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A economia monetária da produção capitalista de Keynes sob a perspectiva de compreensão da história e da teoria

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Resumo

O objetivo fundamental do artigo é discutir, sob a perspectiva da história e da teoria, o papel da economia monetária da produção de John Maynard Keynes. Na época, a maior insatisfação de Keynes foi atribuída ao papel que os economistas (neo)clássicos atribuíam à moeda em uma economia capitalista. Ele, inclusive, não usa o termo economia capi­ talista, mas, sim, o termo economia monetá­ ria da produção para destacar a importância social da moeda em uma economia mercan­ til­monetária. A principal conclusão é que a economia monetária da produção de Keynes pode ser uma economia monetária da pro­

* Os autores agradecem todas as valiosas contribuições, todos os ensinamentos, todas as sugestões e críticas construtivas recebidas dos pareceristas anônimos que nos auxiliaram no processo de construção do presente artigo. E, também, ao editor por devotada paciência, cordialidade e compreensão.

Submetido: 20 de março de 2017; aceito: 20 de fevereiro de 2018.

** Docente da Faculdade de Ciências Econômicas e do Programa de Pós­Graduação em Gestão de Recursos Naturais e Desenvolvimento Local na Amazônia, Núcleo de Meio Ambiente, da Universidade Federal do Pará, e Professor visitante do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas. Doutor em Desen­ volvimento Econômico e pós­doutor em Economia pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas. E-mail: andrecc83@gmail.com

*** Docente da Faculdade de Ciências Econômicas, vinculada ao Instituto de Ciên­ cias Sociais Aplicadas da Universidade Federal do Pará. Doutor e pós­doutor em Economia pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas.

E-mail: david.fcarvalho@yahoo.com.br

a economia monetária da produção

capitalista de keynes sob a perspectiva

de compreensão da história e da teoria

*

the monetary economy of keynes’ capitalist

production under the perspective of history

and theory

André Cutrim Carvalho**

Faculdade de Ciências Econômicas, Instituto de Ciências Sociais Aplicadas, Universidade Federal do Pará, Belém, Pará, Brasil

David Ferreira Carvalho***

Faculdade de Ciências Econômicas, Instituto de Ciências Sociais Aplicadas, Universidade Federal do Pará, Belém, Pará, Brasil

AbstRAct

The main objective of the paper is to discuss, from a historical­theoretical point of view, the role of the John Maynard Keynes’ mon­ etary economy of production. At the time, Keynes’ greatest dissatisfaction was attrib­ uted to the role that (neo)classic economists attributed to money in a capitalist economy. Indeed, he did not even use the term capital­ ist economy, but rather the term monetary economy of production to highlight the social importance of money in a mercantile­ monetary economy. The main conclusion is that Keynes’ monetary economy of produc­ tion may be a monetary economy of capital­

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dução capitalista, ou uma economia mone­ tário­financeira da produção capitalista dada a crescente importância dos fluxos de caixa registrados nos balanços e balancetes das empresas da economia capitalista contem­ porânea.

Palavras-chave: Economia monetária da produção. Keynes. Economia capitalista. Moeda. Economia monetário­financeira da produção capitalista.

ist production, or a monetary­financial economy of capitalist production given the growing importance of cash flows recorded on balance sheets and in the statements of financial position of companies in the con­ temporary capitalist economy.

Keywords: Monetary economy of produc­ tion. Keynes. Capitalist economy. Money. Monetary­financial economy of capitalist production.

Introdução

Do ponto de vista de um entendimento através da história, John Maynard Keynes realizou um grande esforço para se libertar do pensa­ mento econômico tradicional em que havia sido instruído. De fato, a sua maior insatisfação residia no papel que os economistas clássicos e neoclássicos atribuíram à moeda em uma economia de mercado.

Em A tract on monetary reform de 1923, contudo, Keynes revela­se, de certo modo, um defensor da Teoria Quantitativa da Moeda (TQM), sobretudo quando afirma que a TQM é fundamental e sua correspon­ dência com os fatos é inquestionável:

This [The Quantity Theory of Money] is fundamental. Its correspon­ dence with fact is not to question. Nevertheless it is often misstated and misrepresented. [...] The Theory flows from the fact that money as such has no utility except what is derived from its exchange­value, that is to say from the utility of the things which it can buy. Valuable articles other than money have a utility in themselves. Provided that they are divisible and transferable, the total amount of this utility increases with their quantity; – it will not increase in full proportion to quantity, but up to the point of satiety, it does increase. (Keynes, 1923, p. 74­75)

Na época, o fundamento dessa crença baseava­se no princípio da neutralidade da moeda. Sendo assim, e uma vez que a moeda não in­ terfere nas decisões dos agentes econômicos na concepção dos econo­ mistas clássicos, todos os fundamentos da teoria econômica clássica – que segundo Keynes compreende Adam Smith, David Ricardo, Thomas Robert Malthus e John Stuart Mill no século XVIII; e prossegue com

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os neoclássicos Alfred Marshall, Francis Ysidro Edgeworth e Arthur Cecil Pigou do século XIX – são estabelecidos em termos reais de uma economia cooperativa.

A economia política clássica toma as variáveis do seu paradigma teórico em termos reais – produto real, salário real, oferta real, demanda real etc. – do sistema econômico, e também valores reais referentes às formas imateriais de propriedade, como, por exemplo, títulos. De fato, se os preços funcionam efetivamente como sinalizadores de escassez, então o sistema de preços relativos é guia das preferências reveladas pelos consumidores e, portanto, é também um guia eficiente para alo­ cação de recursos escassos.

A proposição central da teoria clássica remete à necessidade de con­ tabilizar a disponibilidade dos recursos escassos com as preferências dos consumidores da economia de mercado através do sistema de preços relativos. Para os economistas clássicos, portanto, a principal função da moeda na economia é servir de meio de circulação para facilitar as trocas dos produtos e, por isso, ela não interfere no setor real da econo­ mia, o que quer dizer que a moeda é neutra, na medida em que ela não afeta as variáveis reais da economia. Conforme Bresser­Pereira,

a moeda para os clássicos é uma unidade de conta e um meio de troca. Além de servir para se somarem mercadorias diferentes, a moeda é fundamental­ mente um meio de troca. Os homens só teriam interesse em mantê­la em seu poder na medida em que dela necessitassem para realizar suas transações. Segundo os clássicos, portanto, existiria apenas um motivo para a procura de moeda: o motivo transacional. O outro possível uso do dinheiro, como um meio de reserva de ativos líquidos, e portanto seu consequente entesou­ ramento, era considerado irracional. Conservando o dinheiro em forma líquida, nos bancos, sem que haja tomadores de empréstimos ou debaixo do colchão, o capitalista estaria perdendo os juros que poderia ganhar se houvesse aplicado seu dinheiro em ativos fixos ou em títulos. O entesoura­ mento, portanto, era considerado inexistente. (Bresser­Pereira, 1976, p. 10)

Mas, como observa Costa, “a moeda pode ser mais que somente um véu, constituindo um fenômeno real. A preferência por liquidez leva ao diferimento dos gastos e à não aceitação dos preços desejados. A moeda é não neutra, pois afeta as decisões e as motivações” (Costa, 1999, p. 13). Além da moeda em circulação emitida pela autoridade monetária,

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Keynes (1971) também considerou a moeda dos bancos criada pelos depósitos à vista dos correntistas e foi além em sua análise, ao subdividir o nível geral de preços da economia em dois componentes:

1) o nível de preços dos bens de consumo; 2) o nível de preços dos bens de investimento.

Nessas condições, um aumento na quantidade de moeda tende a reduzir a taxa de juros e a aumentar o investimento, e não aumentar o nível de preços como na formulação tradicional da TQM. Em A treatise

on money, Keynes (1971) reformula seu entendimento sobre a TQM

tradicional em relação à equação do tipo n = p (k + rk’) encontrada em

A tract monetary reform, que teve como principal novidade a introdução

das expectativas. Assim, Keynes (1971), através de A treatise on money, apresenta a seguinte reformulação da TQM expressa nos termos analí­ ticos da seguinte equação: M’.V’= Π.Ο1.

Por outro lado, em The general theory of employment, interest and money (1936) – ou, simplesmente, Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, também conhecida como Teoria Geral (TG) –, Keynes (1996) apresenta uma terceira versão da TQM, que pode ser visualizada da seguinte maneira: M.V = D. Em que M é a quantidade de moeda em circulação; V é a velocidade­renda e D é a demanda efetiva.

Depois de discutir a TQM de curto prazo, Keynes acrescenta:

Now “in the long run” this is probably true. If, after the American Civil War, the American dollar had been stabilized and defined by law at 10 per cent below its present value, it would be safe to assume that n and p would now be just 10 per cent greater than they actually are and that the present values of k, r, and k’ would be entirely unaffected. But this long run is a misleading guide to current affairs. In the long run are all dead. (Keynes, 1923, p. 80)

1 Em que M’ é o volume da circulação industrial, O é o volume da produção total, Π é o nível de preços dos bens finais e V’ é a velocidade de circulação geral depen­ dente de dois elementos: 1) dos hábitos e métodos dos bancos, do comércio e da indústria; e 2) do saldo entre poupança e investimento.

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Já, em A treatise on money, Keynes começa a vislumbrar a moeda em circulação na economia, também, como uma representação da riqueza, isto é, como um ativo líquido cujo poder de compra pode ser preser­ vado e transportado em sua forma mais líquida (forma de moeda), para servir como poder de compra para realizar gastos de consumo e/ou de investimento produtivo, liquidar/pagar dívidas compromissadas em contratos, ou mesmo aplicações em investimentos financeiros em data futura.

É, contudo, na The general theory of employment, interest and money que Keynes explicita com clareza sua nova forma de ver a moeda não apenas como um meio de troca, mas também como um ativo plenamente lí­ quido. Por certo, quando do desenvolvimento da sua revolucionária TG, Keynes deu grande ênfase à moeda não como uma moeda­mercadoria, resultante do esforço do trabalho humano, mas como uma instituição social importante (devido às funções sociais que exerce na economia de mercado), porque afeta as decisões e motivações dos agentes, particu­ larmente dos empresários, em uma economia monetária da produção.

Mollo concede decisivo suporte ao debate, quando diz:

A importância que a moeda tem nas análises econômicas é um traço marcante do que se chama aqui de heterodoxia, por oposição à percepção do mundo econômico que tende ao equilíbrio, concepção fundamental da ortodoxia. [...] A importância analítica dada à moeda, o seu papel na eco­ nomia real e a concepção de possibilidade de crises e instabilidade ligadas à moeda são, pois, traços característicos dos heterodoxos, e são estes que se quer enfatizar na análise dos pensamentos de Marx e Keynes. Aliás, foram Marx e Keynes que, em momentos diferentes, insistiram em contrapor seu pensamento com os das ortodoxias da época, usando, para tanto, exatamen­ te a noção de moeda e chamando atenção para as consequências de suas percepções monetárias distintas para as diferentes conclusões a que chega­ ram sobre o processo econômico e a evolução da economia capitalista. (Mollo, 1998, p. 6)

Nesse contexto, o presente artigo foi estruturado em três seções, além desta seção introdutória e das considerações finais. Dessa forma, na primeira seção, discute­se o significado conceitual de uma economia monetária da produção; na segunda, busca­se comparar as principais características de um modelo de economia cooperativa pura (economia

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de trocas diretas), de uma economia cooperativa, digamos, avançada, com a presença da moeda neutra (uma economia mercantil­monetária simples) e de uma economia empresarial em que a moeda, por não ser não neutra, tem um papel de extrema importância sobre o comporta­ mento dos agentes econômicos; e, na terceira seção, são debatidas de­ terminadas especificações importantes antecipadas por Keynes sobre a economia capitalista.

1. A economia monetária da produção de John Maynard Keynes: uma discussão conceitual

Toda teoria é de certo modo uma simplificação da realidade, dedu­ zida com maior ou menor grau de abstração, e explicada de forma es­ tilizada. Nesse sentido, a teoria econômica não retrata a realidade tal como ela se apresenta, apenas extrai as características supostamente mais relevantes dessa realidade a partir da ótica do observador.

Dessa forma, quanto mais especificadas e diversificadas forem as variáveis, os parâmetros e as hipóteses consideradas na construção ló gica de uma determinada teoria, mais complexa e, por conseguinte, menos inteligível ela pode se tornar para o leitor. Logo, as boas teorias, conse­ quentemente, são abstrações pertinentes construídas a partir da realida­ de que se deseja explicar e ajustar aos interesses da sociedade.

Essa pertinência lógica do observador – a sua visão do mundo – altera­se com o tempo em função da própria mudança da realidade captada pela história das civilizações. Algo que passa despercebido por alguns críticos de Keynes consiste no fato de este ter desferido suas (contundentes) críticas contra os clássicos dentro da sua própria cida­ dela teórica.

Por isso, ao analisar a teoria econômica clássica, Keynes tinha cons­ ciência da falta de pertinência desta, sobretudo pela sua falta de aplica­ ção ao mundo real de sua época. Os fundamentos da teoria clássica têm como propósito analisar uma economia, tendo como parâmetro a exis­ tência de um equilíbrio de pleno emprego, caracterizada pela hipótese de que todos os mercados estão em equilíbrio geral – em que teorica­ mente, conforme os clássicos, não deveria existir desemprego, além daquele voluntário ou friccional, porém certa compatibilidade com variações nos níveis de preços (inflação).

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Ou seja, o conceito de pleno emprego dos clássicos deixa de fora o conceito de desemprego involuntário de Keynes. Nesse contexto, Keynes (1996) considera o pleno emprego como um estado da economia en­ globando o desemprego “friccional” e o desemprego “voluntário” numa única definição.

As posições de equilíbrio aquém do pleno emprego e as frequentes situações de desemprego (ou mesmo de inflação) não são analisadas pelos clássicos porque eles consideram – com base na Lei de Say – que essas situações não podem ocorrer em uma economia de mercado de concorrência perfeita com um sistema de preços flexíveis. Na sua TG, Keynes se coloca numa posição contrária aos fundamentos da teoria clássica, quando diz:

Argumentarei que os postulados da teoria clássica se aplicam apenas a um caso especial e não ao caso geral, pois a situação que ela supõe acha­se no limite das possíveis situações de equilíbrio. Ademais, as características desse caso especial não são as da sociedade econômica em que realmente vivemos, de modo que os ensinamentos daquela teoria seriam ilusórios e desastrosos se tentássemos aplicar as suas conclusões aos fatos da experiência. (Keynes, 1996, p. 43)

Em outra passagem da TG, Keynes afirma:

Contudo, se a teoria clássica é apenas aplicável ao caso do pleno empre­ go, torna­se obviamente enganoso aplicá­la aos problemas de desemprego involuntário – supondo­se que tal coisa exista (e quem o negará?). Os teóricos da escola clássica são comparáveis aos geômetras euclidianos em um mundo não euclidiano, os quais, descobrindo que, na realidade, as linhas aparentemente paralelas se encontram com muita frequência, as criticam por não se conservarem retas, como único recurso contra as desastrosas interseções que se produzem. Sendo esta a realidade, não há, de fato, ne­ nhuma outra solução a não ser rejeitar o axioma das paralelas e elaborar uma geometria não euclidiana. (Keynes, 1996, p. 54)

A teoria clássica que se resumia na proposição de a “oferta cria a sua própria demanda”, e que continua ainda subjacente em toda teoria econômica ortodoxa, envolve uma hipótese especial a respeito da relação entre a função da oferta agregada, representada por Z = ϕ(N), e a fun­ ção da demanda agregada, representada por D = f(N).

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Assim, a proposição “a oferta cria a sua própria demanda” deve sig­ nificar que f(N) = ϕ(N) para todos os valores de N, isto é, para qualquer volume de produção e de emprego, e que, quando há um aumento em Z (= ϕ(N)) correspondente em N, D (= f(N)) aumenta na mesma quan­ tidade de Z. Na visão de Keynes,

isto quer dizer que a demanda efetiva, em vez de ter um único valor de equilíbrio, comporta uma série infinita de valores, todos igualmente admissí­ veis, e que o volume de emprego é indeterminado, salvo na medida em que a desutilidade marginal do trabalho lhe fixe um limite superior. Se isso fosse verdade, a concorrência entre os empresários levaria sempre a um aumento do emprego, até o ponto em que a oferta agregada cessa de ser elástica, ou seja, um ponto a partir do qual um novo aumento no valor da demanda efetiva já não é acompanhado por um aumento da produção. Evidentemente, isto é o mesmo que o pleno emprego. (Keynes, 1996, p. 61)

No capítulo II da TG, Keynes trata o pleno emprego assim:

Ao admitir que o trabalhador está sempre em condições de fixar o seu próprio salário real, esta crença continuou a ser sustentada pela confusão com o princípio segundo o qual a mão de obra se acha sempre em condições de determinar o salário real correspondente ao pleno emprego, isto é, o volume máximo de emprego compatível com determinado salário real. (Keynes, 1996, p. 51)

Já, no capítulo III da TG, Keynes usa “outro critério, aliás equivalente”, que é “o da situação em que o emprego agregado é inelástico diante de um aumento na demanda efetiva relativamente ao nível do produto correspondente àquele nível de emprego” (Keynes, 1996, p. 61).

Para mostrar que as características desse caso especial não eram da sociedade econômica em que vivemos, Keynes procurou comparar as características de uma economia cooperativa – em que a moeda, qualquer que seja a sua forma assumida, exerce um mero papel passivo no senti­ do da sua neutralidade quanto às decisões dos agentes econômicos do setor real da economia de mercado – com as características de uma economia monetária da produção – em que a moeda, por ser não neu­ tra, tem um papel ativo sobre as decisões e motivações dos agentes econômicos.

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Em seu A treatise on money, Keynes já manifestava um descontenta­ mento com a teoria monetária dos preços – outra designação à TQM – e uma preferência pela sua, posteriormente denominada, teoria mone­ tária da produção, que está explicitada em sua TG. Essa transição teórica de Keynes, decorrente da evolução do seu pensamento econômico da juventude até atingir a sua maturidade intelectual, está descrita no Pre­ fácio da primeira edição inglesa da TG, nos seguintes termos:

Quando comecei a escrever meu Tratado sobre a Moeda eu ainda es­ tava me movimentando ao longo das linhas tradicionais, encarando a in­ fluência da moeda como algo, por assim dizer separado da teoria geral da oferta e da demanda. Quando terminei de escrever o meu livro, tinha feito algum progresso na tentativa de encaminhar a teoria monetária no sentido de tornar uma teoria da produção como um todo [...]. Uma economia monetária, iremos ver, é essencialmente uma economia em que as mudanças de pontos de vista sobre o futuro são capazes de influenciar o volume de emprego e não meramente a sua direção. Mas nosso método de analisar o comportamento econômico do presente sob a influência das mudanças de ideias sobre o futuro é um método que depende da interação da oferta e da demanda, ligando­se dessa forma a uma teoria geral fundamental do valor. Somos levados dessa forma a uma teoria mais geral que inclui como caso particular a teoria clássica com a qual estamos familiarizados. (Keynes, 1996, p. 28)

Há indicações claras dos biógrafos de Keynes, de que os anos entre 1932 e 1934, correspondentes à transição do pensamento do Tratado sobre a Moeda para a TG, foram cruciais para que ele encontrasse um novo caminho teórico que lhe permitisse definir com clareza e coerên­ cia lógica “o significado da não neutralidade da moeda em uma econo­ mia monetária da produção capitalista”, como aponta Skidelsky (1992, v. 2, p. 537).

Nessa fase de transição intelectual, Keynes, de fato, apresentou o seu conceito de economia monetária da produção de maneiras distintas, porém complementares, em diversas ocasiões e sem se fixar numa de­ finição­padrão. De acordo com Dillard, no ano de 1933, porém, “Key­ nes escreveu um ensaio no qual expõe os fundamentos da sua teoria geral de uma economia monetária da produção” (Dillard, 1964, p. 6).

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das homenagens prestadas ao aniversário de Arthur Spiethoff, um eco­ nomista alemão influenciado pela escola histórica austríaca, que fazia 60 anos de idade. Esse ensaio, segundo Dillard (1964), analisa as crises e as flutuações econômicas2.

Nesse ensaio, Keynes estabeleceu a diferença entre o modelo de economia cooperativa dos clássicos (em que a moeda é neutra) e o seu modelo de economia monetária da produção (em que a moeda é não neutra). Nas palavras de Keynes,

uma economia que usa moeda, mas somente como um elo neutro nas transações de bens e ativos reais, e não permite que ela participe de mo­ tivos e decisões, poderia ser chamada – na falta de um nome melhor – uma economia de trocas reais. A teoria que desejo trataria, ao contrário, de uma economia em que a moeda desempenha o seu próprio papel e afeta motivos e decisões, e é, em suma, um dos fatores atuantes na situação, de modo que o curso dos acontecimentos não pode ser previsto nem no curto prazo nem no longo prazo, sem um conhecimento do comporta­ mento da moeda entre o primeiro e o segundo estágios. É isso que quero dizer, ao falar de uma economia monetária, tal como entendo o termo, em que realmente vivemos [...]. No entanto, creio que os expoentes da economia tradicional subestimaram grandemente as importantes e, em certos aspectos, fundamentais diferenças entre as conclusões de uma eco­ nomia monetária e as de uma economia mais simples de trocas reais, re­ sultando daí o mecanismo de pensamento com que a economia de trocas reais equipou a mente dos profissionais do mundo de negócios, e também os próprios economistas, e levou, na prática, a muitas conclusões errôneas. (Keynes, 1973a, p. 408­409)

No ano de 1933, essa ideia de Keynes já estava suficientemente clara em sua mente, bem como o rumo que logo teria a sua TG, quan­ do aplicada à economia monetária da produção. Em outro artigo pu­ blicado à época, o próprio Keynes revela o núcleo das suas reflexões no período de transição, entre 1932 a 1934, para se libertar da influência do pensamento clássico no qual havia sido instruído durante certo tempo:

2 O título do referido ensaio em alemão é Der Stand und die nächste Zukunft der

Konjunkturforschung: Festschrift für Arthur Spiethoff. Ver Keynes (1973b, p. 408) e Dillard

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A ideia [dos economistas clássicos] de que é comparativamente fácil adaptar as conclusões hipotéticas de uma economia de salário real [aquela em que a moeda é neutra] ao mundo real da economia monetária é um erro. É extraordinariamente difícil fazer a adaptação [...]. Desse modo, creio que a próxima tarefa é formular, com alguns detalhes, uma teoria monetária da produção [...]. Essa é a tarefa de que estou me ocupando agora, na es­ perança de não estar desperdiçando o meu tempo. (Keynes, 1973a, p. 410)

Percebe­se que Keynes considerava extraordinariamente difícil a possibilidade de se realizar qualquer adaptação de uma teoria construída dentro dos princípios de um modelo de economia cooperativa sem moeda ou com moeda – porém, em que a moeda é vista como uma espécie de véu, isto é, a moeda é neutra porque não interfere nas decisões dos agentes –, para uma economia monetária da produção, em que a moeda não é neutra e por isso mesmo interfere nas decisões e motiva­ ções dos agentes econômicos que atuam numa economia monetária da produção.

Por certo, nesse ponto, Keynes recolhe a distinção feita por Karl Marx entre uma economia mercantil simples e uma economia capitalista, quando afirma:

A distinção entre uma economia cooperativa e uma economia empre­ sarial tem relação comum à observação feita por Karl Marx – embora o uso subsequente a que ele colocou essa observação fosse altamente ilógico. Ele ressaltou que a natureza da produção no mundo real não é, como mui­ tas vezes os economistas parecem supor, um caso de M­D­M, ou seja, da troca de mercadoria (M) por moeda (D), a fim de obter outra mercadoria diferente (M). Isso pode ser correto do ponto de vista do consumidor privado. Mas não é a atitude do homem de negócios cujo modelo é o de D­M­D’, isto é, entrar com original (D) e sair com mais dinheiro do que entrou (D’). (Keynes, 1978, p. 81)

Keynes não usa o termo economia capitalista, embora reconheça ser esse modo de produção social seu objeto de investigação, mas, sim, o termo economia monetária da produção, para destacar a importância social da moeda numa economia mercantil­monetária capitalista. Con­ tudo, uma vez que a economia monetária da produção de Keynes é um codinome para economia capitalista, nada mais correto do que acres­

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centar a palavra capitalista de forma que o modelo de economia em que vivemos – estudada por Marx e Keynes em épocas distintas – possa ser chamado de economia monetária da produção capitalista, ou, ainda, de economia monetário­financeira da produção capitalista dada a crescente importância dos fluxos de caixa registrados nos balanços e balancetes – do lado do ativo e do passivo – das empresas da economia capitalista contemporânea.

Diante disso,

em uma rara referência a Marx, mas não secundária, Keynes aceita a sua “arguta observação” de que “a natureza da produção no mundo atual não é M­D­M, isto é, uma troca de uma mercadoria (ou esforço) por dinheiro com o fito de obter outra mercadoria (ou esforço). Este pode ser o ponto de vista do consumidor privado. Mas não é a atitude do empreendedor, um caso de D­M­D’, isto é, começa­se com dinheiro, troca­se por mercadoria (ou esforço) com o objetivo de obter mais dinheiro. (Keynes, 1978, p. 81, apud Garlipp, 2008, p. 5)

Nesse caso em questão, conforme Keynes, “a firma lida todo o tem­ po com somas de dinheiro. Ela não tem qualquer objetivo no mundo exceto terminar com mais dinheiro do que começou. Esta é a caracte­ rística essencial de uma economia empresarial” (Keynes, 1978, p. 81, apud Garlipp, 2008, p. 5). Desse modo, é uma economia em que “o objetivo geral da acumulação de riqueza é o de provocar resultados”, conclui Keynes (1973b, p. 113, apud Garlipp, 2008, p. 5).

Sobre isso, a razão para que as finanças sejam parte essencial da di­ nâmica capitalista diz respeito ao peso em termos agregados, seja como estoque de ativos, seja como potencial obstáculo à formação de capital – tal como indica Keynes. Baseado nessa percepção, Keynes realiza uma importante distinção entre o que ele chamou de economia cooperativa (economia mercantil de trocas diretas de produto por produto) e de uma economia mercantil simples (economia de trocas indiretas, em que a moeda que exerce a função de meio de troca é neutra), e destas com uma economia empresarial.

Nesses termos, em uma economia mercantil­monetária capitalista, uma moeda é não neutra no sentido de que ela interfere nas decisões e motivações dos agentes econômicos, e que, por exercer as funções sociais de unidade de conta, meio de troca, meio de pagamento e reserva de

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valor, acaba se constituindo numa instituição social altamente relevante para a sociedade em que vivemos.

Segundo Hicks,

a enumeração clássica das três funções da moeda, meio de pagamento, unidade de conta e reserva de valor, se enquadra bem em nossa perspectiva teórica, sendo que aqui chamaremos de moeda, exceto quando observação em contrário, algo que cumpra (ou possa cumprir) simultaneamente com essas três funções. (Hicks, 1967, p. 1, apud Leite, 2008, p. 5)

Para Keynes, somente numa economia de salário real – nome atri­ buído por ele à economia cooperativa por se tratar de mecanismo típico de escambo – as proposições dos economistas clássicos poderiam ser satisfeitas e o sistema econômico poderia se autoajustar no nível do pleno emprego, como supõe a doutrina clássica. De fato, os clássicos tratam a economia de mercado sempre em equilíbrio de pleno emprego e, por isso, só admitem dois tipos de desemprego: o desemprego volun­ tário (de responsabilidade do trabalhador por não aceitar o salário real do mercado de trabalho) e o desemprego friccional (desemprego tem­ porário de curta duração, o qual deriva da própria concorrência no mercado de trabalho, que resulta do deslocamento de um emprego para outro sem afetar o nível de pleno emprego).

A descoberta teórica de Keynes consistiu na inserção de uma terceira categoria de desemprego: o desemprego involuntário, ou seja, uma ca­ tegoria que indica a existência de desemprego não apenas quando a economia está fora do pleno emprego, mas também quando ela se en­ contra em equilíbrio de pleno emprego. Para Keynes,

existem desempregados involuntários quando, no caso de uma ligeira alta dos preços dos bens de consumo de assalariados relativamente aos salários nominais, tanto a oferta agregada de mão de obra disposta a trabalhar pelo salário nominal corrente quanto a procura agregada dela ao dito salário são maiores que o volume de emprego existente. (Keynes, 1996, p. 53)

Isso posto, em uma economia de salário monetário, ao contrário de uma economia de salário real, uma mercadoria poderá deixar de ser realizada simplesmente por causa de uma insuficiência de demanda efetiva. Na seção seguinte, explicita­se com maior riqueza de detalhes

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a diferença existente entre uma economia cooperativa e uma economia empresarial, outro nome atribuído por Keynes à economia monetária da produção.

2. Economia cooperativa versus economia empresarial: uma distinção conceitual

Para que sejam demarcadas as distintas posições entre as ideias de Keynes, bem como a dos clássicos, é preciso antes compreender o signi­ ficado histórico­teórico de uma economia cooperativa. Keynes define uma economia cooperativa como aquela em que os fatores de produção são recompensados em espécie pelos produtos obtidos da produção, e cuja distribuição se dá proporcionalmente ao esforço do trabalho des­ pendido por cada um dos membros pertencentes à comunidade.

Uma vez que a economia cooperativa não exclui o dinheiro utili­ zado para fins de conveniência transitória, Keynes resolveu chamá­la de economia de salário real distinta de uma economia empresarial. Para Keynes , “uma economia de salário real é uma economia cooperativa em que os postulados clássicos poderiam ser satisfeitos e o sistema eco­ nômico poderia se ajustar no nível do equilíbrio de pleno emprego, de acordo com a doutrina clássica” (Keynes, 1978, p. 66­76).

Uma economia cooperativa pura ou simples representa, na verdade, uma economia de escambo, em que as trocas diretas de produto por produto, entre os produtores independentes, ocorrem sem a mediação da moeda; logo, toda economia natural é uma economia sem moeda, isto é, uma economia de trocas diretas de produto por produto.

Mas, além da economia cooperativa simples de troca direta, é possível pensar um modelo de economia cooperativa avançada, uma economia de trocas indiretas, em que a moeda se interpõe nas trocas de duas mer­ cadorias diferentes, mas essa moeda, facilitadora das trocas indiretas, é considerada neutra.

Para os economistas clássicos, não há diferenças relevantes, do ponto de vista das trocas reais de produtos, entre uma economia de trocas diretas e uma economia de trocas indiretas, em que a moeda é usada como um instrumento facilitador das trocas das mercadorias entre os produtores autônomos. Assim, uma economia cooperativa avançada

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pressupõe a existência de uma comunidade formada por indivíduos independentes quanto aos atos de produzir e trocar por meio da moeda, como um ato simultâneo de vender e comprar.

A economia de trocas diretas pressupõe, portanto, uma permuta de produtos entre pessoas de uma comunidade, ou mesmo de comunidades diferentes. Nessas condições, autores como Aglietta e Orléan afirmam que

a troca direta é meramente fortuita, mas mesmo assim é um avanço insti­ tucional porque reduz a violência entre os membros daquelas comunidades que não tendo valor­de­uso adequado para trocar recorriam à violência, ao roubo e à força bruta para possuir o produto desejado. (Aglietta; Orléan, 1990, p. 57)

Assim, como consta em Keynes,

a diferença que é normalmente feita entre uma economia de troca direta e uma economia monetária depende do emprego da moeda como um meio conveniente de afetar as trocas – como um instrumento de grande conve­ niência –, mas transitório e neutro em seus efeitos [...]. Uma economia que usa moeda, mas o faz apenas como um elo neutro entre transações com elementos reais e ativos reais e não permite que ela entre em motivos e decisões, deve ser chamada – por falta de um nome melhor – uma econo­ mia de troca direta. (Keynes, 1973a, p. 408, apud Amado, 2000, p. 45)

Já a troca indireta é um processo social em que a moeda, com o passar do tempo histórico, vai paulatinamente se transformando em uma instituição social, porque passa a ser aceita por todos os membros da comunidade, sem questionamentos no cotidiano diário, quando utiliza o dinheiro como um meio redutor do custo de transação.

Em uma economia mercantil­monetária, não existe mais o processo da troca direta de produtos por produtos, mas, sim, a troca indireta de mercadorias, isto é, de mercadorias produzidas em escala suficiente para serem destinadas ao mercado de mercadorias, para serem vendidas em troca da moeda possuída pelo comprador que, em última instância, é quem define o ato mercantil­monetário.

Dessa forma, no mercado de bens e serviços as mercadorias ofertadas pelos vendedores são apenas demandadas e compradas pelo possuidor

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do dinheiro, nesse caso, o comprador que o utiliza como meio de troca. Nisso reside a principal diferença entre uma economia de escambo, em que não há moeda para facilitar as trocas dos produtos em circulação, e uma economia mercantil­monetária, em que a moeda já circula como facilitadora das compras e vendas das mercadorias, isto é, como meio de troca.

Já, em uma economia de trocas indiretas, em que o dinheiro divide o ato de troca direta em dois – venda da mercadoria por dinheiro e compra com dinheiro de outra mercadoria diferente –, as mercadorias chegam ao mercado de bens e serviços somente para serem transacio­ nadas, ou seja, compradas e vendidas no mesmo ato mercantil­ monetário, entre os compradores (possuidores da moeda) e os vendedores (possui­ dores das mercadorias).

Existem dois modelos de economias de trocas indiretas: a economia mercantil­monetária simples correspondente à economia cooperativa avançada, em que a moeda neutra circula só para cumprir a função social de meio de troca, e a economia mercantil­monetária capitalista corres­ pondente à economia monetária da produção de Keynes, em que a moeda, além de servir de meio de troca, também atua como unidade de conta, meio de pagamento e reserva de valor. Um melhor entendimen­ to sobre essa questão pode ser visto em Carvalho, nos seguintes termos:

Keynes, ao contrário, parte do conceito de uma economia monetária da produção na qual a moeda, além das funções de unidade de conta e meio de troca, é também meio de pagamento de contratos e reserva de valor e, portanto, interfere nas decisões dos agentes em relação às variáveis reais, na medida em que os agentes econômicos podem optar pelo adiamento ou não de suas decisões de gastos em relação ao futuro incerto. Por isso, Keynes assume os princípios da não neutralidade da moeda e da demanda efetiva. Nesta concepção, a moeda de Keynes é de fato uma variável real porque cumpre um papel ativo no sentido de que, ao se constituir o elo entre o presente e o futuro – pois reduz as inquietudes dos agentes contra a incerte­ za –, ela permite que os agentes autônomos possam, em suas decisões de portfólio, manter ativos líquidos em vez de ativos reais. (Carvalho, 2000, p. 9)

Assim, como determina Carvalho, “a incerteza sobre o futuro cria a demanda por segurança e confere importância ao conceito de liquidez” (Carvalho, 1986, p. 6).

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2.1 Economia cooperativa: uma definição em Keynes

Do ponto de vista da história, é possível idealizar uma sociedade – no sentido abstrato – na qual os fatores de produção são remunerados pela divisão da produção agregada corrente, em proporções acordadas entre os próprios membros da comunidade, resultante do esforço cooperativo dos membros dessa comunidade. O caso acima representa uma socie­ dade em que os pressupostos da teoria clássica seriam validados, porém Keynes apresenta uma consideração diferente, quando diz:

Mas estes não seriam validados em uma sociedade complexa do tipo em que realmente vivemos, em que a realização dos processos produtivos depende em grande parte das decisões dos empresários que contratam os fatores de produção para remunerá­los em moeda corrente, ao mesmo tempo que devem olhar a demanda efetiva futura para vender a produção corrente em troca de moeda, desde que a totalidade da renda obtida pelos donos dos fatores de produção (famílias) seja necessariamente gasta, direta ou indiretamente, na compra dos bens e serviços produzidos pelos empre­ sários. (Keynes, 1978, p. 77)

Keynes define uma economia como cooperativa pura, em que não há moeda para realizar as trocas indiretas, como um modelo de economia natural, no qual os donos dos fatores de produção são recompensados em espécie, na forma dos produtos obtidos, mas a distribuição se faz proporcionalmente aos esforços de cada membro em cooperação para realizar o processo de produção.

No modelo de economia cooperativa avançada, todavia, a moeda é neutra e entra na circulação apenas como meio de troca. Como deba­ tido anteriormente, uma vez que modelo de economia cooperativa avançada não excluia moeda utilizada somente para fins de conveniência transitória no ato de compra e venda de mercadorias, ou de pagamento de salários em termos dos preços dos bens de subsistências dos trabalha­ dores, Keynes resolveu chamá­la de “economia de salário real” (Keynes, 1978, p. 66­67).

Aqui, cabe uma observação: “Esse resultado só se obtém porque a moeda é tratada como uma ‘mera conveniência’, que intermedia o processo de troca, mas não interfere nos termos desse processo”, sustenta Keynes (1978, p. 77, apud Amado, 2000, p. 53).

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Essa identificação só é possível em uma economia de trocas indiretas, ou seja, numa economia mercantil­monetária em que as trocas de mer­ cadorias são realizadas mediante a utilização da moeda (dinheiro) como meio de troca. Nesse tipo de ocorrência, o comprador é identificado por se apresentar no ato mercantil (ato de compra e venda da merca­ doria) como o possuidor da moeda e o vendedor como o possuidor da mercadoria.

Acrescente­se que, mesmo em uma economia mercantil­monetária, nem todo produto é considerado mercadoria. Todavia, como afirma Possas, “o escambo é demasiado instável para ser tomado como ponto de partida da análise de uma economia de mercado. Ou ainda, é preciso considerar que toda economia mercantil é necessariamente monetária” (Possas, 2015, p. 72).

Quando uma economia cooperativa evolui historicamente e se torna cada vez mais complexa, torna­se realmente, digamos, uma eco­ nomia cooperativa sofisticada porque não só as trocas das mercadorias ocorrem indiretamente, mas principalmente porque essas trocas são mediadas pela moeda. Em uma economia mercantil­monetária simples, a moeda tem como função realizar as trocas indiretas das mercadorias com redução dos custos de transação, custos referentes à redução do tempo da procura e do caráter aleatório que tem o produtor para en­ contrar o outro, além da aceitação, antes da efetivação das trocas, das condições postas pelas partes envolvidas, para que a troca seja realmente efetivada.

Nota­se que uma economia mercantil simples nada mais é do que o modelo de economia mercantil­monetária simples que Marx repre­ sentou por meio da sequência, M­D­M. Esse modelo de economia mercantil­monetária simples de Marx – que corresponde ao modelo de economia cooperativa com moeda – Keynes chama genericamente de

barter economy ou barter-based economy, isto é, economia de escambo.

Sobre essa distinção, Torr afirma:

Keynes argumenta que não é a presença de dinheiro que distingue uma economia empresária de uma economia cooperativa. Mas a presença de dinheiro em uma economia cooperativa simplesmente esconde sua natu­ reza de troca. Eu defino uma economia de troca como aquela em que os fatores de produção são recompensados dividindo em proporções acorda­

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das a produção real de seus esforços cooperativos. Não é necessário que eles recebam sua parte da produção em espécie – a posição é a mesma, se com­ partilharem os rendimentos de venda do produto em proporções acordadas. Uma vez que essa economia não exclui o uso do dinheiro para fins de conveniência transitória, talvez seja melhor chamá­lo de uma economia salarial real ou uma economia cooperativa distinta da economia empresária. (Torr, 1980, p. 278)

Marx (1980), por exemplo, pondera que, nos modelos de economia cooperativa pura (a chamada economia de escambo), ou de uma eco­ nomia cooperativa avançada (economia mercantil­monetária simples), os postulados da teoria clássica, sustentados pela Lei de Say, poderiam até ser válidos. Porém, o modelo de economia que interessa realmente para a investigação de Keynes (e, também, de Karl Marx) é uma economia especificamente capitalista.

A economia monetária da produção, portanto, é o nome atribuído por Keynes para a economia capitalista moderna que foi estudada por ele na sua TG. No entanto, diferentemente de Marx, são outras as razões que levaram Keynes ao estabelecimento de uma taxonomia dos padrões de economia para enfrentar os clássicos. Com efeito, para entender tanto as origens da economia clássica quanto a essência da distinção entre a teoria clássica e a sua TG, Keynes (1978) procurou investigar, inicialmente, o contexto teórico no qual os postulados fundamentais da teoria clássica poderiam ser satisfeitos.

Sobre isso, Keynes chegou à conclusão de que, apenas numa economia cooperativa pura em que não há moeda, ou numa economia coopera­ tiva avançada em que já existe a moeda, mas ela é neutra – no sentido de que a moeda é considerada como um véu e não afeta as decisões e as motivações dos agentes –, os postulados dos clássicos poderiam ser validados, como já dito em outros momentos.

Isso implica dizer que é possível conceber dois modelos de economias mercantil­monetárias sob a perspectiva de Keynes: uma economia mo­ netária simples, em que a moeda existe, mas é neutra; e uma economia monetária capitalista, em que a moeda também existe, mas é não neutra.

2.2 A economia monetária com moeda neutra de Keynes

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gundo os clássicos, dependiam da quantidade esperada de sua remune­ ração em termos do produto em geral. Todavia, para a validade dos postulados clássicos sustentados pela Lei de Say, não é necessário que os fatores de produção recebam suas remunerações, como parcelas do produto agregado, em espécie em primeira instância ou em moeda em última instância.

Por isso, é imprescindível resgatar a formulação da Lei de Say nas próprias palavras de Jean­Baptiste Say:

É bom observar que um produto acabado oferece, a partir deste instante, um mercado para outros produtos equivalente a todo o montante de seu valor. Com efeito, quando o último produtor acabou um produto, seu maior desejo é vendê­lo para que o valor desse produto não fique ocioso em suas mãos. Por outro lado, porém, ele tem igual pressa em desfazer­se do dinheiro que sua venda lhe propicia, para que o valor do dinheiro tampouco fique ocioso. Ora, não é possível desfazer­se do dinheiro, senão comprando um produto qualquer. Vê­se, portanto, que só o fato da criação de um produto abre, a partir desse mesmo instante, um mercado para outros produtos. (Say, 1983, p. 139)

Nas palavras de Carvalho e Carvalho3,

a adoção da Lei de Say, segundo a qual o preço da demanda agregada da produção é igual ao preço da oferta agregada para qualquer volume de produção, é o mesmo que dizer que não há nenhum obstáculo para o pleno emprego. Isto significa dizer de modo expressivo, mas não tão clara­ mente definido, que os custos de produção ao se converterem em renda dos fatores devem se gastos por completo, direta ou indiretamente, na compra de bens e serviços. (Carvalho; Carvalho, 2013, p. 50)

No caso de uma economia de trocas indiretas, na qual o dinheiro é usado somente como meio das trocas indiretas de mercadorias, Keynes denomina de “economia monetária com moeda neutra” (Keynes, 1978, p. 78). Nela, a posição teórica dos clássicos é substancialmente a mesma quanto à Lei de Say, contanto que todos os proprietários dos fatores de produção aceitem o pagamento da cessão desses fatores às unidades de

3 Esta é a essência da formulação da Lei de Say que serviu e, ainda, serve de base para o arcabouço teórico (neo)clássico.

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produção em moeda, como uma conveniência institucional, de forma que essa remuneração monetária decorrente dessa cessão seja despen­ dida na compra de todos os bens e serviços finais produzidos pelas unidades de produção.

De fato, a troca indireta, mediada pela moeda, implica duas operações que são o inverso uma da outra – o comprador (possuidor da moeda) troca $ 10 por uma camisa e o vendedor (possuidor da camisa) troca uma camisa por $ 10 –, mas que, do ponto de vista analítico, conformam uma identidade, já que uma não pode existir sem a outra. Apesar de bastante simples, é essa ideia básica que preside a constituição de iden­ tidades no plano macroeconômico, ainda que elas não sejam tão óbvias, nem visíveis.

Essa semelhança não é casual, pois o sistema capitalista tem na troca o seu mecanismo básico de funcionamento. A troca, portanto, constitui a forma por excelência de organização da vida material do homem na sociedade moderna. Logo, torna­se sempre possível identificar, por trás de qualquer transação, e de modo imediato, uma troca. Quando a troca não é mediada pela moeda, temos a troca direta realizada numa economia de escambo (troca direta de um produto por outro produto diferente), que Keynes chama economia cooperativa.

Nessa economia cooperativa (que só tem trocadores) não se pode identificar quem é comprador de quem é vendedor pelo simples fato de que o comprador é identificado por possuir moeda e o vendedor por possuir mercadoria. Pode­se demonstrar que, da mesma forma que não pode existir uma compra sem uma venda, também não pode haver uma produção (produto) que não constitua um gasto (dispêndio) e não seja simultaneamente gerador de renda4.

É a partir da identidade contábil produto ≡ renda ≡ gasto que se deriva o fluxo circular da renda. Mas uma identidade A ≡ B não implica nenhuma relação de causa e efeito da variável A para a variável B ou vice­versa. Há, todavia, uma diferença entre Valor Bruto da Produção (VBP) e Valor do Produto Agregado (VPA) ou simplesmente Valor Agregado (VA).

O VBP indica o valor de todos os bens que foram produzidos, in­

4 Em Keynes, a poupança é igual ao investimento ex post, porém o investimento é que determina a poupança ex ante.

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clusive daquilo que foi utilizado de insumo na produção de outros bens, ou seja, o denominado de consumo intermediário (bens intermediários). O valor agregado resulta da dedução do valor dos bens intermediários (isto é, o valor dos insumos) do Valor Bruto da Produção.

Pela ótica do produto, ou ótica do valor agregado, o produto de uma economia resulta da dedução do valor dos insumos do valor bruto da produção resultante da produção dos bens e serviços finais num dado período de tempo; pela ótica da despesa, ou ótica dos gastos (ou dis­ pêndio), o produto de uma economia resulta da soma dos valores de todos os bens e serviços finais produzidos no período em que não foram destruídos (ou absorvidos como insumos) na produção de outros bens e serviços; já, pela ótica da renda, o valor do produto gerado pela eco­ nomia, num determinado período de tempo, é dado pela soma das re­ munerações pagas em termos monetários a todos os fatores de produção (salários, lucros, juros e renda da terra) nesse período de tempo.

Na sociedade em vivemos cuja produção material é organizada pela troca, a ótica do produto considera a atividade dos indivíduos como produtores, ou seja, a atividade das unidades produtivas ou empresas. Pela ótica dos gastos (ou do dispêndio ou da demanda), refere­se à atuação como consumidores, ou seja, como famílias.

Finalmente, pela ótica da renda consideram­se os indivíduos em sua condição de proprietários de fatores da produção. Todas as transações ocorrem entre famílias e empresas e envolvem fluxos reciprocamente determinados de bens e serviços concretos, por um lado, e de moeda, por outro. Portanto, pode­se concluir que, do ponto de vista meramente contábil, há uma identidade entre gastos ≡ renda ≡ produto.

Nesses termos, é correto afirmar que uma identidade contábil se manterá supondo a Lei de Say ou o Princípio da Demanda Efetiva (PDE). Mas, além dessa identidade contábil, também se tem uma relação analítica (ou teórica) de determinação de causa e efeito no sentido gasto­renda. Em toda relação de troca indireta, mediada pela moeda, há sempre um comprador (possuidor da moeda) e um vendedor (possuidor do bem ou serviço), porém o ato de transação dessa troca indireta é determinado pela decisão autônoma do indivíduo comprador possuidor da moeda (dinheiro), e não pelo vendedor possuidor do bem ou serviço.

Essa conclusão tem o respaldo de Possas, quando este lembra que,

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fluxo monetário – pagamento de um lado, recebimento de outro – decor­ rente de uma única decisão autônoma: a de efetuar determinado dispêndio. Portanto, tomando­se o conjunto de transações efetuadas numa economia mercantil durante um período de tempo arbitrário, o fluxo monetário total de receitas, idêntico ao de despesas, a ela correspondente terá sido determinado pelas decisões individuais de gastos dos agentes econômicos na aquisição de mercadorias (bens e serviços. Este é, em sua essência e em sua expressão mais simples possível, o princípio da demanda efetiva. (Possas, 1987, p. 51)

É, contudo, no capítulo 3 da TG, sobre o PDE, que Keynes apresenta o seu entendimento sobre este, ao lembrar que os agentes econômicos determinam o nível do produto e, assim, do emprego quando tomam decisão de produzir ou de investir. Para Chick, “como a decisão de cada agente é tomada no âmbito microeconômico, o princípio da demanda efetiva é formulado tendo em vista o modelo de comportamento da empresa” (Chick, 1993, p. 69).

Percebe­se, desse modo, que, em uma economia cooperativa, o erro de cálculo dos agentes poderá ocorrer durante a produção, desde que o valor do produto real esperado supere o custo real de produção real; porém, em uma economia empresarial (ou economia monetária da produção), isso não ocorre assim. Para Keynes, o volume de produção que trará o valor máximo do produto superior ao custo real poderá ser não lucrativo, desde que não haja demanda efetiva ou ela seja uma de­ manda insuficiente.

A teoria clássica, tal como repassada da tradição clássica de David Ricardo à neoclássica de Alfred Marshall, parece presumir que as con­ dições hipotéticas requeridas para a constituição de uma economia cooperativa avançada, com moeda não neutra, são as mesmas condições existentes numa economia empresarial com moeda não neutra.

Sobre essa questão, Keynes afirma:

Dito de outra forma, que uma economia empresarial – em que a moeda não é neutra e as funções sociais da moeda acabaram se tornando um re­ fúgio dos agentes econômicos contra a incerteza – se comportaria do mesmo modo que uma economia cooperativa sem moeda como meio de troca ou de uma economia cooperativa avançada com moeda neutra, em­ bora nessa economia essa moeda já seja utilizada como meio de troca. (Keynes, 1978, p. 67)

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Verifica­se que, em uma economia empresarial com moeda neutra, não é necessário que o produto agregado compreenda a totalidade da riqueza. De fato, riqueza é um estoque expresso em termos monetários para um determinado ponto do tempo; além disso, do ponto de vista macroeconômico, o estoque da economia é chamado de formação bruta de capital. Já a renda é um fluxo monetário da remuneração dos proprietários dos fatores de produção num determinado período de tempo. Por exemplo, Renda Nacional Bruta (RNB) calculada para o período de um ano.

Na prática, o que realmente importa aos economistas clássicos é que os proprietários dos fatores de produção gastem a renda que eles recebem, em espécie na forma de produtos ou moeda, trocando ou comprando e vendendo, direta ou indiretamente, todo o produto agregado. Em vista disso, não é preciso que toda a produção agregada corrente de bens e serviços deva compreender toda a riqueza gerada, para que não haja uma insuficiência de demanda efetiva.

Pode até ser o caso em que a função de oferta dos fatores de produção varie de acordo com que a economia possa produzir em termos de bens e serviços. Mesmo assim, para Keynes

o ponto fundamental é que, uma vez que cada fator de produção aceite como remuneração monetária uma parcela predeterminada da produção esperada de bens e serviços, em espécie ou em valor monetário de troca, igual ao valor da parcela predeterminada da produção correspondente que deve adquirir, então tão logo os donos dos fatores de produção obtenham essa remuneração e gastem comprando o equivalente ao total do valor monetário dos bens e serviços que estão disponíveis no mercado, não de­ verá ocorrer insuficiência de demanda efetiva. (Keynes, 1973a, p. 85­86)

2.3 A economia empresarial de Keynes

Uma economia mercantil­monetária, na qual a moeda não é neutra, é chamada por Keynes de economia de salário nominal ou economia empresarial. Essa economia empresarial é aquela na qual os empresários empregam fatores de produção em troca de dinheiro, com o objetivo de obter mais dinheiro, de forma que esse modelo pode ser representa­ do pela sequência D­M­M’­D’.

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lapso de tempo entre o momento da decisão de empregar trabalho em conjugação com o equipamento de capital para produzir bens e o mo­ mento em que os bens estão “acabados”, prontos para o mercado, no sentido atribuído acima. Entretanto, a cada momento da decisão de pro­ duzir, a conduta da firma é despender dinheiro (D) na compra de meios de produção (matérias­primas, matérias secundárias e mão de obra), já que os investimentos prévios são considerados já realizados, por exemplo, os prédios da fábrica, as instalações complementares, os depósitos de matérias­primas, os armazéns etc., na expectativa da obtenção futura de uma soma de dinheiro maior (D’) do que a soma inicial (D) por meio do modelo D­M­M’­D’, objetivamente apresentado.

Nessa economia empresarial­capitalista, não opera nenhum mecanis­ mo econômico que estabeleça, com certeza, o equilíbrio entre a produção e a demanda por bens e serviços antes que o processo de produção tenha sido iniciado. Por isso, essa decisão é importante do ponto de vista do nível de emprego e da inflação, já que para Keynes , “na economia mo­ netária de salário, a renda corrente é gasta ou não como uma questão de livre escolha, e em período de queda de preços haverá uma tendência a gastar não mais do que o necessário na produção corrente” (Keynes, 1973a, p. 85­86).

Daí o declínio no volume de emprego e os preços caem ainda mais. E vice­versa. Isso pode ser expresso dizendo que há um excesso ou uma deficiência na demanda efetiva, dependendo se as despesas excedem ou ficam aquém do valor do produto corrente. Por conta disso, Rymes observa que “um excesso de demanda efetiva segue como inflação e uma escassez de demanda efetiva com deflação” (Rymes, 1989, p. 92).

Em uma economia monetária com moeda neutra, ao contrário, não há por suposto excesso ou escassez de demanda efetiva e o mercado de bens e serviços em equilíbrio opera a estabilidade dos preços, do emprego e dos salários reais no pleno emprego. Quer dizer, em uma economia monetária, com moeda neutra, não há obstáculos em matéria de emprego de uma unidade adicional de trabalho, desde que o produto esperado a ser adicionado ao produto social, por essa unidade de trabalho, tenha um valor de troca igual ao valor em espécie que seja suficiente o bastante para equilibrar a desutilidade do emprego adicional. É nesse sentido que o segundo postulado que sustenta a teoria clássica é satisfeito.

Nessas condições, em uma economia monetária com moeda neutra, a decisão da produção e da distribuição proporcional é tomada antes do

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processo de produção de bens e serviços começar, segundo o critério do esforço pessoa. É preciso, desse modo, que os salários dos trabalhadores e os lucros dos empresários sejam totalmente gastos na compra dos produtos correntes produzidos, e isso não ocorre porque o critério à tomada de decisão dos empresários é bem diferente. Para Brothwell,

de fato, numa economia empresarial com moeda não neutra, a produção somente ocorrerá se os gastos que serão realizados na contratação dos fa­ tores de produção proporcionarem um rendimento monetário esperado igual a pelo menos aos custos de produção primários que o empresário incorrerá com o pagamento dos fatores de produção (custos dos fatores) e o custo de uso ex ante. (Brothwell, 1997, p. 7­8)

Diferentemente do que ocorre na economia empresarial com moeda não neutra, como discutido por Silva, que diz:

Na economia empresarial com moeda não neutra, portanto, o processo de produção de bens e serviços somente terá início se, e somente se, os rendimentos monetários esperados pela venda da produção no futuro sejam pelo menos iguais aos custos primários da produção monetária (custo dos fatores mais custo de uso), que poderiam ser evitados, caso não se iniciasse a produção. (Silva, 1999, p. 21­22)

Por outro lado, Keynes observa que a lei da produção em uma eco­ nomia empresarial pode ser compreendida desta forma: “um processo de produção não será iniciado, a menos que a receita monetária espe­ rada da venda da produção seja pelo menos igual ao custo monetário de produção que poderia ser evitado por não iniciar o processo produ­ tivo” (Keynes, 1978, p. 78). Em uma passagem da coleção dos escritos de Keynes, precisamente em Supplement, ele afirma:

Agora não é impossível, como veremos posteriormente, que uma su­ posta economia empresarial passe a se comportar da mesma maneira que uma economia cooperativa; este é o caso limitado e peculiar da economia empresarial de moeda neutra. Os economistas clássicos, como exemplificado na tradição de Ricardo para Marshall e o professor Pigou, parece­me presu­ mirem que as condições para uma economia empresarial neutra são subs­ tancialmente cumpridas em geral. (Keynes, 1978, p. 78­79)

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Nisso reside a fonte da grande confusão dos economistas clássicos, quando buscam transpor suas hipóteses e conclusões de uma economia mercantil­monetária simples – em que a moeda é neutra em um mundo utopicamente idealizado – para uma economia empresarial de um mundo real no qual vivemos, em que a moeda não pode ser neutra, mas, ao contrário, a moeda é não neutra, e por isso mesmo importa aos agentes econômico­financeiros quando tomam suas importantes decisões de investimento ou de financiamento dos investimentos num ambiente de riscos e incerteza.

Para Keynes, apenas numa economia de salário real os velhos pos­ tulados da doutrina clássica seriam satisfeitos, e o sistema econômico poderia se autoajustar pela via dos mercados à posição de equilíbrio de pleno emprego. Mas essa economia dos clássicos simplesmente não existe no mundo real em que vivemos, como já dito.

Em uma economia monetária da produção, a produção de bens e serviços, que poderia ser produzida, pode não ser lucrativa monetaria­ mente e, por conta disso, a decisão de produzir ou de investir por parte dos agentes econômicos pode não ocorrer, na medida em que essas tomadas de decisões dos empresários têm como principal objetivo o lucro monetário máximo esperado e, por conseguinte, a acumulação monetária do capital.

Nessa condição, é até admissível que o processo de produção não se realize por causa da antecipação de uma possível insuficiência de de­ manda efetiva, já que, se a demanda efetiva esperada está aquém da sua capacidade de produção, então haverá prejuízo; nesse caso, portanto, ele estará antecipando a demanda efetiva.

Por isso, o conjunto das flutuações econômicas da relação existente entre a renda monetária ganha na produção e a renda monetária gasta em consumo e investimento pelos fatores de produção é denominado por Keynes de flutuações da demanda efetiva.

Keynes define “a demanda efetiva ex ante como o excedente espe­ rado dos rendimentos futuros resultantes das vendas dos produtos sobre os custos variáveis” (Keynes, 1978, p. 80), ou seja, é ex ante porque ainda vai ser realizada. Assim, a demanda efetiva ex post pode se manifestar por intermédio de uma dinâmica cíclica se o seu excedente flutua; isso acontecerá depois que esta for realizada.

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ser produzido em uma economia cooperativa e, também, em uma eco­ nomia empresarial com moeda neutra pode não ser lucrativo numa economia empresarial com moeda não neutra deve ser, certamente, atribuída às flutuações da demanda efetiva de curto prazo.

Keynes , em sua magnum opus, define demanda efetiva da seguinte forma:

Seja Z o preço de oferta agregada da produção resultante do emprego de Z homens e seja a relação entre Z e N, que chamaremos função da oferta agregada, 48 representada por Z = φ (N). Da mesma forma, seja D o produto que os empresários esperam receber do emprego de N homens, sendo a relação entre D e N, a que chamaremos função da demanda agre­ gada, representada por D = ƒ (N). Dessa maneira, se para determinado valor de N o produto esperado for maior que o preço da oferta agregada, isto é, se D for superior a Z, haverá um incentivo que leva os empresários a au­ mentar o emprego acima de N e, se for necessário, a elevar os custos dis­ putando os fatores de produção, entre si, até chegar ao valor de N para o qual Z é igual a D. Assim, o volume de emprego é determinado pelo ponto de interseção da função da demanda agregada e da função da oferta agregada, pois neste ponto que as expectativas de lucro dos empresários serão maximizadas. Chamaremos demanda efetiva o valor de D no ponto de interseção da função da demanda agregada com o da oferta agregada. (Keynes, 1996, p. 60­61)

A respeito disso, Keynes assim se manifesta:

A explicação de como a produção de bens e serviços poderia ser pro­ duzida numa economia cooperativa pode ser “inútil” em uma economia empresarial, em que se encontra o que podemos chamar, brevemente, de flutuações da demanda efetiva. A demanda efetiva pode ser definida em referência ao excesso esperado do produto da venda sobre o custo variável (incluindo o custo de uso, dependendo da duração do período de produção). A demanda efetiva flutua, mas, se ela flutua aquém do padrão normal, a demanda efetiva é deficiente, se flutua acima desse padrão, então a demanda efetiva é excessiva. (Keynes, 1978, p. 80)

Isso implica em dizer que uma parte da renda paga aos fatores de produção – na forma de salários mais lucro – não retorna ao mercado na forma de gasto com a compra das mercadorias produzidas. Quando

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isso ocorre, os empresários podem deixar de empregar o volume de emprego correspondente ao nível do pleno emprego, pois a parcela da renda que não volta para o mercado para ser gasta na compra de bens reproduzíveis pelo trabalho pode ser aplicada na compra de um bem não reproduzível pelo trabalho. Sobre essa questão, Keynes lembra que

a demanda efetiva associada ao pleno emprego é um caso especial que só se verifica quando a propensão a consumir e o incentivo para investir se encontram associados entre si numa determinada forma. Esta relação par­ ticular, que corresponde às hipóteses da teoria clássica, é, em certo sentido, uma relação ótima. Mas ela só se verifica quando, por acidente ou desígnio, o investimento corrente proporciona um volume de demanda justamente igual ao excedente do preço da oferta agregada da produção resultante do pleno emprego sobre o que a comunidade decida gastar em consumo quando se encontre em estado de pleno emprego. (Keynes, 1996, p. 62­63)

Esse bem, na verdade, é o dinheiro que, além de servir de meio de pagamento aos fatores de produção, também é reserva de valor numa economia monetária da produção sujeita a flutuações da demanda efe­ tiva. Em uma economia empresarial de moeda não neutra, assim, não vale a Lei de Say, de que a oferta cria a sua própria procura.

Keynes, ao descobrir o princípio da demanda efetiva ex ante, procu­ rou demonstrar que as flutuações da demanda efetiva, no curto período, estão fortemente associadas com uma economia monetária da produção, sobretudo pelo fato de que, em seu moderno sistema monetário­finan­ ceiro, o dinheiro, em termos dos quais os fatores de produção são remu­ nerados, pode conservar e transportar a riqueza na forma mais líquida possível do presente ao futuro.

Sobre a demanda efetiva ex ante, Klagsbrunn traz à baila uma impor­ tante e necessária contribuição:

Ressalta­se que Keynes se refere à demanda esperada e não à realizada. Nos termos de uma polêmica que ele travou com alguns autores contem­ porâneos após a publicação da Teoria Geral, trata­se da demanda efetiva ex ante e ex post. Deve­se, portanto, chamar a atenção para o fato de que não se está falando de demanda no sentido neoclássico: como algo com deter­ minantes próprios que se confronta autonomamente no mercado com a oferta e com ela se relaciona apenas externamente. Keynes enfatiza, com

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toda razão, que a evolução da economia é ditada pela ação dos capitalistas em busca do lucro e que desta ação derivam também o emprego gerado e a renda distribuída. Na Teoria Geral Keynes, no entanto, opta por considerar apenas a demanda esperada pelo empresário, diferente da demanda efetiva­ mente realizada. Esta última seria, sem dúvida, aquela que se poderia de­ nominar com mais propriedade a “efetiva” segundo o senso comum. (Klagsbrunn, 1996, p. 51)

Por esse motivo, no momento da tomada da decisão de produzir, a necessidade que o empresário tem de vender seus produtos no futuro, tão logo estiverem prontos para serem colocados no mercado, se não quiser incorrer em perdas, pressiona­o mais que aquele fator de produção (trabalhador) que aufere renda monetária para comprar os produtos de consumo que atendem a suas necessidades humanas.

Sobre as expectativas de curto e longo prazo, Keynes, em sua TG, confere a seguinte definição:

O primeiro tipo relaciona­se com o preço que um fabricante pode esperar obter pela sua produção “acabada”, no momento em que se com­ promete a iniciar o processo que o produzirá, considerando que os produtos estão “acabados” (do ponto de vista do fabricante) quando prontos para serem usados ou vendidos a outrem. O segundo refere­se ao que o empre­ sário pode esperar ganhar sob a forma de rendimentos futuros, no caso de comprar (ou talvez manufaturar) produtos “acabados” para os adicionar a seu equipamento de capital. Chamaremos às primeiras expectativas a curto prazo e às segundas expectativas a longo prazo. Deste modo, o comporta­ mento de cada firma individual, ao fixar sua produção diária produção diária, é determinado pelas expectativas a curto prazo – expectativas rela­ tivas ao custo da produção em diversas escalas e expectativas relativas ao produto da venda desta produção; no caso de adições ao equipamento de capital ou mesmo de vendas a distribuidores, estas expectativas a curto pra­ zo dependerão, em grande parte, das expectativas a longo prazo (ou prazo médio) de outrem. (Keynes, 1996, p. 77­78)

Assim, como consta em Dillard, “as expectativas de curto prazo são mais estáveis do que as de longo prazo, pois os resultados obtidos num passado recente são relativamente seguros para guiar o futuro próximo” (Dillard, 1971, p 206, apud Casagrande, 1996, p. 38).

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Essa pressão exercida sobre os empresários decorre de uma caracte­ rística dos bens duráveis acabados – que não conseguiram ser vendidos nem usados e, destarte, fazem parte dos estoques involuntários das em­ presas como capital líquido – de incorrerem em substanciais custos de carregamento dos estoques, riscos e deterioração, tal que esses bens podem render um retorno negativo no período em que são armazenados, ao passo que tais despesas são reduzidas a um mínimo próximo de zero no caso do carregamento da moeda.

Com esse argumento, Keynes (1978) explica, em parte, por que, em uma economia empresarial com moeda não neutra, a demanda efetiva flutua, provocando, dependendo das circunstâncias, um excesso de de­ manda efetiva e um sobre­emprego, ou uma deficiência de demanda efetiva e subemprego, ou seja, pode­se dizer que a instabilidade econô­ mico­financeira inerente da economia capitalista é endógena.

3. Extensões sobre a economia da produção monetária de Keynes

Na perspectiva de Keynes, o problema enfrentado pela economia clássica não é tanto a sua estrutura interna – que tem coerência lógica –, mas, sim, os seus pressupostos e a indefinição do seu objeto de inves­ tigação que deveria ser a economia monetária da produção. De qualquer maneira, ele reconhece que o modelo de economia de Marx, D­M­D’, que é a formulação representativa da economia especificamente capi­ talista, é o que melhor retrata seu modelo de economia monetária da produção, também chamada de economia empresarial de moeda não neutra, em oposição à economia cooperativa ou à economia monetária com moeda neutra dos economistas clássicos.

Os economistas neoclássicos contemporâneos de Keynes pensavam uma economia mercantil­monetária do tipo M­D­M, enquanto os homens de negócios estavam mais interessados na economia do tipo D­M­D’. Ele não só percebeu essa diferença, como adotou a economia monetária da produção como o seu objeto de investigação.

Por vezes, Keynes também costuma chamar a sua economia mone­ tária da produção de economia empresarial com moeda não neutra,

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