vitalidade do corpo à das espécies e o biopoder se expandia através da sexualidade. Dreyfus e Rabinow (1995,

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p.154), acrescentam ainda que “a função da política era a articulação e a administração das técnicas do biopoder de modo a aumentar o controle do Estado sobre seus habitantes”.

Dessa forma, por dispositivo de sexualidade, entendemos as práticas discursivas e não discursivas, poderes e saberes que visam o controle e o estabelecimento de “verdades” a respeito do corpo e dos prazeres do indivíduo. O dispositivo é “um tipo de formação que em um determinado momento histórico, teve como função principal responder a uma urgência” (FOUCAULT, 1996, p. 294), ou seja, em um dado período histórico surgem discursos e práticas que possibilitem respostas adequadas às ações sociais, políticas, morais ou até jurídicas que interferem nas suas construções particulares referentes ao corpo e aos prazeres. “A história do dispositivo de sexualidade é a história de um dispositivo político que se articula diretamente sobre o corpo, isto é, sobre o que este tem de mais material e mais vivente: funções e processos fisiológicos, sensações, prazeres, etc.” (CASTRO 2009, p.401).

Nesta proliferação de discursos sobre a sexualidade, Foucault isola quatro estratégias, deste dispositivo, e as analisa “dentro” da interpretação do biopoder. São estes:

1- Histerização dos corpos das mulheres

O corpo da mulher foi analisado como saturado de sexualidade. Dessa forma, o avanço da medicina isola o corpo feminino por meio de patologias e o coloca em comunicação com o corpo social.

Eis aqui todos os elementos do dispositivo completo da sexualidade: uma sexualidade misteriosa e difusa da maior importância reside em alguma coisa e em alguma parte do corpo; esta presença misteriosa foi aquilo que trouxe o corpo da mulher para os discursos analíticos da medicina; através desses discursos médicos, tanto a identidade pessoal da mulher como a futura saúde da população são unidos na mesma conjunção de saber, de poder e de materialidade do corpo. (Hubert Dreyfus e Paul Rabrnow, 1995, p. 188)

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2- A pedagogização do sexo das crianças

A expansão do biopoder se posiciona contra a masturbação, promovendo um discurso que parte da crença de que as crianças possuem uma sexualidade perigosa. O onanismo8 (vício da masturbação) infantil, passa a ser visto como uma epidemia. “De fato, ao longo desta campanha secular que mobilizou o mundo adulto em torno do sexo das crianças, tratava-se de apoiar sobre estes prazeres, de constituí-los como segredos (isto é, de forçá-los a se esconder para poder descobri-los).” (Foucault, 2007). Cria-se uma campanha em prol da erradicação da masturbação com discursos que multiplicam os dispositivos do poder. “Ao longo deste apoio, o poder avança, multiplica seus dispositivos e efeitos enquanto seu objetivo se expande, se subdivide e se ramifica, penetrando no real num mesmo passo.” (Foucault, 2007)

3- Uma socialização das condutas procriadoras

Para o Estado, o casal é responsável pelo corpo político e deve protegê-lo com cuidado para que não haja um declínio da saúde do corpo social em geral. “As doenças ou falhas na vigilância sexual do casal poderiam levar, facilmente – e isto era sustentado – à produção de perversões sexuais e mutações genéticas.” (Hubert Dreyfus e Paul Rabrnow, 1995, p. 189) A teoria que busca o aperfeiçoamento da espécie humana, pela seleção genética e controle da reprodução – a eugenia - pode ser entendida nesta perspectiva. 4- Uma psiquiatrização do prazer perverso

Segundo Foucault, ao final do século XIX, o sexo foi construído como um instinto, que operou tanto no nível biológico como no psíquico. O sexo poderia ter sido pervertido ou saudável. E em ambos os casos, o instinto sexual e a natureza do indivíduo estão intrinsecamente ligados. A ciência sexual

8 No livro de Gênesis, capítulo 38, é possível conhecer a história de Onan que foi aconselhado por Judá a

casar-se com a mulher de seu irmão e dar a este uma posteridade, mas Onan compreendeu que esta posteridade não seria sua e, quando se aproximava da mulher de seu irmão derramava no chão o sêmen. Tal atitude desagradou o Senhor, como afirma a passagem bíblica, e este foi ferido de morte.

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construiu um vasto esquema de anomalias e os psiquiatras se responsabilizaram por tais análises.

Para os psiquiatras, a sexualidade penetrou todos os aspectos da vida do perverso, dessa maneira, origina-se a necessidade de conhecer cada aspecto de sua vida. “O sodomita foi uma aberração, o homossexual é ,agora, uma espécie” (Foucault, 2007, p. 44). O que antes era proibido tornou-se sintoma de uma mistura significativa do biológico com a ação. A mecânica do poder, mais uma vez, pretende suprimir todo este disparate, aplicando uma “realidade analítica visível e permanente” (Foucault, 2007, p. 48). Dessa forma, toda conduta pode ser classificada através de uma patologização e normalização deste instinto sexual. Depois de estabelecida esta diagnose da perversão, “tecnologias corretivas” (Idem) devem ser aplicadas para o bem do indivíduo e da sociedade. Uma nova estrutura do sexo encontra sua justificativa.

A sodomia – a dos tempos remotos nos direitos civil ou canônico – era uma espécie de ação interdita. No século XIX, o homossexual torna-se um personagem, como assevera Foucault:

um passado, uma história, uma infância, um caráter, uma forma de vida; também é morfologia, com uma anatomia indiscreta e, talvez uma fisiologia misteriosa. Nada daquilo que ele é, no fim das contas, escapa à sua sexualidade. Ela está presente nele todo: subjacente a todas as suas condutas, já que ela é o princípio insidioso e infinitamente ativo das mesmas; inscrita sem pudor na sua face e no seu corpo [...]. (FOUCAULT, 2007, p. 43)

Segundo o pensador francês, a homossexualidade apareceu como uma das formas da sexualidade quando foi transferido da sodomia, para uma espécie de androgenia, “um hermafroditismo da alma”. (FOUCAULT, 2007, p. 44) Ao utilizar a noção de hermafrodita, Foucault nos sugere refletir o conceito de anormal, do domínio das anomalias como objeto privilegiado da psiquiatria, trabalhado em sua obra: Os anormais (2001).

Nesta obra, ele analisa a sexualidade em sua passagem ao domínio médico, entrando, nessa via, para o terreno das patologias. A medicina e depois a psiquiatria, na busca da etiologia das doenças mentais e na

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recuperação do organismo, “estudaram a estrutura facial e a caixa craniana, na tentativa de estabelecerem uma relação entre as práticas sexuais infantis e a degenerescência” (WINTER, 2009, p. 44). Além disso, Foucault examina a genealogia do anormal a partir de três personagens: o grande monstro, o pequeno masturbador e a criança indócil. A figura do hermafrodita aparece descrita neste primeiro personagem como um monstro que surge no fim do século XVIII e início do século XIX. Na Idade Média até meados do século XVII, os hermafroditas eram considerados monstros e executados. Foucault descreve um desses casos de punição ocorrido no fim do século XVI:

Era alguém que se chamava Antide Collas, que havia sido denunciado como hermafrodita. Ele morava em Dôle e, após um exame, os médicos concluíram que, de fato, aquele indivíduo possuía os dois sexos, e que só podia possuir os dois sexos porque tivera relações com Satanás e que as relações com Satanás é que haviam acrescentado a seu sexo primitivo um segundo sexo. Torturado, o hermafrodita de fato confessou ter tido relações com Satanás e foi queimado vivo em Dôle, em 1599. (FOUCAULT, 2001, p. 84)

Assim também acontecia com os sodomitas na Europa de 1726, época que desaparece todo o lirismo homossexual que a cultura do Renascimento havia suportado. No Renascimento, com efeito, condenava-se a sodomia como se fazia com a magia e a heresia. “A homossexualidade, a que o Renascimento tinha dado liberdade de expressão, doravante entraria no silêncio e passaria para o lado da proibição, herdando as antigas condenações de uma sodomia agora dessacralizada” (FOUCAULT, 1972, p. 122-123). Na época clássica a homossexualidade será o amor da desrazão. Os homossexuais, consequentemente, serão internados junto aos portadores de moléstias venéreas, os desenfreados, os prodígios.

Tais estratégias descritas acima foram analisadas por Foucault, e reunidas pelo conceito de uma sexualidade profunda, elas conduzem a uma ligação de poder e prazer. A sexualidade não pôde mais ser ignorada, já que o corpo tornou-se seu lugar, e a ciência foi forçada a saber os segredos biológicos e psíquicos que o corpo possui no seu intimo. A partir disto, houve

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um progresso científico, baseado no próprio prazer intrínseco. O exame (médico/científico) transformou-se numa terminologia médica aceitável, pois o mesmo requer a confissão do paciente. Ele “supõe proximidades (...); requer uma troca de discursos, através de questões que são extorquidas das confissões e de confidências que vão além das interrogações”. (Foucault, 2007, p. 62-63).

O indivíduo examinado era investido de uma forma específica de prazer: atenção cuidadosa, extorsão carinhosa de detalhes mais íntimos, interrogatórios forçados. Onde o poder e o prazer seduzem as duas partes (o poder médico de penetração e o prazer de evasão do paciente). Para Foucault, o exame médico, praticado no século XIX, assim como as formas de confissão revelam às figuras de autoridade, as fantasias e práticas sexuais mais ocultas do indivíduo. O indivíduo foi convencido a acreditar que a “confissão” (termo do universo cristão) era indispensável para o autoconhecimento. O pensador francês vê a confissão sobre a sexualidade como parte central na difusão das tecnologias para a disciplina e o controle dos corpos, as populações e a sociedade como um todo.

A confissão difundiu amplamente seus efeitos: na justiça, na medicina, na pedagogia, nas relações familiares, nas relações amorosas, na ordem mais cotidiana e nos ritos mais solenes; confessam-se os crimes, confessam-se os pecados, confessam-se os pensamentos e desejos (...), suas doenças e suas misérias (...); fazem-se a si mesmo, no prazer e na dor, confissões impossíveis de serem feitas a outrem e sobre as quais escrevem-se livros. (...) o homem, no Ocidente, tornou-se um animal de confissão. (Foucault, 2007, p. 74)

Para a Scientia Sexualis – ciência capaz de produzir discursos verdadeiros sobre o sexo, e, isto, tentando ajustar o antigo procedimento da confissão às regras do discurso científico – a confissão é central na produção de saberes sobre o sexo, superando a penitência e o domínio religioso. Ela visa objetivar o sujeito através da discursividade científica. Foucault enumera as maneiras e as estratégias usadas para extorquir a verdade sexual de

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maneira científica em sua História da Sexualidade: A vontade de Saber (2007). São as seguintes:

1. Codificação clínica do fazer falar: a confissão é assim inscrita no campo de observações científicas;

2. Postulado da causalidade geral e difusa: qualquer desvio possui conseqüências mortais; o sexo representa perigos ilimitados;

3. Princípio da latência intrínseca da sexualidade: o sexo é clandestino, sua essência é obscura. A coerção da confissão é articulada à prática científica; 4. Interpretação: a verdade era produzida através dos discursos interpretativos da confissão;

5. Medicalização: a confissão é transposta no campo do normal e do patológico. Os médicos serão por excelência os intérpretes da verdade sobre o sexo.

Através da tecnologia da confissão, várias ciências interpretativas surgiram. E a construção do sexo como uma rede de conceitos e práticas é associada a métodos e procedimentos subjetivantes para interpretar as confissões. “O exame e a confissão são as principais tecnologias para as ciências subjetivantes.” (Hubert Dreyfus e Paul Rabrnow, 1995, p.196) Foi através de métodos clínico-científicos de exame e escuta do paciente/indivíduo que a sexualidade tornou-se um campo de significação e tecnologias específicas se desenvolveram.

A necessidade de surgir uma estrutura científica pra explicar o sexo, significava que quem compreenderia o que tinha sido dito em tal confissão, não seria o sujeito desta, mas um cientista. “No paradigma confessional, quanto mais o sujeito fala (ou é forçado a falar), mais a ciência sabe; quanto mais o exame de consciência legítima ganha extensão, mais fina e ampla é a rede da tecnologia da confissão.” (Hubert Dreyfus e Paul Rabrnow,1995, p.197) O sujeito não escondia o sexo, enquanto segredo, apenas por moralismo ou medo, sobretudo o sujeito não sabia e nem poderia saber os segredos da sua existência.

Para a ciência há uma verdade profunda conhecida e escondida. E a interpretação tem a função de colocar tal verdade em discurso. Não obstante,

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parte do poder destas ciências deve-se a afirmação de que revelam a verdade sobre nossas psiques, nossa sociedade, cultura, crença, tradição – verdades que podem ser compreendidas por intérpretes especializados. Na medida em que estas ciências interpretativas buscam uma verdade profunda, elas parecem determinadas a confirmar as estratégias de poder. “Estas ciências afirmam uma externalidade privilegiada, mas, na realidade, participam do desdobramento do poder.” (Hubert Dreyfus e Paul Rabrnow,1995, p.199)

O discurso médico, como observamos, traz consigo um enunciado de cura e tratamento apoiado numa sociedade religiosa predominantemente cristã, afinal o contexto que abraça a manifestação lingüística da medicina surge dentro de um contexto marcado pelo cristianismo. Ao mencionar o cristianismo, que nasce em meio à cultura judaica, não se devem deixar de lado as suas contribuições a respeito da homossexualidade. Na primeira epístola do apóstolo Paulo aos Coríntios se observa:

Não sabeis que os injustos não hão de herdar o reino de Deus? Não erreis: nem os devassos, nem os idólatras, nem os adúlteros nem os efeminados, nem os sodomitas, nem os ladrões, nem os avarentos, nem os bêbados, nem os maldizentes, nem os roubadores herdarão o reino de Deus (BÍBLIA SAGRADA, 1990, I Cor 6, 9-19).

No Antigo Testamento também é possível advertir outras passagens como é o caso de Levítico 18, 22: “Com varão não te deitarás, como se fosse mulher, abominação é”. Uma explicação lógica para tal proibição consiste na afirmação de que o objetivo último das regras de conduta defendidas no Levítico seria garantir a sobrevivência do povo hebreu em meio às sucessivas diásporas por ele sofridas e à subjugação imposta pelos egípcios.

O Catecismo da Igreja Católica, considerado texto de referência para o ensino da doutrina católica, também declara, apoiado na Sagrada Escritura, que estes atos são considerados perversões, condutas desordenadas, “contrários a lei natural. Fecham o ato sexual ao dom da vida. Não procedem de uma complementaridade afetiva e sexual verdadeira. Em caso algum podem ser aprovados” (Catecismo da Igreja Católica, 2000, p. 610).

Tais considerações só confirmam a proliferação de discursos em torno da sexualidade, e conseqüentemente da homossexualidade, que tomaram

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conta do século XIX unindo as instituições médicas e religiosas em busca de um maior controle sobre os indivíduos.

É possível perceber o efeito do dispositivo de sexualidade foucaultiano nas próprias declarações dos entrevistados. Tal dispositivo, como exposto acima, indica como a sexualidade deve ser vivenciada e praticada. Excluindo assim, todos os indícios de práticas homossexuais que impossibilitam a reprodução da espécie humana.

Neste sentido, observou-se que o processo de aceitação da própria condição sexual, para alguns homossexuais entrevistados, é permeada por embates e discursos religiosos que afirmam ser um grave pecado a prática de atos sexuais cometidos por pessoas do mesmo sexo. Numa de minhas conversas com um amigo, tive a oportunidade de ouvir seu relato sobre sua experiência de descoberta e aceitação de sua sexualidade. Este me confessou que estava sempre em conflito com sua identidade, até o momento de aceitação de sua condição sexual. O fragmento de nossa conversa confirma tal premissa:

Achava que não era certo ser homossexual. Freqüentei a Igreja Evangélica durante muito tempo e ouvia os pastores falarem que é pecado, é uma aberração, essas coisas. Via na Bíblia algumas passagens que confirmavam o que os pastores da Igreja falavam. Cheguei a arrumar uma namorada, a tentar ser homem, sabe? Mas não consegui. Não sentia nada por ela. Percebi que só estava tentando me enganar. Que não poderia mudar uma coisa que sinto que já nasceu comigo. Saí da Igreja e hoje não moro mais com meus pais. Eles devem saber da minha condição, mas nunca saiu da minha boca isso. Nunca tive coragem de dizer nada. Tenho medo da reação deles. Não quero que eles sofram. Hoje sei que não tem nada haver com pecado, aberração. Existe, pelo contrário, sentimento nas relações que estabeleço.

Os conceitos foucaultianos nos ajudam a compreender os impactos que os discursos ocasionam na formação das subjetividades dos indivíduos. Estes discursos que produzem regimes de verdade são, muitas vezes, apoiados e legitimados por instituições de poder – saber, como é o caso da Igreja

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responsável por gerar verdades sobre a experiência sexual dos indivíduos e a forma como estes a praticam.

Neste sentido, se faz importante observar a relevância do crescente ativismo político na comunidade gay que concentra sua mobilização política no fato de afirmar as identidades homossexuais. O capítulo que se segue tem como objetivo apresentar a influência que algumas ONG’s exercem na comunidade gay, pois além de seu objetivo principal, estas lutam pelo direito a cidadania e o fim da homofobia.

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CAPÍTULO 2

“A identidade era fundamental para enfrentar lutas maiores, e a militância política dentro do movimento homossexual fortaleceu-se numa vasta rede de informações e solidariedade, ampliando a divulgação da questão homossexual e conduzindo a imprensa a tratar o assunto de forma diferente.”

Elaine Zanata. In: Documento e identidade: o movimento homossexual no Brasil na década de 80.

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CAPÍTULO 2

HOMOSSEXUALIDADE NAS CIÊNCIAS SOCIAIS

No âmbito das ciências sociais, o comportamento sexual do homem não constitui nenhuma novidade, sobretudo quando consideramos a tradição da disciplina antropológica, cujas etnografias se ocupam da descrição dos costumes sexuais de sociedades ditas primitivas que remontam ao século XX, como é o caso do trabalho de F. E. Willians que realizou entre 1926 e 1932, um estudo sobre os papuas do Trans-Fly, onde observou práticas sexuais entre pessoas do mesmo sexo durante os ritos de iniciação dos jovens. Relatos de tais práticas, na verdade, não faltam a textos que remontam à época do Descobrimento, quando os cronistas, em sua maioria católicos, relatavam com espanto a prática do “pecado” entre os selvagens9.

No contexto das ciências sociais no Brasil, o trabalho de José Fábio Barbosa da Silva, Aspectos sociológicos do homossexualismo em São Paulo10, de 1959, pode ser considerado pioneiro no sentido de ter dado ao tema da homossexualidade uma abordagem eminentemente sociológica. Neste trabalho, o autor cuidou do mapeamento de lugares mais ou menos delimitados da cidade de São Paulo freqüentados por homossexuais de classe média alta, além disso, trabalha com a noção de grupo minoritário, conceituando os homossexuais como uma minoria com refinamento de hábitos, gostos ou modos distintos. Além deste estudioso é possível destacar o papel do antropólogo e historiador Luiz Mott, ativista brasileiro favorável aos direitos civis de homossexuais. Fundador do Grupo Gay da Bahia, uma das principais instituições que trabalham em defesa dos direitos humanos de gays no Brasil.

Também podemos citar o trabalho de Jaime Jorge em 1953 em seu Homossexualismo masculino. Neste trabalho, ele fez questão de publicar as onze cartas escritas por seus informantes como parte da obra, as quais dão

9

Na antropologia, Pierre Clastres possui alguns artigos sobre o tema em seu livro A sociedade contra o Estado e em Crônicas dos índios Guayaki.

10 Trata-se do primeiro artigo sobre o tema publicado em uma revista de sociologia brasileira em outubro

de 1959. O conteúdo pode ser adquirido na integra em PDF: Revista Sociologia, volume XXI, número 4, publicada pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo.

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uma ideia da complexidade das vidas de diferentes homossexuais no Rio de Janeiro no fim dos anos 1940 .

Atualmente é possível observar a crescente relevância conferida ao tema da homossexualidade dentro do campo das Ciências Sociais. A obra Sociologia, de Anthony Giddens, lançada em 1989, por exemplo, traz um capítulo dedicado ao assunto. A coleção Sexualidade, gênero e sociedade publicada pela editora Garamond Universitária, dedica parte de suas pesquisas exclusivamente a homossexualidade, como é o caso dos trabalhos de Carmen Dora Guimarães, orientanda de Gilberto Velho, que teve sua dissertação de mestrado publicada em 2004, quatro anos após sua morte. Seu trabalho é uma análise pioneira sobre a construção biográfica da homossexualidade entre homens moradores na cidade do Rio de Janeiro na década de 1970.

Por conseguinte, é importante atentar para a importância de tais pesquisas sociais, pois estas objetivam a divulgação dos debates mais recentes, bem como a sistematização de informações essenciais à compreensão da sexualidade e do gênero como campos articulados de pesquisa e intervenção social.

2.1 - MOVIMENTOS DE AFIRMAÇÃO DA HOMOSSEXUALIDADE

Durante as décadas de 50 e 60, "preparou-se o terreno" para uma série de pesquisas que destacaram a importância da opressão social e das situações culturais locais como fatores decisivos para o estilo de vida dos homossexuais. Além do empenho científico, houve um crescimento do ativismo, das militâncias políticas homossexuais. "Quaisquer que fossem as dificuldades psicológicas dos gays e das lésbicas, resultavam da opressão (mais tarde da 'homofobia'), de acordo com os cientistas, e não de patologias tidas como associadas ao desejo por pessoas do mesmo sexo." (GAGNON, 2006, p. 278-279)

O movimento homossexual, que surgiu neste período, seguiu a trilha de outros movimentos civis nos Estados Unidos. John H. Gagnon, em seu livro: Uma interpretação do desejo: ensaios sobre o estudo da sexualidade, revela:

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O movimento passou de uma ênfase inicial na educação, por meio do lobby legislativo de meados da década de 1960 (com um grande compromisso de criar recursos sociais e grupos sociais para homossexuais), para um padrão de ação direta e afirmação pessoal da homossexualidade, no fim dos anos 60 e início dos anos 70. Os lemas "ser gay e bom" e "sair do armário para a rua" proclamaram uma nova militância e um sentimento de respeito próprio que tiveram impacto não apenas na sociedade em geral, mas também nos pesquisadores e cientistas. Estes não mais classificaram impunemente os homossexuais como "desviantes" ou "perversos". (GAGNON, 2006, p. 103)

É importante mencionar, a nível nacional, os diversos grupos de militância do movimento homossexual que se fizeram presentes ao longo da década de 80. Os movimentos da época seguiram sendo acompanhados pelo crescimento de diversos movimentos populares que lutavam em prol de reivindicações sociais. O movimento homossexual seguia levantando sua bandeira em busca de identidade homossexual, o direito ao livre exercício da sua sexualidade e a autonomia do movimento homossexual. No artigo Documento e identidade: o movimento homossexual no Brasil na década de 80, Elaine Zanata complementa, descrevendo as motivações e interesses que guiavam o movimento homossexual da época, com a seguinte exposição:

[...] um legítimo exercício de cidadania, para o qual foram atraídos homens e mulheres que, rotineiramente, iniciaram as atividades no interior de seus grupos, com discussões destinadas à necessidade de exercitar a auto-estima, reconhecer direitos legítimos a qualquer pessoa e até mesmo recuperar o sentido de palavras como "bicha" e "lésbica", dando naturalidade à expressão "ser homossexual". Não menos difícil do que começar por se auto-definir, foi a imediata necessidade de lutar contra a violência da sociedade com relação aos homossexuais, partisse ela do Estado, da ação da polícia, da esquerda ou da sociedade em geral, expressando-se muitas vezes nas negativas, no escândalo ou no preconceito que estimulava o isolamento no gueto. A identidade era fundamental para enfrentar lutas maiores, e a militância política dentro do movimento homossexual fortaleceu-se numa vasta rede de informações e

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solidariedade, ampliando a divulgação da questão homossexual e conduzindo a imprensa a tratar o assunto de forma diferente.

O Grupo Somos de Afirmação Homossexual, que surge em 1978, em São Paulo - cujas características baseavam-se na promoção de debates sobre a sexualidade em conjunto com outros setores que sofrem opressão, como é o caso de mulheres, índios e negros – inspirou a formação de diversos grupos ao longo da década de 80. Outra inspiração para estes, foi a criação do jornal Lampião da esquina.

Este se trata do primeiro jornal homossexual brasileiro que circulou durante os anos de 1978 e 1981, dirigido à população LGBT em plena Ditadura Militar. O folheto nasce dentro do contexto de imprensa alternativa na época da abertura política de 1970 e trata de temas tais como sexualidade, discriminação racial, artes, ecologia, machismo por meio de uma linguagem comum ao universo homossexual. Sua publicação representava uma classe que não possuía voz na sociedade, indicando seu mérito no que diz respeito à construção de uma identidade nacional pluralista. Em 2010, o Centro de Documentação Prof. Luiz Mott restaurou toda a coleção do jornal, disponibilizando-a em PDF no site do Grupo Dignidade. A este meio de mudanças que o país estava passando o jornal lança-se como um espaço para informação e militância:

[...] o que o Lampião da Esquina reivindicava em nome dessa minoria é não apenas se assumir e ser aceito - o que nós queremos é resgatar essa condição que todas as sociedades construídas em bases machistas lhes negou: o fato de que os homossexuais são seres humanos e que, portanto, têm todo o direito de lutar por sua plena realização, enquanto tal. Para isso, estaremos mensalmente em todas as bancas do País, falando da atualidade e procurando esclarecer sobre a experiência homossexual em todos os campos da sociedade e da criatividade humana. Nós pretendemos também, ir longe, dando voz a todos os grupos injustamente discriminados - dos negros, índios, mulheres, às minorias étnicas do Curdistão: abaixo os guetos e o sistema (disfarçado) de párias. Falando da discriminação, do medo, dos interditos ou do silêncio, vamos também soltar a fala da sexualidade no que ela tem de positivo e criador, tentar apontá-lo para questões que desembocam todas

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nesta realidade muito concreta: a vida de (possivelmente) milhões de pessoas.11

Nesse sentido, é importante salientar, nos últimos anos, a criação no Brasil de organizações não governamentais, sem fins lucrativos que tem por objetivo atuar na defesa e promoção da livre orientação sexual e dos direitos humanos dos LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais). Nesse sentido, merece destaque o Grupo Dignidade, fundado em 1992 em Curitiba, no Estado do Paraná. Esta foi a primeira organização LGBT no Brasil a receber o título de Utilidade Pública Federal, por decreto presidencial em 05 de maio de 1997. Suas áreas de atuação são voltadas a promoção da saúde LGBT, com ênfase na prevenção da AIDS. Em parceria com a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais, a ONG atua junto ao Congresso Nacional e o Governo Federal na articulação de legislação e políticas públicas afirmativas para a comunidade LGBT.

O grupo Somos depois se transforma em ONG sendo formada em 2011 por um grupo de profissionais das áreas da Educação, Saúde, Direito, Comunicação e Cultura, que trabalha em prol de uma cultura de respeito às sexualidades através da sociedade e afirmação de direitos. O grupo desenvolve ações de incidência política em direitos humanos e sexuais, em parceria com órgãos governamentais nacionais além de trabalharem com produção jornalística própria, difundindo informações ligadas aos seus temas em redes sociais. O grupo ainda oferece assessoria jurídica à pessoas que sofrem qualquer tipo de discriminação, seja por sua condição sexual ou sua sorologia positiva para o HIV.

A Associação Brasileira de Estudos da Homocultura (ABEH) criada em Niterói – Rio de Janeiro em 2001. Caracteriza-se como uma entidade sem fins lucrativos cujo objetivo é o desenvolvimento de um pensamento crítico sobre a homocultura, por intermédio da pesquisa e do debate acadêmico, possibilitando uma troca de experiências entre os pesquisadores e demais interessados. Esta realiza, eventualmente, congressos nacionais e internacionais com o intuito de

11 Lampião, Edição Experimental, n. 0, Rio de Janeiro, abr. 1978, p. 2, Acessível em PDF no site do

Referências

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