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Papel dos receptores canabinoides do tipo 2 hipocampais na modulação das memórias traumáticas

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS DEPARTAMENTO DE FARMACOLOGIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FARMACOLOGIA

Papel dos receptores canabinoides do tipo 2 hipocampais na modulação das memórias traumáticas

RAFAEL SCOZ SILVA

Tese apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Farmacologia do Centro de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Santa Catarina como requisito parcial à obtenção do título de Doutor em Farmacologia.

Orientador: Prof. Dr. Leandro José Bertoglio

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AGRADECIMENTOS

Aos meus queridos pais: Luiz Gonzaga e Jussara, pelo amor, carinho, atenção e, principalmente, pelo apoio incondicional em todas as horas, mesmo que para isso tenha sido necessário abdicar de muitos dos seus planos e sonhos para que os meus fossem possíveis.

À minha irmã Leticia, pelas conversas, pelo amor e pelo apoio.

À minha namorada Daniela, pelo carinho, atenção e amor em todos os momentos.

Aos meus amigos, pelas conversas e trocas de experiências. Ao professor Leandro José Bertoglio pela orientação.

A todos os colegas do Laboratório de Neuropsicofarmacologia e do departamento de farmacologia por esses 10 anos de amizade, carinho, apoio, orientação e dedicação a minha formação e diversão nos momentos extra laboratório.

Aos membros da banca, Prof. Dr. Rui Prediger, Profa. Dra. Cristina Aparecida Jark Stern; Prof. Dr. Fabricio do Monte e membros suplentes: Prof. Dr. Jorge Quilfedt e Dr. Marcelo Giachero.

Aos demais professores de Farmacologia pela troca de conhecimentos. A todos os funcionários do Departamento de Farmacologia e Universidade Federal de Santa Catarina sem eles esse trabalho seria praticamente impossível de ser realizado.

À Universidade Federal de Santa Catarina por toda a infraestrutura necessária para realização desse trabalho.

A CAPES, CNPq e FAPESP, pelo suporte financeiro para o desenvolvimento dessa pesquisa.

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RESUMO

O sistema endocanabinoide tem ação modulatória sobre o processo de aprendizagem e memória aversiva. Vários trabalhos têm relatado uma ação inibitória do receptor canabinoide do tipo 1 (CB1) do hipocampo dorsal. Se e como o receptor canabinoide do tipo 2 (CB2) contribui para isso ainda não está bem estabelecido. O objetivo deste trabalho foi investigar o envolvimento de receptores CB2 expressos em neurônios e micróglias do hipocampo dorsal na consolidação (etapa 1), desestabilização, reconsolidação e extinção (etapa 2) de uma memória normal ou potencializada em ratos submetidos ao protocolo de condicionamento de medo contextual. A hipótese de trabalho foi de que esse receptor exerceria um papel oposto ao do CB1, ou seja, facilitatório. Na etapa 1, a administração de AM630, um antagonista seletivo de receptores CB2, logo após a aquisição de uma memória aversiva normal ou potencializada prejudicou sua consolidação. Esse efeito foi atenuado quando a ativação da micróglia foi inibida com minociclina, sugerindo que receptores CB2 expressos na micróglia contribuem mais do que os neuroniais para a consolidação. Também foi observado que essa ação perdura por um tempo similar ao dos níveis aumentados de corticosterona plasmática, após o condicionamento (memória normal:  2h; memória potencializada:  4h). O antagonismo de receptores CB2 durante a consolidação de uma memória de medo potencializada também previniu os déficits de extinção e a resistência ao prejuízo de reconsolidação induzido pela clonidina, um agonista alfa-2 adrenérgico. Na etapa 2, a administração de AM630 antes da reativação da memória foi capaz de facilitar sua desestabilização em uma dose que não afeta a expressão da memória per se. Quando essa droga foi administrada logo após a reativação de uma memória aversiva normal ou potencializada, a reconsolidação foi prejudicada. Por fim, o antagonismo CB2 foi capaz de faciliar a aquisição ou consolidação da extinção de uma memória aversiva normal ou potencializada. Em conjunto, os resultados supracitados suportam a teoria de que os receptores CB2 do hipocampo dorsal, em especial os microgliais, modulam as etapas de uma memória aversiva normal ou potencializada investigadas nesse trabalho de forma oposta ao dos receptores CB1.

Palavras-chave: Hipocampo dorsal, Memória aversiva, receptor CB2.

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ABSTRACT

The endocannabinoid system has some modulatory effects on learning and memory process of aversive events. Several studies have reported an inhibitory action of cannabinoid type-1 (CB1) receptor in the dorsal hippocampus (DH). However, the involvement of the cannabinoid type-2 (CBtype-2) receptor in this process is still not established. Based on the above, we aimed to investigate the involvement of DH CB2 receptors expressed in neurons and microglia in different memory phases: consolidation (step 1), labilization, retrieval and extinction (step 2) of normal or potentiated memory in rats using the contextual fear conditioning protocol. The working hypothesis was that CB2 receptor would play an opposite (i.e. facilitatory) role when compared with that of CB1. In the step 1, it was shown the selective CB2 receptor antagonist AM630 administered immediately after the acquisition of a normal or potentiated aversive memory impaired its consolidation. This effect was prevented when microglia activation was inhibited with minocycline, indicating that CB2 receptors expressed in the microglia contribute to consolidation as those from neurons do. It was also observed that this action has a similar duration as that of the increased levels of plasma corticosterone after conditioning session (normal memory:  2h, potentiated memory:  4h). CB2 receptor antagonism during of the consolidation also prevented the extinction deficits and the relative resistence to reconsolidation-impairing effects induced by clonidine, an alpha-2 adrenergic receptor agonist. In the step 2, the AM630 administration before memory retrieval was able to potentiate the destabilization process at a dose that does not affect memory expression per se. When this drug was administered soon after reactivation of normal or potentiated aversive memory, the reconsolidation process was impaired. Finally, CB2 antagonism was able to facilitate the acquisition or consolidation of extinction of a normal or potentiated aversive memory. Overall, the present results support the theory that DH CB2 receptors, particularly those expressed in microglia, modulate the steps of a normal or potentiated aversive memory investigated in a way opposite to that of CB1 receptors.

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LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1:MECANISMO DE PLASTICIDADE SINÁPTICA.REPRENTAÇÃO SIMPLIFICADOS DOS MECANISMOS DE POTENCIALIZAÇÃO E

DEPRESSÃO DE LONGO PRAZO ... 18

FIGURA 2:PROCESSO DE APRENDIZADO E MEMÓRIA ... 19

FIGURA 3:FORMAÇÃO DOS ENGRAMAS NO SNC ... 21

FIGURA 4:PROCESSO DE LABILIZAÇÃO E RECONSOLIDAÇÃO DE UMA MEMÓRIA. ... 23

FIGURA 5:REPRESENTAÇÃO DO PROCESSO DE EXTINÇÃO DA MEMÓRIA DE MEDO ... 27

FIGURA 6:FORMAÇÃO DE UMA MEMÓRIA CONDICIONADA ... 32

FIGURA 7:REDE NEURONAL ENVOLVIDA NO APRENDIZADO AVERSIVO.. .. 33

FIGURA 8:REPRESENTAÇÃO DA REGIÃO HIPOCAMPAL ... 36

FIGURA 9:PAPEL FISIOLÓGICO DO SISTEMA ENDOCANABINOIDES ... 38

FIGURA 10:DISTRIBUIÇÃO DO SISTEMA ENDOCABINOIDE NO SISTEMA NERVOSO CENTRAL ... 40

FIGURA 11:PAPEL FUNCIONAL DAS MICRÓGLIAS SOBRE A NEUROMODULAÇÃO DO SISTEMA ENDOCANABINOIDE. ... 47

FIGURA 12:ATIVAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO DOS CB2R. ... 48

FIGURA 14:CAIXA DE CONDICIONAMENTO. ... 59

FIGURA 15:REPRESENTAÇÃO DO CONTEXTO B. ... 60

FIGURA 16:EFEITO DO ANTAGONISMO DE RECEPTORES CB2 DO HIPOCAMPO DORSAL SOBRE A CONSOLIDAÇÃO DE UMA MEMÓRIA DE MEDO CONTEXTUAL. ... 63

FIGURA 17:EFEITO DA ADMINISTRAÇÃO DO ANTAGONISTA CB26 H APÓS O CONDICIONAMENTO ... 64

FIGURA 18:AVALIAÇÃO DA PERSISTÊNCIA DOS EFEITOS DO ANTAGONISMO CB2 SOBRE A CONSOLIDAÇÃO DE UMA MEMÓRIA DE MEDO CONTEXTUAL ... 67

FIGURA 19:EFEITO DO ANTAGONISMO RECEPTOR CB2 DO HD SOBRE UMA MEMÓRIA NÃO AVERSIVA. ... 69

FIGURA 20:PAPEL DA INATIVAÇÃO DA MICRÓGLIA DO HIPOCAMPO DORSAL SOBRE OS EFEITOS DOS RECEPTORES CB2. ... 70

FIGURA 21:PAPEL DOS RECEPTORES CB2 HIPOCAMPAIS SOBRE A CONSOLIDAÇÃO DE UMA MEMÓRIA DE MEDO POTENCIALIZADA PELO AM251 ... 72

FIGURA 22:PAPEL DOS RECEPTORES CB2 HIPOCAMPAIS SOBRE A CONSOLIDAÇÃO DE UMA MEMÓRIA DE MEDO POTENCIALIZADA PELA IOIMBINA ... 74

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FIGURA 23:EFEITO DO ANTAGONISMO DO RECEPTOR CB2 DO HD SOBRE A CONSOLIDAÇÃO DE UMA MEMÓRIA DE MEDO CONTEXTUAL EM ANIMAIS SUBMETIDOS A UM CONDICIONAMENTO FORTE. ... 75 FIGURA 24:EFEITO DO BLOQUEIO RECEPTORES CB22 OU 4H APÓS O

CONDICIONAMENTO DE UMA MEMÓRIA NORMAL OU

POTENCIALIZADA ... 77 FIGURA 25:AVALIAÇÃO DA CONCENTRAÇÃO DE CORTICOSTERONA

PLASMÁTICA 2 OU 4H APÓS UM CONDICIONAMENTO DE MEDO

NORMAL OU POTENCIALIZADA ... 79 FIGURA 26:EFEITO DA INATIVAÇÃO DO EIXO HPA SOBRE O

ANTAGONISMO DE RECEPTORES CB2 DO HIPOCAMPO DORSAL ... 80 FIGURA 27:EFEITOS DO ANTAGONISMO CB2 DURANTE A CONSOLIDAÇÃO

SOBRE OS EFEITOS AMNÉSICOS DA CLONIDINA DURANTE A

RECONSOLIDAÇÃO DA MEMÓRIA DE MEDO. ... 83 FIGURA 28:EFEITO DA ADMINISTRAÇÃO DE AM630 LOGO APÓS

CONDICIONAMENTO SOBRE A EXTINÇÃO DE UMA MEMÓRIA DE MEDO NORMAL OU POTENCIALIZADA ... 85 FIGURA 29:EFEITO DO ANTAGONISMO DE RECEPTORES CB2

HIPOCAMPAIS LOGO APÓS A EVOCAÇÃO DE UMA MEMÓRIA DE MEDO ... 87 FIGURA 30:EFEITO DO ANTAGONISTA CB2 SOBRE UMA MEMÓRIA NÃO

REATIVADA ... 88 FIGURA 31:PAPEL DO ANTAGONISMO CB2 SOBRE A RECONSOLIDAÇÃO DE

UMA MEMÓRIA DE MEDO CONTEXTUAL POTENCIALIZADA POR

IOIMBINA ... 90 FIGURA 32:EFEITO DO ANTAGONISMO DE RECEPTORES CB2 SOBRE A

LABILIZAÇÃO DE UMA MEMÓRIA DE MEDO POTENCIALIZADA POR IOIMBINA. ... 92 FIGURA 33:EFEITO DO ANTAGONISTA CB2,AM630, SOBRE A AQUISIÇÃO

DE UMA MEMÓRIA DE EXTINÇÃO... 94 FIGURA 34:EFEITO DO ANTAGONISTA CB2 SOBRE A CONSOLIDAÇÃO DE

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS µg: Micrograma

µl: Microlitro

2-AG: 2- araquinoilglicerol

AA-5HT: N-arachidonoil-serotonina AAV: Adeno Vírus Associado

AEA: N-araquidonoil etanolamina (Anandamida) ANI: Anisomicina

ANOVA: Analise de Variância

BDNF: Fator Neurotrófico Derivado do Cérebro CaMKs: Cálcio Calmodulina Quinase

CB1R: Receptor Canabinoide do tipo 1 CB2R: Receptor Canabinoide do tipo 2 CBD: Canabidiol

CLO: Clonidina

CMC: Condicionamento de medo contextual

CREB: Fator de Transcrição Proteína ligante ao elemento responsivo de AMP cíclico

CTRL: Solução controle DAGL: Lipase de Diacilglicerol DCS: d-ciclo-serina

DEXA: Dexametasona

DIO: do inglês double-floxed inverse open read frame DSE: Excitação Induzida por Despolarização

DSI: Supressão da Inibição Induzida por Despolarização EC: Estímulo Condicionado

eCB: Endocanabinoides EI: Estímulo Incondicionado EN: Estímulo Neutro EPM: Erro padrão da média

FAAH: Fosfolipase N-acilfosfatidiletalonamina h: horas

HD: Hipocampo dorsal

HPA: eixo Hipotalamo Pituitária Adrenal

I.C.V.: Administração de drogas via intracerebroventricular I.P.: Administração de drogas via intraperitoneal

IL-s: Interleucinas (IL-s) IOI: Ioimbina

IPSCs: Correntes Pós-Sinápticas Inibitórias Espontâneas Kg - Quilogramas

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LTD: Long-Term Depression (Depressão de Longo Prazo) LTP: Long – Term Potentiation (Potencialização de Longo Prazo) M0: Micróglia em repouso

M2: Micróglia ativada mA: Miliamperes

MAGL: Lipase de Monoacilglicerol

MAP2: do inglês Microtubule-associated protein 2 MAPK: Proteína quinase ativada por mitógenos mg: Miligramas

Min: Minutos Mino: Minociclina

NF200: do inglês Neurofilament 200

NR3C: do inglês Glucocorticoid receptor gene PCR: do inglês Polymerase Chain Reaction), PKA: Proteína Quinase A

PLD: Fosfolipase D

PTSD: Post -Traumatic Stress Disorder s: segundos

SNC: Sistema Nervoso Central

TEPT: Transtorno de estresse pós-traumático TGF: fator de crescimento tumoral,

TNF: Fator de Necrose Tumoral,

TRPV1: Receptor de Potencial Transitório Vanilóides do tipo 1 α-SYN: do inglês alpha-synuclein

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Sumário

1 INTRODUÇÃO... 13

1.1 MEMÓRIAS ... 13

1.1.1 Mecanismo de plasticidade sináptica. ... 15

1.1.2 Etapas dos processos de aprendizado e memória ... 18

1.1.3 O CONDICIONAMENTO DE MEDO CONTEXTUAL ... 31

1.2 HIPOCAMPO COMO GRANDE “HUB” DA MEMÓRIA DE MEDO . 34 1.2.1 Formação do engrama de memória no Hipocampo ... 36

1.3 SISTEMA ENDOCANABINOIDE ... 37 1.3.1 Receptor CB2 ... 44 HIPOTESE DO TRABALHO. ... 53 2. OBJETIVOS ... 53 2.1 OBJETIVOS GERAIS ... 53 2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ... 53 3. MATERIAIS E MÉTODOS ... 54 3.1 CONSIDERAÇÕES ÉTICAS ... 54 3.2 ANIMAIS ... 54 3.3 CIRURGIA ESTEREOTÁXICA ... 54

3.4. PROCEDIMENTO DE MICROINJEÇÃO CENTRAL ... 55

3.5. HISTOLOGIA ... 55

3.6. DROGAS E TRATAMENTOS ... 56

3.7 PROCEDIMENTOS EXPERIMENTAIS ... 58

3.8 DOSAGEM DE CORTICOSTERONA PLASMÁTICA ... 61

3.9 ANÁLISES ESTATÍSTICAS ... 61

4. RESULTADOS ... 62

4.1 ETAPA 1. AVALIAÇÃO DO PAPEL DOS RECEPTORES CB2 HIPOCAMPAIS SOBRE A CONSOLIDAÇÃO DE UMA MEMÓRIA DE MEDO CONTEXTUAL. ... 62

4.1.1 Experimento 1: Elaboração da curva dose resposta do AM630 e seus efeitos sobre a consolidação. ... 62

4.1.2 Experimento 2: Efeito da administração do antagonista CB2 fora da janela de consolidação da memória de medo. ... 63

4.1.3 Experimento 3: Persistência dos efeitos do antagonismo CB2 por até 28 dias... ... 64

4.1.4 Experimento 4: Efeito do bloqueio do receptor CB2 sobre uma memória não aversiva. ... 68

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4.1.5 Experimento 5: Efeito da inativação da micróglia, pela

minociclina, sobre os efeitos dos receptores CB2... ... 69 4.1.6 Experimento 6: Papel dos receptores CB2 sobre a consolidação de uma memória de medo potencializado com AM251. ... 71 4.1.7 Experimento 7: Papel dos receptores CB2 sobre a consolidação de uma memória de medo potencializado com Ioimbina. ... 73 4.1.8 Experimento 8: Papel dos receptores CB2 sobre a consolidação de uma memória de medo contextual em animais submetidos a um condicionamento forte. ... 74 4.1.9 Experimento 9: Janela temporal de ação dos receptores CB2. .... 76 4.1.10 Experimento 10: Dosagem de Corticosterona 2h ou 4h após o pareamento.. ... 78 4.1.11 Experimento 11: Efeito da inativação do eixo HPA sobre o antagonismo de receptores CB2. ... 79 4.1.12 Experimento 12: Tratamento pós pareamento com antagonista CB2 foi capaz de devolver o potencial amnésico da Clonidina na reconsolidação de uma memória potencializada ... 81 4.1.13 Experimento 13: Efeito do tratamento com AM630 pós

pareamento sobre a extinção de uma memória de medo

potencializada...84 4.2 ETAPA 2. PAPEL DOS RECEPTORES CB2 NA MODULAÇÃO DOS

PROCESSOS DE RECONSOLIDAÇÃO, LABILIZAÇÃO E EXTINÇÃO DE UMA MEMÓRIA DE MEDO “NORMAL” OU POTENCIALIZADA. ... 86 4.2.1 Experimento 1: Efeito do tratamento com AM630 após a evocação de uma memória de medo “normal”. ... 86 4.2.2 Experimento 2: Papel dos receptores CB2 sobre a reconsolidação de uma memória de medo potencializada. ... 88 4.2.3 Experimento 3: Papel dos receptores CB2 sobre a labilização de uma memória de medo potencializada com ioimbina. ... 91 4.2.4 Etapa 4: Papel dos receptores CB2 sobre a aquisição da extinção de uma memória de medo. ... 93 4.2.5 Experimento 5: Papel dos receptores CB2 sobre a consolidação da extinção de uma memória de medo. ... 95 5 DISCUSSÃO ... 97 6 CB2 E PLASTICIDADE: POTENCIALIZANDO SINAPSES PARA POTENCIALIZAR A MEMÓRIA. ... 123 7 CONCLUSÃO GERAL ... 126

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1 Introdução

“Uma pessoa se torna grande por aquilo que ela lê e não pelo que ela escreve.”

Jorge Luis Borges Embora a Cannabis sativa tenha sido usada durante séculos como droga recreativa, ritualística e terapêutica, os mecanismos de ação de seus constituintes ativos, fitocanabinoides, e seus análogos endógenos, endocanabinoides, foram descobertos há relativamente pouco tempo. Os receptores canabinoides são expressos amplamente em todo o cérebro e, nas últimas décadas, a sua influência na modulação da função neuronal se tornou clara, embora ainda haja muito para ser compreendido. Assim, o presente estudo está baseado em três principais aspectos: i) os processos de aprendizado e memória de uma memória aversiva, seja ela normal ou potencializada; ii) o hipocampo dorsal (HD), região do sistema nervoso central (SNC) muito importante na modulação dos processos mnemônicos e iii) o receptor canabinoide do tipo 2 (CB2). Com o objetivo de substanciar, pela primeira vez na literatura, que os receptores CB2 – presentes no hipocampo dorsal – são capazes de modular os processos de aprendizado e memória de evento aversivo, sendo que quanto maior for o trauma ocorrido maior e mais relevante será a participação desse receptor. 1.1 Memórias

“Um lugar é morto quando ele não produz histórias, quando ele não evoca memórias” Mia Couto Ao longo da vida os seres vivos em sua interação com o ambiente vivenciam experiências e a elas atribuem significados, o que lhes confere um acervo de informações, pistas e sensações ímpares capazes de influenciar sua personalidade, comportamento e percepção sobre o mundo. Entender como essas novas informações são processadas e “estocadas” no cérebro é entender quem nós somos.

Os processos de aprendizado e memória consistem em modificações comportamentais resultantes de eventos e experiências que permitem a adaptação do indivíduo a alterações ambientais (FRANKLAND, BONTEMPI; 2005). Esses processos necessitam de um

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envolvimento complexo e temporalmente orquestrado de múltiplas regiões cerebrais, sistemas de neurotransmissão e eventos bioquímicos intracelulares (DUDAI, 2002; DUDAI et al., 2015; SCHAEFER et al., 2017). Todavia, o conceito de aprendizagem e memória é muito mais amplo. Embora na maioria das vezes utilizados como sinônimos os termos aprendizagem e memória descrevem conceitos que, apesar de estarem intimamente relacionados não são equivalentes. De fato, pode-se dizer que o aprendizado seria uma alteração fisiológica e comportamental momentânea, ou permanente, causada por um evento e/ou experiência. Fica claro que o processo de aprendizagem envolve aquisição e armazenamento de novas informações (SQUIRE 1987; KANDEL, 2003). Já a memória seria a resultante final do processo de aprendizado (IZQUIERDO, 1999), permitindo ao indivíduo relembrar eventos e situações vivenciadas ao longo da vida (FRANKLAND, BONTEMPI; 2005).

Nesse sentindo, nosso cérebro possui a fascinante capacidade de processar e armazenar informações em redes neuronais, altamente organizadas, a fim de orientar o comportamento futuro. A informação sensorial recebida precisa ser integrada nos circuitos cerebrais pré-existentes que impulsionam a produção de uma resposta comportamental apropriada (NAUMANN et al., 2016), ou seja, o indivíduo precisa codificar a valência de um estímulo, seja ela positiva, neutra ou negativa para formar uma associação entre o estímulo e o comportamento previamente executado, utilizando-se futuramente dessa informação para fazer uma previsão sobre os resultados e alterar sua resposta de acordo com o evento vivenciado (DUDAI, 2002; FAUTH, TETZLAFF; 2016; LUPICA et al., 2017).

Várias evidências na literatura afirmam que um evento emocionalmente relevante, por exemplo, o nascimento de um filho, pode influenciar diretamente no armazenamento, na codificação e na persistência ou duração da memória relacionada a essa experiência. Essa carga emocional fornece à “memória” um grau de importância relativamente maior quando comparado a eventos ditos neutros, normais e corriqueiros no cotidiano do indivíduo. Esse fato permite que se armazene uma maior quantidade de informações de maneira mais precisa e que essas informações sejam acessadas durante longos períodos de tempo (meses, anos) após o evento original (ROOZENDAAL, McGAUGH; 2011; RICHARDS, 2017). Alguns estudos já demonstraram que a emoção envolvida em certas situações é capaz de afetar o processamento de memórias, tornando as experiências mais relevantes em

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memórias mais intensas e duradouras (NUTT et al., 2008; McGAUGH, 2013).

Convivemos, rotineiramente, com experiências de alta relevância emocional e valência negativa, entre elas, a morte de um ente querido, um acidente de trânsito, um assalto ou no caso de modelos experimentais em roedores, o choque nas patas. Quando os indivíduos são expostos a esses eventos geralmente são desencadeadas várias respostas fisiológicas como: alterações autonômicas (aumento da frequência cardíaca), endócrinas (liberação de hormônios e neurotransmissores) e/ou imunes (aumento de citocinas) e comportamentais (como luta, fuga, etc.), fatores que levam à formação de uma memória com maior relevância. Todavia, quando os indivíduos são reexpostos ou reapresentados a uma situação aversiva, similar ou igual à original, eles são capazes de “evocar” as mesmas respostas fisiológicas e comportamentais relativas às experiências originais vivenciadas pelo mesmo (GROSS, CANTERAS; 2012; DYMOND, 2014; LEDOUX, PINE; 2016). Essa caracterização das memórias de acordo com sua relevância, o que pode ocasionar uma maior persistência, possui um caráter adaptativo, pois proporciona ao indivíduo respostas fisiológicas e comportamentais mais rápidas e adequadas frente a um evento que possa ser nocivo ao indivíduo e, dessa forma, funciona como um mecanismo de proteção, podendo evitar que se entre em uma situação de risco de morte eminente.

Entretanto em alguns casos, o evento aversivo ou negativo deixa de evocar respostas fisiológicas e comportamentais adaptativas e o indivíduo passa a responder de maneira inapropriada frente às situações aversivas similares ao evento original, bem como, frente às situações que possuem pouca ou nenhuma relação com essa situação aversiva. Nesses casos, pode ocorrer o desenvolvimento de transtornos psiquiátricos, tais como o transtorno do pânico e o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT).

1.1.1 Mecanismo de plasticidade sináptica

Os processos de plasticidade e modificações sinápticas são amplamente aceitos como correlatos neurais dos processos de aprendizagem e memória, permitindo essa adaptação ao meio frente a diferentes contextos e processos mnemônicos (BAILEY et al., 2015) e, assim, permitindo o ajuste de um comportamento de acordo com a situação, quando necessário (DUDAI et al., 2015; PETZOLDT et al., 2016). Esse processo promove várias modificações funcionais e/ou estruturais nas sinapses, fato que pode favorecer a formação de novas

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memórias após uma experiência/evento (KANDEL et al., 2014; SCHAEFER et al., 2016).

No curto prazo, a plasticidade sináptica depende mais da modificação das proteínas já existentes do que da síntese de novas proteínas (RICHARDS, FRANKLAND, 2017). Contudo, para mudanças mais duradouras a tradução de proteínas em resposta aos estímulos ambientais é crucial. Esse processo perdura somente por poucas horas, sugerindo que mudanças transcricionais, como o aumento (potencialização) ou a queda (depressão) do fortalecimento sináptico seriam necessárias para manter a plasticidade duradoura (McGAUGH, 2000; KUKUSHKIN, CAREW, 2017). Por fim, a resultante da plasticidade seria a formação de um engrama estável, um traço de memória “fixado” em uma rede neural específica, o qual seria imune a interferências no que se denomina processo de consolidação (exemplificada mais a frente) da memória (TONEGAWA et al., 2015).

Embora esses mecanismos de modificações sinápticas tenham sido propostos pelo neurocientista Donald Hebb em 1949, as primeiras evidências experimentais acerca da plasticidade sináptica no sistema nervoso central (SNC) de mamíferos tiveram que esperar aproximadamente 20 anos quando Bliss e Lømo, em 1973, revelaram que a estimulação na via perforante do hipocampo dorsal de coelhos anestesiados promovia o potencial excitatório de neurônios pós-sinápticos, gerando o aumento sustentado da eficiência sináptica de neurônios granulares do giro denteado, sendo esse evento denominado de potencialização de longa duração (LTP, do inglês “Long-Term Potentiation”), uma forma persistente de plasticidade sináptica que foi proposta como um processo celular e molecular e, portanto, um substrato fisiológico para a formação das memórias de longa duração (HEEB, 1949; BLISS, LOMO, 1973; NICOLL, 2017).

A LTP, hoje melhor elucidada, ocorre em sinapses excitatórias onde é possível observar que a liberação de glutamato, pela célula pré-sináptica, leva à ativação e o recrutamento de receptores glutamatérgicos dos tipos AMPA e NMDA. A ativação de ambos os receptores, ocasionando o aumento da concentração de cálcio intracelular, que, por sua vez, ativa uma cascata de sinalização intracelular que leva a maior inserção de receptores AMPA transmembrana e sustenta a despolarização, induzindo a LTP (NICOLL, et al., 1988; BEAR et al., 2008). Já a fase tardia do processo de LTP depende de transcrição gênica e de síntese proteica, mediada por diferentes enzimas (proteína quinase A - PKA, cálcio calmodulina quinase - CaMKs, proteína quinase ativada por mitógenos - MAPK), genes de expressão imediata, como C-fos, e fatores

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de transcrição (Fator de Transcrição Proteína ligante ao elemento responsivo de AMP cíclico - CREB) (figura 1). Assim, a LTP gera uma ativação simultânea e persistente de neurônios pré-sinápticos e pós-sinápticos, ocasionando um aumento da eficiência das conexões sinápticas, processo que pode causar um aumento na densidade de espinhas dendríticas e, consequentemente, favorece a formação da memória, enfatizando um paralelo entre a LTP e a estabilização e persistência da memória (BLISS, COLLINGRIDGE, 1993; JOSSELYN et al., 2017).

De maneira oposta à LTP, ocorre a redução ou enfraquecimento da eficácia sináptica por meio de outra forma de plasticidade conhecida como depressão de longa duração (do inglês “Long Term Depression”, LTD) (DUDEK, BEAR, 1992; MALENKA, 1994). Durante o processo de LTD ocorre a endocitose de receptores AMPA e, consequentemente, a diminuição dos receptores AMPA na superfície da membrana pós-sináptica e a redução da eficiência pós-sináptica, características que são acompanhadas pelo encolhimento das espinhas dendríticas. Esse enfraquecimento das sinapses por meio da LTD pode ser igualmente usado para armazenar informações de maneira persistente (MALENKA, 1994). Nesse sentindo, Ge e colaboradores (2010) demonstraram um prejuízo de consolidação da memória, induzido pela inibição da expressão de LTD e, consequentemente, da endocitose de receptores AMPA na região hipocampal. Dessa forma, intervenções que interferem com a LTP e/ou LTD prejudicam a formação e a persistência da memória (BEATTIE, 2000; NABAVI 2014; RICHARDS, FRANKLAND, 2017).

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Figura 1: Mecanismo de Plasticidade Sináptica. Reprentação simplificados dos mecanismos de Potencialização e depressão de longo prazo. (A) A

Potencialização de Longo Prazo (LTP) é dividida em duas fases: inicial, onde observa-se a liberação de glutamato, a ativação e o recrutamento de receptores AMPA e NMDA, ocasionando o aumento da concentração de cálcio intracelular. Por fim, ativação de uma cascata de sinalização intracelular que leva a inserção de receptores glutamatérgicos transmembrana. Na segunda fase, a fase tardia, a LTP é dependente de transcrição gênica e de síntese proteica, processos suscitando por diferentes proteínas: proteína quinase A, cálcio calmodulina quinase, proteína quinase ativada por mitógenos e alguns fatores de transcrição: CREB (B). Já no processo de Depressão de Longo Prazo (LTD) ocorre a internalização de receptores AMPA e uma diminuição da excitabilidade da pós-sinapse. Adaptado de Issacson, 2013.

1.1.2 Etapas dos processos de aprendizado e memória

Os processos de aprendizado e memória são divididos em etapas: aquisição, consolidação, evocação, desestabilização, reconsolidação e extinção (figura 2). Durante a exposição do indivíduo ao evento, ocorre a aquisição das pistas e elementos presentes durante essa experiência, logo após essa etapa, a memória é armazenada como uma representação neural específica e temporária, podendo ser acessada somente em um curto espaço de tempo após sua aquisição. Essa fica conhecida como memória de curta duração (NADEL, 2012).

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Figura 2: Processo de aprendizado e memória. Adaptado de Sandkühler e

Lee, 2013.

Concomitantemente a esse primeiro passo ocorre o processo de consolidação. O termo consolidação significa “tornar firme”, ou seja, esse processo refere-se à estabilização progressiva da memória após a aquisição, formando o que se chama de memória de longo prazo (DUDAI, 2002). O processo de consolidação da memória tem sido documentando desde o Império Romano onde pesquisadores, de maneira empírica, relataram que após um pequeno intervalo de tempo, por exemplo, uma noite, era observado o fortalecimento da memória previamente adquirida (DUDAI, 2004). Todavia, esse processo só passou a ser empiricamente estudado no século XIX quando o termo consolidação (do alemão “konsolidierung”) foi cunhado por Müller e Pilzecker no seu estudo publicado em 1900.

Nesse trabalho, os autores propuseram que o aprendizado não gera uma memória permanente de forma instantânea e sim, que esse processo envolve a estabilização gradual e lenta do traço de memória até a formação de representações duradouras e concretas, sendo esse um período “pós-aquisição” no qual as memórias seriam sensíveis a interferência (ex: por meio do uso de drogas amnésicas) (LECHNER et al., 1999). Essa estabilização gradual do traço de memória permite, inicialmente, a proteção contra a formação de memórias “ruído”, constituindo a primeira barreira contra a formação de memórias duradouras de eventos irrelevantes ou sem qualquer utilidade adaptativa (DUDAI et al.,2015).

Anos mais tarde, Donald Hebb (1949) propôs que, após ser adquirida, a memória passaria por um processo chamado de “reverberação”, o qual causaria alterações sinápticas nas vias neuronais ativadas, permitindo que a memória fosse “guardada” permanentemente. Posteriormente, vários estudos revelaram que o processo de consolidação envolve tanto alterações em eventos moleculares, celulares e interações

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entre estruturas encefálicas, por exemplo, o hipocampo e o córtex cerebral (McGAUGH, 2000; DUDAI, 2004), sendo esse o processo pelo qual novas memórias lábeis são estabilizadas em memórias duradoras (DUDAI, 1996; McGAUGH, 2000; NADEL et al., 2012). Dessa forma, a fase de consolidação da memória pode ser dividida em “consolidação sináptica” e “consolidação sistêmica”:

O processo de consolidação sináptica descreve eventos em nível molecular ou celular, os quais envolvem várias respostas, ocorrendo dentro de poucas horas, aproximadamente 6 h, após a apresentação ao evento e estão relacionados à estabilização gradual da memória (MCGAUGH, 2000; IZQUIERDO et al., 2006; GOLD, 2014). Atualmente, esse processo está melhor elucidado e foi demonstrado que inibidores da transcrição de RNA e da síntese proteica, assim como agonistas ou antagonistas de receptores específicos – como os canabinoides – que agem sobre os processos de plasticidade sináptica, ativação ou lesões de áreas do SNC responsáveis pela consolidação, entre outros fatores, poderiam auxiliar ou prejudicar a formação da memória “pós-aquisição”, (McGAUGH; 1989; McGAUGH et al., 1988; 1996; IZQUIERDO et al., 2000; McGAUGH, 2000; DUDAI, 2004; NADEL et al., 2012, SANDKÜHLER, LEE, 2013; IZQUIERDO, FURINI, MYSKIW, 2016).

Durante essa fase também podemos observar algumas alterações estruturais como: o crescimento e poda de espinhos dendríticos em diferentes estruturas cerebrais, (RESTIVO et al., 2009; VETERE et al., 2011); alterações nos processos de plasticidade sináptica e o recrutamento de vários sistemas de neurotransmissão (NADER, SCHAFE, LEDOUX, 2000; DUDAI, 2002 FRANKLAND et al., 2004; BAILEY et al., 2015; LUPICA et al., 2017). Após todos esses eventos temporalmente ordenados, a memória estaria consolidada, ou seja, armazenada de maneira relativamente estável em redes neurais específicas (SQUIRE, 1987).

Por outro lado, a consolidação sistêmica é um processo de transferência estrutural, pós consolidação celular, da memória dentro de uma rede neuronal especifica de maneira tempo-dependente (WINOCUR ET AL, 2010; FORCATO, FERNANDEZ E PEDREIRA, 2014;). Vários estudos revelaram que, inicialmente, alguns tipos de memórias (memória contextual, memória espacial) necessitam da região hipocampal para o armazenamento e evocação das informações consolidadas, ou seja, são consideradas hipocampo dependentes (WIXTED e CAI 2013; SQUIRE et al., 2015;). Com o tempo esse traço de memória é transferido de maneira gradual para regiões corticais, como o córtex pré-frontal,

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tornando-se hipocampo independente (DUDAI, 2004; WILTGEN; SILVA, 2007) (figura 3).

Figura 3: Formação dos engramas no SNC. Representação da transferência do

engrama do traço de memória da região hipocampal para as regiões corticais. Sendo a memória recente armazenada e dependente da região hipocampal, e com o passar do tempo esse traço de memória é transferindo para áreas corticais tornando-se hipocampo independente, embora o engrama continue armazenado no hipocampo e pode ser acessado quando dadas as condições necessárias. Adaptado de Sakaguchi e Hayashi, 2012.

Todavia, nem todos os eventos pelo qual o organismo passa geram memórias com a mesma intensidade. Como já explicado anteriormente, algumas experiências e/ou eventos, principalmente os que possuem uma valência emocional elevada, são armazenados e, consequentemente, relembrados de forma mais intensa. Assim, um evento com uma carga emocional elevada é capaz de gerar várias respostas fisiológicas como a liberação de hormônios (ex. glicocorticoides) e neurotransmissores (ex. endocanabinoides) e a ativação de regiões cerebrais, responsáveis pela consolidação da memória (ex. amígdala, hipocampo). Assim é relevante investigar quais são os mecanismos fisiológicos e neurobiológicos por trás da consolidação de uma memória, principalmente no caso das memórias aversivas, que, dependendo da intensidade com a qual são formadas podem levar ao desenvolvimento de doenças psiquiátricas,

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como o TEPT (RACHMAN 1977; ROOZENDAAL e McGAUGH, 2011; KINDT 2014).

Após consolidada, a reapresentação de uma pista (ou estímulo condicionado ou incondicionado) apropriada pode levar a evocação da memória original, esse processo pode causar a desestabilização do traço de memória consolidada. Essa etapa é denominada de “labilização da memória”, fase na qual a memória se torna novamente susceptível a interferentes passíveis de gerar modificações (ex. inibidores de síntese proteica) (FORCATO et al., 2011).

É apropriado mencionar que se acreditou por um longo período de tempo que a memória após consolidada não poderia mais ser modificada, tornando-se imutável, embora desde o fim dos anos 1960 Misanin e colaboradores apontassem evidências que após evocadas as memórias tornavam-se novamente susceptíveis a agentes interferentes do processo de aprendizado e memória, como drogas amnésicas (MISANIN et al., 1968; KINDT e EMMERIK, 2016). Nesse trabalho, demonstrou-se que quando a memória de um evento é evocada, por meio de pistas, essa poderia ser novamente modificada tornando-se susceptível a interferentes exógenos e/ou endógenos, sugerindo que essa memória se tornaria novamente lábil de forma similar ao estado pós-aquisição (MISANIN, MILLER, LEWIS, 1968; LEWIS, 1979) (Figura 4).

Assim, a labilização é uma etapa crucial para que a memória volte a ser susceptível a interferentes novamente (BEM MAMOU et al., 2006), permitindo que a mesma seja posteriormente modificada ou atualizada (De OLIVEIRA ALVARES et al., 2013). Esse processo ocorre devido a uma série de eventos fisiológicos e bioquímicos que envolvem a degradação de proteínas, liberação de neurotransmissores, alterações autonômicas, podendo ou não ser observada uma resposta comportamental aparente (TRONSON, TAYLOR, 2007).

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Figura 4: Processo de Labilização e Reconsolidação de uma memória.

Demonstra o destino da memória após a evocação, memória pode ser labilizada e então mantida ou atualizada, sendo potencializado ou prejudicada, na sessão se reconsolidação. Adaptado de Elsey e Kindt., 2017.

Neuroquimicamente, o processo de labilização seria desencadeado pelo tráfego transmembrana de receptores glutamatérgicos do tipo AMPA e NMDA (subunidade NR2B) (HONG et al., 2013; MILTON et al., 2013), canais de cálcio do tipo L, receptores canabinoides do tipo CB1 (SUZUKI et al., 2008) e CB2 (ainda em discussão), entre outros fatores ainda em estudo. Esse processo envolve a participação de várias áreas do SNC responsáveis pela modulação dos processos de aprendizado e memória, principalmente a amígdala (JAROME et al., 2011) e o hipocampo (LEE et al., 2008). Depois de evocadas e labilizadas, as memórias podem ser mantidas com as mesmas características, sem alterações, mantendo-as precisas e persistentes, assim como podem ser atualizadas, sendo fortalecidas ou enfraquecidas, por meio da ação de

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agentes, endógenos ou exógenos (De OLIVEIRA ALVARES et al., 2011). O processo de atualização de uma memória após a evocação ocorre quando pequenas mudanças são observadas em comparação à memória original, trazendo novos elementos a ela (LEE; 2010; LEE, FLAVELL., 2014). Alterações e modulações neuroendócrinas, fisiológicas e outros fatores por sua vez, podem determinar o fortalecimento ou enfraquecimento da experiência, dependendo da relevância e da valência emocional associada à situação, garantindo a persistência ou atualização da memória (FUKUSHIMA et al., 2014; RICHARDS, FRANKLAND, 2017).

Esse processo de reestabilização ou atualização, pós-evocação e labilização, é denominado reconsolidação (NADER, EINARSSON, 2010; NADEL, 2011, SANDKÜHLER et al., 2013). Estudos sobre essa etapa começaram na década de 1960 com o mesmo trabalho de Misanin e colaboradores supracitado, onde foram relatadas evidências de que após a evocação, a memória se tornava susceptível a um tratamento amnésico. Todavia essa teoria foi ignorada na época, pois se acreditava que uma memória consolidada seria imutável. Entretanto no início dos anos 2000 esse conceito voltou à tona, pois trabalhos voltaram a relatar sistematicamente que quando indivíduos evocam memórias de um evento passado, o traço de memória se tornaria novamente lábil (labilização) e para persistir era necessária uma fase de reestabilização. Esse processo também envolveria síntese proteica, sendo denominado de reconsolidação (SARA, 2000; NADER et al., 2000; NADER, 2003; EISENBERG; DUDAI, 2004), conforme figura 4.

Dessa forma, com aumento do interesse esse fenômeno recebeu maior atenção teórica e importantes confirmações experimentais, sendo demonstrada sua ocorrência em uma grande variedade de espécies (incluindo os seres humanos) e em diferentes tarefas de aprendizado (NADER, SCHAFE, LEDOUX, 2000; ANOKHIN et al., 2002; EISENBERG et al., 2003). Com esse avanço nas pesquisas sobre esse processo ficou claro que a cada vez que uma memória é evocada, o traço da memória pode retornar a um estado lábil e ativo, e, esse, deve passar pelo processo de reconsolidação para ser mantido no estado estável ou atualizado.

A maioria dos estudos de reconsolidação de memória utilizaram inibidores de síntese de proteínas e demonstraram que, similar à consolidação inicial, a reconsolidação de memória requer nova síntese de proteína (DEBIEC et al., 2002; ELSEY e KINDT., 2017). Semelhante aos inibidores da síntese de proteínas, drogas com efeitos amnésticos injetados imediatamente antes ou após a evocação de uma memória

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também prejudicam o processo de reconsolidação da memória (NADER et al., 2000; ELSEY e KINDT, 2017).

Nader e colaboradores (2000) relataram que a infusão intra-amígdala de um inibidor de síntese proteica logo após a evocação de uma resposta de medo condicionada ao som foi capaz de induzir amnésia permanente, o que indica que uma memória já consolidada, ao ser reativada, entraria em um período lábil e que, para persistir, necessitaria de um processo dependente de síntese proteica, que ocorreria em uma janela limitada de tempo, aproximadamente 6 horas, após a evocação e reativação (DEBIEC et al., 2002; EISENBERG et al., 2003; LEE et al., 2004; INDA et al., 2005). Assim, dentro dessa janela podemos modular os processos de reconsolidação através de interferentes farmacológicos (MISANIN et al., 1968; LEWIS, 1979; TRONSON et al., 2006), de alterações experimentais (DEVIETTI et al., 1973) ou ainda, pela a adição de informações emocionais opostas ao traço original (ex. experiência apetitiva) (HAUBRICH et al., 2015; MONTI et al., 2016)

Resumidamente, propõe-se que a reconsolidação apresenta função dinâmica (FORCATO, FERNANDEZ e PEDREIRA, 2014) e adaptativa, possibilitando a manutenção da precisão da memória (TRONSON e TAYLOR, 2007; HARDT et al., 2010), o enfraquecimento e/ou fortalecimento de determinadas informações da memória por intermédio da atualização promovida pela incorporação de novas informações à memória previamente armazenada (SARA, 2000; DUDAI,2006; LEE, 2010). Sendo que essa restabilização do traço mnemônico labilizado pode ocorrer inúmeras vezes e a cada nova evocação a lembrança se refere à memória reconsolidada e não (necessariamente) à memória original.

Embora muito similar ao processo de consolidação, a reconsolidação não é uma simples repetição desse processo inicial. Vários trabalhos revelam diferenças em algumas vias celulares e moleculares entre os eventos. Dessa forma, o processo de reconsolidação é capaz de recrutar vários mecanismos moleculares e intracelulares: como a degradação e síntese de proteínas para o reestabilização da memória após reativação (NADER,SCHAFE, LEDOUX, 2000; LEE et al., 2004; VON HERTZEN; GIESE, 2005; DUDAI, 2006; LEE, 2008;), a expressão da proteína quinase dependente de cálcio/calmodulina, a CaMKII (JAROME et al., 2016), a modulação de alguns sistemas de neurotransmissão como os receptores glutamatergicos, endocanabinoides (DEBIEC, LEDOUX, 2004; BUCHERELLI et al., 2006; SUZUKI et al., 2008; KIM, MOKI, KIDA, 2011; GAZARINI et al., 2013; MONTI et al., 2016), fosforilação de CREB ( do inglês cAMP response element-binding protein) (LIU et al., 2004), o aumento na expressão de ZIF268 (LEE,

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2010) e além do envolvimento de várias estruturas cerebrais (ALBERINI, 2005; MAMIYA et al., 2009).

Alguns aspectos relevantes sobre a reconsolidação e suas condições limitantes devem ser destacados. Em primeiro lugar, a fim de reconsolidar a memória o processo de desestabilização de memória deve ser acionado. Essa etapa corresponde como já explicado ao processo de labilização da memória (FINNIE e NADER., 2012; ALMEIDA-CORRÊA e AMARAL., 2014). Um segundo ponto leva em conta o tempo da sessão evocação, esse deve ser suficientemente longo para labilizar a memória original, mas não muito tempo para agir como extinção (ver adiante). Outro fator relevante é a idade da memória, essa característica desempenha um papel significativo na determinação do grau de labilização, e posterior reconsolidação, induzida pela memória após a evocação sendo que as memórias mais antigas são menos vulneráveis à labilização e interferência do que as memórias mais recentes. A mesma característica é encontrada em casos onde o indivíduo passou por um evento traumático severou ou com uma carga aversiva muito elevada (ALBERINI, 2005; FRANKLAND et al., 2006). Por fim, recentemente, foi avaliado em pesquisas, em humanos e animais, que a presença de alguma “novidade” durante a sessão de evocação da memória pode gerar um erro de predição, sendo esse fato necessário para a indução da labilização e posterior reconsolidação da memória (PEDREIRA e MALDONADO., 2003; MORRIS et al., 2006; SEVENSTER et al. 2012, KINDT et al., 2014; ALFEI et al., 2015).

Resumindo, a evocação da memória, como já explicado, é induzida por pistas relevantes, por exemplo, a exposição do indivíduo ao mesmo contexto que ele sofreu um trauma, que pode ser seguida da desestabilização ou labilização desta memória e, por fim, a sua reconsolidação (BESNARD et al., 2012, MILTON et al., 2013). Sendo assim, a combinação de evocação e labilização de uma memória traumática, com uma intervenção farmacológica capaz de prejudicar a reconsolidação poderia, ao menos em teoria, atenuar a expressão emocional dessa memória (VILLAIN, 2018).

Por fim, a evocação pode induzir um processo alternativo que é capaz de suprimir a expressão da memória – principalmente o fator comportamental – previamente adquirida. Esse processo é definido como “extinção da memória”. Nessa etapa ocorre a formação de uma nova memória capaz de competir e inibir a expressão da memória associada à experiência prévia (figura 5) (QUIRK, 2006; MAREN et al., 2013).

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Figura 5: Representação do processo de extinção da memória de medo.

Adaptado de Drexler et al., 2017.

O processo de extinção foi apontado por Pavlov como a "inibição interna dos reflexos condicionados" (PAVLOV, 1927) e gerou interesse de pesquisadores, tanto no campo teórico como empírico, ao longo do século XX.

A extinção é decorrente de uma exposição longa ou repetida ao estímulo condicionado sem a presença do estímulo incondicionado. Este processo é expresso, do ponto de vista comportamental, como uma redução da resposta adquirida anteriormente. No entanto, este não é um "apagar definitivo", mas sim, uma nova aprendizagem em que uma nova associação inibe a expressão do anterior, ou seja, durante esse processo ocorre a formação de uma nova memória com uma valência emocional neutra sendo essa capaz de se sobrepor a memória original, ou seja, tem-se uma “competição” entre dois traços de memória com valências emocionais opostas: memória original com valência emocional negativa versus a memória de extinção com valência emocional “neutra”, que em um processo normal ganha esse “cabo de guerra” levando à diminuição das respostas de medo (DEBIEC et al., 2011).

Assim, o processo de extinção age indiretamente sobre a memória original sobrepondo-se a ela e não a apagando, de forma que o estímulo condicionado passa a não remeter mais ao estímulo incondicionado, uma vez que ocorreu a supressão dessa associação (RESCORLA; HETH, 1975; CORCORAN; MAREN, 2004; CAREAGA et al, 2016). Apesar dessa supressão, as memórias originais ainda podem ser evocadas ao serem apresentadas pistas ou condições necessárias, levando a expressão de comportamentos defensivos relacionados ao evento original, através dos processos de "recuperação espontânea” (memória retorna com o tempo), “renovação'' (o retorno da memória testado em um contexto

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diferente), ''reinstalação'' (o retorno da memória quando testado após um lembrete do evento original) e "rápida reaquisição" (reaprendizagem rápida da associação entre dois estímulos).

Todavia, em alguns casos não é possível observar a extinção da memória, por exemplo, quando o indivíduo passa por uma situação traumática exagerada a valência emocional negativa ganha um “reforço de peso e vira o jogo”, isto é a memória de extinção não seria capaz de se sobrepor a memória original por essa ser mais robusta e persistente (HUCKLEBERRY et al. 2016).

Além do interesse nos mecanismos básicos de aprendizagem e memória, a atenção sobre a extinção deve-se em grande parte ao seu possível valor terapêutico para tratar uma variedade de transtornos psiquiátricos (MILAD e QUIRK, 2012; VERVLIET et al., 2013). Especificamente, a extinção serve como base para a Terapia Cognitivo Comportamental, baseada na reexposição do indivíduo ao fator ou fatores geradores do trauma, sendo uma terapia muito utilizada no tratamento dos transtornos de ansiedade, transtorno do uso de substâncias (adição às drogas) e transtornos relacionados ao trauma e ao estresse (POWERS et al., 2010).

Uma das principais diferenças entre o desencadeamento, após evocação da memória, do processo de reconsolidação e de extinção de uma memória parece ser a duração ou o número de exposições aos estímulos que levam à reativação, sendo que a reconsolidação é favorecida por sessões curtas enquanto a extinção por sessões longas e/ou repetidas (PEDREIRA; MALDONADO, 2003, SUZUKI et al., 2004; STERN et al., 2017a). Esse novo aprendizado de extinção forma uma memória de extinção que passa pelos processos de aquisição, consolidação, labilização e reconsolidação (HAUBRICH et al., 2017). Além da diferença temporal, também, é possível observar diferenças entre os mecanismos fisiológicos, moleculares e as bases neuroanatômicas responsáveis pelos processos de reconsolidação e extinção (MERLO et al, 2014; STERN et al., 2017a)

Como já explicado, memórias com uma carga emocional elevada tendem a ter uma maior relevância para o indivíduo sendo relembradas de maneira mais vívida, intensas e por um período de tempo mais prolongado. Embora esse comportamento seja considerado adaptativo, uma vez que quando somos confrontados com situações similares ao evento original se faz necessária à expressão de comportamentos adequados e adaptativos que favorecem a sobrevivência do indivíduo e da espécie (DUDAI, 2009). Todavia, em alguns casos, como as memórias traumáticas ou patológicas, as respostas comportamentais tomadas

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“fogem” da faixa adaptativa e pode gerar consequências maléficas para o indivíduo gerando a expressão de comportamentos de medo em níveis elevados mesmo frente a eventos não relacionados à situação traumática original, nos quais indivíduos que passaram por uma experiência dita “normal” considerariam como não significativos, levando à expressão inapropriada ou generalizada de respostas de medo (PARSONS e RESSLER, 2013). Essa “falha” de processamento de evento traumático pode resultar no desenvolvimento de transtornos psiquiátricos (QUERVAIN, SCHWABE e ROOZENDAAL, 2017), como a depressão, ansiedade generalizada e outros transtornos relacionados ao trauma, como fobias e o TEPT (YEHUDA, JOËLS, MORRIS, 2010).

Em particular, os pacientes com diagnóstico de transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) possuem a formação e consolidação de uma memória de medo potencializada, um processo disfuncional de reconsolidação (não susceptíveis a substâncias amnésicas durante essa fase) e um déficit na formação da memória de extinção (TREZZA, CAMPOLONGO, 2013), fatores que também são observados em animais com uma memória traumática mais robusta ou inapropriada. Entretanto, existe aqui uma dicotomia entre responder excessivamente a qualquer sinal de ameaça (generalização “extrema”) – fato que pode levar a uma perda de tempo e energia – contra uma falha de resposta apropriada para aquele momento – que pode causar consequências desastrosas ao indivíduo, levando até a sua morte (GHOSH, CHATTARJI, 2015).

O processo de generalização da resposta de medo descreve a expressão de uma resposta condicionada, por exemplo, o comportamento de medo frente a um evento não aversivo ou com pouca ligação com a memória aversiva original. Assim, esse comportamento ocorre quando estímulos inofensivos são interpretados de maneira incorreta e são avaliados como perigosos ou/e danosos pelo indivíduo (LASHLEY e WASE e, 1946). Essa percepção errônea leva a respostas comportamentais defensivas e fisiológicas similares as ocorridas quando o indivíduo é exposto a uma situação que relembre o evento traumático original (OLSON, 2011; DUNSMOOR; MITROFF; LABAR, 2009; ONAT E BUCHEL, 2015).

Com objetivo de entender um pouco mais o fenômeno da generalização, Pitman propôs, em 1989, um modelo de reforço de consolidação, onde sugere que quanto maior a valência aversiva da experiência traumática, mais intensa e/ou mais duradoura será a liberação de hormônios, neurotransmissores e neuromoduladores, o que levaria à formação de uma memória mais intensa e robusta, que dificilmente seria manipulável. Posteriormente outros estudos, em animais e humanos,

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demonstraram que a intensidade do aprendizado pode determinar a expressão da generalização, ou seja, quanto maior for a carga emocional negativa associada à experiência aversiva, maior será a chance de o indivíduo generalizar a memória e expressar respostas defensivas em situações inapropriadas (BALDI et al., 2004; GAZARINI et al., 2013, 2014; GHOSH; CHATTARJI, 2015).

Esse aumento da carga emocional poderia ser gerado pela alteração no protocolo de indução de uma memória aversiva e/ou por meio da administração de agentes que levam a uma potencialização da memória de medo. Diversos sistemas de neurotransmissão, como os sistemas noradrenérgico (GAZARINI et al., 2014), glicocorticoide (ROOZENDAAL, BARSEGYAN, LEE, 2008) e o sistema endocanabinoide (SCOZ-SILVA, 2012; NEUMEISTER et al., 2015) estão relacionados à formação de uma memória de medo potencializada. Bem como várias regiões do sistema de nervoso central também são recrutadas, sendo o córtex pré-frontal, a amígdala e hipocampo regiões crucias, ligadas, principalmente, com a especificidade da memória (XU, SÜDHOF, 2013; GHOSH, CHATTARJI, 2015).

Além de ser gerada de maneira induzida, via potencialização da memória de medo, a generalização também pode ser observada como um fenômeno temporal, ou seja, o traço de memória seria “transferido” de regiões com alta especificidade contextual, como o hipocampo, para regiões com uma menor especificidade contextual como o córtex pré-frontal (WINOCUR et al., 2007; GOSHEN et al., 2011). Essa generalização, via consolidação sistêmica, pode ser interpretada como um processo dinâmico e esperado do ponto de vista temporal, visto que com a redistribuição gradual do traço de memória para regiões corticais (WILTGEN e SILVA, 2007; EINARSSON et al., 2015) há uma perda natural da precisão para as pistas contextuais (JASNOW et al., 2016). Assim, quando o traço de memória é reativado vários dias, meses ou anos após o evento original ele se torna hipocampo independente, fato o que ocasiona essa perda de especificidade contextual e pode gerar aumento das respostas de medo frente a contextos neutros (WILTGEN et al., 2007; 2010; WINOCUR et al., 2009). Sendo o aumento da magnitude do evento aversivo capaz de acelerar esse processo de “transferência” da memória entre as áreas límbicas e corticais, tornando memória recentes passível de generalização (JASNOW et al., 2016; PEDRAZA et al., 2016; HAUBRICH et al., 2017).

Essas evidências levam a crer que intervenções que afetam a aquisição, consolidação, labilização, reconsolidação e extinção da memória podem possuir um potencial terapêutico frente às memórias

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disfuncionais, principalmente para indivíduos que vivenciaram experiências traumáticas, como por exemplo, indivíduos com TEPT (SCHILLER et al., 2010; SOETER, KINDT, 2012; PITMAN et al., 2012; MILTON et al., 2013; SCHWABE, NADER, PRUESSNER, 2014). Por esse motivo, faz-se necessário o maior entendimento dessas fases do processo de memória e dos agentes que atuam sobre elas, sendo o condicionamento de medo contextual um dos protocolos pré-clínicos mais utilizados.

1.1.3 O condicionamento de medo contextual

Atualmente, o condicionamento de medo contextual é considerado a melhor ferramenta para o estudo da neurobiologia das memórias aversivas (FRANKLAND, 2004; FANSELOW, WASSUM, 2015). Seu protocolo está fundamentado no condicionamento Pavloviano de aprendizado associativo – realizado por Ivan Pavlov (1927) – baseado na apresentação de um estímulo incondicionado (EI – choque nas patas) junto a um estímulo neutro (EN – contexto), sendo que, o pareamento entre eles (EI + EN) leva à formação de um estímulo condicionado (EC – contexto após o choque).

Após a associação, a apresentação do estímulo previamente neutro – e agora condicionado – por si só é suficiente para evocar respostas de medo mesmo na ausência do EI, o que se chama de “condicionamento” (figura 6). Portanto, as bases desse condicionamento se fundamentam na premissa de que a aplicação de um EI, nesse caso os choques nas patas, é capaz de gerar várias respostas biológicas, incondicionadas / inatas, de defesa levando o indivíduo a lançar mão de vários processos com objetivo de auxiliar a resposta do indivíduo frente a uma situação de estresse, tais como: aumento da pressão arterial, vocalização ultrassônica, liberação de uma gama de neurotransmissores e hormônios, por exemplo, uma maior da liberação de glicocorticoides pelo córtex das glândulas adrenais (RODRIGUES et al., 2009; ATSAK et al., 2012; McINTYRE et al., 2012; AKIRAV, 2013), e um aumento do tônus do sistema endocanabinóide (De OLIVEIRA ALVARES et al., 2010; RIEBE et al., 2012; AKIRAV, 2013; STERN et al., 2017a), e alguns comportamentos defensivos, como o congelamento (FRANKLAND 2004; DUDAI et al., 2015)

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Figura 6: Formação de uma memória condicionada. Representação da

formação de uma memória associativa típica de um condicionamento aversivo, onde ocorrre a associação entre um Estimulo Condicionado (EC) e um Estimulo Incondicionado (EI) levando a formação de uma memória condicionada ou associativa.

O congelamento é um comportamento inato que está dentro de uma gama de outras respostas comportamentais incondicionadas, entre elas, a fuga (quando possível) e a luta (quando necessária) (BLANCHARD, BLANCHARD, 1989). Esse comportamento foi definido por Blanchard e Blanchard (1969) como a ausência total de movimentos, exceto os necessários para a respiração e está diretamente correlacionado com o nível de aprendizado gerado pela experiência aversiva, ou seja, quando o indivíduo se depara novamente com o EC, é esperado que ele apresente esta resposta comportamental.

Todavia, a expressão de comportamento incondicionado (congelamento) em uma situação neutra também pode ser observada, sendo que pode ser tratar de uma generalização das respostas de medo (DUNSMOOR, PAZ 2015; DUNSMOOR et al., 2017). Embora o condicionamento do medo pavloviano seja um modelo translacional válido para o estudo do desenvolvimento de transtornos de ansiedade, ele não constitui um modelo sem limitações. Obviamente, a “quantidade” de estresse que os indivíduos experimentam em um experimento típico de condicionamento de medo é substancialmente menor do que o que ocorre em experiências aversivas de aprendizado no mundo externo, fato que dificulta de certa forma a transposição dos dados pré-clínicos para o tratamento clínico (McGAUGH, 2000, 2013).

Diferentes substratos neurais participam dos processos de aprendizado e memória, levando em conta a complexidade desses processos, desde codificação, passando pela evocação e expressão, labilização e posterior reestabilização ou extinção do traço de memória, torna-se impossível acreditar que somente uma região seja capaz de

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participar do controle de todas as fases do processamento da memória. De fato, é possível observar um conjunto de estruturas distintas funcionando de maneira orquestrada (SARA, 2009, BESNARD et al., 2012; SCHWABE et al., 2012).

No caso do condicionamento contextual de medo, várias estruturas centrais estão envolvidas no processamento de eventos carregados emocionalmente incluindo: a amígdala, o córtex pré-frontal, o hipocampo (MOSCOVITCH et al., 2016; VANVOSSEN et al., 2016; KITAMURA, 2017). Alguns estudos revelam que o hipocampo dorsal é responsável pela configuração contextual do condicionamento, ou seja, os seus neurônios respondem a localizações específicas distiguindo um contexto aversivo de um contexto neutro (LEUTGEB et al., 2006), já o hipocampo ventral seria a região responsável por conectar a valência emocional do teste ao contexto no qual ocorreu o condicionamento de medo (BLANCHARD e BLANCHARD, 1972; FENDT e FANSELOW, 1999). Por fim, vários trabalhos sugerem que conexões diretas e indiretas entre essas estruturas e com outras regiões do SNC e a ação modulatória hormonal (adrenalina, corticoides, etc) constituem a circuitaria, hipocampal, de processamento de memórias aversivas (BANNERMAN et al., 2014) e sustentam a aquisição, consolidação, evocação, labilização, reconsolidação e extinção das memórias de medo (FANSELOW, 2010; MILAD e QUIRK, 2012 para revisão) (figura 7).

Figura 7:Rede neuronal envolvida no aprendizado aversivo. Regiões do SNC

envolvidas na modulação do processo de condicionamento de medo contextual. Adaptado de Moscovitch et al., 2016.

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1.2 Hipocampo como grande “hub” da memória de medo

“A memória guardará o que valer a pena. A memória sabe de mim mais que eu; e ela não perde o que merece ser salvo.” Eduardo Galeano O hipocampo é uma das regiões do SNC que modula aspectos emocionais (ansiedade e depressão) e cognitivos (aprendizagem e memória) em humanos e animais (BANNERMAN et al., 2004; PAPE, PARE; 2010; McGAUGH, 2013, DANDOLO e SCHWABE, 2018). Essa região está envolvida na modulação de vários tipos de memória, por exemplo, memória de medo contextual, memória de reconhecimento espacial e de objeto, entre outras. A disfunção do hipocampo, seja via lesão ou inativação temporária e/ou déficits na LTD e/ou LTD, pode afetar o processamento da memória (BACH et al., 1995, ABEL et al., 1997, FERBINTEANU et al., 1999, KUBOTA et al., 2001, PITTENGER et al., 2002, FORWOOD et al., 2005, SAXE et al., 2006).

Em roedores, o hipocampo pode ser dividido anatomicamente em dorsal (HD), preferencialmente envolvido no processamento das memórias e a contextualização do evento, e ventral (HV) porção que regula aspectos emocionais e afetivos relativos à experiência (BERTOGLIO et al., 2006). Essa diferença de processamento ocorre, pois, essas porções apresentam inúmeras diferenças com relação à organização neuronal, conexões aferentes e eferentes, funcionalidade, expressão gênica e aspectos moleculares (FANSELOW, DONG, 2010; RUEDIGER et al., 2012). A porção dorsal do hipocampo recebe informações oriundas dos córtices visual, auditório e sensoriais, por meio do córtex entorrinal medial (MOSER, MOSER, 1998). Além disso, apresenta conexões com os córtices retrosplenial e cingulado anterior (CENQUIZCA; SWANSON, 2007), o que explica o seu papel na navegação espacial e na codificação de pistas contextuais, como no caso do condicionamento de medo contextual. Já a conectividade da porção ventral com a amígdala, o próprio HD e o córtex pré-frontal, justifica de alguma forma seu papel modulatório sobre os processos emocionais (RUEDIGER et al., 2012; BANNERMAN et al., 2014; PRESTON-FERRER e BURGALOSSI, 2017).

É importante ressaltar o envolvimento da porção dorsal do hipocampo na modulação dos processos mnemônicos, principalmente na

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consolidação, evocação, reconsolidação e extinção da memória, sendo essencial para a formação e lembrança de memórias aversivas (FANSELOW, DONG, 2010). Essa região encefálica participa, intensamente, da modulação dos mecanismos que envolvem o condicionamento de medo contextual, sendo responsável pelo processamento das características e representações contextuais, posteriormente associadas ao evento e/ou estímulo aversivo (FRANKLAND, BONTEMPI, 2005; CHANG, LIANG, 2017). Assim, lesões específicas ou a administração direta de drogas que afetem a funcionalidade desta região tendem a prejudicar a formação de memórias contextuais aversivas (McEOWN e TREIT, 2010; ZELIKOWSKY et al., 2014), em contrapartida uma hiperestimulação pode levar a um fortalecimento/potencialização do processo de aprendizado e memória.

A citoarquitetura do hipocampo dorsal (figura 8) foi estabelecida por Santiago Ramón y Cajal no início do século XX, e ali, cunhada a nomenclatura e divisão do hipocampo em corno de Amon 1, 2 e 3 (CA1, CA2 e CA3) e giro denteado (GD) (SCHWABE et al., 2012). Seguindo essa lógica, o córtex entorrinal é a estrutura “de entrada” da circuitaria hipocampal, dele partem projeções, por intermédio da via perforante, para o giro denteado, que posteriormente se projeta para a região CA3 via fibras musgosas, oriundas das células granulares do GD. Já a conexão entre os neurônios piramidais das regiões CA3 – CA1 ocorre via colateral de Schaffer (NEVES et al., 2008). Por fim, as informações “saem” da região hipocampal por meio da região CA1 direcionadas para o Córtex Entorrinal e outras áreas corticais através da via temporoamônica.

Assim, a conectividade, aferente ou eferente, entre as sub-regiões hipocampais com regiões corticais, hipotalâmicas, amígdalares, entre outras áreas, está amplamente correlacionada com a modulação dos processos de aprendizado e evocação da memória tanto em humanos, como em roedores (DENG et al. 2010; FANSELOW, DONG, 2010, ZELIKOWSKY et al., 2014; KASSAB e ALEXANDRE, 2018).

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Figura 8: Representação da Região Hipocampal. Sub-regiões do hipocampo

dorsal: Corno de Amon 1, 2 e 3 (CA1, CA2 e CA3) e Giro Denteado (GD). Fonte: Deng et al., 2010.

1.2.1 Formação do engrama de memória no Hipocampo

O modelo mais aceito nos processos de aprendizado e memória propõe que as memórias sejam armazenadas, na região hipocampal, pela formação de “engramas” (HEBB, 1949). A formação de “engramas” neurais é um processo onde mudanças “físicas” persistentes são induzidas em redes neuronais pré-existentes ou em um conjunto de neurônios específicos durante a consolidação, em resposta a um evento ou experiência, o que levaria à retenção da memória ao longo do tempo, permitindo a reativação do traço de memória (pela ativação de padrões neurais) em condições “naturais” ou “artificiais” (RYAN et al., 2015; TONEGAWA et al., 2015; PARK et al., 2016).

Durante a “fixação neuronal do engrama” é possível observar o envolvimento de vários processos que levam à alteração da plasticidade sináptica, como o aumento da expressão de receptores glutamatérgicos, noradrenérgicos, fatores de transcrição, síntese de proteínas, aumento da arborização dendríticas, entre outros (KANDEL et al., 2014; BAILEY et al., 2015). Além desses fatores clássicos de modulação de uma rede neuronal, também estão presentes no hipocampo neuromodulares responsáveis por influenciar a comunicação entre neurônios, como neuropeptídios (LACH, de LIMA, 2013), opioides (VANZ et al., 2018), adenosina (SIMÕES et al., 2016), estrógenos (PRANGE-KIEL e RUNE,

Referências

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