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Determinantes estruturais do estado ampliado neoliberal no Brasil: 1990-2010

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Academic year: 2021

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Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC

Centro Sócio-Econômico

Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais -

PPGRI

DIOGO DE OLIVEIRA DA SILVA

Determinantes estruturais do Estado Ampliado

Neoliberal no Brasil: 1990-2010

Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina para a obtenção do Grau de mestre em Relações Internacionais.

Orientador: Daniel Ricardo Castelan

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Esta dissertação é mais uma etapa de um longo processo de formação intelectual-formal que começou em 2010, quando entrei numa Universidade Pública pela primeira vez na vida. Do lugar de onde eu vim, da história familiar de onde eu fui parido, as pessoas não entravam nestes ambientes de formação do pensamento científico; de tal modo que se havia alguma referência ao papel do campo universitário, ele era distante e não se constituia para mim e para a maioria dos meus colegas, uma alternativa válida. Então imagine como foi o meu primeiro dia de aula... os doutores, os colegas de classe, as diferenças sociais estavam todos ali, no meu primeiro dia de aula, sentados na mesma cadeira que eu, disputando comigo um espaço comprimido de realização.

*** Entre os doutores

Pra dizer a verdade, eu nunca os tinha visto, a não ser pela figura dos patrões da minha mãe, doutores por poder de mando, e aqueles que apareciam na televisão, doutores por poder de mídia privada; mas doutor mesmo, de título e saber, com o qual eu pudesse usar a palavra, era uma primeira vez.

Diferente dos casos dos doutores por poder de mando, onde usar o verbo implicava em riscos conhecidos, e dos doutores de mídia, onde o princípio da “incomunicabilidade” é a regra do formador de opinião, com o doutor do saber o processo de diálogo foi mais suave, porque, a despeito do afastamento entre o papel social exercido por estes e o povo, na cultura popular exercita-se uma lógica de confrontamento direto contra o poder científico, que se encontra na religião, no “senso comum” da gentes e na sabedoria popular.

No senso comum do povo, os doutores eram importantes por seu status social, não necessariamente por seu saber científico. Afinal, todos ali sobreviviam com a cultura que possuiam e compartilhavam, com o saber que traziam de várias gerações, e os doutores... bom, os doutores eram os médicos, que competiam em sua terapêutica com as plantas, as benzedeiras e as orações. Com isto faço um agradecimento à cultura popular com a qual fui criado, que foi base para todas as minhas aventuras nos terrenos do novo saber que passei a frequentar a partir de 2010. Reconhecendo, por esta via, a diversidade dos saberes sem, a partir disto, negar a potência dominante e a importância do saber científico, o que seria um contrasenso com o que

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potente desta civilização, nunca esteve diretamente lá.

Em adendo, na universidade, agradeço aos sérios doutores com os quais pude, de fato, usar a palavra. É indescritível o prazer de ver um novo mundo, usar outros signos para as coisas que todo dia vemos, poder dar sentido material a tudo que antes era apenas explicado pelo transcendental. É uma revolução histórica, de séculos, que se expressa no corpo de um homem, com a sua finitude de algumas década de vida. Estes doutores, em seu sentido mais elevado, acima do que previamente eu conhecia pelos títulos, foram os guias de muitas destas minhas revoluções. Não vejo melhor forma de agradecê-los do que dedicar o esforço de pensamento feito nesta dissertação a todos eles. *** Colegas e amigos

Os colegas, em abstrato, também eram previamente conhecidos. Sabia que era gente com o que Bordieu chama de capital cultural bem diferentes do meu. Gente que tinha ido a bons museus, lido muitos livros, viajado por muitos países; gente que tocava instrumentos musicais, gente que falava outros idiomas, enfim, gente que não era a gente com os quais eu convivia.

Quem já viu “Santo Forte” do Eduardo Coutinho, pode ter uma ideia do peso do que eu estou falando, se recordar o depoimento de dona Tereza – que é empregada doméstica e mora numa casa de precárias condições na favela –, sobre o seu gosto musical por Beethoven: “Eu adoro música, eu adoro Beethoven, tenho até o disco dele aí (...) Eu já passei uma vida lá na terra onde ele nasceu (...) por isso que eu gosto, porque eu sou analfabeta, não sei ler, não entendo nada, como é que eu posso gostar de Beethoven?”.

No Brasil de Tereza, o fosso que distancia pobres e ricos não está apenas nas relações mediadas pela produção e distribuição do excedente – que aloca papéis sociais para cada um – , mas também na cultura, onde uma parte da herança da civilização é negada, estranha aos pobres e usada contra eles como instrumento de opressão. As universidades de qualidade, ainda que implicitamente, cobram esta herança como pré-requisito para que o sujeito seja admitido como parte da instituição, e tende a ser um problema pesssoal do sujeito romper com uma estrutura de séculos de negação do direito à civilização cultural do homem. Pensar em conexão entre cultura popular e

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Sobre este aspecto, me recordo bem que na época em que eu entrei na universidade, a mídia havia escolhido as cotas raciais e sociais como objeto de crítica implacável. Pasmo, li um artigo num grande jornal de São Paulo que utilizava-se de um “engenhoso” argumento racista e de preconceito social contra as cotas. Assim dizia o articulista do jornal: se há numa sala de aula 75% de jovens com alta cultura (para ele, a classe média, que sempre esteve na universidade) e 25% de jovens das classes populares, é possivel que os últimos elevem-se com o contato com os primeiro; no entanto, se você coloca 50% de cada grupo, este processo não acontece, mas justamente o contrário, os pobres é que “vencem” culturalmente.

E os argumentos contra os pobres se estendiam, destes, mais racistas e preconceituosos, até os justificados pela razão técnica. Afinal, seriam os jovens de escolas públicas e sua cultura popular capazes? A classe média sempre teve uma reserva de mercado na universidade, não é novidade pra ninguém, mas enfrentar estes tipos de argumentos e a ação prática de discriminação decorrente dele não era tarefa fácil.

Não entrei sozinho na universidade, comigo, antes de mim e depois entraram e entrarão muitos jovens dos 50% temidos pelo colunista do caso que citei acima. A todos estes jovens, agradeço a força que juntos compartimos, num grito de coragem que tem que se repetido sempre, para que nunca se esqueçam de quem somos.

Os reais colegas de universidade, não os abstratos, que independente das nossas diferenças sociais, viraram amigos, agradeço imensamente. Se depois de 8 anos, ainda estou na universidade, foi pela solidariedade e generosidade deles. Para citar o caso mais expressivo, tanto por amizade, quanto por laço compartido em longa trajetória, falo de Bruno Haeming. Nos formamos no mesmo curso, nele fizemos uma amizade e pelos caminhos das nossas conversas, fomos para no mesmo curso de pós-graduação. Eu não consegui bolsa, tive que trabalhar para poder levar o curso adiante. A escala de trabalho, somada às aulas e aos estudo tornavam a rotina estafante e, por isso, disse ao Bruno que pensava em desistir, dar um tempo e depois retornar. Se estou entregando esta dissertação como pré-requisito para o meu mestrado, devo isto a imensa generosidade do Bruno que, me vendo desistir, estendeu a mão e me ofereceu, por meses, auxílio financeiro até que eu conseguisse a bolsa. Isto foi um gesto de solidariedade que vai ficar marcado pra sempre em

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Mais alguns amigos também quero lembrar por terem tornado este caminho até aqui mais belo. Bruno Leão e Raabe Moro, que estiveram presentes na minha vida durante boa parte desta longa trajetória e para os quais tenho enorme carinho, pois me ensinaram muito sobre o que é a amizade. Vitor Luiz, por ter sido um companheiro durante esta estrada e por ter me ajudado a segurar as pontas, nos momentos onde eu tive menos esperanças. Rafael Mello, pela amizade, pela alegria, pelos diálogos e por me ensinar a ser gay, o que não é tarefa das mais simples numa sociedade que ordena os corpos pela estrutura patriarcal do machismo. Bento, Duda, Aline e Gabriel Mendon, por toda cumplicidade e amizade em nossa casa. Cris, que mesmo morando distante, continua perto. Everson Fernandes, que é amigo de longuíssima data e com o qual confindencio muito de mim. Jaques Vargas, que é, além de amigo, um dos que me ensina a ter coragem de abrir novos mundos.

Esta dissertação não teria sido concluída sem o apoio, a liberdade, a compreensão e orientação do professor Daniel Castelan, a quem agradeço a confiança e a oportunidade de ter sido seu orientando.

Agradeço também a secretária do PPGRI, Lúcia, por toda sua atenção e simpatia conosco, também agradeço aos professores do programa pela luta que arduamente levam para construí-lo.

Com esta dissertação, eu encerro um longo ciclo. Sou imensamente grato à todos vocês por terem sido parte dele.

Agradecemos também a FAPESC - Fundação de Amparao à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina – pela financiamento, através de bolsa de estudos, desta pesquisa que aqui apresentamos.

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RESUMO

Nos anos 1990, surge no Brasil um modelo de inserção externa organizado em torno de ideias e ações práticas institucionais de liberalização financeira e comercial, e complementadas – posteriormente, na mesma década –, por um processo de estabilização macroeconômica que terminam por vincular os caminhos da economia brasileira a nova divisão internacional do trabalho realizada pelo capital financeiro e pelos oligopólios transnacionais. Este modelo de inserção externa do Brasil, que com o acúmulo de forças no decorrer da última década do século XX e primeira do século XXI, tende a se consubstanciar em um projeto político de longo curso, busca construir uma hegemonia, que identificamos como neoliberal. Através de uma abordagem gramsciana e de outros autores que versam sobre a construçao de um Estado Ampliado, como fenômeno de criação de um bloco histórico nacional, quanto do neoliberalismo, como fenômeno global de organização do capital, buscaremos identificar os quadrantes fundamentais, externos e internos, que norteiam este novo arranjo político e econômico na economia brasileira. Tendo em vista a hipótese de que há um continuum histórico deste projeto político no Brasil de 1990-2010, buscamos delimitar quais forças sociais emergem das estruturas produtivas do país e como se interrelacionam na construção deste modelo de inserção externa, para destacarmos os limites e pontecialidades de formação de um Estado Ampliado Neoliberal no Brasil.

Palavras-chave: inserção externa; Estado Ampliado; Neoliberalismo; determinantes estruturais

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ABSTRACT

In the 1990 decade emerges a external insertion model in Brazil around institutional and practical ideas of commercial and financial liberation that after,in the same decade, was complemented by a process of macroeconomic stabilization that have paved the path of the Brazilian economy to the new international division of labor that has been performed by financial capital and transnational oligopolies. Through a gramscian approach and other authors that discuss the concept of Extended State, as a phenomenon of the creation of a national Historic Bloc, and of neoliberalism, as a global phenomenon of organization of capital, we aim to identify the fundamental quadrants – internal and external- that gives the north for this new Brazilian political and economic arrangement. Assuming that there is a historical continuum hypothesis concerning a political project that lasted in Brazil between 1990-2010, we aim to identify which social forces emerges from the country’s productive forces and how they interact in the construction of external insertion model, so we can contrast limits and potentialities for a Extended Neoliberal State conformation in Brazil.

Key-words: external insertion; Extended State; Neoliberalism; structural determinants

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Gráfico 1 - Taxa de Formação Bruta de Capital Fixo (1970-2007)---64 Gráfico 2 – Coeficiente de Penetração das importações - Indústria de

transformação – 1991.1 – 2002.2---83 Gráfico 3 – Coeficiente de Exportação – Indústria de Transformação 1991.1-2002.2---84 Gráfico 4 – Balança Comercial do Brasil (U$$ FOB) (1989-2011)---108 Gráfico 5 – Produtos da indústria de transformação por intensidade tecnológica – Balança Comercial (U$$ FOB) (1999-2011)---110 Gráfico 6 – Valor das Remessas dos lucros, dividendos e juros no Brasil (2004-2011)---113 Gráfico 7 – Percentual das exportações brasileiras de commodities e

manufaturas (1999-2011) ---121 Gráfico 8 – Balança Comercial agrícola brasileira – série histórica (U$$ Bilhões) ---122 Gráfico 9 – Balança Comercial da economia brasileira e do agronegócio (1990-2012)---123 Gráfico 10 – Evolução dos Investimentos diretos recebidos e realizados - Brasil (U$$ bilhões) ---128 Gráfico 11 – Estoque de investimento realizados no exterior – Brasil (U$$ bi) ---129 Gráfico 12 – Linha internacional do BNDES – número de operações por setor ---131 Gráfico 13 – Evolução dos preços das terras agrícolas, em 2002-2014 (1), por tipo de exploração – reais em dez de 2015 ---143

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Carga tributária (% do PIB) – 1970 -1985 ---66 Tabela 2 - PIB setorial: taxa de crescimento (% a.a.) 1981-1989---69 Tabela 3 – Investimento Externo Direto (IED), fusões e aquisições (F&A) e formação bruta de capital fixo ---87 Tabela 4 – Distribuição das 100 maiores empresas por tipo de propriedade, anos selecionados ---89 Tabela 5 – Valor (U$$ milhões) e Participação (%) dos 500 maiores

exportadores (Estrangeiros e nacionais) nas exportações totais ---90 Tabela 6 – Remessas totais, vendas das maiores empresas segundo origem de propriedade ---110 Tabela 7 – Ranking 2010 das empresas brasileiras mais internacionalizadas ---133

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO---5 2 NOSSO USO DE GRAMSCI ---9 2.1 HEGEMONIA, IDEOLOGIA E FORMAÇÃO DO ESTADO

AMPLIADO---22 2.2 SUPERESTRUTURA COMPLEXA---25 2.3 O ESTADO E O ESTADO AMPLIADO---34 3 A FORMAÇÃO DO ESTADO AMPLIADO NEOLIBERAL NO BRASIL---34 3.1 A ÚLTIMA INSTÂNCIA: DINHEIRO, CAPITAL E

IMPERIALISMO---49 3.2 NEOLIBERALISMO E ESTADO AMPLIADO: SÓCIO MAIOR E SÓCIO-MENOR---60 3.3 O ABRE-ALAS: O ÚLTIMO SUSPIRO DO

NACIONAL-DESENVOLVIMENTISMO---71 3.4 ESTADO AMPLIADO NEOLIBERAL BRASILEIRO: O SÓCIO MAIOR---94 4. A EXPANSÃO DO ESTADO AMPLIADO BRASILEIRO: A EMERGÊNCIA DO SÓCIO-MENOR---95 4.1. CRISE E TRAVESSIA POLÍTICA---98 4.2 DO NEOLIBERALISMO AO NEOLIBERALISMO: A DISPUTA POSSÍVEL---102 4.3 O REFORMISMO FRACO, O CONTINUISMO FORTE---112 4.3 A ASCENSÃO DO SÓCIO-MENOR: ORIGENS E EVOLUÇÃO DO CONTINUISMO FORTE---135 CONSIDERAÇÕES FINAIS---145 BIBLIOGRAFIA---157

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1. Introdução

Parte considerável da história dos governos Lula (2003-2010) pode ser sintetizada por meio da profecia autoformulada pela liderança histórica do Partido dos Trabalhadores (PT), seus marqueteiros e estrategistas: a “Carta ao povo brasileiro”. Quem viu aquele movimento histórico em muito poderia encher os pulmões de ar para, com o espírito de Marx , dizer: de te fabula narratur, pois o pesadelo das reestruturações da economia brasileira na década de 1990 se recompunha nas palavras do maior líder de oposição do país, pressionado pela ameaça econômica promovida pelo ataque especulativo do mercado1.

Como resposta às pressões externas, somadas aquelas de ordem interna, a “Carta aos povo brasileiro” se torna o discurso oficial de uma convocação que ascena para novos acordos e renunciais. É o anúncio ao mercado, aos especuladores e aos donos dos meios de produção de que a mudança viria para crescer, incluir e, sobretudo, pacificar as massas populares. Os acordos seriam cumpridos, a integração à globalização por meio da abertura comercial e financeira seria preservada, a estabilidade continuaria no centro das articulação de política econômica, em síntese, que nada de substantivo mudaria.

Os problemas decorrentes do modelo de inserção internacional das aberturas comercial e financeira – o desemprego, a perda de mercado, a falência de parte de uma burguesia, desnacionalização do parque produtivo, o persistente defícit na balança comercial, na balança de pagamentos e o crescimento da vulnerabilidade externa da economia e da dívida pública – continuariam a ser enfrentados com os mesmo métodos do modelo anterior que, como mostraremos, haviam potencializado uma estrutura econômica cada vez mais reprimarizada, desnacionalizada e com maior dependência tecnológica .

As grandes causas nacionais e os eixos de seus discursos contestatórios no plano político eram conduzidos ao campo da economia política tida como adversária das forças que chegam ao governo em 2002; em direção a uma política econômica no que, mais que um programa de governo e mesmo mais do que uma simples síntese de uma querela entre monetaristas e desenvolvimentistas em torno das medidas econômicas certas, o novo governo

1 Ameaça que se materializava em forte depreciação do real, aumento do risco-Brasil e

redução da entrada líquida de capitais num cenário de alto endividamento público, poucas reservas internacionais e dívida indexada a alta taxa interna de juros, bem como ao dólar.

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era, sobretudo, como bem compreendeu o líder do Movimento dos Sem Terra, Stédile (2012), uma composição de classes, na qual, como entendemos, despontavam forças sociais que consolidavam uma estratégia de inserção internacional neoliberal.

No âmbito externo, ponto fundamental do projeto político petista2

(MERCADANTE, 2010), o novo governo se firmou pelo contexto internacional favorável que transformou as exportações do agronegócio e das demais commodities minerais e energéticas em um grande eixo da política econômica , já que serviu para reduzir a vulnerabilidade externa da economia (BARBOSA, 2013), mantendo aberta ao país as fontes de capital internacional. Esta opção de política esteve vinculada à atração de recursos externos, do capital financeiro internacional e de investimentos externos direitos para financiar os gastos do governo e das empresas privadas, no que significou tanto a tutela pouco contestada do país à ordem internacional neoliberal e às “leis” do mercado, quanto, posteriormente, a adesão ativa a esta ordem.

Como contraparte deste movimento externo, o novo governo ofereceu, no âmbito interno, para o empresariado industrial “nacional3” um mercado

interno forte, subsídios, proteção tarifária, estímulos fiscais como desonerações tributárias, entre outras medidas (BARBOSA, 2013), que, apesar de não reverterem o quadro de desindustrialização da década de 90, mantiveram a indústria de transformação viva, ainda que respirando por aparelhos, dada a contínua queda de sua participação no produto interno bruto. Aos trabalhadores e as demais massas despossuídas ofereceu o mercado como tábua de salvação; a empregabilidade em larga escala, ainda que de baixa qualidade; o consumo privado e o alto endividamento; a redistribuição de renda por meio de políticas assistencialistas e do salário mínimo e a promessa de mobilidade social que também encapsularam as massas num acordo nacional.

Nesta articulação, as forças da antítese se apoderaram do programas da força da tese, como descreveu Viana (2007) e ampliaram o arco de solidariedade ao projeto neoliberal, expandindo a diversos grupos de interesses o eixo comum de ligação com relação ao sucesso do modelo de integração econômica à ordem da mundialização do capital.

2 “Esta também era uma coisa que eu tinha obsessão: era preciso ter um dinheiro em

caixa para ganhar mais flexibilidade. Nós fizemos uma festa quando alcançamos 100 bilhões de dólares de exportação. Colocamos até um contêiner lá na frente do Ministério (LULA, 2013, p 27)”

3 No que inclui-se, desde Fernando Henrique Cardoso, todas as empresas transnacionais

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A ideia do mercado, do acesso ao mercado global como grande mola de desenvolvimento, tão comum hoje não apenas aos liberais, mais também aos desenvolvimentistas, foi o eixo que organizou o pensamento e a unidade dos vários agentes sociais deste Estado ampliado neoliberal. Tal unidade deveria girar em torno das ideias gerais de desenvolvimento, crescimento e igualdade – bases ideológicas do chamado novo desenvolvimentismo – , que recuava frente as noções da dependência e do imperialismo como impasses históricos

Nesta lógica, o Estado organiza e orienta as diversas forças sociais em seu acesso ao mercado global que, do ponto de vista das empresas, é tido como grande oportunidade para o acesso a tecnologia, financiamento e maiores grupos consumidores, como atestam os que adotam a abordagem das cadeias produtivas globais acriticamente; do ponto de vista dos cidadãos, trabalhadores ou consumidores, oportunidade de mobilidade social, produtos sofisticados e melhor qualidade de vida. O Estado, para ambos, deve prover as melhores condições desta inserção no mercado, torna-se a atmosfera não apenas da produção, como pensava Zavaleta (1974), mas da própria inserção dos produtores e consumidores no mercado, que passa a ser sinônimo de flexibilidade, oportunidades e altos rendimentos para todos.

Nosso objetivo nesta pesquisa é descrever como se dá este processo em formação de uma hegemonia neoliberal no Brasil que começa em 1990, com as aberturas comercial e financeira, e faz do capital transnacional e financeiro um eixo para o deslocamento da economia brasileira, seu sócio-maior. Em acréscimo, buscaremos mostrar que, para consolidar a estratégia neoliberal de inclusão nos mercados globais, numa economia que regularmente sofre estrangulamentos externos, há a urgência do surgimento de um sócio-menor, por meio do qual esta economia se insere externamente e regula o fluxo da balança de pagamentos. Neste sócio-menor encontramos o agronegócio e demais empresas vinculadas a exploração dos recursos naturais.

A pesquisa se propõe a demonstrar os determinantes estruturais do que denominamos Estado Ampliado neoliberal no Brasil. Entendemos que nestas determinações emergem duas forças sociais que tendem a construir, em novas relações políticas, um consenso neoliberal em torno de um novo modelo de desenvolvimento e inserção externa. Avaliando as interrelações e determinantes de primeira ordem da ação do capital transnacional e dos grandes conglomerados nacionais ligados aos recursos naturais, ou seja suas relações estruturais, podemos conceber, em algum grau, as possibilidades e

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limites da construção deste Estado, bem como os fatores que podem contrarrestá-los, dado que emergem desta mesma estrutura.

Para tal, nosso trabalho será divido em três capítulo que abordarão a temática pela discussão do categorial de pensamento gramsciniano, que nos servirá de base téorica, passando por uma discussão sobre hegemonia, Estado e Estado Ampliado, o fortalecimento do poder estrutural do capital, o surgimento do neoliberalismo e seus impactos na estrutura produtiva do Brasil. Para que fique mais claro, expomos nossa estrutura tripartite de maneira mais pormenorizada.

No primeiro capítulo, faremos uma discussão teórica sobre conceitos como hegemonia, sociedade civil e política, a forças da ideias como ente material, a formação do Estado Ampliado, entre outros temas de Gramsci. Esta primeira parte, como um marco teórico que é complementado, no decorrer do texto, com outros aportes teóricos, será uma das base das discussões sobre o Estado Ampliado neoliberal, que concebemos como o processo de formação de uma hegemonia capaz de soldar os elementos da sociedade política à sociedade civil, formando uma superestrutura complexa, num bloco histórico com determinada direção.

Nesta pesquisa estamos fazendo referência à formação deste Estado Ampliado e não a sua existência per si, por reconhecermos que este é um projeto político ainda em organização na sociedade brasileira. De tal modo, faremos o esforço de destacar apenas o primeiro componente de organização das relações de força que compõem este Estado, que são aquelas originadas dos determinantes estruturais, daquilo que emerge da ordem econômica da sociedade como forças sociais e seus interesses que devem, para constituir-se em Estado, torna-se partido, política e hegemonia.

No segundo capítulo, prosseguiremos a discussão sobre o Estado ampliado adicionando a este um novo adjetivo, onde passaremos a identificá-lo, na dinâmica da realidade brasileira, das forças sociais que lhe dão direção, e na reordenação global do capital, como Estado Ampliado Neoliberal. Para tal, faremos uma descrição de como se processa a formação do poder estrutural do capital por meio da mundialização financeira e das mercadorias; discutiremos o conceito de neoliberalismo utilizado para qualificar nossa noção de Estado Ampliado e mostraremos, em seguida, como se processou a transformação da economia brasileira em direção tanto a esta reordenação global do capital, quanto em direção ao neoliberalismo. O ponto fundamental desta parte é mostrar a potencia do sócio-maior do Estado ampliado neoliberal no Brasil, que é o capital transnacional, portanto, encerramos esta discussão evidenciando

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a penetração do capital externo na economia brasileir dos anos 1990 e seus efeitos na estrutura produtiva e no comércio exterior.

O terceiro, último capítulo, esta direcionado aquele que acreditamos despontar com mais capacidade de ser o sócio-menor deste Estado ampliado que mencionamos no decorrer desta introdução: os grandes conglomerados nacionais internacionalizados, a maior parte deles ligados ao setor de recursos naturais. Para tanto, abordaremos as gestões macroeconômicas e as transformações estruturais da economia no governo Lula – que, como mencionamos, não rompem com o modelo de gestão neoliberal dos governos de Fernando Henrique Cardoso. Dividimos os governos Lula em dois momentos: a) 2002-2006 um período de consolidação do arranjo macroestrutural dos anos 1990; b) 2006-2010 período de avanço do neoliberalismo por meio de um “Estado concorrencial” que combina a abertura comercial e financeira com ativa ação externa, por meio do fortalecimento da competitividade de empresas focadas em commodities, alimentos e serviços. O agronegócio, dados os avanços dos preços internacionais e o crescimento da produtividade, torna-se um dos grandes eixos dessa estratégia de inserção externa que aprimora o neoliberalismo, tendendo a se converter em sócio-menor deste projeto em relação aos capitais transnacionais.

Nos dedicaremos, portanto, a descrever como estas transformações que fazem surgir na economia brasileira os dois sócios que viabilizam uma integração duradoura do país na dinâmica de inserção externa neoliberal e tendem, a partir das determinações estruturais da economia, converte-se em base para a formação de um Estado Ampliado neoliberal no Brasil.

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2. Nosso uso de Gramsci

Neste nosso primeiro capítulo nos preocuparemos em expor de maneira geral, sem deixar de nos atermos a pontos específicos nucleares, a teoria política de Gramsci, grande parte dela extraída de seus Cadernos do Cárcere. Nosso foco será mostrar a perspectiva de hegemonia deste autor, suas interrelações com seu conceito de sociedade civil e sociedade política e como se apresenta, tanto por ele, quanto a partir dele, noções críticas sobre o Estado ampliado.

O que nos guia é a tarefa de descrever os mecanismos fundamentais que estruturam esta teoria que nos servirá de base para sustentarmos uma ideia inicial de nossa pesquisa: que as correlações de forças que tendem a dar origem ao Estado Ampliado Neoliberal estão, em maior parte, a esquerda ou a direita do aspecto político, intimamento vinculadas com marjoritário entendimento de um problema nacional e um de diagnóstico nacional, tema que o leitor encontrará desenvolvido em nosso segundo e terceiro capítulo.

Sem adiantar a carroça aos bois, o que queremos defender é que o diagnóstico de que o grande entrave nacional eram as contas externas, tido como “resolvido” o problema da estabilidade dos preços, levou este novo grupo político que chegou ao governo a adotar uma forma de manifestação de política econômica marcadamente de inclusão harmonizada no cenário externo global, com o fim de “fazer caixa” com superavit primário para o equilíbrio das contas públicas.

Adotando um diagnóstico marjoritário, este novo grupo político também adota uma solução marjoritária, a saber, seguir os preceitos de uma macroeconomia prudencial no que ficou conhecido na literatura econômica como âncora nominal e que, com o impulso do modelo agroexportador, permitiriam mais do que ajustar as contas públicas, mas aprimorar uma forma de Estado neoliberal, momento em que o modelo de inserção externa encontra uma manifestação ativa.

A estratégia de solução neoliberal, conduz a um modelo de política econômica neoliberal e, por consequência, ao avanço da hegemonia de forças sociais das finanças, do capital transnacional e do agronegócio. Há o fortalecimento de uma economia política neoliberal no cerne de um governo progressista de esquerda. Vislumbramos a existência de um Estado ampliado neoliberal continuado e ampliado nas gestões petistas, o que pretendemos demonstrar aqui são as forças sociais que se elevam neste processo.

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Deste modo, será importante nos direcionamos a fazer uma reflexão e apresentar apontamentos sobre estas questões, buscando, a partir de Gramsci e de alguns de seus maiores intérpretes, refazer caminhos das descobertas gramscinianas, pensar seus mais importantes conceitos relacionados a formação do Estado ampliado e buscar interrelacioná-los criticamente, para evidenciar seus limites ou propor alterações de rota, a partir da realidade com a qual vemos o mundo. No que, importa dizer, tem enorme sentido a dimensão do espaço-tempo em que nos encontramos.

Gramsci foi uma dos primeiros intelectuais, no seio do marxismo, a se dedicar em compreender a nova complexidade do tema do Estado e da revolução no século XX, seu esforço teórico renovou os ares da teoria da filosofia da práxis, colocando em debate, como marco para a compressão e ação, os novos instrumentos de dominação burguesa e do desafio necessário a esta ordem, a partir de uma redefinição de conceitos como sociedade civil, sociedade política, Estado e hegemonia, ideias que eram ou ganharam nova centralidade nas discussões de sua época e da atualidade.

Para termos apenas um exemplo de sua radicalidade podemos nos atentar de imeadiato em uma de suas categorias de pensamento mais importantes: a sociedade civil. Compreende-se, ao ler e pensar com Gramsci, que as determinações do que é sociedade civil na história estão imiscuídas de vontades e orientações políticas, foi e continua sendo um conceito movido e articulado pelas variações de interesse de quem o convocou ou o convoca (ACANDA, 2006).

É neste diapasão que o conceito ora é afirmado por forças sociais, ora rejeitado4. Em seu pensamento, Gramsci reaviva o conceito de sociedade civil

– abandonado pelos liberais frente ao inoportuno despertar civilizatório de associações sociais de grupos antagônicos – e dá a ele uma maior elasticidade, o retirando da prisão de uma esfera restringida de ação, para relacioná-lo numa dinâmica nova entre estrutura e superestrutura; constrói, a partir disso, uma nova interpretação da dinâmica da formação do consenso e da legitimidade do poder em sociedades onde a relação entre o Estado e seus representados adquiriam formulações mais complexas, como veremos adiante.

4 Com relação ao conceito de Estado, há um processo parecido de malabarismos e

utilitarismos teóricos, ainda que este, como abstração universal concreta, esteja mais sólido e tangível no ar, na experiência concreta do povo, um duradouro sujeito da história universal, como pensava Hegel (BOBBIO, 1986), o que torna menos densas, porque negadas pela história, as tentativas teóricas – tão em voga em nosso tempo – de buscar relativizá-lo.

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Deste modo, nos aliamos à avaliação de Acanda (2006) sobre o conceito de sociedade civil em Gramsci como uma “noção política, não um instrumento neutro” (p.174). Interpretação que nos leva a buscar definir com mais precisão, com auxílio do arsenal teórico crítico gramsciniano e alguns de seus intérpretes, noções de Estado ampliado, ideologia e hegemonia, eixos centrais de racionalização utilizados por Gramsci para dissecar a estrutura de poder que organiza a adesão massiva a sociedade mercantil e à direção burguesa em nossa contemporaneidade.

Como se pode perceber nas leituras e nos usos de Gramsci, a renovação gramsciniana no marxismo não apenas abriu algumas portas para pensar o novo tempo da direção e hegemonia burguesa, mas também abriu novos caminhos para entender e fazer a luta revolucionária (LACLAU; MOUFFE; 2005). Da guerra de movimento à guerra de posição5, o Gramsci dos cadernos

do cárcere, que viu “a consolidação do regime fascista na Itália, o retrocesso político na Rússia e o economicismo americano” (SEMERARO, p.69, 1999), compreendeu, cabalmente, que o Gramsci dos cadernos político necessitava ser reorganizado em torno de uma compreensão nova dos robustos sistemas de defesa burgueses6 e da luta política.

Da sociedade civil interpretada como uma estrutura complexa, trincheira avançada que pode auxiliar no resguardo da ordem aos efeitos desorganizadores de crises econômicas catastróficas, o italiano vaticinava a necessidade de “desmilitarizar” a luta política revolucionária, que passa a corresponder menos, no imediato, ao assalto ao Estado e mais a “quebra da clausura de sentido” que emana nesta mesma sociedade civil (ACANDA, p. 176, 2006).

Destas considerações sobre a complexidade da luta social e do fortalecimento da hegemonia burguesa, desenvolve-se uma teoria marxista a

5 É conhecida a referência que Gramsci faz em alusão ao método de guerra para expor

sua concepção de nova luta política. Assim está exposta nos cadernos: “não é constituído apenas pelas trincheiras propriamente ditas, mas por todo o sistema organizativo e industrial que está por trás do exército alinhado, sendo imposto sobretudo pelo tiro rápido dos canhões, das metralhadoras, dos mosquetes (...) (GRAMSCI, C C, V 3, 2000 p.72)”

6 Vale ter em conta o que diz Gramsci textualmente: “com a expansão colonial

europeia, todos os elementos se modificam, as relações de organização interna e internacionais do Estado tornam-se mais complexas e robustas; e a fórmula da revolução permanente, própria de 1848, é elaborada e superada na ciência política com a forma da hegemonia civil” (GRAMSCI, C C, V 3, 2000 p.24)

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partir da obra de Gramsci que entrelaça uma concepção nova entre Estado e sociedade civil; estrutura e superestrutura (bloco histórico); ideologia e relações de produção; que fundamentam também uma nova dimensão das relações de poder, da teoria da transformação social, do papel do ideológico, dos intelectuais, da teoria do Estado e da filosofia da práxis fundidos na necessidade de pensarmos uma teoria integral da hegemonia (BURGOS, 2012). Em síntese, feita esta apresentação inicial que introduz as bases gerais pelas quais caminharemos, dividimos a exposição de nosso arcabouço teórico em três sessões; além desta introdução, como primeira sessão, apresentamos numa segunda sessão uma discussão sobre a formação do conceito de hegemonia no pensamento de Gramsci, suas interrelações com a ideologia, a noção de sociedade civil e sociedade política ; na terceira sessão faremos uma discussão sobre a formação do Estado ampliado a partir de um debate sobre o Estado, a junção entre ele e a sociedade civil, as diferenças entre o Ocidente, o Oriente e a América Latina, bem como da dinâmica da composição histórica do Estado ampliado. Estes esclarecimentos estarão em ordem com o que queremos investigar: a ideia de que há, na estrutura da economia brasileira, ainda que como semente, a formação de um Estado ampliado neoliberal.

2.1 Hegemonia, ideologia e a formação do Estado Ampliado Comecemos então a destrinchar nosso Gramsci para esclarecer o porquê de irmos ao marxista italiano a partir de seu conceito-chave, a noção de hegemonia; termo este que, agregamos, tanto quanto outros como a globalização, a sociedade civil, o Estado, foram continuamente transformados pelos mais distintos motivos políticos7, o que implica a necessidade de, ao

7 Aqui precisamos fazer uma ressalva. Ainda que epistemológicamente possamos dar

razão às críticas feitas por Laclau e Mouffe (2005) sobre o conceito de hegemonia, frente a dissolução real da lógica da necessidade histórica na teoria marxista e a ascensão da lógica da contingência, não concebemos como adequada qualquer confusão entre epistemologia e política. A “hegemonia” de Lenin está intimamente ligada à necessidade histórica de seu tempo, não da teoria marxista – ainda que, com a teoria da excepcionalidade do poder dual, como nos apresenta esta discussão René Zavalleta (1974), Lenin tenha buscado justificativa teórica para o problema do encaixe ausente entre teoria e necessidade prática -, o mesmo vale para o conceito de hegemonia desenvolvido por Gramsci e também por Laclau e Moffe. Do nosso ponto de vista, podem haver situações onde a hegemonia descrita por Lenin e Gramsci

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olhar o conceito, entender a realidade a que ele é devedor e repensá-la naquela a qual ele passa a ser credor.

Para irmos direto ao ponto, ainda que em termos gerais, quando nos referimos a hegemonia não queremos dizer domínio ou direção política, consenso ou poder, mas sim nos remetemos a uma totalidade do devir, a uma relação de poder que combina, a partir tanto de um plano econômico-político, quanto de um plano ético e moral, uma síntese de unidade-distinção entre força de consenso e força de coerção (GRAMSCI, 2000). Tomamos a hegemonia como o processo através do qual os agentes sociais se formam em tentativas de recomposição e rearticulação constantes (LACLAU, MOUFFE, 2005), realizadas “en su proceso de devenir Estado, o sea, fuerza hegemônica” (ARICO, 1988, p.14 APUD BURGOS, 2009, p. 26).

É do próprio Gramsci que retiramos esta interpretação, quando, escrevendo a respeito de análises das situações de relações de força afirma:

O Estado é certamente concebido como organismo próprio de um grupo, destinado a criar condições favoráveis à expansão máxima desse grupo, mas este desenvolvimento e esta expansão são concebidos e apresentados como força motriz de uma expansão universal, de um desenvolvimento conviva, sem nenhuma restrição, a hegemonia descrita por Laclau e Mouffe, dado que o importante não é a coerência epistemológica, mas as exigências da política como ato de criação do real. Em outras palavras, não existem, nestes autores, equívocos sobre o conceito na arena política, mas utilizações diferentes do mesmo, para realidades também diferentes. Na Rússia da revolução, um país atrasado em relação aos seus pares europeus no que se refere aos direitos de liberdades políticas, dominados por um regime de ferro do Czar e com grande pobreza, a tarefa do proletáriado como poder que, junto com uma burguesia fraca, desafia a ordem, se fez na necessidade de liderança não só para garantir que a revolução burguesa ocorresse contra os enfretamentos internos e externos, mas também superá-la como marco histórico através de uma unidade superior, sem permitir que os resultados dos enfrentamentos levassem a atomizações sociais. Na Itália e no Ocidente, após o crescimento vigoroso do capitalismo pelo impulso mundial que obteve a partir do fordismo, a grande proletarização e o estilo de produção que reunia muitos operários em um espaço único continuou dando a esta classe a primazia de organização frente todas as frações correlatas dos socialmente explorados. Ambas realidadesa ajudam a explicar, respectivamente, Lenin e Gramsci e suas concepções sobre hegemonia. O pós-fordismo, o surgimento da economia de serviços, o aumento da fragmentação das posições produtivas dos trabalhadores, com descenso do clássico operariado, também ajudam a explicar Laclau e Mouffe em seu conceito de hegemonia.

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de todas as energias “nacionais”, isto é, o grupo dominante é coordenado concretamente com os interesses gerais dos grupos subordinados, e a vida estatal é concebida como uma contínua formação e superação de equilíbrios instáveis (no âmbito da lei) entre os interesses do grupo fundamental e os interesses dos grupos subordinados (GRAMSCI, C C, V3, p.41-42, 2006) .

Em seguida, Gramsci prossegue esta relação de hegemonia como composição entre os grupo dominante e o grupo dominado ascendendo ao Estado Ampliado, onde os interesses do primeiro “prevalecem, mas até um determinado ponto, ou seja, não até o estreito interesse econômico corporativo” (GRAMSCI, C C, V2, p.42, 2006). Nisto, indica que todo o processo de articulação de composição de poder que forma a identidade, a partir do rito de hegemonia, obedece a uma expansão de interesses e de identidade para além determinação da base econômica, sem negar que a classe hegemônica tem, na estrutura econômica sobre a qual se estabelece, uma fortaleza “inquebrantável” de razões nucleares.

A partir disto é que Gramsci (2000) apresenta suas considerações sobre os momentos das relações de forças como um princípio de pesquisa e de interpretação fundamental para o entendimento da formação da hegemonia. Neste particular, aponta três graus das relações de forças sociais como correspondentes a: a) uma relação de força estritamente ligada a estrutura, intimamente correspondente ao grau de desenvolvimento das forças materiais de produção; b) uma relação de forças políticas, destinada a avaliar o quanto de homogeniedade, de autonconsciência e de organizaçao tem os grupos sociais que se pretendem hegemônicos; c) uma relação de forças militares, onde distingue militar em sentido técnico-militar e político militar.

Nos interessa, pela discussão que traçamos aqui a respeito da hegemonia, focarmos no Gramsci diz sobre o grau ou momento político, ainda que, como veremos adiante, este não seja o objeto estrito de nossa análise, o fazemos apenas para que se entenda porque estamos nos referindo, no objeto desta pesquisa, a construção de uma hegemonia e não a uma hegemonia per si. Como vários autores destacam, a hegemonia é um processo de construção da direção política e ético-moral, entendendo Gramsci a política8

8 Gramsci especifica esta questão da política como ato criador articulando-a em duas

dimensões: a grande e a pequena política. A grande política é aquela ligada a fundação dos novos Estados, da luta pela defesa, destruição, conversação de certas estruturas

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como o ato criador deste processo. Para processar a hegemonia é necessário que determinada classe social saia de sí e transforme a sua identidade para articulá-la com os grupos aos quais se deve estender seu papel hegemônico (LACLAU, MOUFFE, 2005) e isto ocorre a partir das relações de forças existentes que são consubstânciadas na contingência da polítca.

Em outras palavras, como diziam os compositores brasileiros: “quem de dentro de si não sai, vai morrer sem amar ninguém” (POWELL, MORAES, 1966). Tanto para amar, quanto para criar uma hegemonia, necessário é que aquele ou aquilo que se propõem universal seja capaz de formar e conter em si as particularidades de seus subordinados, a tal ponto de que sua identidade seja o resultado do caldeirão das demais identidades, ainda que, como já observamos, toda esta relação esteja fincada em objetivas considerações de caráter da base econômica do grupo hegemônico. A síntese qualificada deste processo só pode ocorrer pelo ato criador da política.

Nas palavras de Gramsci sobre o momento da constituição do hegemônico na formação das correlações de forças (2000):

Um terceiro momento é aquele em que adquire a consciência de que os próprios interesses corporativos, em seu desenvolvimento atual e futuro, superam o círculo corporativo, de grupo meramente econômico, e podem e devem tornar-se os interesses de outros grupos subordinados. Esta é a fase mais estritamente política, que assinala a passagem nítida da estrutura para a esfera da superestrutura complexas; é a fase em que as ideologias geradas anteriormente se transformam em “partido”, entram em confrontação e lutam até que uma delas, ou pelo menos uma única combinação delas, tenda a prevalecer, a se impor, a se irrradiar por toda área social, determinando, além da unicidade dos fins econômicos e políticos, também a unidade intelectual e moral, pondo todas as questões em torno das quais ferva a luta não no plano corporativo, mas num plano “universal”, criando assim a hegemonia de um orgânico sociais. Enquanto que a pequena política é aquela que vige dentro de uma estrutura pré-existente, envolvem questões parciais, do dia a dia. Carlos Nelson Coutinho (2012), no texto a “Hegemonia da pequena política” reflete de maneira pormenorizada esta análise de Gramsci nos concedendo a seguinte reflexão: é grande política transformar tudo em pequena política.

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grupo social fundamental sobre uma série de subordinados (C C, V2, p.41)

Os que conhecem esta passagem da obra de Gramsci sabem que estamos fazendo uma inversão, esta citação que apresentamos agora está exposta anteriormente, nos Cadernos do Cárcere, àquela citação que a precede em nosso texto. Fazemos esta inversão porque agora, que já apresentamos inicialmente a questão da hegemonia enquanto processo de formação do consenso e coerção, precisamos avançar para compreender onde se forma o consenso, e como – aliado ao consenso – se legitima a coerção, qual o papel da ideologia e da política nestas relações. Logo, necessitamos discutir as esferas da sociedade política,e, principalmente, a esfera da sociedade civil, onde os consensos se tornam espírito a procura de um corpo social.

O conceito de hegemonia de Gramsci é “algo que opera não apenas sobre a estrutura econômica e sobre a organização política da sociedade, mas também sobre o modo de pensar, sobre a orientação ideológica e inclusive sobre o modo de conhecer” (GRUPPI, 1978, p.3). Logo, para Gramsci, importa conceber como os homens conhecem e, a partir disso, como se comportam no mundo. O conhecer, assim expresso, por meio da ideologia, recebe em si força material, muda a dinâmica da estrutura, lhe dá movimento. A ideologia é o substantivo intelectual que orienta a prática dos corpos.

Contraditoriamente, é popular no meio científico, poderíamos até dizer senso comum, uma interpretação contrária deste sentido a partir da afirmação de Marx e Engel (2007): “as ideias da classe dominante são, em cada época, as ideias dominantes (p.47) que, em seguida, se complementa: “a classe que é a força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritual dominante” (p.47, grifos nossos). A conclusão de ambos autores é que as ideias dominantes são representação das relações materiais dominantes, são, portanto, as ideias de sua dominação (MARX; ENGELS 2007).

Disto decorre, na intrepretação de alguns autores, que toda consciência advinda desta dominação e da ideologia9 que a ela corresponde é, para aqueles

que não são classe dominante, simples falsa consciência. Da alienação que ocorre pela divisão do trabalho, que separa trabalho material do espiritual, deriva-se a a alienação ideológica. Ludovico Silva (2009), autor marxista venezuelano, aponta suas armas contra a possibilidade do conceito de ideologia designar outra coisa que não a simples “aparência”, aquilo que encobre a

9 Tiene un papel encubridor y justificador de interesses materiales basados en la

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realidade ou o “campo de acción mental encargado de preservar los valores de la clase opressora” (p.89), pensa a ideologia como uma crença, não uma ideia; um preconceito, não um juízo; uma simples acumulação de lugares comuns. (LUDOVICO, 2009).

Nada mais equivocado em relação ao pensamento de Gramsci. Para este autor, a ideologia é mais do que falsa consciência, é mais do que aparência no sentido raso 10, é concepção de mundo, guia das ações práticas, valores e

crenças que em sua dinâmica moldam a participação dos homens no mundo. Como concepção de mundo, entende um fato intelectual (pensamento) e uma norma de conduta (ação), ela “nos torna seres coletivos, sempre fazemos parte de um grupo, somos “conformistas de algum conformismo” (p. 94). Em Gramsci, a ideologia e o ser se fundem em uma unidade-distinção.

A concepção de mundo, como significado mais alto, ao tornar-se ideologia, é fundamental para “conservar a unidade ideológica em todo o bloco social que está cimentado e unificado justamente por aquela ideologia” (p.99). Em outros termos, para Gramsci as ideias tem força material porque moldam comportamento e, neste sentido, elabora em nível mais elevado as próprias concepções de Marx e Engels sobre classe dominante e ideologia, exatamente porque demonstra o processo de formação do senso comum que se tornam as ideas de dominação, as ideias da classe dominante.

Para aclararmos melhor este ponto, prestemos atenção no conceito de “bloco social”, que demonstra o processo de formação das ideias dominantes. Passemos a discutí-lo. Staccone (1987) assim defini o conceito de bloco social ou histórico de Gramsci: “realiza-se quando um grupo social, originado de uma atividade econômica, consegue impor a sua hegemonia sobre os demais grupos sociais, criando um consenso ao redor do seu projeto de sociedade, e da sua concepção de mundo (p.17)”. Percebe-se, desde logo, que o bloco histórico ou social está ligado a uma situação concreta, de uma estrutura econômica ligada a

10 Gramsci aponta para a necessidade de considerar no terreno histórico e dialético “

“daquilo que é históricamente caduco e digno de desaparecer”, no sentido do caráter “não definitivo” de toda filosofia, da “morte-vida”, “ser-não-ser”, isto é, do termo dialético a superar no desenvolvimento” (p.27) o termo aparente, a aparência, tão vilependiada por muito marxistas que fazem dela tábula rasa. A aparência, nos cadernos da cárcere, é descrita como aquilo que afirma a transitoriedade, “caducidade” do sistema ideológico, ao mesmo tempo que afirma uma “validade histórica de todo sistema e de sua ncessidade” (p.27). Recorda o autor que é no terreno da ideologia que os homens adquirem sua consciência, conforme diz a filosofia da práxis, o que, para ele, por si só afirma a necessidade e a validade das aparências.

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uma superestrurura, é o momento auge da dominação hegemônica, mas que não há, de imediato, uma derivação não dialética da formação das ideias dominantes e como elas, na prática, informam o pensamento e ação de uma coletividade social.

De tal modo, para romper ou para fundar este processo de dominação ético-política, há a necessidade de uma compreensão crítica da realidade, por meio de uma “luta hegemônica” no campo da ética, da política e na elaboração de uma própria concepção do real. Disto observa-se a importância que Gramsci dá aos intelectuais orgânicos, ao partido, às proprias ideias como força material, aqueles componentes sociais capazes de reconectar o trabalho material ao espiritual ao organizá-lo, exatamente porque são resultado da própria dinâmica da posição de classe dos sujeitos e de suas rearticulações e podem, portanto, quebrar o bloco social existente substituindo-o por um outro. O ponto mais importante na teoria gramsciana que fornece sentido a esta potencialidade de quebrar a ordem das ideias dominantes está no Partido11como o príncipe moderno, e das ideias, na possibilidade de, através da

política, desafiar a ordem existente e o bloco social, construindo uma nova concepção de mundo e uma nova hegemonia.

Esta potencialidade está organizada no que Gramsci (2000) entende por vontade coletiva12, como uma consciência que opera a necessidade histórica,

um verdadeiro sujeito da história. É, nestes termos, a grande propulsora da história, aquilo que liga a dinâmica da superestrutura aos efeitos na realidade, em outras palavras, a “articulação do momento teleológico da ação” com o “momento causal-genético” (COUTINHO, 2008, p.34).

Como entendemos, estas movimentações vulcânicas da teoria de Gramsci que formam uma nova ligação entre estrutura e superestrutura, uma nova ordenação da luta revolucionária, fazem parte de um esforço teórico do autor para desvincular o pensamento marxista do economicismo, sem cair no

11 O Partido, para Gramsci, que se inspira no príncipe de Maquiavel, é aquele que

organiza, sintetiza e desperta a vontade coletiva, porque nele já teve início a vontade coletiva firmada na ação. Ele é o responsável por formar uma reforma intelectual e moral que criar o terreno para o surgimento de uma vontade coletiva nacional. Esta reforma intelectual e moral não está dissociada de uma reforma econômica, dado que é ela o “modo concreto através do qual se apresenta toda reforma intelectual e moral” (GRAMSCI, C C, V 3, 2000, p.19)

12 “É preciso definir a vontade coletiva e a vontade política em geral no sentido

moderno, a vontade como consciência operaosa da necessidade histórica, como protagonista de um drama histórico e efetivo” (GRAMSCI, C C, V 3, p.17, 2005).

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voluntarismo. É recorrente nos cadernos de Gramsci críticas direcionadas ao pensamento que imagina que da estrutura, pura e simplemesmente, se possa obter as transformações sociais ou mesmo a identificação mais rasteira dos interesses das classes dominantes e suas ideias. Ao mesmo tempo em que Gramsci faz um esforço para evidenciar o quanto a superestrutura atua como trincheira avançada da manutenção da ordem, o quanto esta última importa no direcionamento dos sinais da estrutura. A crise na estrtura, por si só, afirma Gramsci (2007), não debilita o posicionamento do inimigo, porque este último conta com novas couraças protetoras para além do Estado em sentido estrito, que partem do que Gramsci entende por sociedade civil.

Neste sentido, não se trata apenas de demonstrar a alienação histórica de um sujeito social, de mostrar a ele o sentido oculto do real, como no filme They lives, de John Carpenter (1989), onde um pequeno grupo social descobre a verdade e encontra um método engenhoso de criar um equipamento simplista – um óculos – que, uma vez usado, permite ao sujeito ver o real e desfazer-se de suas fantasias. A noção profunda da concepção de Gramsci é que o sujeito deve ser criado, refundado, que a partir de uma base material que lhe diz respeito, deve-se construir um novo sentido.

Em nossa concepção, este movimento de formação do ser não obedece a uma lógica necessariamente linear de surgimento dos sujeitos históricos do estilo senhor feuda-servo, burguês-operariado, culminando na eliminação das classes, mas refere-se apenas ao movimento de formação da identidade dos sujeitos, que pode ser usado para construir em novos moldes dominações passadas, quanto para eliminá-las, no sentido da promessa histórica do marxismo. Esta disputa de diferentes projetos numa só sociedade culmina numa luta de classes, apenas quando estas classes constituem para si um partido.

Já fizemos várias referências a nova concepção de hegemonia dada por Gramsci, bem como a maneira como este autor pensa a formação das ideias dominantes em determinada sociedade – a hegemonia é resultado da ação de uma vontade coletiva do processo de formação do consenso –, ao mesmo tempo que afirmamos que o momento alto de constituição da classe hegemônica é quando esta consegue universalizar seus interesses, incluindo entre eles os interesses daqueles grupos subordinados, no que já resumimos a hegemonia como um devir Estado.

Retomemos então um tema que já discutimos para aclararmos melhor a composição deste último ponto: da nossa perspectiva, o bloco histórico é a categoria totalizante do pensamento de Gramsci, onde a estrutura e a

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superestrutura, o conteúdo e a forma, expressam uma unidade e distinção dialética. Todo bloco histórico é a representação de uma hegemonia de um determinado grupo que emerge da estrutura e se universaliza, colocando em sua órbita, sobre sua liderança política e intelectual, uma pleide de grupos subalternos articulados em torno de um programa econômico e ético.

Como o marxista italiano é o fisólofo do devir, e não da estabilidade, a concepção de bloco é utilizada para explicar a dominação, ao mesmo tempo em que buscar mostrar as possíveis formas de superação desta condição histórica. Desde logo entende-se que a compreensão do bloco histórico por si só não basta para entender o devir Estado, porque indica um momento da dominção. É preciso dissecá-la para ver a composição interna das relações de poder. Gramsci analisa o bloco histórico repartindo-o, em termos metodológicos, em estrutura e superestrutura e, dentro desta ultima, realiza uma nova divisão, composta pelos conceitos de sociedade civil e sociedade política, esferas “distintas e relativamente autônomas” (SEMERARO, 1999, p.74) de um composto estatal, o Estado Integral ou Estado Ampliado.

Estas últimas duas esferas, sociedade civil e sociedade política, atuam como componentes de articulação entre coerção e consenso. Na sociedade política, funda-se o ordenamento jurídico social, os organismos de Estado como o executivo, o judiciário, os instrumentos de repressão social. Na sociedade civil, fundam-se os organismos “privados” e voluntários de hegemonia. Ambas, em conjunta atuação, são o Estado ampliado. Separadamente, por questões exclusivamente metodológica, formam, por excelência, o Estado como organização do consenso (sociedade civil) e o Estado como aparelho de poder (sociedade política) (GLUCKSMAN, 1980).

O conceito de sociedade política que, isoladamente, é responsável pela coerção, pelo ordenamento jurídico, pela manutenção dura da ordem, pela força, pelo “amor da força” identifica-se mais cabalmente no exército, na polícia, na administração estatal, na burocracia, nos tribunais, que, em geral, funcionam como pontos de sutura no Estado ampliado. Como uma tesoura precisa ter duas lâminas para cortar, para que exista hegemonia como consenso13, necessariamente resguardado pela coerção, ambas, sociedade civil

e sociedade política, precisam funcionar juntas, mas é a sociedade civil o palco

13 No pensamento de Gramsci, a sociedade como puro consenso só é resultado da

absorção da sociedade política pela sociedade civil, da eliminação das diferenças entre governados e governantes, surgida através da extinção do Estado – democrático parlamentar e criiação de “um novo tipo de Estado, gerado pela experiência associativa da classe proletária” ( E P, p.262, 2004).

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de ações privilegiado na obtenção do consenso e a ela que dedicaremos nossa maior atenção agora, para compreendermos o devir Estado.

Gramsci é o grande autor que restaura o conceito de sociedade civil no século XX. Como recorda o marxista cubano Jorge Luis Acanda14, o conceito é

antigo, remonta ao pensamento liberal em seu período revolucionário, mas foi relegado ao esquecimento por este mesmo pensamento, em seu processo de conversão de ideologia revolucionária à ideologia mantenedora da ordem social15. Acanda (2006), assim sintetiza o debate em torno do tema:

A tentativa do liberalismo inicial de converter o conceito de sociedade civil – e o espaço objetivo que esse conceito se referia – em elemento capaz de expressar e alcançar a síntese das contradições da sociedade moderna trazia em si uma concepção do ser humano que, por ser especulativa, era insustentável. Percebendo a seriedade das constradições existentes na sociedade civil, Hegel pensou superá-las sujeitando a sociedade civil a um Estado concebido como entidade ética. Marx, por sua vez, submeteu a concepção liberal do Estado como elemento neutro e intermediário, e toda concepção do homem que se apoiasse numa antropologia especulativa, a uma crítica implacável e colocou em primeiro plano a tese de impossibilidade de encontra uma “chave mágica” ( a ideia da sociedade civil na ilustração escocesa ou do Estado como expressão da eticidade em Hegel) que permitisse reconciliar as contradiçoes entre o público e o privado, e entre os intersses

14 O livro de Jorge Luis Acanda “Sociedade civil e hegemonia” é um primoroso

dissertar sobre as transformações que passa o conceito de sociedade, no melhor estilo da economia política, das várias matizes do pensamento liberal, a exposição de Hegel e crítica de Marx sobre o mesmo conceito, em sua relação com o Estado. O aporte interpretativo que Acanda da a sociedade civil no seu contexto histórico e também em Gramsci, refletindo, ainda, sobre a chegada do conceito em Cuba e sua recepção social, é de grande contribuição para esta dissertação e para todos que buscam compreender a oxigenação dada ao pensamento marxista a partir de Gramsci.

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dos diferentes indivíduos que conformam a sociedade capitalista.

Se olharmos para a história das doutrinas políticas depois de 1848, veremos que os ideológos do liberalismo não responderam a esses ataques e que abandonaram a ideia de sociedade civil (p. 165).

Gramsci não recupera apenas o termo do esquecimento histórico, mas o transforma em ponto fundamental de seu pensamento, ligado a prática política, ao exercício da vontade coletiva. A propósito, é exatamente na sociedade civil que, no pensamento do autor, se forma a primeira face da nova hegemonia no capitalismo. Em síntese, na sociedade civil, se articula o consenso como direção moral e intelectual, forma-se a vontade coletiva, se articula a estrutura material da cultura, componentes que criam o sujeito e implicam na formação do Estado (STACCONE, 1987; SEMERARO, 1999; BURGOS, 2002; ACANDA, 2006), mas este, vale dizer, não é um movimento unidirecional.

Históricamente, o conceito de sociedade civil esteve formado por oposição ao de Estado; como recorda Bobbio (1986) a sociedade civil era pré-estal, anti-estatal ou pós-estatal16. Pode-se dizer, de início, que a sociedade

civil é o espaço onde existem as classes sociais, os movimentos sociais, os agrupamentos étnicos, as organizações sociais de vários gêneros, em síntese: entes “privados”. A riqueza de pensamento do Gramsci é considerar a sociedade civil como sociedade civilizada17 através, como veremos adiante, da

16 Em termos apresentados por Bobbio (1986), a sociedade civil pré-estatal é aquela

decorrente do pensamento justunaturalista, onde antes do Estado, os indivíduos se associavam para buscar seus interesses e criam esta superestrutura estatal para regular as relações individuais, sem interromper sua dinâmica natural, é a concepção do Estado gendarme vis a vis a sociedade dos indivíduos livres e possuidores de propriedade. A segunda conotação, da sociedade civil como anti-estatal, é entendida como aquela onde mora o contra-poder, onde se manifestam as instâncias que visam alterar as relações de dominação. Já a terceira conotação, a pós-estatal, é aquele ideal de uma sociedade sem Estado no que, discordamos de Bobbio, não é necessariamente o posicionamento de Gramci, dado que a reabsorção da sociedade política pela sociedade civil não implica o fim de qualquer Estado, mas sim do Estado-democrático parlamentar.

17 Bobbio (1986) afirma que é com Adam Fergunson “ Ensaio sobre a história da

sociedade civil (1767) e os escoceses que sociedade civil ganha o significado de sociedade civilizado. Em Marx, a sociedade civil e em Hegel é expressa como

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ação do Estado18; é na sociedade civil que não só se produzem, mas se

reproduzem os sujeitos. É também na sociedade civil onde se produz a legitimação do poder no Estado ou, em termos gramscianos, a hegemonia.

Vimos que o pensamento liberal, na concepção gramsciana, comete um erro ao considerar a distinção entre sociedade civil e sociedade política como orgânica (GRAMSCI, C C, V 3, 2000, p.46). Entretanto, este não é necessariamente um erro se considerarmos a necessidade política que tinham os liberais revolucionários de isolar relativamente o Estado da esfera privada e de que sua luta não se deu contra qualquer Estado, mas, em muitos lugares, contra o Estado absolutista; um outro argumento é o expresso por Bobbio (1986):

A contraposição entre a sociedade e o Estado que alça vôo com o nascimento da sociedade burguesa é a consequência natural de uma diferenciação que ocorre nas coisas e, ao mesmo tempo, de uma consciente divisão de tarefas, cada vez mais necessárias, entre os que se ocupam da “riqueza das nações” e os que se ocupam das instituições políticas, entre a economia política num primeiro tempo e a sociologia num segundo tempo (p.51) Entretanto, o que sustenta a ideia de Gramsci sobre o Estado Integral, sociedade civil + sociedade política, não é uma simples crítica ao pensamento liberal. Há um período histórico de maior junção entre Estado e sociedade civil, onde há uma interpenetração entre eles, pelo processo de democratização que ocorre na Europa. Há o processo de estatização da sociedade e socialização do Estado (BOBBIO, 1986). Acanda também mostra como “explosão da sociedade civil” (2006, p.171), expondo que as lutas sociais dos trabalhadores, das massas populares, das mulheres e etc. tiveram um efeito de ampliar o espaço da sociedade civil e mostrar à elites dominantes que “o Estado já não podia continuar sendo interpretado, pelo resto da sociedade, como “comitê sociedade burguesa (ACANDA, 2006). Gramsci retoma a noção de sociedade civilizada pela ação do Estado e pela formação do consenso.

18 “Tarefa educativa e formativa do Estado, cujo fim é sempre o de criar novos e mais

elevados tipos de civilização, de adequar a “civilização” e a moralidade das mais amplas massas populares às necessidades do contínuo desenvolvimento do aparelho econômico de produção e, portanto, de elaborar fisicamente tipos novos de humanidade” (GRAMSCI, C C, V 2, 2000, p.23).

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