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Os Reflexos Penais na Evasão e na Elisão Fiscal

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Revista da AMDE – ANO: 2016 – VOL. 16

Os Reflexos Penais Na Evasão E Na Elisão Fiscal

Henrique Costa de Seabra

O presente trabalho pretende analisar os reflexos penais do ilícito tributário, questão que se mostra de suma importância nos dias de hoje, dada a estrutura e complexidade que as Evasões Fiscais têm apresentado. Isso se deve, principalmente, ao avanço tecnológico observado, uma vez que, na modernidade, o aumento da riqueza e produção vem acompanhado do aumento de riscos (BECK, 1998). Cabe aqui demonstrar como tem sido feito o combate a este tipo de conduta, tanto as comissivas, quanto as omissivas, discorrendo sobre as tipificações postas pela Lei nº 8.137 de 1990, cujo objetivo foi regulamentar os Crimes contra a Ordem Tributária. Será debatida também as diferenças entre a Evasão e a Elisão Fiscal. Ainda, procura-se apresentar as recentes discussões quanto à legalidade do Planejamento Tributário, apontando as principais nuances no âmbito nacional e internacional. Além disso, este artigo abordará as hipóteses de extinção e suspensão do crédito tributário e seus efeitos na seara penal. Assim, propõe-se apontar e analisar as recentes posições jurisprudenciais administrativas e judiciais, demonstrando quais são suas tendências e seu impacto no Direito Penal.

PALAVRAS-CHAVE: crimes tributários; evasão fiscal; elisão fiscal; planejamento tributário.

Resumo

The present paper analyzes the criminal consequences of tax offences, an issue that has shown itself to be of the outmost importance in current times, given the complexity of recent Tax Evasion cases. This is due mostly to the rapid advance of technology since, in modern times, the increase of wealth and production rates are accompanied by risks (BECK, 1998). This article aims to demonstrate how to reduce the occurrence of these evasions, both comissive and omissive, in connection with the classified illicit acts, implemented under the 8.137/1990 Act, whose purpose was to improve the regulatory environment of the crimes against the tax and economic order. In addition, it seeks to present the recent discussions about the Tax Planning legality, pointing the main nuances of the national and international environments. Also, will be discussed how measures of extinguishment and suspension of tax credits impact the criminal aspects of the problem. Thus, this article proposes to expose and analyze the recent jurisprudential positions of both administrative and judicial courts, demonstrating their tendencies and their impact on Criminal Law.

KEYWORDS: tax crimes; tax evasion; tax elision; tax planning.

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1. INTRODUÇÃO

A criminalização dos ilícitos tributários é questão muito discutida nos dias

atuais, em virtude do grande número de autuações por parte dos órgãos administrativos

e fiscalizadores fazendários, e pelo fato de que a supressão ou redução de tributos gera

danos significativos ao erário e, consequentemente, à sociedade.

Diante da falta de eficácia das sanções

1

administrativas tributárias, o legislador

transferiu para a seara penal a competência para a punição de determinadas condutas do

contribuinte, quando se verificava, na maioria das vezes, uma intenção de fraudar a

arrecadação, e editou leis especiais que tratam sobre o assunto, principalmente, a Lei

8.137 de 27 de dezembro de 1990.

Tais medidas geram grande debate na doutrina, já que este fenômeno, mais

conhecido como Administrativização

2

do Direito Penal, viola princípios importantes da

matéria, como o Direito Penal mínimo e a ultima ratio.

Além disso, a legislação penal não consegue acompanhar o desenvolvimento

tecnológico e os novos riscos que vem surgindo, motivo pelo qual a jurisprudência se

torna de grande valia neste cenário.

Alguns contribuintes, mesmo de forma lícita, e através de diversos tipos de

planejamentos jurídico-estratégicos, conseguem evitar a incidência dos tributos,

gerando, em muitos Estados, o rombo arrecadatório temido pelo Fisco.

Isto se deve ao fato de que, conforme ponderado por Beck (1998), vive-se em

uma sociedade pós-industrial, de riscos e complexa, ou seja, o avanço constante e rápido

1“A sanção não é sempre e necessariamente um castigo. É mera consequência jurídica que se desencadeia (incide) no caso de ser desobedecido o mandamento principal de uma norma. É um preconceito que precisa ser dissipado – por flagrantemente anticientífico – a afirmação vulgar, infelizmente repetida por alguns juristas, no sentido de que sanção é castigo. Pode ser, algumas vezes. Não o é muitas vezes. Castigo, pena, penalidade é espécie do gênero sanção jurídica.” (ATALIBA, 1984, p. 42)

2 “Vê-se, especialmente no Direito Penal Econômico, uma inflação de normas que usam a técnica sintética de legiferação, que adotam elementos normativos e normas penais em branco, obrigando o intérprete a procurar dados externos à figura delituosa para interpretar seu sentido. Com tal técnica, incorre-se no perigo de agressão à legitimação constitucional da tutela penal, pois se envia a obrigação de interpretar os elementos normativos do tipo ao Magistrado, colocando em risco o princípio da legalidade. O subjetivismo do intérprete adquire força em demasia, permitindo ilações valorativas, que podem reduzir a eficácia da função garantista do tipo penal”. (LOPES; FRANCO, 2013, p. 83-109.)

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das tecnologias disponíveis, acompanhado da globalização, fornecem meios que

facilitam esta Evasão ou Elisão Fiscal.

Não se pode negar que, da essência do capitalismo, o objetivo principal de

grande parte das empresas é produzir lucro aos acionistas, sendo que uma forma de

ampliá-lo é por meio de esforços que visam a redução no pagamento de impostos. Por

isso, tais práticas têm se tornado cada vez mais usuais em todo o mundo, de modo que,

existem corporações com atuação internacional que não pagam impostos em muitos dos

países nos quais possuem negócios.

Por outro lado, sustenta-se que o contribuinte não pode ser punido

simplesmente por tentar aumentar seus lucros ao reduzir seus custos, dentre eles os

gastos com tributos, de forma lícita.

As Evasões Fiscais em contrapartida, são ilícitas e tem sido severamente

punidas.

De acordo com o Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional

(Sinprofaz), no ano de 2013, foram sonegados R$ 415 bilhões. Em 2014, o número

aumentou mais ainda, R$ 501 bilhões. Estima-se que, em 2015, atingiu- se a marca de

R$ 550 bilhões.

3

O Brasil perde apenas para a Rússia na quantidade de dinheiro evadido,

conforme pesquisa realizada pela Tax Justice Network.

4

Isto posto, tamanha é a importância do tema, que vários países demonstraram

preocupações diante da queda brusca em suas arrecadações e demandaram mudanças, o

que motivou a criação de um plano de combate a este tipo de conduta, inclusive os

lícitos, chamado de Base Erosion and Profit Shifting (BEPS),

5

pela OCDE (Organização

para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).

3<http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,sonegacao-de-impostos-no-brasil-chega-a-r-420-bi-

em-2015,1784149>.

4<http://www.valor.com.br/brasil/3333552/no-mundo-brasil-so-perde-para-russia-em-sonegacao-fiscal

-diz-estudo>.

5 “O BEPS é um Plano de Ação que tem como objetivo a elaboração de estratégias que visam o combate às práticas de elisão fiscal abusiva em todo o mundo, como, por exemplo, o desvio de lucros para jurisdições estrangeiras de baixa tributação. Mais de 100 países estão trabalhando conjuntamente para implantar tais regras em sua legislação pátria.” <http://www.oecd.org/tax/beps/>.

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Este plano, o qual o Brasil se tornou membro, visa adotar práticas de maior

comunicação, cooperação e troca de informações entre os países, dificultando a

elaboração de planejamentos tributários abusivos.

Além disso, com o intuito de diminuir o número de planejamentos tributários,

houve uma recente mudança jurisprudencial do Conselho Administrativo de Recursos

Fiscais (CARF), a qual terá forte impacto na seara penal, no que tange à abrangência das

Elisões Fiscais.

Os tipos de conduta do contribuinte também são fundamentais para se

determinar a sua responsabilidade, que, embora variem no caso concreto, podem ser

ilegais, tanto de forma comissiva quanto omissiva.

Dessa forma, grande parte das discussões traçadas atualmente na academia se

encontram em torno da justiça fiscal, a “fair share” que cada cidadão ou empresa deve

pagar, de acordo com sua capacidade contributiva.

6

Assim, este artigo busca apresentar as diferenças e os impactos da Evasão e

Elisão Fiscal no contexto do direito penal, demonstrando quais são as principais nuances

do ilícito fiscal como crime, a análise das condutas dos contribuintes que se encontram

tipificadas e a atual posição jurisprudencial dos órgãos administrativos e judiciais sobre

o tema.

2. A SOCIEDADE DE RISCOS E UM NOVO PARADIGMA PARA O

DIREITO PENAL: A TUTELA DA SUPRAINDIVIDUALIDADE

Desde o final da primeira grande guerra, a sociedade vem passando por grandes

mudanças, inicialmente, propiciadas pelo surgimento do Estado Social, no qual este

passou a intervir na economia, encerrando o período marcado pelo liberalismo

6“A faculdade de discriminar é da essência do poder tributário. Sem ela, resvalaríamos para a utopia do imposto único, que de tempos em tempos exerce notável fascínio sobre poderosos espíritos. A natural diversidade dos objetos e pessoas alcançados pela tributação, assim como as importantíssimas finalidades extrafiscais de conteúdo social ou econômico, que revestem modernamente os instrumentos de ação fiscal, tornam verdadeiramente impossível a absoluta igualdade tributária. Se é certo que na tributação desigual se percebe sempre uma irredutível dose de injustiça, muito mais iníquo seria o sistema financeiro que inaugurasse o regime de tributação única e uniforme para todos seus cidadãos.” (DÓRIA, 1986, p. 127)

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econômico.

Os marcos históricos considerados os mais importantes e que demonstram o

seu aparecimento são a Constituição Mexicana (1916) e a de Weimar (1919).

A alteração da função que o Estado exerce na Economia, especialmente em

virtude da transposição do liberalismo para o Welfare State, alterou a percepção da

criminalidade correlata. Novos fatores criminógenos foram identificados neste contexto

sociopolítico (SUTHERLAND, 2009, p. 18 e ss., apud LOPES; MIARI, 2013, p. 13).

Dessa forma, este novo Estado, com seu intervencionismo, começou a

regulamentar a ordem econômica, buscando protegê-la, daí o surgimento do Direito

Penal Econômico.

7

Posteriormente, com a Revolução Industrial, a globalização e o aparecimento

do estado neoliberal, o Direito Penal Econômico teve de se transformar, tendo que se

adequar à intensa evolução tecnológica e ao aparecimento de novas condutas ilícitas.

8

Houve uma intensificação do estudo desta disciplina e da sua regulamentação

com o Estado Democrático de Direito, marcado pela Constituição Federal de 1988, que

proporcionou mais garantias aos cidadãos e maior proteção aos bens jurídicos, não só

aqueles de primeira geração, mas de segunda e terceira também, como se verá adiante.

Sem dúvida, essas mudanças propiciaram avanços muito importantes em várias

áreas, como a medicina, já que facilitou a troca de informações entre cientistas, médicos

e centros de pesquisas; além, é claro, do aumento do comércio mundial; integração entre

países, possibilitando uma rica troca cultural.

No entanto, por outro lado, tudo isso fez com que surgissem novas formas de

criminalidade, as quais atuam com organização, muitas vezes mundial, por meio de

7 É senso comum no meio jurídico penal entender-se por Direito Penal Econômico “o conjunto de normas jurídicas que protegem a ordem econômica, entendida como sendo a regulação jurídica da produção, distribuição e consumo de bens e serviços. (...) No sentido estrito, trata-se do “conjunto de normas jurídico-penais que protegem a ordem econômica, tida como regulação jurídica do intervencionismo estatal na economia” (SILVEIRA, 2006, p. 25, apud LOPES; MIARI, 2013, p. 13).

8 É importante ressaltar que esta é uma necessidade constante, haja vista que a sociedade em que se vive está em frequente alteração, vez que todo tipo de relação sofre interferência dos novos aparatos tecnológicos que são desenvolvidos.

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artifícios que utilizassem todo o aparato da tecnologia e facilidade de acesso a outros

países para fraudar e cometer delitos de forma nunca antes vista, desde crimes simples,

até os mais complexos.

Segundo Eduardo Sanz de Oliveira Silva:

“O processo de globalização, seguido do enfraquecimento dos Estados Nacionais que se veem impossibilitados de regular e controlar as operações econômico-financeiras, ocasionou o desenvolvimento de uma macrodelinquência transnacional e economicamente forte, desencadeando um desenfreado mercado de lavagem de capitais que assusta e amedronta as nações mundiais. Sobretudo os Estados periféricos que, dependentes do capital supranacional e submetidos às políticas excludentes dos conglomerados econômicos internacionais, se encontram numa encruzilhada mortal.” (SILVA, 2006, p.195,apud LOPES; FRANCO, 2013, p. 8).

Ainda, com a complexidade das relações entre pessoas e Estados, verifica-se

um vertiginoso aumento do risco,

9

da ilicitude, dos meios de se fraudar este novo

“sistema”, que a tecnologia vem impondo ao ser humano. Beck (1998), corroborando tal

entendimento, resume bem a noção de risco, quando diz que “En la modernidad

avanzada, la producción social de riqueza va acompañada sistematicamente por la

producción social de riesgos” (BECK, 1998, p. 25)

Resumindo o tema, assim dispôs Rafael Cúneo Libarona:

“Las evoluciones tecnológicas, la desmedida progresión industrial, la celeridad y la despersonalización de las comunicaciones, los vertiginosos juegos de entretenimentos (montaña rusa, entre otros), el imponente tráfico aéreo, naviero y terrestre, las sofisticadas maquinarias de la construcción, la prolífera elaboración de millares de productos de consumo y los automóviles de alta gama que alcanzan velocidades impensadas – por citar algunos ejemplos al azar-, han incrementado notablemente el riesgo social que se nutre y manifiesta por la imprudência humana.” (LIBARONA, 2011, p. 8)

Além disso, essa nova forma de delitos, denominada Crimes Econômicos, tem

9“As novas tecnologias apresentam o lado perverso da modernidade. Riscos desconhecidos são identificados nas diversas e complexas relações interpessoais e no desenvolvimento de diversas áreas do saber humano. Pela primeira vez os riscos que ameaçam a existência humana são, também, endógenos (produzidos pela própria atuação humana). Eles sempre existiram, isto é fato. Todavia, na atualidade, são proporcionalmente maiores e isto influi na concepção de Direito Penal. O risco da pós-modernidade é verificado em termos coletivos. Pode-se assim identificar as fases dos riscos: na idade moderna, eles eram individuais; do fim do séc. XIX, até meio do séc. XX, os riscos coletivos eram mensuráveis; após, houve o surgimento de uma sociedade de riscos graves e imensuráveis.” (LOPES; MIARI, 2013, p. 14).

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como traço marcante o não uso da violência, o que, de plano, parece uma grande

vantagem em relação aos crimes tradicionais. Ocorre que o dano causado ao erário,

conforme já dito neste presente ensaio, é imenso.

Popularmente, esta nova criminalidade é conhecida como crimes de “Colarinho

Branco”, uma vez que quem comete tais crimes são pessoas em condições financeiras

melhores.

10

Antes de prosseguir, é necessário conceituar bem jurídico, já que compete ao

Direito Penal a proteção destes.

Há grande discussão na doutrina sobre qual é seu conceito e quais bens este

deve abarcar. Sustenta-se um aumento em seu rol devido às novas políticas sociais

marcadas por este novo momento político, no qual a economia entrou para o crivo do

Estado.

No presente ensaio, se utilizará aquele posto por Luiz Regis Prado: bem

jurídico é tido como um valor social, cuja proteção é fundamental para o convívio e

desenvolvimento do homem em sociedade (PRADO, 1997, p. 52, apud LOPES;

FRANCO, 2013, p. 8).

É interessante utilizar o conceito dado por Roxin (2000) como forma de

complementação do referido excerto: “‘bens jurídicos’ seriam ‘dados ou finalidades

necessários para o livre desenvolvimento do indivíduo, para a realização de seus

direitos fundamentais ou para o funcionamento de um sistema estatal baseado nessas

finalidades’”. (ROXIN, 2011, p. 186, apud LOPES; FRANCO, 2013, p. 8).

Os bens jurídicos individuais são aqueles de primeira geração, tais como o

direito à vida, saúde e dignidade humana, considerados tradicionais no Direito Penal.

Diante da maior preocupação do Estado na economia e dos novos perigos

manifestados com a sociedade pós-industrial, surgiram discussões acerca dos chamados

direitos fundamentais difusos, coletivos, ou supraindividuais, os quais deveriam também

10 A expressão crime de colarinho branco foi primeiro utilizada pelo sociólogo Edwin Sutherland. Seu estudo baseava-se na desigualdade entre ricos e pobres na justiça penal, alegando que havia um tratamento diferenciado, em que os pobres eram condenados e os ricos inocentados.

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obter medidas protetivas. Dentre eles, estão o meio ambiente, ordem econômica, sistema

financeiro, e demais outros que afetam o sistema social.

Neste trabalho, será tratada apenas a ordem econômica, que abrange os crimes

contra a ordem tributária.

Desse modo, pretende-se analisar os mecanismos utilizados pelo Fisco para

impedir a supressão e redução de tributos do contribuinte, e ainda, o quão arbitrária e

desigual tem sido essa relação jurídica. Tudo isso, utilizando o viés do Direito Penal

Econômico, e as consequências dos vários tipos de condutas adotadas pelo contribuinte

na seara penal.

3. O ILÍCITO TRIBUTÁRIO: A EVASÃO E A ELISÃO FISCAL

O ilícito é o descumprimento de determinada norma prevista em lei, no caso do

Direito Tributário, chama-se de Ilícito Tributário. Juntamente com o ilícito, é aplicada

uma sanção, com o objetivo de punir a conduta gravosa.

11

Hugo de Brito Machado dispõe que “em uma ordem jurídica democrática,

temos de entender que o ilícito é aquilo que a maioria, formalmente estabelecida nos

parlamentos, entendeu como reprovável”, e complementa: “a sanção é a consequência,

tida pela maioria como um mal, imposto ao responsável pelo ilícito”. (MACHADO,

2008, p. 8)

Paralelamente, discute-se a criminalização do Ilícito tributário, cujo foco do

debate enseja a utilização do Direito Penal como meio de sanção ao descumprimento

das regras tributárias.

Inúmeras são as críticas à sua utilização como forma de coibir a prática de

infrações à norma tributária, principalmente no que tange a Administrativização do

11 Discute-se a existência de um ilícito que valeria para todas as áreas do direito ou se este seria específico do ramo tratado. Todavia, entendemos que o legislador pretende editar leis que procuram vedar condutas que, de alguma forma, prejudiquem alguém, independentemente da área do direito afetada, ou seja, o seu conceito é geral do ordenamento jurídico. O que delimitará o ramo será a natureza do objeto, a gravidade da conduta e se há bem jurídico afetado. (DIAS, 2007, p. 388, apud LOPES, 2010.)

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Direito Penal e a violação ao princípio da ultima ratio, conforme já dito neste ensaio.

No entanto, os legisladores entenderam ser possível a sua criminalização, de

modo que editaram diversos dispositivos que tratam sobre os crimes contra a ordem

tributária. A utilização da sanção penal se deve ao fato de que a eficiência promovida

pela ameaça à liberdade serve como modo de intimidar o contribuinte.

12

Cezar Roberto

Bitencourt e Luciana de Oliveira Monteiro corroboram tal entendimento:

“De todos esses aspectos, não há a menor dúvida de que a drasticidade da resposta penal, e seus efeitos sobre o indivíduo por ela alcançado, representam a marca característica do Direito Penal. Por isso, esse ramo do ordenamento jurídico é regido por princípios que limitam o exercício do poder punitivo estatal, atendendo a critérios valorativos específicos e a normas jurídicas próprias, tipicamente penais, para levar a cabo o processo de atribuição de responsabilidade penal.” (BITENCOURT; MONTEIRO, 2013, p. 28)

Diante disso, outras discussões surgiram com as inúmeras condutas tipificadas

e com o aparecimento de mais uma área dentro do direito: o Direito Penal Tributário.

A principal delas versa sobre a Evasão e Elisão Fiscal, uma vez que, por um

lado, trata-se de uma conduta recorrente praticada pelos contribuintes e, por outro, uma

conduta considerada lícita e que, muitas vezes, possui o mesmo efeito da primeira.

Explica-se.

Embora não haja consenso na matéria, o entendimento predominante é no

sentido de que a Evasão Fiscal é o não pagamento do tributo total ou parcialmente, após

ou durante a ocorrência do fato gerador, por meio de artifícios ilícitos, ou outras

condutas fraudulentas comissivas ou omissivas. Ela está tipificada no art. 1º da Lei

8.137/90, que será tratado a frente.

Por outro lado, a Elisão Fiscal é a economia lícita de tributos, realizada

12“Por ser a norma tributária uma norma de rejeição social, em que a sanção é norma primária, como sinalizou Kelsen – sem ela ninguém cumpriria a obrigação tributária, visto que, em todos os espaços geográficos e períodos históricos, o tributo é destinado não apenas a fazer do Estado um prestador de serviços públicos, mas um mantenedor de privilégios e benefícios exclusivamente a favor dos detentores do poder – é que, sabiamente, o constituinte, ao mesmo tempo em que assegurou ao Estado os recursos que se auto-outorga, garantiu ao contribuinte, que, sem lei, não há possibilidade de exigência tributária.” (MARTINS, 2003, p. 48)

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normalmente por meio de Planejamentos Tributários,

13

em momento anterior ao fato

gerador, sempre utilizando mecanismos previstos na lei para se abster de seu

pagamento.

14

“Elisão Fiscal é a economia fiscal lícita, pois elide o nascimento da obrigação tributária, elidindo a ocorrência do respectivo fato gerador, ou é a que interfere com os elementos formadores da respectiva base de cálculo, reduzindo o quantum debeatur da obrigação tributária, ou, ainda, presta-se a postergar a ocorrência do fato gerador, embora em sua plena incidência. Portanto, a elisão legítima é o resultado da prática de atos ou negócios, ou a sua não prática, com vistas a elidir ou atrasar o nascimento da obrigação tributária, ou a reduzir o ônus decorrente do seu acontecimento.

Evasão Fiscal, ao contrário, é a economia fiscal ilícita, pois o contribuinte se evade da obrigação existente, ou que está em vias de existir, agindo de maneira contrária ao ordenamento jurídico. Também pode ocorrer a indevida redução do ônus tributário de uma obrigação tributária, em relação ao seu exato montante previsto em lei. Portanto, a evasão fiscal ilegítima é a fuga total ou parcial da obrigação tributária já existente pela anterior ocorrência do fato gerador previsto em lei, ou que está prestes a acontecer.” (OLIVEIRA; 2003, p. 67-68)

Poucos são os processos judiciais que afetam tal matéria. Assim, vale a pena

colacionar o julgado do TRF – 4ª região, in verbis:

INCORPORAÇÃO – AUTUAÇÃO – ELISÃO E EVASÃO FISCAL – LIMITES – SIMULAÇÃO – EXIGIBILIDADE DO DÉBITO – 1 – Dá-se a elisão fiscal quando, por meios lícitos e diretos, o contribuinte planeja evitar ou minimizar a tributação. Esse planejamento se fundamenta na liberdade que possui de gerir suas atividades e seus negócios em busca da menor onerosidade tributária possível, dentro da zona de licitude que o ordenamento jurídico lhe assegura. 2 – Tal liberdade é possível apenas anteriormente à ocorrência do fato gerador, pois, uma vez ocorrido este, surge a obrigação tributária. 3 – A elisão tributária, todavia, não se confunde com a evasão fiscal, na qual o contribuinte utiliza meios ilícitos para reduzir a carga tributária após a ocorrência do fato gerador. 4 – Admite-se a elisão fiscal quando não houver simulação do contribuinte. Contudo, quando o contribuinte lança mão de meios indiretos para tanto, há simulação. 5 – Economicamente inviável a operação de incorporação procedida (da

13“Quando cogitamos planejamento tributário, temos de explicar antes de tudo o que essa expressão quer dizer. A rigor, tudo na atividade empresarial deve ser planejado. Previsto. Calculado. Examinado com o devido cuidado, pois se trata de atividade de risco e o planejamento ajuda a diminuir esses riscos. Assim, quem pretende desenvolver uma atividade empresarial deve prever, entre outras coisas, os ônus tributários que decorrem da atividade, para saber de sua viabilidade.

Por outro lado, uma atividade pode ser desenvolvida de diversas formas. E em certos casos é possível que uma dessas formas implique ônus tributário menor do que outras. Assim, o planejamento tributário ajudará o empresário a escolher a atividade que vai desenvolver, e o modo pelo qual vai pôr em prática essa atividade.” (MACHADO, 2008, p. 274)

14 Nesse sentido, Ricardo Mariz de Oliveira, Cândido Henrique de Campos, Gilberto de Ulhôa Canto, Sacha Calmon Navarro Coêlho.

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superavitária pela deficitária), é legal a autuação. 6. Tanto em razão social, como em estabelecimento, em funcionários e em conselho de administração, a situação final – após a incorporação – manteve as condições e a organização anterior da incorporada, restando demonstrado claramente que, de fato, esta "absorveu" a deficitária, e não o contrário, tendo-se formalizado o inverso apenas a fim de serem aproveitados os prejuízos fiscais da empresa deficitária, que não poderiam ter sido considerados caso tivesse sido ela a incorporada, e não a incorporadora, restando evidenciada, portanto, a simulação. 7. Não há fraude no caso: a incorporação não se deu mediante fraude ao fisco, já que na operação não se pretendeu enganar, ocultar, iludir, dificultando – ou mesmo tornando impossível – a atuação fiscal, já que houve ampla publicidade dos atos, inclusive com registro nos órgãos competentes. 8. Inviável economicamente a operação de incorporação procedida, tendo em vista que a aludida incorporadora existia apenas juridicamente, mas não mais economicamente, tendo servido apenas de "fachada" para a operação, a fim de serem aproveitados seus prejuízos fiscais - cujo aproveitamento a lei expressamente vedava. 9. Uma vez reconhecida a simulação, deve o juiz fazer prevalecer as consequências do ato simulado – no caso, a incorporação da superavitária pela deficitária, consequentemente incidindo o tributo na forma do regulamento – não havendo falar em inexigibilidade do crédito, razão pela qual a manutenção da decisão que denegou a antecipação de tutela pretendida se impõe.15

Em corrente distinta, Luciano Ferraz, Marciano Seabra de Godoi e Werther

Botelho Spagnol entendem que além dos dois conceitos acima descritos deveria ser

abarcado um terceiro, qual seja: Elusão Fiscal.

“Ocorre que há um tipo de conduta dos contribuintes que não se encaixa nem no conceito de elisão, nem no conceito de evasão. Trata-se do comportamento pelo qual o contribuinte se utiliza de meios artificiosos e abusivos para, sob uma aparência de legalidade e licitude, buscar evitar a ocorrência do fato gerador do tributo ou buscar dentro de uma regime tributário mais benéfico, criado pela legislação para abarcar outras situações.

Para designar esse terceiro tipo de conduta, o direito espanhol utiliza a expressão elusión fiscal, e o direito tributário internacional utiliza a expressão tax avoidance. No caso do Brasil, esse terceiro tipo de conduta dos contribuintes não era objeto de tratamento legislativo, nem de maiores investigações da doutrina, até ser criado, em 2001, o art. 116, parágrafo único, do CTN, cujo propósito assumido expressamente no projeto de lei que lhe deu origem foi o de coibir planejamentos tributários “sofisticados” ou “praticados com abuso”.” (FERRAZ; GODOI; SPAGNOL, 2014, p. 342)

Por último, em uma terceira corrente minoritária, Heleno Taveira Torres

defende a utilização do termo Elusão no lugar de Elisão e, no outro extremo, Elisão

como Evasão.

15TRF4ª R. - AI 2004.04.01.044424-0 - RS - 2ª T. - Rel. Desemb. Fed. Dirceu de Almeida Soares - DJU 26.01.2005.

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Aqui será adota a corrente majoritária (primeira), mas defende-se a utilização

do termo elisão fiscal abusiva ou planejamento tributário abusivo como sinônimo de

Elusão Fiscal na concepção de Ferraz, Godoi e Spagnol.

Dessa forma, a prática de condutas ilícitas consubstanciadas na sonegação

fiscal, fraudes e simulações, e que culminem na Evasão Fiscal devem ser severamente

punidas no âmbito tributário-administrativo e penal, uma vez que o dano ao erário não

pode ser permitido sob nenhuma hipótese. Entretanto, não há que se confundir com as

práticas de Elisão Fiscal, cujos fundamentos são legais, mas vem sendo admitido

somente quando estiver presente o propósito negocial.

3.1 A Norma Geral Antielisiva e o art. 116 do CTN

É necessário, em primeiro lugar, conceituar o termo “Dissimulação”. No

dicionário Aurélio, seu significado é “suprimir a aparência de (o que se quer ocultar),

fazer vista grossa sobre”.

O termo ocultar é o que melhor se encaixa ao sentido de Dissimular, uma vez

que aquele que dissimula pretende ocultar algo, enganando o intérprete para algo. No

caso, a dissimulação é tratada quando o contribuinte pretende ocultar a ocorrência de um

fato gerador ou da natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária.

Com o objetivo de aumentar sua arrecadação, foi incluído no art. 116 do

Código Tributário Nacional, um parágrafo único feito pela Lei Complementar nº

104/2001. A nova norma foi considerada, por muitos, principalmente pelas autoridades

fazendárias como norma geral antielisão, in verbis:

Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos:

I - tratando-se de situação de fato, desde o momento em que o se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias a que produza os efeitos que normalmente lhe são próprios;

II - tratando-se de situação jurídica, desde o momento em que esteja definitivamente constituída, nos termos de direito aplicável.

Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem

(13)

37

Revista da AMDE – ANO: 2016 – VOL. 16

estabelecidos em lei ordinária.

É preciso lembrar que a norma geral antielisão, em algumas concepções

pró-fazendárias, vedaria não apenas os Planejamentos Tributários abusivos, mas também os

lícitos, quando o fisco achasse que houve dissimulação. Entretanto, diante da falta de

consenso doutrinário quanto ao seu conceito no direito, não se sabe a dimensão do

impacto que tal norma pode gerar.

Verifica-se que foi dada à autoridade fazendária poder para desconsiderar atos

ou negócios jurídicos praticados, desde que nas duas situações colocadas.

Isso gerou grande debate na doutrina, com os mais distintos posicionamentos.

No entanto, a maioria dos juristas defendeu a sua inconstitucionalidade, uma vez que há

clara afronta ao princípio da legalidade, porquanto não se pode exigir tributo quando

não tiver ocorrido o fato gerador, não podendo deixar que a desconsideração e o

entendimento do fisco possam ofender tanto a segurança jurídica.

“Assim a norma geral antielisão, albergada pelo parágrafo único do art. 116 do Código Tributário Nacional, é inconstitucional ou desnecessária. Se interpretada de forma a emprestar à autoridade administrativa o poder para desqualificar qualquer ato ou negócio jurídico apenas porque o seu conteúdo econômico poderia estar contido em ato mais oneroso do ponto de vista tributário, estará em aberto contradição com as normas constantes do próprio Código Tributário Nacional, especialmente as dos art. 108, § 1º e 116, caput, inciso I, e em flagrante conflito com o princípio da legalidade, do qual esses dispositivos do Código são mera explicitação. Por outro lado, se interpretada em harmonia com a Constituição e assim aplicada apenas aos casos nos quais esteja configurado evidente abuso de direito, nada vai acrescentar, posto que nossa jurisprudência já admite a desconsideração de atos ou negócios em tal situação.” (MACHADO, 2008, p. 286)

Há ainda aqueles que entendem ser repetitivo ou sem utilidade o dispositivo

inserido, por acreditarem que já existe a possibilidade de revisão de lançamento em

hipóteses de fraude, dolo ou simulação, conforme art. 149, VIII do CTN, como é o caso

do professor Ricardo Lobo Torres (BICHARA; SILVA, 2016, p. 542-543).

Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos:

(...)

VII – quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação.

(14)

38

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No mesmo sentido está o posicionamento de Luciano Ferraz, Marciano Seabra

de Godoi e Werther Botelho Spagnol.

“Contudo, a análise da jurisprudência atual do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (antigo Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda) e dos tribunais do Poder Judiciário não deixa dúvidas de que os planejamentos tributários abusivos são combatidos pela Administração e pelos juízes pela aplicação de uma norma geral antielusão alternativa. Essa norma alternativa é aquela que determina (art. 149, VII, do CTN) que a autoridade administrativa deve desconsiderar os atos e negócios jurídicos praticados com simulação, aplicando o direito tributário aos atos e negócios efetivamente postos em prática pelas partes.” (FERRAZ; GODOI; SPAGNOL, 2014, p. 348 e 349)

Além disso, se a norma subsistisse, defende-se que seria necessária a edição de

uma lei ordinária no sentido de regular a desconsideração proposta, dado que o fisco não

poderia fazê-lo a seu critério indistintamente.

O referido dispositivo não pode restringir direitos de forma abrangente, sem

uma especificidade das condutas que serão consideradas criminosas, sob pena de se

atentar contra a própria liberdade do contribuinte.

Ricardo Mariz de Oliveira (2003) dispõe que “uma norma que vise cercear a

economia fiscal derivada de abuso de direito, fraude à lei, simulação ou qualquer outra

ilicitude, não é propriamente uma norma antielisão, mas, sim, uma norma antievasão.”

Haja vista o termo “Dissimulação” empregado pelo legislador, não há que se

falar em norma antielisão, já que a ocultação do fato gerador ou de outros elementos

constitutivos da obrigação tributária é realizada com dolo, fraude e simulação. Dessa

forma, melhor seria dizer que tal norma é antievasiva, porquanto a ocultação pressupõe

a ocorrência do fato gerador, portanto a existência da obrigação tributária. Não se oculta

aquilo que não existe.

Ainda, há uma ADI no Supremo Tribunal Federal tratando do assunto, cujo nº é

2.446, porém, não foi julgada até o momento.

Por fim, em suma, resta esclarecer que a norma geral antielisão, idealmente,

teria o condão de desconsiderar os atos de elisão fiscal praticados pelos contribuintes

quando acreditasse ter dissimulação. No entanto, dada a sua falta de regulamentação em

(15)

39

Revista da AMDE – ANO: 2016 – VOL. 16

lei ordinária e flagrante inconstitucionalidade em virtude de ofensa ao princípio da

legalidade e da segurança jurídica, este dispositivo não poderia orbitar na esfera do

direito brasileiro.

3.2 Limites do Planejamento Tributário

Os limites do Planejamento Tributário interferem diretamente em seus reflexos

penais, porquanto se ultrapassado o limite adotado pela jurisprudência, e houver

intenção de fraudar a arrecadação, será caracterizada a Evasão Fiscal. Ocorre que o

objetivo dos Estados vem sendo o de inviabilizar também os Planejamentos Tributários

Elisivos e é onde se encontra a discussão, já que no caso da Evasão Fiscal é pacífico o

entendimento de que esta deve ser combatida.

“(..) é inegável que nos tribunais a linha de prevalência da estrita legalidade não é mais consenso há algum tempo e não é possível ficar indiferente a essa realidade, caso se tenha compromisso com a prática tributária mais adequada.” (VAZ; MIGUITA, 2013, p. 93)

O Fisco analisa diversos elementos antes que se dê a desconsideração de atos e

negócios jurídicos e a determinação de planejamento tributário abusivo ou inválido.

Para se aferir a legalidade do Planejamento tributário, a doutrina e o fisco

utilizam critérios objetivos e aquela os divide em: cronológico, o da intenção exclusiva

do agente ou falta de propósito negocial, o da ilegalidade ou contrariedade à lei e a do

abuso de direito (MACHADO, 2008, p. 278).

a) Critério Cronológico

O critério cronológico é aquele que diz respeito ao tempo em que ocorreu o

fato gerador. Deve-se analisar no caso concreto se o não pagamento do tributo ocorreu

após a ocorrência do fato gerador ou antes. Se ocorrer antes, reforçará a possibilidade de

Elisão Fiscal, um Planejamento Tributário que se preenchidos os outros requisitos será

lícito, ao passo que se for depois, será considerada fraude, portanto Evasão Fiscal,

passível de sanção.

(16)

40

Revista da AMDE – ANO: 2016 – VOL. 16

Cândido Henrique de Campos corrobora tal entendimento:

“É fundamental que a ação ou omissão de Planejamento Tributário seja praticada e formalizada antes da ocorrência do fato gerador, pois toda ação ou omissão praticada e formalizada depois da ocorrência do fato gerador, que objetiva impedir ou retardar a ocorrência do fato gerador, ou reduzir os seus efeitos econômicos, é considerada fraude, por implicar sonegação fiscal.” (CAMPOS, 1985, p. 19, apud MACHADO, 2008, p. 278/279)

Por fim, Hugo de Brito Machado ainda pondera:

“Certamente não é possível uma conduta destinada a evitar a ocorrência do fato gerador do imposto se esse fato já ocorreu. Entretanto, não é exatamente esse elemento temporal que distingue o planejamento tributário, ou economia lícita de impostos, da fraude fiscal, pois é possível a ocorrência de fraude fiscal antes do fato gerador do imposto. Não propriamente para impedir sua ocorrência, mas para evitar o que se tem denominado fato de exteriorização, vale dizer, para evitar que o fisco tome conhecimento da ocorrência do fato gerador. Assim, por exemplo, se o contribuinte deixar de emitir nota fiscal relativamente à venda de determinada mercadoria, a omissão acontece antes do fato gerador. Se acondiciona mercadorias que está importando do exterior utilizando embalagens que fazem parecer tratar-se de mercadoria diversa, isento do imposto ou sujeita a alíquota menor, pratica a conduta antes da ocorrência do fato gerador do Imposto de Importação e está, não obstante, praticando fraude fiscal.” (MACHADO, 2008, p. 279)

b) Critério da intenção exclusiva do agente ou falta de propósito negocial

A intenção exclusiva do agente ou falta de propósito negocial concerne ao dolo

do contribuinte.

O fisco determina que se o fim, o objetivo do contribuinte for a redução do

tributo, o Planejamento Tributário será ilícito, uma vez que não haverá propósito

negocial, mesmo se estiver dentro dos ditames legais, no caso de Elisão Fiscal.

No entanto, o principal requisito não foi analisado na profundidade que merece,

qual seja: o propósito negocial.

Hugo de Brito Machado (2008) assim o define:

“Entende-se como propósito negocial a motivação para a prática de atos empresariais que seja independente de efeitos tributários. Diz-se que existe propósito negocial na prática de um ato quando a razão para a sua prática resida em algo diverso do tributo, ainda que essa prática possa implicar vantagem do ponto de vista tributário. Pelo contrário, diz-se que está ausente o propósito negocial quando o ato é praticado por motivação

(17)

41

Revista da AMDE – ANO: 2016 – VOL. 16

exclusivamente tributária.”

O propósito negocial é um conceito importado da doutrina americana, já que

esta é uma discussão internacional. O leading case é um precedente de 1935, “Gregory

v. Helverging”. Admitiu-se a utilização do business purpose (propósito negocial) e do

da substância sobre a forma substance over form (substância sobre a forma). Essas

teorias colocavam que deve ser prevalecida a substância sobre a forma, ou seja, deve

haver um negócio ocorrendo ali, e não utilizar-se da forma da lei para conseguir

driblá-la. O caso, que se passa na Suprema Corte Americana, Evelyn Gregory realizava uma

reorganização societária de suas empresas com o objetivo de ter benefícios fiscais à luz

do imposto de renda vigente. Ocorre que o tribunal entendeu que ela abusava das

formas, de forma que não havia propósito negocial, apenas a economia de tributos em

toda a sua estruturação.

16

No Brasil, como bem pondera Machado (2008), o Fisco tem desconsiderado

atos e negócios jurídicos quando verifica que estes foram praticados com o objetivo

exclusivo de reduzir ou suprimir tributos. Isso surgiu com a Medida Provisória nº

66/2002, no entanto, esta não foi convertida em lei, mas o entendimento ainda persiste

nos tribunais fiscais de todo o país.

Antônio Roberto Sampaio Dória, em sua obra Direito Constitucional

Tributário e “due process of law”, sabiamente sistematiza a atuação excessiva

promovida pelos julgadores e que, no momento, se adequa ao que tem sido visto não só

no judiciário mas também nos Conselhos fiscais, mutatis mutandis:

“Em verdade, não cabe ao magistrado recusar cumprimento à lei por injusta ou opressiva, mas sim apurar estritamente sua conformidade ao texto constitucional. A atuação judiciária tem de se esgotar e exaurir nesse confronto, pena de usurpar esfera privativa de outro poder, incumbido de determinações normativas cristalizadoras da opção entre valores múltiplos, com o inevitável discricionarismo que a tarefa impõe. Ao judiciário, a análise estrita da legalidade dos atos administrativos e da constitucionalidade das leis. Ao legislativo, a decisão da conveniência, da oportunidade e do conteúdo substancial da norma. Princípios são estes fundamentais em nosso direito público, sem discrepâncias nas fontes mais genuínas.” (DORIA, 1986)

(18)

42

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A aplicação do propósito negocial no Brasil é considerada indevida por muitos

juristas, pelo seu grau de subjetividade e pela sua origem, já que esta é importada de um

país cujo sistema legal é o common law, ao passo que no Brasil trata-se de civil law.

Sacha Calmon Navarro Coêlho assim dispõe:

“a) no sistema tributário brasileiro o princípio da legalidade é denso (tipicidade cerrada) a ponto de inadmitir a analogia pelo intérprete da lei (administrativa e judicial);

b) O business purpose (propósito negocial) é de um sistema jurídico (o common law) em que não há interpretação da lei com o fito de aplica-la, pois, ao contrário, é o juiz que faz a lei (criando um precedente judicial com força de lei para os casos semelhantes que se lhe seguirem) ou que aplica ao caso decisão anterior com força de lei;

c) A Fazenda Pública no Brasil é atrasadíssima, invasiva, desrespeitosa, injusta, preconceituosa e tirânica. Diante disso, o poder de interpretar para requalificar produzirá malefícios em massa;

d) Em nosso direito, diante das desigualdades criadas pela própria administração tributária, sem falar nas deseconomias por ela própria patrocinadas, é muito difícil distinguir o objetivo fiscal do objetivo negocial. O Direito de economizar o custo fiscal (economizar imposto) é economizar e, portanto, o objetivo empresarial confunde-se, muita vez, com a economia lícita do imposto.” (COÊLHO, 2001, p. 302,apud BICHARA; SILVA, 2016, p. 546-547)

Assim, embora haja pertinência em todas as críticas, os conselhos

administrativos vem considerando a falta de propósito negocial como principal critério

para desconsiderar os atos e negócios jurídicos nos casos.

c) Critério da ilegalidade ou contrariedade à lei

Este critério trata sobre a conduta do contribuinte, que pode ser ilegal, com o

intuito, o dolo de fraudar a lei ou pelo próprio objeto do Planejamento ser contrário à

lei, tanto do ponto de vista tributário quanto do ponto de vista Penal. Aplica-se no caso

de Evasão Fiscal, já que busca fraudar, simular.

d) Critério do Abuso de Direito

Trata de critério semelhante ao da ilegalidade, mas que se diferencia no ponto

de que esta é uma conduta aparentemente legal, no entanto, atinge terceiros e se

aproxima mais do conceito de fraude.

(19)

43

Revista da AMDE – ANO: 2016 – VOL. 16

“O abuso de direito consiste na conduta que aparentemente cumpre a lei, porque esta lhe confere o direito que está a exercer, mas na verdade tende a realizar fins por esta proibidos. Em direito Tributário é comum a referência a abuso de direito para dizer-se da conduta do contribuinte que aparentemente evita a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária. É muito comum, assim, o seu uso nos estudos a respeito do denominado planejamento tributário.” (MACHADO, 2008, p. 281)

Dessa forma, se vencido todos esses critérios poder-se-ia falar em uma hipótese

de Elisão Fiscal admitida pelo Fisco.

No Brasil, os limites ao Planejamento Tributário no momento atual estão no

sentido de admitir aqueles realizados legalmente (Elisão Fiscal), desde que preencham

os requisitos aqui expostos e tenham, principalmente, propósito negocial, ou seja,

finalidade diversa da redução de tributos. Os demais Planejamentos Tributários elisivos,

mas sem propósito negocial, tendem a ser rechaçados, desconsiderados e,

consequentemente, será imposta a multa e cobrado o tributo.

No entanto, não se sabe a dimensão que o problema pode tomar, porquanto

existe um esforço externo que visa combater as práticas de evasão e elisão fiscal em

todo o mundo. Através do BEPS, já citado aqui, os países vem unindo forças para

preencher as lacunas das leis tributárias internacionais, por meio de medidas de

cooperação e diretrizes básicas a serem incorporadas no ordenamento jurídico dos

países membros da OCDE. Foram fixadas 15 ações como base para o combate ao

problema:

“El citado Plan de Acción incluía 15 medidas cuyo desarrollo debía permitir combatir el problema de la evasión fiscal, las prácticas fiscales perjudiciales y la planificación fiscal agresiva por parte de las empresas multinacionales. Dichas medidas o Acciones eran:

– Acción 1: hacer frente a los desafíos fiscales que plantea la economía digital

– Acción 2: neutralizar los efectos de los dispositivos híbridos — Acción 3: reforzar las normas sobre transparencia fiscal internacional

– Acción 4: limitar la erosión de la base imponible vía deducción de intereses y otros pagos financeiros

– Acción 5: incrementar la eficiencia de las medidas para contrarrestar las prácticas fiscales perjudiciales, teniendo cuenta la transparencia y la sustantividad

(20)

44

Revista da AMDE – ANO: 2016 – VOL. 16 imposición (CDI)

– Acción 7: impedir la evitación deliberada de la condición de establecimiento permanente

– Acciones 8 a 10: garantizar que los resultados en materia de precios de transferencia tengan correspondencia con la creación de valor (lo que incluye medidas relativas a intangibles, riesgos y capital, y otras operaciones de alto riesgo)

– Acción 11: establecer métodos para la recopilación y análisis de datos sobre erosión de la base imponible, traslado de beneficios y medidas para abordar esta cuestión

– Acción 12: requerir a los contribuyentes que comuniquen sus mecanismos de planificación fiscal agresiva

– Acción 13: nuevo análisis de la documentación sobre precios de transferencia

– Acción 14: hacer más efectivos los mecanismos para la resolución de controversias (procedimientos amistosos)

– Acción 15: desarrollar un instrumento multilateral para la aplicación de las medidas desarrolladas.” (BARRENOS et al., 2015, p. 5 e 6)

O projeto foi criado com o objetivo de combater principalmente os

Planejamentos Tributários abusivos, praticados por grandes empresas, como se vê em

casos da Apple, Amazon e Google. Elas se utilizam de lacunas da legislação dos países

e, por meio de paraísos fiscais, pagam muito pouco ou nada de tributos. Com isso, gerou

a erosão da base tributária de vários países, motivo pelo qual estes se uniram pela

OCDE e propuseram medidas para combatê-la.

17

Por fim, conclui-se que a tendência global é de cada vez mais diminuir o

espaço para a realização de Planejamentos Tributários elisivos, adotando medidas para

impedir que persista a referida diminuição de arrecadação dos Estados e a dupla

não-tributação.

4. A SUPRESSÃO OU REDUÇÃO DE TRIBUTOS NO CONTEXTO DO

DIREITO PENAL ECONÔMICO

A supressão ou redução de tributos que aqui será tratada é popularmente

conhecida como crimes de sonegação fiscal.

18

Ela tem como base condutas fraudulentas,

17<https://jus.com.br/artigos/39439/os-novos-rumos-para-a-tributacao-internacional>.

18 “Existen tiempos y países donde el hombre medio demuestra una destacada tendencia a conformarse

(21)

45

Revista da AMDE – ANO: 2016 – VOL. 16

já que é necessário o dolo do contribuinte em praticar uma conduta que acarrete a

Evasão Fiscal.

Ana Paula Mendes de Miranda assim a conceitua:

“A sonegação de impostos é considerada um fato ilícito contra o qual o Fisco deveria se armar adequadamente, a partir da constatação da malícia ou má-fé do contribuinte. A sonegação sempre foi identificada com a fraude, ou seja, com a intenção de fugir ao pagamento do imposto, o que difere do erro justificável. Ressalta-se que a fraude consiste na prática de um ato com a finalidade deliberada, ou consciente, de frustrar a aplicação de uma regra jurídica, mediante a participação, em geral, de terceiros, que pode prejudicar interesses diversos. No entanto, para efeitos criminais a fraude não pode ser presumida, é preciso prová-la para caracterizar o dolo.” (MIRANDA, 2010, p. 30)

A primeira lei de sonegação fiscal surgiu em 1965, de nº 4.729, tendo sido

posteriormente substituída pela Lei nº 8.137/90, que passou a tratar não só dos crimes

contra a ordem tributária, mas também daqueles contra a ordem econômica em geral e

as relações de consumo (HARADA, 2008, p. 586).

Existem duas teorias quanto à natureza dos crimes tributários, a alemã

encabeçada por Claus Roxin e a espanhola, que assim dispõem:

“Por um lado, encontramos a postura defendida majoritariamente pela doutrina alemã e, minoritariamente, pela doutrina espanhola, segundo a qual o delito fiscal equivale à causação de um prejuízo patrimonial em virtude da infração de deveres tributários, de modo que estaríamos diante de um delito de infração de dever, nos termos da construção de Roxin. Por outro lado, encontramos a postura majoritária da doutrina e jurisprudência espanholas, que defende a chamada “teoria do engano”, segundo a qual, nos termos da atual redação do art. 305 do Código Penal Espanhol, é necessário o emprego de fraude ou engano para que a infração tributária possa vir a ser considerada como tipificadora de um crime tributário.” (BITENCOURT; MONTEIRO, 2013, p. 109)

Diante da leitura do art. 1º da nova lei, verifica-se que não fica claro qual teoria

o legislador brasileiro resolveu seguir, o que gera discussão na doutrina, mas prevalece o

sistema tributario. Es más, existen países (como el nuestro) en los que “jugársela al fisco” se considera no ya una cosa deshonrosa, sino lógica y normal; tanto es así que podria ser juzgado como un descrédito el declarar com escrupulosa lealtad los propios benefícios. Al extremo que de detectarse una posible elusión tributaria y salir la luz, el autor de dicha conducta es menos reprovado socialmente que quien comete otros delitos comunes (como puede ser la estafa), pues se tiene la creencia de que estamos ante um comportamento muy generalizado, com um menor grado de criminalidad.” (RODRIGUEZ, 2014, p.

(22)

46

Revista da AMDE – ANO: 2016 – VOL. 16

entendimento de que se pretendeu utilizar a teoria espanhola.

Além do dolo, do ponto de vista tributário e penal, para que esta seja

caracterizada é necessário que além do enquadramento em uma das condutas previstas

na lei específica, tenha havido a constituição definitiva do crédito tributário através do

lançamento,

19

conforme preceitua a Súmula 24 do Supremo Tribunal Federal: “Não se

tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º,incisos Ia IV,da Lei

nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo”.

Assim, é necessário o exaurimento da via administrativa para que se dê a

propositura da ação penal (MACHADO, 2008, p. 364).

Discute-se ainda a possibilidade de ajuizamento da ação penal caso o

contribuinte recorra ao judiciário em decisão condenatória na via administrativa. Hugo

de Brito Machado (2008) entende que pode haver a propositura da ação penal, mas o

processo deve ficar suspenso até que a ação proposta pelo contribuinte no juízo cível

seja transitada em julgado.

Sintetizando o entendimento, assim dispõe Ruy Barbosa Nogueira, em seu

clássico Direito Financeiro: Curso de Direito Tributário:

“Qual o elemento para distanciar a chamada “economia de imposto” de que adiante falaremos, da sonegação ou da fraude? É a realização ou não do fato gerador. Já vimos que com a realização do fato gerador nasce a obrigação e com o lançamento surge o crédito. Antes de ocorrer o fato gerador não existe sequer obrigação fiscal. Portanto a chamada “economia de imposto” é legítima por estar antes da ocorrência do fato gerador, quando o direito do fisco ao tributo ainda se encontra na fase abstrata, apenas em descrição hipotética na lei, não concretizada porque o fato gerador não ocorreu, nem individualizada em relação a um fato ou a um contribuinte determinado.” (NOGUEIRA, 1971, p. 167)

19“(...) com a ocorrência do fato jurídico tributário dá-se o nascimento de uma obrigação tributária (a ‘obrigação tributária principal’). Embora instaurada uma relação jurídica, em virtude da qual o sujeito passivo deverá recolher o tributo, o sujeito ativo não tem como, de imediato, conhecer as circunstâncias em que se deu aquele fato nem tampouco qual o montante que será recebido.

Assim, o ordenamento jurídico tributário prevê um procedimento administrativo, o lançamento, para que aquele fato jurídico seja formalmente apurado, quantificando-se o montante devido. Esta é a condição para que a autoridade administrativa possa exigir o tributo. Por isso mesmo, o Código Tributário Nacional, ao definir, em seu artigo 3º, o tributo, dispõe ser ele ‘cobrado mediante atividade administrativa plenamente vinculada’.”(SCHOUERI, 2011, p. 519)

(23)

47

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Conforme aqui já exposto, a supressão ou redução de tributos se encontra

tipificada no art. 1º da Lei 8.137/90, a qual criminaliza a evasão fiscal, nos seguintes

moldes:

Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:

I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;

II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;

III - falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável;

IV - elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato;

V - negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.

Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Parágrafo único. A falta de atendimento da exigência da autoridade, no prazo de 10 (dez) dias, que poderá ser convertido em horas em razão da maior ou menor complexidade da matéria ou da dificuldade quanto ao atendimento da exigência, caracteriza a infração prevista no inciso V.

Inicialmente, cabe explicar os núcleos do tipo, quais sejam: suprimir e reduzir.

De acordo com o dicionário Aurélio, suprimir significa fazer cessar, tirar uma parte, não

mencionar, fazer desaparecer,

20

enquanto reduzir significa tornar menor, exprimir em

unidades diferentes, abrandar, minorar.

21

Então, suprimir tributo seria a evasão total do tributo, ao passo que reduzir

seria a evasão parcial. Cezar Roberto Bittencourt e Luciana de Oliveira Monteiro

corroboram esta tese:

“Suprimir significa eliminar, abolir, acabar, extinguir ou impedir que o tributo ou obrigação acessória apareça ou se configure no sistema tributário nacional; reduzir; por sua vez, significa diminuir, abater ou restringi-lo. Ambos os comportamentos – suprimir ou restringir- têm como

20<https://dicionariodoaurelio.com/suprimir>. 21<https://dicionariodoaurelio.com/reduzir>.

(24)

48

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objeto material tributo ou contribuição social e quaisquer acessórios correspondentes. A supressão de tributo refere-se, assim, à sua evasão total, enquanto redução significa diminuí-lo, isto é, não recolher o que deveria ter sido pago ao erário público.” (BITENCOURT; MONTEIRO, 2013, p. 105-106)

Há diversas críticas por parte da doutrina quanto à redação do artigo pelo

legislador. A primeira delas remete o leitor a conceitos tributários básicos. Esta coloca o

tributo lado a lado com a contribuição social. Ocorre que tributo é gênero, dos quais

fazem parte as espécies impostos, taxas, contribuições de melhoria, conforme art. 145

da CF/88 e os empréstimos compulsórios e contribuições especiais, consoante art. 148 e

149 respectivamente.

22

Esta última abrange as contribuições sociais. Assim, verifica-se

que houve certa confusão do legislador na tipificação do delito.

Além disso, a utilização do termo acessório também é controversa, uma vez

que não há consenso na doutrina no que tange a definição do termo. Em sua maioria, os

autores entendem serem as penalidades pecuniárias devidas, outros obrigações de fazer

e não fazer e, ainda, aqueles que acreditam se tratar dos juros de mora.

Assim se posiciona Sacha Calmon Navarro Coêlho:

“As chamadas obrigações acessórias, vimos já, são destituídas de valor patrimonial. Não são pecuniárias. Substanciam deveres de fazer e não fazer previstos em lei. Ressalte-se, todavia, que deverão decorrer de previsões legais em estrito senso, ou seja, de leis em sentido formal e material, até porque ninguém está obrigado a fazer ou deixar de fazer senão em virtude de lei, a teor da Constituição da República. A ressalva, a fazemos por isso que o conceito de legislação tributária é elástico no CTN (art. 96), compreendendo não apenas as leis, eis que abarca também os decretos e outros atos administrativos. Tome-se a legislação referida no parágrafo como sinônimo da lei.” (COÊLHO, 1999, p. 260)

Ultrapassadas as críticas, o artigo 1º delimita como pena a reclusão de 2 a 5

anos cumulada à pena de multa. O magistrado deverá analisar as condições

fático-probatórias de cada caso para fixar a pena, baseado no que impõe o Código Penal

22 “A leitura do texto constitucional revela que o ordenamento reconheceu mais espécies tributárias, não se fiando exclusivamente na hipótese tributária vinculada ou não a uma atividade estatal. (...)Ou seja: o artigo 145 não declara que no Brasil existem apenas três espécies de tributos; ele apenas arrola as três espécies que podem ser instituídas tanto pela União, como pelos Estados, Distrito Federal e Municípios. As demais espécies (empréstimos compulsórios e as diversas contribuições) não aparecem no artigo 145 porque não podem ser instruídas por todas as pessoas jurídicas de Direito Público.” (SCHOUERI, 2011,

(25)

49

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Brasileiro.

23

Ocorre que a lei 8.137/90 estabelece alguns agravantes específicos que

serão aplicados aos crimes tipificados nesta lei, in verbis:

Art. 12. São circunstâncias que podem agravar de 1/3 (um terço) até a metade as penas previstas nos arts. 1°, 2° e 4° a 7°:

I - ocasionar grave dano à coletividade;

II - ser o crime cometido por servidor público no exercício de suas funções;

III - ser o crime praticado em relação à prestação de serviços ou ao comércio de bens essenciais à vida ou à saúde.

Além disso, o art. 8º da mesma Lei demarca os valores a serem arbitrados a

título de multa, senão vejamos:

Art. 8° Nos crimes definidos nos arts. 1° a 3° desta lei, a pena de multa será fixada entre 10 (dez) e 360 (trezentos e sessenta) dias-multa, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime.

Parágrafo único. O dia-multa será fixado pelo juiz em valor não inferior a 14 (quatorze) nem superior a 200 (duzentos) Bônus do Tesouro Nacional BTN.

Ainda, nos termos do art. 10º, esta multa pode ser aumentada ou diminuída

conforme a situação econômica do Réu.

A ação penal será a pública incondicionada. Findo o processo administrativo, o

Ministério Público poderá oferecer a denúncia se reunidos todos os elementos

fático-probatórios.

Quando versar sobre tributos federais, a competência será da Justiça Federal,

assim como do Ministério Público Federal, ao passo que, quando se tratarem de tributos

estaduais ou municipais caberá à Justiça Comum e ao Ministério Público Estadual.

Por fim, cabe aqui colocar que a lei estende ao artigo 2º da mesma Lei,

condutas consideradas ilícitas e que devem ser punidas nos moldes do artigo 1º. No

entanto, estas se diferem, porquanto o art. 1º é um crime de resultado, vez que as

condutas devem acarretar na supressão ou redução de tributos para que se configure o

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