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Uma análise da instrumentalidade do serviço social: desnudando os relatórios de desligamento dos paefis de Florianópolis

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Academic year: 2021

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UMA ANÁLISE DA INSTRUMENTALIDADE DO SERVIÇO SOCIAL: DESNUDANDO OS RELATÓRIOS DE DESLIGAMENTO DOS PAEFIS DE FLORIANÓPOLIS.

Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina para a obtenção do Grau de Mestre em Serviço Social.

Orientador: Prof. Dr. Hélder Boska de Moraes Sarmento

Florianópolis 2018

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Ficha de identificação da obra elaborada pelo autor, através do Programa de Geração Automática da Biblioteca Universitária da UFSC.

Venâncio, Cristiana Maria

Uma análise da instrumentalidade do Serviço Social: Desnudando os relatórios de desligamento dos Paefis de Florianópolis / Cristiana Maria Venâncio; orientador, Hélder Boska de Moraes Sarmento, 2018. 184 p.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro Sócio-Econômico, Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, Florianópolis, 2018.

Inclui referências.

1. Serviço Social. 2. Assistência Social. 3. Racionalidades e linguagem. 4. Relatório dos Paefis. 5. Instrumentalidade do Serviço Social. I. Sarmento, Hélder Boska de Moraes . II. Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Serviço Social. III. Título.

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alguém, por pessoas que com seus exemplos nos estimulam a ir adiante ou a mudar de rota. São atitudes, gestos, oportunidades, comportamentos, sinais, palavras, silêncio, que quase sem pretensões nos indicam a trajetória a seguir, assim como o caminho a desviar, e neste processo de vir-a-ser, enquanto seres viventes, seguimos na tentativa de deixar um legado, de contribuir de alguma forma para a construção de princípios e valores morais, éticos e políticos que favoreçam o desenvolvimento daquilo que se pode chamar humanidade.

Nessa minha trajetória, que já acumula algumas décadas, posso olhar para trás e para os lados e facilmente encontrar essas pessoas. Sem medo de ser óbvia, assim como valorizando o que me é precioso, reconheço em meus pais (Maria da Glória, Glorinha, Dona Maria ou simplesmente Mãe, e, in memoriam, Seu Osvalci, meu Pai), em meus irmãos, representados por Rogéria (irmã e amiga de toda uma vida), e em meus sobrinhos, muito do que sou e conquistei. Gratidão por fazerem parte da minha vida.

Agradeço ao Matheus e a doce Luna por preencherem a minha vida, por me aceitarem como sou, por estarem presentes nessa caminhada do mestrado, pelos abraços e lambidas recebidos. Voces são a família que constitui.

Agradeço a outra família, tão preciosa quanto a biológica, que é a família feita de amigos. Amigos dos tempos da graduação em Serviço Social (lá se vão 30 anos); e amigos de trabalho, que com a convivência e seus ombros e ouvidos sempre prontos a acolher e escutar semearam e cultivaram a amizade, o sentimento fraternal.

Na especificidade da trajetória do mestrado, agradeço muitíssimo ao Professor Hélder Boska de Moraes Sarmento por me aceitar como sua orientanda e me guiar intelectualmente nessa jornada. Igualmente, agradeço a Professora Adriana De Toni e a Professora Helenara Silveira Fagundes, que prontamente aceitaram participar da banca de qualificação e de defesa do mestrado, contribuindo efetivamente para a minha dissertação. Agradecimentos às professoras e professores que ministraram as disciplinas das quais participei, sem dúvida as aulas foram um grande diferencial, tanto pelas leituras indicadas quanto pelas discussões realizadas em sala. Por fim, agradeço a Patrícia Chaves de Souza, colega de turma com a qual dividi as angustias, os receios e os aprendizados do mestrado.

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profissional, autorizou a sua realização.

Agradeço a todas as profissionais dos Paefis de Florianópolis (coordenações, equipe administrativa, assistentes sociais e psicólogas), sem as quais a realização desse estudo não seria possível. Agradeço especialmente as profissionais do Serviço Social que contribuíram na participação direta da pesquisa, socializando os relatórios de desligamento.

Agradeço, também de forma especial, a toda a equipe de trabalho do Paefi Continente, que foi grande apoiadora desse projeto acadêmico. Almejo que de alguma forma esse estudo contribua para refletirmos sobre o exercício profissional e para qualificarmos o trabalho desenvolvido na perspectiva de irmos ao encontro de um projeto societário mais equânime e livre de quaisquer tipos de despotismo.

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Antes de ser um animal racional ambulante, o homem é um ser que permanentemente busca um sentido para si e para o mundo em que se vê envolvido. O homem possui cabeça, coração, braços e mãos para agir, e por isso tudo teoriza. Teoriza porque pensa. Teoriza porque sente. Teoriza porque age (Octaviano Pereira, 1982).

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Social através dos relatórios de desligamento elaborados por equipe de referência interdisciplinar dos serviços de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos-Paefi de Florianópolis. O Paefi é um serviço da proteção social especial do Sistema Único de Assistência Social-SUAS, que tem como objetivo o atendimento a famílias e indivíduos em situação de risco e violação de direitos. No cotidiano de trabalho do Paefi uma das ações desenvolvidas pelas equipes de referência são os relatórios de desligamento. Esse instrumental representa uma sistematização do processo interventivo e visa informar sobre o encerramento da família do acompanhamento familiar e assegurar direitos. Por tratar-se de um instrumental de elaboração conjunta com a Psicologia, e diante da compreensão de que é pela linguagem que o profissional evidencia a perspectiva teórica que dá o direcionamento à intervenção, revelando racionalidades, que surgiu o interesse pelo estudo da instrumentalidade do Serviço Social. A escolha desse objeto de pesquisa foi motivada pela experiência profissional dessa acadêmica e pelo entendimento do qual se parte sobre o instrumental técnico dos relatórios, ou seja, que se constituem em meios que possibilitam a avaliação da intervenção, a racionalização do tempo e o direcionamento ético do trabalho. Entende-se que é pela linguagem que a instrumentalidade do Serviço Social se concretiza, instrumentalidade que está diretamente relacionada ao projeto societário ao qual o profissional se vincula. Nessa perspectiva, toda a prática imprime uma ideologia, um direcionamento teórico-metodológico. Diante dessa interpretação, infere-se que o relatório constitui-se em um instrumental, enquanto que a linguagem manifesta a instrumentalidade e as racionalidades subjacentes a ela. Procurou-se discutir os relatórios, decodificar o seu conteúdo e pensar a intervenção profissional do Serviço Social e das equipes de referência do Paefi, sob a perspectiva crítica. Trata-se de pesquisa qualitativa, de natureza documental, com o universo constituído por 7 (sete) relatórios de desligamento e cuja técnica de pesquisa empregada para a coleta, análise e interpretação dos dados foi a Análise de Conteúdo Temática.

Palavras-chave: Instrumentalidade do Serviço Social. 1. Racionalidade 2. Cotidiano 3. Linguagem. 4. Relatório de desligamento 5. Paefi. 6. Política de Assistência Social 7. Matricialidade sociofamiliar 8.

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Service through the Reports of Shutdown prepared by an interdisciplinary reference team of the Protection and Specialized Attention Services to Families and Individuals-Paefi of Florianópolis. Paefi is a special social protection service of the Unified Social Assistance System-SUAS, whose objective is to provide assistance to families and individuals at risk and violation of rights. In the daily work of the Paefi one of the actions developed by the teams of reference are the Reports of Shutdown. This instrument represents a systematization of the intervention process and aims to inform about the closure of the family of family accompaniment and ensure rights. Because it is an instrument of joint elaboration with Psychology, and before the understanding that it is through the language that the professional evidences the theoretical perspective that gives the direction to the intervention, revealing rationalities, that the interest arose for the study of the instrumentality of the Service Social. The choice of this object of research was motivated by the professional experience of this academic and by the understanding of which is based on the technical instruments of the reports, that is, they constitute means that allow the evaluation of the intervention, the rationalization of the time and the ethical direction of work. It is understood that it is through language that the instrumentality of Social Service is materialized, instrumentality that is directly related to the corporate project to which the professional is linked. In this perspective, the whole practice implies an ideology, a theoretical-methodological orientation. In view of this interpretation, it is inferred that the report is an instrumental one, whereas language manifests the instrumentality and the rationalities underlying it. We sought to discuss the reports, to decode their content and to think about the professional intervention of the Social Service and the reference teams of Paefi, from the perspective of critical-dialectical theory. This is a qualitative research, of a documentary nature, with the universe constituted by 7 (seven) Reports of Shutdown and whose research technique used to collect, analyze and interpret the data was the Thematic Content Analysis.

Keywords: Instrumentality of Social 1. Work. Rationality 2. Daily 3. Language 4. Reports of Shutdown 5. Paefi 6. Social Assistance Policy 7.

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compreensão da realidade. ... 44 Quadro 3 - Relação entre as ações desenvolvidas e os objetivos do Paefi. ... 118 Quadro 4 – Elementos argumentativos que repercutiram na vida dos usuários e implicaram na tomada de decisão do desligamento. ... 120 Quadro 5 – Conteúdos extraídos dos relatórios que trazem indicativos sobre as racionalidades. ... 122

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Tabela 2 - A presença das palavras gênero e mulher/mulheres em documentos da Política de Assistência Social. ... 63 Tabela 3 - Dados preliminares para a composição dos grupos e definição da amostra ... 94 Tabela 4 - Dados finais da composição dos grupos e definição da amostra ... 95 Tabela 5 – Forma/Estrutura dos relatórios analisados do Paefi Ilha ... 103 Tabela 6 - Forma/Estrutura dos relatórios analisados do Paefi

Continente. ... 104 Tabela 7 – Relação entre tempo de atendimento, extensão dos relatórios e tempo de atuação profissional. ... 105 Tabela 8 - Configuração familiar e dados socioeconômicos das famílias. ... 110 Tabela 9- Participação dos pais e da rede familiar na proteção social. 111 Tabela 10 – Rede de atendimento articulada nos acompanhamentos familiares analisados. ... 114 Tabela 11 - Instrumentais técnicos utilizados pelas equipes de referência ... 115

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Social

ASSIM Associação Instituto Movimento CAPSI Centro de Atenção Psicossocial Infantil CCEA Centro Cultural Escrava Anastácia

CEDEP Centro de Educação e Evangelização Popular CFESS Conselho Federal de Serviço Social

CFP Conselho Federal de Psicologia

CRAS Centro de Referência de Assistência Social

CREAS Centro de Referência Especializado de Assistência Social

CRESS Conselho Regional de Serviço Social

CS Centro de Saúde

CT Conselho Tutelar

ECA Estatuto da Criança e do Adolescente EJA Educação de Jovens e Adultos

FCEE Fundação Catarinense de Educação Especial FUCAS Fundação Catarinense de Assistência Social IGP Instituto Geral de Perícia

LA Liberdade Assistida

LOAS Lei Orgânica de Assistência Social NASF Núcleo de Apoio à Saúde da Família

MP Ministério Público

NISFAPS Núcleo de Pesquisa Interdisciplinar: Sociedade, Família e Políticas Sociais

NOB SUAS Normas operacionais Básicas Sistema Único de Assistência Social

NOB RH Normas operacionais Básicas Recursos Humanos PAEFI Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e

Indivíduos

PAIF Proteção e Atendimento Integral à Família PBF Programa Bolsa Família

PETI Programa de Erradicação do Trabalho Infantil PMF Prefeitura Municipal de Florianópolis

PNAS Política Nacional de Assistência Social PSC Prestação de Serviço à Comunidade PSE Proteção Social Especial

SEPREDI Serviço de Proteção Especial para Pessoas com Deficiência, Idosas e suas Famílias.

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TSF/PNAS Trabalho Social com Famílias/ Política Nacional de Assistência Social

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2 A INSTRUMENTALIDADE DO SERVIÇO SOCIAL: O

PROCESSO CONSTITUINTE DA PROFISSÃO,

RACIONALIDADES CONSTITUÍDAS E LINGUAGEM... 29 2.1 A INSTRUMENTALIDADE DO SERVIÇO SOCIAL: O PROCESSO CONSTITUINTE DA PROFISSÃO... 29 2.2 A INSTRUMENTALIDADE DO SERVIÇO SOCIAL: RACIONALIDADES CONSTITUÍDAS E LINGUAGEM... 38 3 A TRAJETÓRIA PARA A IMPLANTAÇÃO E

OPERACIONALIZAÇÃO DA POLÍTICA DE

ASSISTÊNCIA SOCIAL E A DIRETRIZ DA

MATRICIALIDADE SOCIOFAMILIAR... 51 3.1 DISPOSITÍVOS, REGULAMENTOS E NORMATIVAS DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL... 52 3.2 A PROTEÇÃO SOCIAL ESPECIAL DE MÉDIA COMPLEXIDADE: O EQUIPAMENTO DO CREAS E O PAEFI... 56 3.3 A DIRETRIZ DA MATRICIALIDADE SOCIOFAMILIAR E A QUESTÃO DE GÊNERO NOS DISPOSITIVOS, REGULAMENTOS E NORMATIVAS DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL... 60 4 O COTIDIANO: ESTRUTURA E INTERFERÊNCIA NO PROCESSO DE TRABALHO DO PAEFI... 69 4.1 A ESTRUTURA DA VIDA COTIDIANA... 69 4.2 A TRAJETÓRIA DE CONSTITUIÇÃO DOS PAEFIS DE FLORIANÓPOLIS CONTADA A PARTIR DO COTIDIANO DE TRABALHO... 74 4.3 O INSTRUMENTAL TÉCNICO DOS RELATÓRIOS: UMA ATIVIDADE DO COTIDIANO DE TRABALHO DOS PAEFIS DE FLORIANÓPOLIS... 80 5 A INSTRUMENTALIDADE DO SERVIÇO SOCIAL: DESNUDANDO OS RELATÓRIOS DE DESLIGAMENTO DOS PAEFIS DE FLORIANÓPOLIS... 89 5.1 METODOLOGIA... 89

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5.3.1 A etapa da pré-análise... 96

5.3.1. 1 Os Relatórios de Desligamento a partir da forma... 99

5.3.1.2 Sobre o conteúdo manifesto dos documentos analisados. 107 5.3.2 A etapa da exploração do material... 116

5.3.3 A etapa do Tratamento dos resultados, da inferência e da interpretação dos dados... 124

5.3.3.1 Desnudando os Relatórios de Desligamento em seu conteúdo latente... 124

6 CONCLUSÃO... 143

REFERÊNCIAIS... 149

APÊNDICE 1: A autorização da pesquisa... 159

APÊNDICE 2: Fragmentos dos relatórios... 161

ANEXO A: Parâmetros de referência para a definição do número de CREAS considerando o porte do município... 179

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1 INTRODUÇÃO

Os espaços de formação e a prática da pesquisa em Serviço Social representam um grande desafio aos assistentes sociais que atuam nas políticas públicas de assistência social, sobretudo àqueles que estão na execução terminal dessa política. Desafio porque exige tempo, dedicação, disponibilidade para leituras. Desafio porque exige o movimento de ir além do que está posto, ir além do que se aprendeu a fazer, ir além da aparência. Desafio porque remete pensar a grande questão da relação teoria e prática no Serviço Social e, nesse contexto, a sua instrumentalidade.

Todos esses desafios foram vivenciados na trajetória dessa pesquisadora, que culminou no ingresso no mestrado em Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina - Ufsc, no ano de 2016, e que ora finda, embora não definitivamente, porque a busca do conhecimento ultrapassa os limites dos campos universitários, ainda que encontre nele um espaço de fecundas discussões e aprendizados.

A caminhada para chegar até aqui se iniciou de forma despretensiosa com a participação, no ano de 2014, no Núcleo de Pesquisa Interdisciplinar: Sociedade, Família e Políticas Sociais - Nisfaps, do curso de Serviço Social da Ufsc. A inclusão no referido núcleo deu-se por demanda de trabalho do serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos - Paefi1 Continente, diante da proposta de uma pesquisa que se pretendia aplicar e para a qual as professoras do Nisfaps contribuíram efetivamente.

Pode-se dizer, de forma metafórica, que a participação no núcleo de pesquisa significou a suspensão de um estágio de letargia, e contribuiu para romper com a barreira invisível que separa os profissionais do Serviço Social em duas categorias: os que atuam na execução das políticas públicas e os que atuam na formação profissional, no espaço acadêmico.

A aproximação com a academia gerou um turbilhão de inquietações, sobretudo no que se referia ao trabalho social

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Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos. O Paefi necessariamente deve compor o equipamento do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas). Trata-se de Serviço da Proteção Social Especial -PSE de média complexidade do Sistema Único de Assistência Social - SUAS (BRASIL, 2009).

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desenvolvido com as famílias, considerando-se aqui a proximidade do tema com os objetivos institucionais do Paefi. A inquietação, em sua principal característica que é a negação, gerou o movimento e possibilitou momentos de suspensões da cotidianidade. Objetivamente, conduziu a uma interpretação mais crítica das leis, regulamentos e normativas da Política de Assistência Social; motivou a participação em seminários, conferências, congresso do Serviço Social, seja como ouvinte ou para apresentar trabalhos; incitou a inscrição como aluna especial em algumas disciplinas do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Ufsc.

No primeiro semestre de 2015, a participação dessa acadêmica como aluna especial na disciplina Tópicos Especiais em Serviço Social, a qual foi ministrada pelo Professor Dr. Hélder Boska de Moraes Sarmento, foi de importância fundamental no processo subsequente que culminou no ingresso no mestrado. Na referida disciplina os textos e as discussões colocavam em evidência o exercício profissional (possibilidades, limites e competências) e, diante disso, a instrumentalidade do Serviço Social.

No transcorrer do exercício profissional como assistente social2 nos programas e serviços da Política de Assistência Social, dentre eles o extinto SOS Criança e o serviço Sentinela, e atualmente o serviço Paefi da região continental de Florianópolis, inquietações sobre a instrumentalidade do Serviço Social foram se avolumando, sobretudo tomando-se por referência o conteúdo expresso nos relatórios elaborados pelas equipes de referência dos serviços e encaminhados ao Sistema de Garantia de Direitos - SGD.

Tais inquietações tomaram maiores proporções após o ano de 2005, com o início da operacionalização das Normas Operacionais Básicas do Sistema Único de Assistência Social - NOB/SUAS no município de Florianópolis, especificamente a atuação em equipe interdisciplinar. A partir deste marco histórico, e de forma progressiva, todas as famílias e indivíduos atendidos no Paefi passaram a ser acompanhados por dois profissionais de referência: um (a) assistente social e um (a) psicólogo (a).

A intervenção com equipe de referência implicou e implica na efetivação de várias ações em conjunto, como: visitas domiciliares e institucionais, reuniões intersetoriais, abordagens individual e familiar,

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Assistente social com ingresso no serviço público da Prefeitura Municipal de Florianópolis no ano de 1995. Desde 2003 atua na área da violência e na intervenção com crianças, adolescentes e famílias.

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elaborações de documentos (ofícios, termos de comunicação, relatórios, dentre outros).

No percurso da trajetória profissional, considerando-se os objetivos institucionais dos espaços sócio-ocupacionais de atuação e a interlocução com o SGD3, foi estabelecida uma relação bem próxima ao instrumental dos relatórios. Muitos deles resultaram de produção individual4; outros foram elaborados em conjunto com profissionais de diferentes áreas. Ainda, na função de supervisora técnica5 da equipe do Paefi do Continente, foi possível acessar relatórios elaborados por outros profissionais do Serviço Social; relatórios estes qualificados como psicossociais por serem produtos de intervenção interdisciplinar e por representarem “elaborações conjuntas” 6 entre assistente social e psicólogo (a).

Na função de supervisora técnica foi possível perceber que a forma pré-definida do modelo dos relatórios (forma esta que se entende como necessária e importante, considerando-se a interlocução com diferentes Órgãos e serviços e a rotina institucional/burocratização), não exime de diferenças em seus conteúdos, as quais indicam que para a análise de situações de violação de direitos - em especial as de violência intrafamiliar contra crianças, adolescentes e suas famílias -, diferentes aspectos da realidade social são considerados e explicitam formas heterogêneas de agir, sentir e pensar o Serviço Social e sua relação com a realidade dos usuários, isto é, de como a instrumentalidade da profissão é concebida.

Nos espaços de discussões dos Paefis, muito recorrentemente os

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Conselhos Tutelares, Varas de Direito (sobretudo Vara da Infância e Juventude), Ministério Público, Defensoria Pública.

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Essa produção individual se deu com maior volume entre os anos de 2003 a 2005.

5

Trabalho exercido no ano de 2014, por período aproximado de seis meses. 6

Colocou-se elaborações conjuntas entre aspas, pois embora os relatórios de desligamento representem o produto do acompanhamento psicossocial, eles não são construídos em um mesmo momento e com a presença do assistente social e do psicólogo, juntos. Na imensa maioria das vezes é um (a) dos (as) profissionais (assistente social ou psicólogo (a)) que assume a responsabilidade pela elaboração do documento, repassando ao outro, quando da sua finalização para as contribuições e observações que se fizerem pertinentes e necessárias. A decisão de quem realizará o relatório será da dupla de referência, escolha técnica impactada por alguns fatores, como: contingente de trabalho, horários de expediente nem sempre compatíveis, características pessoais, agilização do trabalho, dentre outras questões.

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relatórios são colocados em evidência, são pautas de debate, sobretudo quando a metodologia dos serviços está sendo repensada, como ocorre atualmente. Questiona-se o formato dos relatórios, a pertinência das informações incluídas neles, a extensão dos documentos, as questões éticas (como o sigilo profissional), o direito do usuário a solicitar cópia dos relatórios, etc.

Os argumentos acerca dos debates sustentam-se, sobretudo, na longa trajetória de alguns profissionais na atuação em programas e serviços na área da violência intrafamiliar; nos indicativos da Guia de Orientação Técnica do Creas (2011); nas diferentes percepções sobre o instrumental dos relatórios pelos profissionais, considerando-se as particularidades das profissões e as singularidades dos profissionais, como a linha de atuação e a perspectiva teórica que dá o norte à intervenção.

Na especificidade mesma dos relatórios, da peça em si, a percepção que se atribui aqui a esse instrumental é a de que deve ser compreendido para além de um fim em si mesmo, mas como um meio, um caminho necessário para a avaliação do que foi possível alcançar no processo de acompanhamento familiar, bem como possibilita perceber lacunas e contradições que se fizeram presentes no transcorrer da intervenção, oferecendo subsídios para a superação destas condições e para a compreensão das possibilidades e dos limites institucionais e profissionais.

Para além dessas questões objetivas, entende-se que o relatório é muito mais do que a peça física, é o argumento, o que ele constrói, indica, fala, o que revela sobre a intervenção profissional do assistente social e sobre a profissão, além de que, nesse caso, tem impacto direto na vida dos usuários.

Para os fins desse estudo, elegeu-se a análise dos relatórios de desligamento encaminhados ao Conselho Tutelar - CT pelas equipes de referência dos Paefis de Florianópolis. Com esse recorte, explicita-se que os documentos analisados serão referentes às violações de direitos que envolvem crianças e adolescentes. Esse esclarecimento se faz necessário, uma vez que o público-alvo do Paefi, conforme a Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais - TNSS (2009), corresponde a um universo bem mais ampliado do que o atendimento à criança, ao adolescente e suas famílias. São sujeitos da Proteção Social Especial - PSE de média complexidade todos aqueles que se encontram com direitos violados, os quais podem ser materializados, dentre outras formas, na violência intrafamiliar, na exploração sexual, no abandono de crianças, adolescentes e idosos, na discriminação de gênero, raça, etnia,

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religião, orientação sexual.

A larga experiência dessa pesquisadora como assistente social, a atuação com equipes de referência e a compreensão dos relatórios como um instrumental técnico que de forma implícita ou explicita revelam formas de pensar, agir e sentir do Serviço Social despertaram o interesse pelo tema da instrumentalidade do Serviço Social. Desta forma, o relatório de desligamento se constituirá no ponto de partida desse estudo, e o foco de interesse será o conteúdo deste instrumental, especificamente naquilo que se refere às particularidades do Serviço Social.

Nessa perspectiva, entende-se que é pela linguagem que a instrumentalidade do Serviço Social se concretiza, instrumentalidade que remete ao processo no qual o Serviço Social se constituiu, é constituinte e constituído (GUERRA, 2014) e que está diretamente relacionada à perspectiva de projeto societário ao qual o profissional se vincula (IAMAMOTO & CARVALHO, 2014a). Diante dessa interpretação, infere-se que o relatório constitui-se em um instrumental, enquanto que a linguagem manifesta a instrumentalidade e as racionalidades subjacentes a ela.

É pelo interesse em investigar essa percepção que a problemática dessa pesquisa leva à seguinte questão: Quais as racionalidades subjacentes são incorporadas às linguagens que materializam os relatórios dos Paefis de Florianópolis, revelando particularidades quanto à instrumentalidade do Serviço Social?

Para o alcance do estudo proposto, definiu-se como objetivo geral da pesquisa: Analisar as racionalidades subjacentes aos relatórios de desligamento dos Paefis de Florianópolis, revelando particularidades relacionadas à instrumentalidade do Serviço Social.

E, enquanto objetivos específicos: 1) Decifrar elementos argumentativos (técnicos, políticos, teóricos), elaborados pelos profissionais, que repercutem na vida dos usuários do serviço e implicam na tomada de decisão quanto ao seu desligamento; 2) Analisar perspectivas ideológicas e éticas-políticas que sustentam argumentos presentes nos relatórios, revelando valores e posturas profissionais relativas aos usuários e à garantia de direitos; 3) Apresentar elementos/reflexões no sentido de qualificar os serviços prestados aos usuários na perspectiva do projeto ético-político profissional do Serviço Social.

Diante do tema, do problema e dos objetivos da pesquisa a dissertação foi estruturada em quatro seções (excluindo-se a Introdução). A primeira foi dedicada à instrumentalidade do Serviço

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Social. Com o objetivo de demarcar as categorias que subsidiarão a análise da pesquisa, estruturou-se esse capítulo em duas subseções.

Inicialmente far-se-á um resgate do processo constituinte da profissão, de sua origem a contemporaneidade, no movimento de compreender as diferentes matrizes de pensamento que influenciaram e influenciam a profissão. Em seguida, demarcar-se-á as racionalidades subjacentes aos paradigmas que dão o direcionamento teórico-metodológico, ético-político e técnico-operativo ao Serviço Social em seu processo sócio-histórico. Nesse contexto, entende-se por racionalidade o conduto de passagem entre teoria e prática, ou uma propriedade da razão que se relaciona as formas de agir, de pensar e de sentir a profissão (GUERRA, 2014).

Nessa subseção adentrar-se-á na questão da linguagem, da palavra, diante do entendimento de que é por meio da linguagem que o assistente social executa o seu trabalho e perpassa a ideologia, a racionalidade que dá direção à intervenção profissional.

Como eixo estruturante da análise proposta serão tomados como referência autores do Serviço Social que adotam a matriz teórica marxista, dentre os quais: Guerra (2000, 2014, 2017); Netto (1986, 1996, 2011); Souza (1984, 1989); Iamamoto (2005, 2014); Pontes (2009).

Autores marxistas de outras áreas de conhecimento também enriquecerão o debate, como Bakhtin (1981), Ianni (2000), Lefebvre (1991) e Heller (2008).

Na segunda seção, desenvolver-se-á a trajetória da assistência social a partir de 1988, ou seja, do marco no qual se constituiu como direito social, dever do Estado e política pública não contributiva.

Da constituição da assistência social como direito à sua implantação e operacionalização foi necessário a criação de dispositivos jurídico-normativos para a definição dos seus princípios, objetivos, diretrizes, tipos de gestão, formas de financiamento e participação, bem como os níveis de complexidade da proteção social, os equipamentos executores e, neles, os serviços da política de proteção social. Nesse percurso, adentrar-se-á na especificidade do Paefi: seu público alvo, principais demandas de atendimento, objetivos, etc.

Com o intuito de problematizar a diretriz da matricialidade sociofamiliar da Política Nacional de Assistência Social – PNAS, e as questões de gênero que lhes são explicitas, sobretudo no tocante ao papel social, histórico e culturalmente delegado à mulher no cuidado da família e dos filhos, ao finalizar-se esse capítulo considerações serão realizadas sobre a questão de gênero e da mulher em alguns dos

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regulamentos e normativas da assistência social. As discussões brevemente fomentadas terão como subsídios os estudos feministas.

Cabe sinalizar que a inclusão dessa discussão na dissertação se deu a partir da análise dos relatórios que compuseram o universo da pesquisa, cujas intervenções centraram-se na figura da mulher cuidadora (mãe, avó, bisavó).

No terceiro capítulo, adentrar-se-á no estudo da estrutura da vida cotidiana, a qual perpassa todas as atividades humanas, sejam elas realizadas no espaço da vida privada, no trabalho ou no lazer (HELLER, 2008; NETTO, 1986).

A partir do entendimento da cotidianidade, que se efetiva tanto por meio de atitudes pragmáticas quanto pela práxis, será realizada a aproximação com o cotidiano de trabalho dos Paefis de Florianópolis. Cotidiano esse que sofre os rebatimentos do contexto social, econômico, político e cultural, e, consequentemente, interfere no exercício profissional e nas formas de enfrentamento das expressões da questão social.

Nesse contexto, esforços serão empreendidos para o resgate do processo sócio-histórico que culminou na implantação dos Paefis de Florianópolis, bem como para a compreensão da importância dos instrumentais técnicos no cotidiano do processo de trabalho, com ênfase nos relatórios. Para esse estudo, buscar-se-á referenciais em autores do Serviço Social, como Mioto (2009); Fávero (2009, 2013); Magalhães, (2011).

O quarto capítulo será dedicado à coleta, análise e interpretação dos dados da pesquisa. Não por acaso trata-se do capítulo mais longo dessa dissertação. A pretensão será de descrever com a maior minúcia possível toda a trajetória da pesquisa: a autorização para a sua realização pela Secretaria de Assistência Social de Florianópolis; os fatores facilitadores e dificultadores para a composição da amostra da pesquisa; e o processo de coleta e análise dos dados.

Para imprimir maior cientificidade e validade à pesquisa, que será documental com abordagem qualitativa, seguir-se-á, passo-a-passo, a proposta metodológica da Análise de Conteúdo Temática (BARDIN, 2011; MINAYO, 2004, 2015). Assim, as etapas da Pré-análise; da Exploração do material; e do Tratamento dos resultados, das inferências e da interpretação dos dados serão trabalhadas separadamente, embora, no processo mesmo da pesquisa, essas etapas se relacionem constantemente.

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2 A INSTRUMENTALIDADE DO SERVIÇO SOCIAL: O

PROCESSO CONSTITUINTE DA PROFISSÃO,

RACIONALIDADES CONSTITUÍDAS E LINGUAGEM

Para uma melhor compreensão do Serviço Social na contemporaneidade faz-se necessário retroceder no tempo e resgatar o processo sócio-histórico da profissão, de sua protoforma ao movimento de reconceituação, com ênfase na vertente de “intenção de ruptura”, cujos defensores, num movimento de ruptura com as origens conservadoras da profissão, protagonizaram a introdução da teoria social marxista nos debates acadêmicos e na formação profissional.

De sua institucionalização, datada no ano de 1936, à atualidade, o Serviço Social sofreu os rebatimentos do contexto social, econômico, cultural e político, o que significa dizer que a instrumentalidade da profissão acompanha o processo sócio-histórico, constituindo-se e reconstituindo-se em movimentos de renovação e conservadorismo, e nas racionalidades/ideologias que lhes são subjacentes e que dão direcionamento ao exercício profissional.

Nessa perspectiva, parte-se do entendimento de que toda a prática imprime uma ideologia, um direcionamento teórico-metodológico, e toda a ideologia se transmite, dentre outras formas de manifestação, pela linguagem.

As questões ora pontuadas serão desenvolvidas nas subseções que seguem e os conceitos e categorias apresentados subsidiarão a análise da pesquisa proposta.

2.1 A INSTRUMENTALIDADE DO SERVIÇO SOCIAL: O PROCESSO CONSTITUINTE DA PROFISSÃO

O pluralismo teórico, político e ideológico instaurado no Serviço Social na atualidade não permite a afirmativa de que desde a sua origem a profissão apresentou esta característica. No percurso de sua trajetória a profissão acompanhou o movimento sócio-histórico e sofreu seus rebatimentos. Se de um lado, adaptou-se, ainda que travestida da nomenclatura de renovação, à ordem social vigente; do outro, na intenção de ruptura com o Serviço Social tradicional, buscou na teoria marxista uma nova leitura da realidade social na perspectiva de sua transformação (GUERRA, 2014; IAMAMOTO, 2014; NETTO, 2008; PONTES, 2009).

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necessário entender as demandas que o instituíram e que, ao se modificarem, provocaram e provocam alterações no modo de agir e pensar a profissão. Ao encontro desta inferência, Guerra (2014, p. 32) contribui no sentido de sinalizar que “É a regularidade dos fenômenos, processos e práticas sociais e sua historicidade que os tornam compreensíveis, permitindo à razão apreendê-los nas suas manifestações dinâmicas”.

No Brasil o Serviço Social surge na década de 1930, período em que a economia urbano-industrial emerge e novos atores e forças políticas assumem espaço no cenário nacional. A oligarquia cafeeira se vê ameaçada pela classe média; novos partidos políticos são criados; a população urbana cresce e os problemas sociais se avolumam na mesma medida em que a pobreza; a assistência voluntária e espontânea já não dá conta da demanda. Neste cenário, o Estado é pressionado a garantir a coesão social entre as classes sociais e, dentre os mecanismos criados, a Constituição de 1934 determina o atendimento aos desvalidos e a formação de um corpo técnico qualificado. É a Igreja, preocupada com a questão social7 quem vai estimular o surgimento e o desenvolvimento do Serviço Social no Brasil (SOUZA, 1984; 1989).

Essas situações da Igreja e do Estado eram favoráveis à criação de um aparato institucional que privilegiavam as atividades assistenciais. Assim, se de um lado o Serviço Social se sustentava na Igreja, de outro ele é estimulado pelas aberturas institucionais do próprio Estado (SOUZA, 1989, p. 53).

É nessa propositura que surge, no ano de 1936, a primeira escola de Serviço Social, alicerçada nos princípio da Igreja Católica, com formação de referência europeia e ensino direcionado a disciplinas nas áreas da saúde e da Legislação Social. O Serviço Social de Casos Individuais é o método central a ser aplicado, e consiste, conforme sua precursora Mary Richmond, no “conjunto de métodos que desenvolvem a personalidade, reajustando conscientemente e individualmente o homem e o meio social” (SOUZA, 1984, p. 59).

Os primeiros assistentes sociais brasileiros foram chamados para

7

Segundo Souza, “[...] após a experiência russa e as recomendações da Encíclica Rerum Novarum, [a Igreja] assume preocupação com relação às camadas populares. A questão social, ou seja, as relações entre dominantes e subordinados, é o que se coloca em jogo. Para a Igreja, entretanto, a questão social se resumia a uma questão de consciência moral e justa entre patrões e operários” (1989, p. 52, grifos meus).

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atuação em asilos, albergues, orfanatos, dispensários e na Congregação Vicentina. Depois, abriu-se o mercado na área médica, e só então passaram a intervir com os problemas da força de trabalho no Instituto de Aposentadoria e Pensões - IAPs, no Serviço Social da Indústria – Sesi, e Serviço Social do Comércio - Sesc. Desde o surgimento do Serviço Social, enquanto especialização da divisão social e técnica do trabalho, o Estado surge como importante empregador desta força de trabalho, e as políticas sociais o principal lócus de intervenção (SOUZA, 1984; IAMAMOTO; CARVALHO, 2014; KARSCH, 1987).

Diante da contextualização que remete às origens do Serviço Social, Souza (1984, p. 62), indica três características que desde o início influenciaram diretamente o modo de agir do assistente social brasileiro e latino-americano:

 A ação profissional condicionada pela estrutura da obra social.

 A ação profissional através de obras públicas mais interessadas no cumprimento de leis e regulamentos.

 A ação profissional assumindo como problemas fundamentais a assistência imediata relativa à sobrevivência da população.

Nesse contexto, tem-se que o Serviço Social sofre influências no seu fazer das ações assistencialistas que precederam a institucionalização da profissão; surge mediante demanda do Estado Capitalista, atendendo, de um lado, as necessidades do capital e, do outro, empreendendo esforços para intervir na realidade social da população subalterna e trabalhadora com o objetivo de atender as suas necessidades objetivas e subjetivas decorrentes da condição de exploração do trabalho8 na perspectiva de seu ajustamento.

Para Netto (2011, p. 73, grifos do autor) “A profissionalização do Serviço Social não se relaciona decisivamente à ‘evolução da ajuda’, ‘a racionalização da filantropia’ nem a ‘organização da caridade’, vincula-se à dinâmica da ordem monopólica”.

No período de 1950 a 1964, com a abertura política, as camadas populares da zona urbana e rural vivenciaram um momento crescente de participação política, e os assistentes sociais, principalmente os que

8

Conforme Netto (2011, p. 34), “No movimento que determinou este giro, confluíram quer as exigências econômicas-sociais próprias da idade do monopólio [...], quer o protagonismo político-social das camadas trabalhadoras, especialmente o processo de lutas e de auto-organização da classe operária [...]”.

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atuavam no Movimento de Educação de Base - MEB e no Serviço Social Rural - SSR, propuseram novas discussões ao fazer profissional. Essa nova realidade colocou em questão as organizações institucionais e a própria definição da prática profissional, “[...] que parece ir além de uma simples intermediação [...] O Serviço Social começa a se defrontar com novas demandas de instrumentos e técnicas que correspondem a novas exigências institucionais” (SOUZA, 1989, p. 54).

É nesse contexto sócio-histórico que o movimento de Reconceituação do Serviço Social emerge. Conforme Pontes (2009, p. 19, grifos do autor):

Do ponto de vista endógeno da profissão, [...] o processo de renovação conhecido como

Reconceituação foi aparentemente inaugurado por

focos de insatisfação teórico-ideológica com os quadros referenciais até então hegemônicos na profissão [...] fazendo com que nas agências formadoras, nas instâncias de organização e pesquisa do Serviço Social, se erguessem novas tentativas de fundação teórica da profissão. Ainda, segundo o autor, do ponto de vista exógeno9:

O processo de renovação experimentado pela profissão nas décadas de 70 e 80 obedeceu aos determinantes mais gerais que matizaram a realidade brasileira naquele momento, no seu evolver sócio-econômico e político (PONTES, 2009, p. 19).

A obra de José Paulo Netto (2008) intitulada Ditadura e Serviço Social: uma análise do Serviço Social no Brasil pós-64, trata-se de leitura obrigatória para a compreensão do processo de renovação da profissão. Conforme o autor, o Serviço Social tradicional sofreu os rebatimentos do contexto político, econômico, social e cultural da autocracia burguesa. Este constituir-se e reconstituir-se da profissão se deu em três direções marcadas por tempo e fundamentações teóricas distintas.

A primeira direção foi a de Viés Modernizador e o auge de sua

9

Pressões do capital, do Estado e da sociedade civil, aumento significativo dos usuários, criação de políticas e instituições sociais, inserção (a mais significativa até aquele momento) de grande número de assistentes sociais na divisão sociotécnica do trabalho (PONTES, 2009).

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formulação ocorreu em meados de 1970, com os textos elaborados nos seminários de Araxá e de Teresópolis, que foram de importância basilar. A fundamentação para legitimar a profissão e o fazer profissional deu-se sobre influência do estrutural-funcionalismo norte-americano de matriz neopositivista. A preocupação maior direcionou-se ao como fazer, não se questionando a ordem sociopolítica e se atribuindo um cariz tecnocrático à profissão. Conforme Netto (2008, p. 155, grifos do autor): “No âmbito restrito da profissão, ela se reporta aos seus valores e concepções mais ‘tradicionais’, não para superá-los ou negá-los, mas para inseri-lo numa moldura teórica e metodológica menos débil [...]”.

Ao encontro deste posicionamento, que indica o não questionamento da ordem sociopolítica nessa primeira vertente do processo de renovação do Serviço Social, Souza (1984, p. 73) posiciona-se afirmando que era como posiciona-se a profissão pensasposiciona-se “[...] em si mesma independente das relações e implicações com a dinâmica social; ou então parte-se do pressuposto de que a realidade social tem uma dada estrutura, acabada e imutável”.

A segunda direção de renovação do Serviço Social foi designada como a de Reatualização do Conservadorismo. Nessa vertente o conservadorismo da profissão se repôs, porém sob base teórico-metodológica diferenciada. Repudiou-se o positivismo e a matriz crítico-dialética do marxismo, e, o que se observou foi a reatualização do conservadorismo com inspiração fenomenológica, destacando-se as questões subjetivas dos sujeitos/usuários da assistência social, permanecendo, nesse aspecto, o debate do exercício profissional no circuito da ajuda psicossocial. Nessa vertente, a relação entre o profissional e seus “objetos” se dá com embasamento científico. No entanto, segundo Netto (2008, p. 158):

[...] trata-se de uma ‘cientificidade’ evanescente, onde, em nome da ‘compreensão’, dissolvem-se quaisquer possibilidades de uma análise rigorosa e crítica das realidades macrossocietárias e, derivadamente, de intervenções profissionais que possam ser parametradas e avaliadas por critérios teóricos e sociais objetivos.

Conforme indicado acima, as duas primeiras vertentes de renovação do Serviço Social propuseram um repensar a profissão com o foco no fazer, porém, sob as bases do conservadorismo. Não se questionava a macroestrutura e entendia-se que a condição de vida dos sujeitos da assistência social era decorrente de sua vontade ou capacidade, cabendo ao profissional intervir para o ajustamento, para a

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adaptação, com ações voltadas à orientação e à ajuda psicossocial. Para Souza (1989) e Guerra (2014), até 1980 prevaleceu na profissão uma concepção de realidade social que pouco considerava as relações concretas entre os homens, sobretudo em suas questões objetivas; predominava a ideia do indivíduo problema, do desajustamento social, e um fazer profissional pragmático, repetitivo, imediatista que se sustentava na racionalidade da ordem burguesa.

Conforme Souza (1989, p. 59):

Na trajetória dessas modificações, a realidade social é, em geral, considerada como fenômeno produzido acima da realidade das relações entre os homens. Apela-se, por conseguinte, para os desajustamentos individuais evidenciados a partir da inadaptação do homem a essa realidade, seja por problemas de personalidade, seja por problemas físicos ambientais não superados pelo próprio homem.

Nessa perspectiva, o racionalismo burguês moderno foi o empregado para explicar e organizar a sociedade. Esse racionalismo formal-abstrato equaliza a compreensão entre natureza e sociedade, limita o conhecimento à aparência imediata, interpreta a realidade a partir do método lógico-experimental, estabelecendo modelos de explicação e de intervenção com fundamento em procedimentos manipulatórios e instrumentais (GUERRA, 2014).

A terceira direção10 do processo de renovação do Serviço Social foi a que propôs a Intenção de Ruptura da profissão com os ideários conservadores. Nesse contexto:

Ao contrário das anteriores, esta possui como substrato nuclear uma crítica sistemática ao desempenho ‘tradicional’ e aos suportes teóricos, metodológicos e ideológicos. Com efeito, ela manifesta a pretensão de romper quer com a herança teórico-metodológica do pensamento conservador (a tradição positivista), quer com os seus paradigmas de intervenção social (o reformismo conservador) (NETTO, 2008, p.159). A proposta metodológica da Escola de Belo Horizonte (o método BH, 1972-1975), cujos representantes se vincularam ao pensamento

10

Para Netto (2008), esta terceira direção do processo de renovação do Serviço Social aconteceu em três momentos distintos: o da sua emersão (fins de 1960 a 1975), seguido da consolidação acadêmica (da abertura ao início de 1980), para então sua extensão para a categoria profissional.

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marxista11 “[...] detalha o como-fazer profissional em estratégias de ação como parte de um corpo teórico sobre o objeto da ação que é a realidade social [...] e o objetivo da ação que é a transformação social” (SOUZA, 1984, p. 76). Para os representantes desta vertente, a realidade social passa a ser considerada em sua dinâmica sócio-histórica, e o problema social assume dimensão que vai para além do imediato, do aparente. A proposta do método de BH influiu consideravelmente no ensino (formulação do pensamento crítico) e na prática profissional.

Essa aproximação do Serviço Social com a teoria marxista foi acusada, em um primeiro momento, de promover a defasagem entre elaborações teórico-metodológicas e a intervenção profissional; de contribuir para o afastamento dos profissionais das instituições e a busca pela intervenção nos movimentos sociais; de provocar a confusão na identificação entre prática profissional e militantismo político-partidário (GUERRA, 2014; PONTES, 2009). Além disso, também foi acusada de provocar a dicotomia entre teoria e prática12, debate que persiste na contemporaneidade.

No que se refere ao distanciamento entre elaborações teóricas e a intervenção, Souza (1984, p. 77) indica como um dos pontos críticos dessa direção de renovação do Serviço Social que as reflexões questionadoras da academia muitas vezes distanciavam-se das situações concretas, o que conduzia a um vazio quando da sua operacionalização. De acordo com a autora:

O problema começa quando as informações e reflexões críticas, dadas de modo genérico, se confrontam com a prática. Não existe uma

11

Segundo Netto (idem), os representantes desta vertente, em um primeiro momento, sofreram influências das ideias marxistas, porém sem recorrer às obras de seus principais pensadores. Foi na década de 1980 que essa aproximação aconteceu. Marilda Vilela Iamamoto foi importante nesse processo.

12

Segundo Pontes (2009), a discussão da relação teoria-prática se apresentou de três formas. A primeira objetivava a ruptura com o método tripartide (caso, grupo e comunidade) e a construção de um método único ao Serviço Social, o que conduziu ao que o autor denominou de epistemologismo. A segunda forma se deu com a aproximação ao pensamento de Gramsci e as fontes marxianas originais. A terceira forma foi iniciada a partir das discussões da Abepss (principalmente após 1986) em resposta à crise na formação profissional. Destacam-se diferentes interpretações da teoria crítico-dialética, como: Netto, inspiração lukacsiana; Faleiros, Gramsci e Foucault; Iamamoto, Marx e Gramsci; Alba Carvalho, Gramsci.·.

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passagem entre o geral e o particular [...] A formação profissional, tomando como foco predominante de ensino informações e reflexões críticas desligadas de situações concretas, se perde num vazio muito grande quando se faz necessário operacionalizar ao nível de prática cotidiana essas informações e reflexões críticas [...] Chega um ponto em que a profissão tem bons críticos a nível de discussão e péssimos profissionais a nível de reflexão/ação.”.

Em complemento a essa assertiva, Pontes (2009, p. 22) indica que a incorporação da concepção dialética no Serviço Social buscou no plano político uma explicação das relações sociais e da exploração da sociedade capitalista de maneira genérica. Essa perspectiva superestimou as possibilidades políticas do Serviço Social, não considerando as particularidades da profissão, “[...] cujo impacto produzido nas relações sociais é de pouca monta [...]”. A pretensão aqui era a de um Serviço Social que assimilasse tarefas reivindicatórias cabíveis a outras instâncias da sociedade, como partidos, sindicatos, movimentos sociais13.

Com o amadurecimento teórico do Serviço Social, que Netto denominou como a maioridade intelectual e teórica da intenção de ruptura (tendo como marco os anos de 1980), a teoria marxista de folhetins foi substituída pelas fontes clássicas da teoria social Marxiana. São importantes representantes dessa vertente: José Paulo Netto, Vicente de Paula Faleiros, Marilda Vilela Iamamoto14, Alba Carvalho.

Para Pontes (2009, p. 21), com a apreensão da teoria social crítico-dialética no Serviço Social:

Incorporou-se ao discurso profissional uma nova concepção teórica das relações sociais e,

13

Pontes (2009) corrobora com Netto (2008), sinalizando que a assimilação pelo conjunto dos profissionais para o desmonte desse equívoco se processou em tempos distintos daquele da vanguarda dos formadores de opinião do Serviço Social, para estes o desmonte teórico equivocado ocorreu antes. 14

Marilda Vilela Iamamoto e Raul Carvalho foram quem introduziram o autêntico pensamento marxista no Serviço Social, destacando-se como protagonistas no projeto de intenção de ruptura com o Serviço Social tradicional. A Obra Relações Sociais e Serviço Social no Brasil: esboço de uma

interpretação histórico-metodológica foi de importância axial (NETTO, 2008;

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consequentemente, um novo arranjo analítico categorial, que inaugura para a profissão uma nova fase de amadurecimento intelectual e de maior riqueza teórico-política.

Diante desse resgate sócio-histórico do processo constituinte da profissão, é possível inferir sobre a importância do movimento de reconceituação, sobretudo a vertente de intenção de ruptura. Para Guerra (2014) o processo de renovação do Serviço Social colocou à intervenção do assistente social novas requisições e demandas, pois convocou a categoria a pensar e refletir sobre os fundamentos teóricos-metodológicos, bem como sobre os princípios e postulados da profissão.

Para a autora, a partir desse momento histórico:

[...] novas perspectivas se apresentam à compreensão do significado sócio-histórico da profissão, da questão social, escopo da intervenção do assistente social, dos modos de realizar a prática profissional, enfim, dos sujeitos envolvidos no processo de intervenção profissional, resultante da inserção de um novo interlocutor do Serviço Social: as particularidades sócio-políticas e econômicas do desenvolvimento capitalista brasileiro (GUERRA, 2014, p. 22). E, em Netto (2008, p. 135-136), o processo de renovação do Serviço Social possibilitou:

a) a instauração do pluralismo teórico, ideológico e político no marco profissional [...] b) a crescente diferenciação das concepções profissionais [...] derivada do recurso diversificado a matrizes teórico-metodológicas alternativas. c) a sintonia da polêmica teórico-metodológica profissional com as discussões em curso no conjunto das ciências sociais, inserindo o Serviço Social na interlocução acadêmica e cultural contemporânea [...]. d) a constituição de segmento de vanguarda, sobretudo mais não exclusivamente inseridos na vida acadêmica, voltados para a investigação e pesquisa.

A trajetória da profissão, conforme explanado, sofreu fortes influências de forças conservadoras, sobretudo da igreja, do Estado e do pensamento positivista em sua racionalidade formal-abstrata. Contudo, a partir do processo de renovação do Serviço Social, novas perspectivas teórico-metodológicas, técnico-operativas e ético-políticas entraram no cenário, confrontando diferentes formas de conceber o Serviço Social.

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De acordo com Pontes (2009, p. 18-19), a coexistência entre distintas correntes de pensamento15 decorrente do processo sócio-histórico da profissão e que se constituíram pelas necessidades da prática social, “[...] traduzem uma busca cada vez mais intensa e diversificada por ‘paradigmas’ e referências teóricas, capazes de clarificar e sustentar caminhos para a intervenção profissional e sua auto-representação”.

Nesse aspecto, compreende-se que as macroteorias que influenciaram e influenciam o processo constituinte do Serviço Social atribuem à profissão uma instrumentalidade, visto que enquanto ideologias são determinantes na forma de agir, pensar e conceber a realidade social e a intervenção profissional. Esses paradigmas se corporificam e disseminam por meio de suas racionalidades e da linguagem, assunto que será desenvolvido na subseção que segue. 2.2 A INSTRUMENTALIDADE DO SERVIÇO SOCIAL: RACIONALIDADES CONSTITUÍDAS E LINGUAGEM

O Serviço Social se constitui numa especialização inserida na divisão social e técnica do trabalho, cuja institucionalização (sua razão de ser) está atrelada ao pensamento conservador e ao desenvolvimento do capitalismo monopolista (NETTO, 1996; PONTES, 2009; IAMAMOTO, 2005; KARSCH, 1987; SOUZA, 1982; BARROCO, 2010).

É uma profissão que se caracteriza por sua natureza prática, ou seja, suas ações são direcionadas a problemas reais e requerem soluções objetivas (PONTES, 2009; GUERRA, 2014; SOUZA, 1984; SARMENTO, 2016). A dimensão interventiva exige do profissional um saber-fazer que promova mudanças, transformações nas relações interpessoais e sociais, e nas condições objetivas e subjetivas da vida cotidiana16, lócus privilegiado da intervenção profissional.

Para intervir nas múltiplas demandas advindas da realidade social - as quais se ampliam e complexificam devido ao modo de produção e reprodução social do sistema capitalista que agrava as expressões da

15 Positivismo, Fenomenologia, Estrutural-funcionalismo, Marxismo, etc.. 16

Segundo Carvalho (1996, p. 17), a vida cotidiana tem sido o centro de atenção do Estado e da produção capitalista de consumo. O Estado gere a vida cotidiana através de “[...] regulamentos e leis, pelas proibições ou intervenções múltiplas, pela fiscalização, pelos aparelhos de Justiça, pela orientação da mídia, pelo controle das informações etc.”.

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questão social17 -, o assistente social se apropria de uma instrumentalidade, entendida por Guerra (2007, p. 1), como “[...] uma determinada capacidade ou propriedade constitutiva da profissão, construída e reconstruída no processo sócio-histórico”.

A instrumentalidade não se constitui em algo permanente, mas acompanha o movimento sócio-histórico, entendendo-se que o Serviço Social não é um ente autônomo, não é um ser independente daquilo que o cerca, e sim é construído e reconstruído no processo sócio-histórico. A capacidade da profissão não está definida desde os seus primórdios, já que as respostas e as requisições passadas não são as mesmas de agora. Esta capacidade revela um modo de ser do profissional, implica em uma racionalidade.

Conforme Guerra (2014, p. 17):

[...] a análise da instrumentalidade do Serviço Social, tomada tanto do ponto de vista das particularidades históricas da ordem burguesa quanto informada por concepções teóricas e visões de mundo diversas, evidenciou-se a necessidade de ponderar sobre as racionalidades subjacentes às formas de ser e pensar o Serviço Social, racionalidades estas entendidas como expressões das formas de pensamento e ação, histórico e culturalmente compartilhados pelos assistentes sociais.

Nesse contexto, conforme a autora, há uma estreita relação entre instrumentalidade e racionalidade, não havendo exercício profissional isento de uma racionalidade, seja ela fundamentada na teoria social positivista, na fenomenologia ou na matriz critico-dialética.

Em sua origem a instrumentalidade da profissão apresentava vinculação ao pensamento positivista. As expressões da questão social nesta matriz teórica são decorrentes de desajustamentos individuais, dos problemas de personalidade. Em Netto (1986, p. 53), tem-se que o positivismo é uma tendência necessária ao capitalismo, e que, em sentido mais exato, consiste “[...] em o pensamento não ultrapassar essa aparência coisificada dos fenômenos sociais”.

Com o processo de renovação do Serviço Social - iniciado nos

17

Questão social apreendida como o conjunto das expressões das desigualdades sociais da sociedade capitalista madura, que tem uma raiz comum: a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se, mas amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte da sociedade (IAMAMOTO, 2005, p. 27, grifos da autora).

(40)

anos de 1960 e que adquiriu nova roupagem nas décadas de 1980/1990 (movimento pós-reconceituação) -, a matriz marxista se tornou hegemônica na formação profissional e passou a dar direcionamento aos Currículos dos cursos de Serviço Social, à Lei que regulamenta a profissão18 e ao Código de Ética do Assistente social19.

Entretanto, as tendências teóricas que influenciaram o Serviço Social desde a sua origem não foram substituídas enquanto novas tendências emergiam, ao contrário, elas coexistem e atribuem ao Serviço Social várias racionalidades, as quais:

[...] convivem historicamente e contraditoriamente no interior da profissão e que se constituem num conjunto de tendências observáveis, expressam de um lado, as relações entre sujeitos estabelecidas na ação profissional e, de outro, os fundamentos ético-políticos e teóricos sobre os quais essas relações se apoiam, que por vez demandam diferentes formas de atuação (GUERRA, 2014, p. 34).

Para a autora, “As racionalidades do Serviço Social podem ser tomadas como um conduto de passagem e eixo articulador entre teoria e práticas” (GUERRA, 2014, p. 35).

Esta racionalidade fundamenta-se na razão, constitui-se em uma expressão da realidade; é uma propriedade da razão e relaciona-se à forma de concebê-la. Nesta perspectiva, a razão não determina a realidade, mas significa uma forma de apreensão do real. O real é o que existe de acordo com a razão (GUERRA, 2014; PONTES, 2009; LEFEBVRE, 1991). Numa perspectiva dialética:

Penetrar no real é superar o imediato – o sensível – a fim de atingir conhecimentos mediatos, através da inteligência e da razão. Esses conhecimentos mediatos são então pensamentos, ideias. Penetrar no real, portanto, é atingir pelo pensamento um conjunto cada vez mais amplo de relações, de detalhes, de elementos, de particularidades, captadas numa totalidade. Esse conjunto, essa totalidade, por outro lado, jamais pode coincidir com a totalidade do real, com o mundo. O ato do pensamento destaca da totalidade do real, mediante um recorte real ou ‘ideal’, aquilo que é corretamente chamado de

18

Lei 8.662/1993 com dispositivo acrescentado pela Lei 12.317/2010. 19

(41)

‘objeto do pensamento’ (LEFEBVRE, 1991, p. 112).

Para Guerra (2014, p. 44):

O procedimento da razão é o ‘vir-a-ser’. Ela é uma condição ou momento do pensamento que busca apreender a realidade como movimento e por isso tem que caminhar de abstrações mais simples, dadas pelo intelecto, no sentido de determiná-las por meio das mediações que vinculam os fatos a determinados processos, saturados de determinações. Atinge seu ápice ao encontrar o substrato material, que é a realidade. Conforme Guerra são duas as categorias de racionalidade: a intelectiva e a ontológica. A categoria intelectiva busca captar a unidade objetiva dos processos sociais, e a categoria ontológica expressa a lógica dos processos sociais de constituição. Na perspectiva ontológica, tem-se que a razão inclusiva incorpora elementos do senso comum e os procedimentos que o intelecto realiza, superando-o.

Nesse aspecto, infere-se que o senso comum em sua lógica formal, conforme Lefebvre (1991), é insuficiente para a passagem do entendimento à razão20 e sua aplicação é limitada, no entanto se trata de uma fase, de um momento da atividade da razão: o momento da abstração.

A lógica formal, lógica da forma, é assim a lógica da abstração. Quando nosso pensamento, após essa redução provisória do conteúdo, retorna a ele para reapreendê-lo, então a lógica formal se revela insuficiente. É preciso substituí-la por uma lógica concreta, uma lógica do conteúdo, da qual a lógica formal é apenas um elemento, um esboço válido em seu plano formal, mas aproximativo e incompleto (LEFEBVRE, 1991, p. 83).

Ao encontro dessa assertiva, Pereira (1982) posiciona-se asseverando que a lógica formal e a lógica dialética constituem-se em estágios complementares de um único caminho. A lógica dialética, não é a superação da lógica formal, mas uma incorporação desta.

20

Conforme Lefebvre (1991, p. 234), “O entendimento (inteligência) analisa, separa, divide; e deve fazê-lo. A razão une, agrupa, esforça-se por encontrar o conjunto e a relação. Mas a contradição entre o entendimento e a razão renasce sempre e deve sempre renascer, e isso porque, incessantemente, o entendimento deve separar e a razão unir”.

(42)

A entrada pelas portas da lógica dialética é o ato de assumir as definições ou as leis do pensamento concreto, ritmado pela dinâmica da realidade, conferindo esse mesmo dinamismo a essas formas de pensamento enquanto discurso aberto (PEREIRA, 1982, p. 24).

Em Lefebvre (1991) e Pereira (1982), observa-se que a lógica formal é um elemento, um estágio da lógica dialética. Trata-se, aquela, de uma aproximação incompleta do real. A lógica formal ao captar a forma21, a aparência, o fenômeno da coisa, lança sob ela um entendimento. A lógica formal ao ser incorporada pela lógica concreta possibilita a apreensão da coisa em si pela razão, possibilita chegar à essência, à verdade (ainda que aproximativa e em permanente processo de mudança).

Segundo Lefebvre (1991, p. 84, grifos do autor), a forma tomada isoladamente se transforma em formalismo. Pontua que “Não é a lógica

formal enquanto tal que deve ser julgada com severidade, mas sim o formalismo lógico [...]”.

A racionalidade também é trabalhada por Pontes (2009). Para o autor o conhecimento científico, que deve ser fiel à realidade social, tem se polarizado em duas grandes matrizes de pensamento e, consequentemente, em duas racionalidades: a teoria positivista em sua racionalidade instrumental-manipulativa (positiva); a teoria marxista e sua racionalidade crítico-dialética (negativa). Para cada formulação a razão assume formas nitidamente distintas.

Pontes (2009, p. 31) diferencia as duas matrizes de pensamento apontando que:

A primeira busca compreender o funcionamento da sociedade e das estruturas que a compõem, com a finalidade de controlar, corrigir e reformar as disfunções das relações sociais, contribuindo para que o mais avançado modo de organização sócio-econômico (sistema capitalista) que a humanidade conquistou se mantenha garantido nas suas formas gerais e no seu aperfeiçoamento necessário.

21

Em Lefebvre (1991 p. 219, grifos do autor) “[...] a aparência está na coisa. A essência não existe fora de sua conexão com o universo, de suas interações com os outros seres. Cada uma dessas interações é um fenômeno, uma aparência. Em si, a essência é apenas a totalidade das aparências; e a coisa é apenas a

totalidade dos fenômenos [...]”.

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