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O fenômeno do conservadorismo na produção de conhecimento em Serviço Social: rebatimentos à direção social do projeto profissional

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE-UFRN CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS-CCSA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL

VINÍCIUS RAFAEL LOPES

O FENÔMENO DO CONSERVADORISMO NA PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO EM SERVIÇO SOCIAL: rebatimentos à direção social do projeto profissional

NATAL – RN 2020

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VINÍCIUS RAFAEL LOPES

O FENÔMENO DO CONSERVADORISMO NA PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO EM SERVIÇO SOCIAL: rebatimentos à direção social do projeto profissional

Dissertação vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, apresentada à banca examinadora como requisito parcial para a obtenção do título de mestre em Serviço Social.

Linha de pesquisa: Serviço Social, Trabalho e Questão Social.

Orientadora: Profª Drª. Eliana Andrade da Silva.

NATAL – RN 2020

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Sociais Aplicadas - CCSA

Lopes, Vinícius Rafael.

O fenômeno do conservadorismo na produção de conhecimento em Serviço Social: rebatimentos à direção social do projeto

profissional / Vinícius Rafael Lopes. - 2020. 102f.: il.

Dissertação (Mestrado em Serviço Social) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Programa de Pós-graduação em Serviço Social. Natal, RN, 2020.

Orientadora: Profª Drª. Eliana Andrade da Silva.

1. Conservadorismo - Dissertação. 2. Direção Social -

Dissertação. 3. Produção de conhecimento - Dissertação. I. Silva, Eliana Andrade da. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

RN/UF/Biblioteca CCSA CDU 364:316

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VINÍCIUS RAFAEL LOPES

O FENÔMENO DO CONSERVADORISMO NA PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO EM SERVIÇO SOCIAL: rebatimentos à direção social do projeto profissional

Dissertação vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, apresentada à banca examinadora como requisito parcial para a obtenção do título de mestre em Serviço Social.

APROVADO EM ___/____/_______

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________________ Drª. Eliana Andrade da Silva (UFRN)

Orientadora

______________________________________________________ Drª. Maria Célia Correia Nicolau (UFRN)

Examinadora Interna

____________________________________________________ Drª. Luciana Batista de Oliveira Cantalice (UFPB)

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AGRADECIMENTOS

Chegar até aqui não foi fácil. Muitos foram os desafios. Não é fácil ―cortar o cordão‖ de quem amamos, de vivenciar sentimentos e experiências até então desconhecidos. Alguns dias pareciam intermináveis, o desejo ardente de voltar para casa, de contar com o cuidado dos meus pais, de viver em meio à calmaria de uma pacata cidade localizada no alto sertão paraibano, foram os principais motivos que, amiúde, levaram-me a quase desistir. Todavia, tais dificuldades revelaram a necessidade de persistir, já que, nos dizeres de Guimarães Rosa ―o que a vida requer da gente é coragem‖.

Assim sendo, o exercício da gratidão deve ser uma tarefa prioritária em nossas vidas, tendo em vista de que não há mais nada sublime do que reconhecer a importância de pessoas em nosso caminho. Desta forma, mesmo correndo o risco de esquecer o nome de alguém, segue às muitas pessoas que se somaram a mim, seja física e espiritualmente, neste percurso até aqui.

Dedico todo este trabalho, bem como os dias que transcorrem em minha existência, ao Autor da Vida, Àquele que representa um Pai bondoso, que nos assiste em nossas fraquezas, a quem tributo toda honra, glória e magnificência: Deus. Não fosse a sua presença e o seu cuidado diário, mesmo quando as forças pareciam sucumbir, seria impossível completar este ciclo. Ah, Senhor, falta-me palavras que possam expressar à minha gratidão e o meu amor por ti. Faço das palavras do apóstolo Paulo, as minhas palavras, quando o mesmo afirmou: “dEle, por meio dEle e para Ele são todas as coisas”.

Ao meu pai, Júnior, e a minha mãe, Janilene, cuja importância e alicerce em minha vida transcende a temporalidade da vida. Como sou feliz e grato por ter contado e contar com vocês, fundamento sólido e fonte de inspiração e luta. Gratidão por sempre me conduzirem pelo caminho dos estudos. Essa vitória é nossa!

Ao meu pequeno Samuel, o ―caçula da casa‖, a quem tanto amo; e a Sabrina, também partícipes desta história.

A minha amada família natalense, que abriu as portas de sua casa e vida, para que eu pudesse entrar e fazer morada: minha tia Maria de Lourdes (Lourdinha), Nadja Rossana, Hennedy e Robson (Robinho). Palavras nenhuma podem descrever à minha gratidão a vocês, por terem me acolhido, por abdicarem da privacidade de vocês, para que eu também me sentisse integrado à casa, proporcionando o melhor possível. Quando cheguei a Natal, carregava tantos sonhos, medos, incertezas... E, conforme o tempo passou, encontrei, nesse lar, o abrigo e paz que tanto precisava. Que o Senhor vos recompense!

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A Socorro, minha prima, pelo apoio e por sempre persistir na ideia de prosseguir com os estudos, por tentar mostrar às belezas e as vantagens de permanecer na capital potiguar. Sou grato por acreditar em mim, talvez mais do que eu mesmo pudesse acreditar.

Aos irmãos e irmãs em Cristo, da Igreja Missão Evangélica Pentecostal do Brasil, que me acompanharam desde o início, quando a ideia de me submeter ao mestrado ainda era embrionária. Obrigado pelas orações, palavras de ânimo e por terem plantado em meu coração o desejo de sempre estar perto de vocês.

A Cibelly Oliveira e Luan Gomes, ex-professores, e agora, amigos. Obrigado pelo apoio, compreensão mútua e incentivo constante.

A Anna Luiza, amiga que a UFRN me apresentou, num momento em que me sentia sozinho, sem ter alguém para partilhar as angústias do mundo acadêmico. Saiba que conhecê-la foi um grande presente, prova do cuidado e providência de Deus. Grato pelos sábios conselhos, estímulo e atenção. Desejo que este laço permaneça, para além da dimensão geográfica.

A minha amável e admirável orientadora, Eliana Andrade, a quem tive a alegria e o privilégio de ser seu orientando, fazendo dessa parceria um encontro pautado pelo respeito, cumplicidade e empatia, virtudes cada vez mais raras entre pares acadêmicos. Pessoa de conhecimento inigualável, alma leve e sorriso fácil. Obrigado pela paciência, incentivo e por sempre me mostrar que chegar até aqui seria possível. Levarei você por toda a minha vida! És a prova de que é possível ensinar sem perder a ternura!

As estimadas professoras, Célia Nicolau (Celinha) e Luciana Cantalice, grandes referências nos estudos dos fundamentos históricos e teórico-metodológicos do Serviço Social, pela leitura atenta e reflexões precisas, ainda na banca de qualificação até o presente momento. De igual modo, à professora Miriam Inácio, por ter aceitado participar da banca, na condição de suplente. Gratidão pela solicitude e generosidade em fazerem parte deste momento.

Ao corpo docente do programa de pós-graduação em Serviço Social da UFRN, em especial às professoras Edla Hoffmann, a qual suscitou em mim diversos questionamentos acerca do objeto de pesquisa, permitindo que eu atentasse a alguns aspectos até então despercebidos. Obrigado por cada ―puxão de orelha‖; a professora Rita de Lourdes, pela mansidão e pela forma respeitosa com a qual acolhe seus/suas alunos e alunas; e a Carla Montefusco, pelo apoio, leveza e generosidade na partilha do conhecimento. É preciso, mais que nunca, humanizar a universidade!

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A minha ―pequena-grande‖ turma do mestrado 2018.1, nas pessoas de Sara, Lívia, Nágila e Michael, que, mesmo na imediaticidade do cotidiano, pude aprender com cada um/a de vocês.

Agradeço, de maneira especial, à amiga Sara, pois foi a primeira pessoa a qual me aproximei, ainda no processo seletivo. Desde aquele dia, pude perceber o seu coração generoso, jeito manso e amigo. Com o tempo, tais virtudes foram reafirmadas. Obrigado por tudo!

As colegas que tive o prazer de conhecer durante o mestrado, algumas das quais pude cursar algumas disciplinas juntos/as: Ana Paula, Jinadiene, Milena e Vivian. Agradeço, de igual modo, a Adeilza e Liana, pelas partilhas e conselhos. Conhecer vocês, foi à prova de que podemos fazer o bem a quem nos rodeia, seja num gesto singelo, numa palavra amiga.

E, por fim, mas não menos importante, à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES), pela concessão da bolsa, sem a qual, minha permanência no mestrado seria impossível. Sei o quanto este recurso pode fazer a diferença na vida de tantos/as estudantes!

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“Que darei eu ao Senhor, por todos

os benefícios que me tem feito”?

Salmos 116-12.

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RESUMO

A presente dissertação propõe-se a discutir sobre o fenômeno do conservadorismo na produção de conhecimento em Serviço Social e os seus rebatimentos à direção social hegemônica, construída na processualidade histórica das mudanças operadas pela sociedade e, consequentemente, para a categoria profissional. O conservadorismo constitui-se um fenômeno histórico, complexo e resultante de inúmeras determinações sociais. Suas primeiras expressões emergiram após o contexto da Revolução Francesa, quando a burguesia ascende ao poder e nega o seu caráter revolucionário, convertendo-se numa classe eminentemente conservadora. A incidência deste fenômeno no âmbito do Serviço Social deu-se desde a sua gênese, quando a profissão surgiu para responder as requisições do Estado, sendo referenciada pela doutrina social da Igreja Católica. Depreendemos, portanto, que o conservadorismo permeou toda a trajetória teórico-metodológica, tendo as primeiras tentativas de questionamento após o processo de Renovação do Serviço Social no Brasil, por meio de sua última direção a Intenção de Ruptura. O trabalho aqui desenvolvido parte do pressuposto de que novas expressões do conservadorismo põem em disputa a direção social hegemônica, expressa no projeto ético-político profissional, revelando novas tendências para os rumos da formação e do trabalho dos/as assistentes sociais. A pesquisa é pautada pelo método crítico-dialético, vez que o mesmo permite captar os aspectos do objeto de estudo, desvelando as suas múltiplas determinações. Como fonte de dados, elegemos os anais do Encontro Nacional de Pesquisadores de Serviço Social (ENPESS), nas edições de 2014, 2016 e 2018, respectivamente. A escolha deste lócus empírico deu-se pela diversidade temática apresentada pelos sujeitos pesquisadores, bem como, por considerar tais períodos emblemáticos no que diz respeito ao acirramento do conservadorismo em diversas esferas da sociedade brasileira. Os resultados apontados neste trabalho revelam que o conservadorismo, de acordo com os materiais analisados, tem sido revitalizado mediante as elaborações pós-modernas, as quais, na perspectiva aqui defendida colocam em disputa os valores preconizados pelo PEPSS. Além disto, o conservadorismo tem ganhado espaço no âmbito da formação profissional, através das propostas na modalidade de Ensino a Distância (EAD), tornando a formação suscetível ao pragmatismo e tecnicismo. No exercício profissional, corre-se o risco de análises fragmentadas, de culpabilização individual dos sujeitos. Foi consenso na pesquisa aqui realizada que o conservadorismo é apresentado como uma disputa à direção social hegemônica e que as discussões suscitadas pelos artigos analisados o problematizam numa perspectiva crítica.

Palavras-chave: Conservadorismo. Direção social. Projeto ético-político. Produção de conhecimento. Serviço Social.

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ABSTRACT

This dissertation proposes to discuss the phenomenon of conservatism in the production of knowledge in Social Work and its repercussions on the hegemonic social direction, built on the historical process of the changes operated by society and consequently, for the professional category. Conservatism is a complex, historical phenomenon resulting from numerous social determinations. Its first expressions emerged after the context of the French Revolution, when the bourgeoisie came to power and denied its revolutionary character, becoming an eminently conservative class. The incidence of this phenomenon in the scope of Social Work occurred since its genesis, when the profession appeared to answer the State's requests being referenced by the social doctrine of the Catholic Church. We infer, therefore, that conservatism permeated the entire theoretical-methodological trajectory, having the first attempts at questioning after the Social Service Renewal process in Brazil, through its last direction the Rupturing Intention. The work developed here is based on the assumption that new expressions of conservatism challenge the hegemonic social direction, expressed in the professional ethical-political project, revealing new trends in the direction of the formation and work of social workers. The research is guided by the critical-dialectic method, since it allows capturing aspects of the object of study, unveiling its multiple determinations. As a source of data, we elected the annals of the National Meeting of Social Service Researchers (ENPESS), in the 2014, 2016 and 2018 editions, respectively. The choice of this empirical locus was due to the thematic diversity presented by the research subjects, as well as, for considering such emblematic periods with regard to the intensification of conservatism in different spheres of Brazilian society. The results pointed out in this work reveal that conservatism, according to the analyzed materials, has been revitalized through post-modern elaborations, which, in the perspective defended here, put into dispute the values recommended by PEPSS. In addition, conservatism has gained ground in the scope of vocational training, through proposals in the Distance Learning modality, making training susceptible to pragmatism and technicality. In professional practice, there is a risk of fragmented analyzes, of individual blaming of the subjects. There was consensus in the research carried out here that conservatism is presented as a dispute for the hegemonic social direction and that the discussions raised by the analyzed articles problematize it in a critical perspective.

Keywords: Conservatism. Social direction. Ethical-political project. Knowledge production. Social Work.

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Tema mais recorrente no ENPESS 2014... 81

Gráfico 2 – Tema mais recorrente no ENPESS 2016... 81

Gráfico 3 – Tema mais recorrente no ENPESS 2018... 81

Gráfico 4 – Eixos identificados nos artigos do ENPESS 2014... 83

Gráfico 5 – Eixos identificados nos artigos do ENPESS 2016... 84

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LISTA DE SIGLAS

ABEPSS Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social ANAS Associação Nacional de Assistentes Sociais

BH Belo Horizonte

CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior CEAS Centro de Estudos e Ação Social de São Paulo

CFESS Conselho Federal de Serviço Social

CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CRESS Conselhos Regionais de Serviço Social

EAD Ensino à Distância EBES Estado de Bem-Estar

ECA Estatuto da Criança e do Adolescente

ENESSO Executiva Nacional dos Estudantes de Serviço Social ENPESS Encontro Nacional de Pesquisadores de Serviço Social GTP’s Grupos Temáticos de Pesquisa

PEPSS Projeto Ético-Político do Serviço Social

PUC-RJ Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro PUC-SP Pontifícia Universidade Católica de São Paulo UFPB Universidade Federal da Paraíba

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO... 12

1 SERVIÇO SOCIAL E CONSERVADORISMO: mediações históricas e

teórico-metodológicas... 1.1 Notas sobre o processo de institucionalização do Serviço Social no Brasil: apontamentos iniciais... 1.2 Particularidades do conservadorismo no Serviço Social: determinações históricas e rebatimentos na cultura profissional...

2 PROJETO ÉTICO-POLÍTICO DO SERVIÇO SOCIAL E SEU EMBATE COM O CONSERVADORISMO: elementos para o debate... 2.1 Bases teórico-metodológicas e ético-políticas de construção do Projeto Ético-Político do Serviço Social... 2.2 A direção social do Projeto Ético-Político do Serviço Social em disputa: tendências e desafios contemporâneos...

3 TRAJETÓRIA DA PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO EM SERVIÇO SOCIAL: avanços, rupturas e perspectivas... 3.1 A produção de conhecimento em Serviço Social e sua recusa ao conservadorismo: aspectos históricos e afirmação política... 3.2 Tendências do conservadorismo no âmbito da produção de conhecimento em Serviço Social: o que os dados revelam?...

CONSIDERAÇÕES FINAIS... REFERÊNCIAS... APÊNDICES... 18 18 22 40 40 46 64 64 74 93 96 101

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INTRODUÇÃO

A presente dissertação possui o objetivo geral de analisar como o fenômeno do conservadorismo tem sido discutido no âmbito da produção de conhecimento em Serviço Social e suas implicações à direção social do projeto ético-político profissional. Tal fenômeno vem ganhando novos contornos no atual cenário, sendo comum depararmo-nos com o crescimento das mais variadas expressões do conservadorismo no Serviço Social, trazendo, em larga medida, inúmeros desafios ao projeto profissional, vez que o referido projeto se contrapõe radicalmente ao projeto societário burguês. Como objetivos específicos: analisar as tendências apontadas pelo conservadorismo nas produções teóricas do Serviço Social; identificar a relação existente entre o avanço do conservadorismo e suas implicações à direção social do PEPSS; apreender as características do conservadorismo na atualidade e em que medida suas expressões rebatem a direção social do PEPSS.

O conservadorismo constitui-se como um fenômeno histórico e dinâmico, datando, assim, das primeiras manifestações pós Revolução Francesa, em oposição ao regime feudal com o seu ideário de Liberdade, Igualdade e Fraternidade, o que alguns autores denominaram de conservadorismo clássico1, e a sua versão atual, designada de conservadorismo moderno. Segundo Souza (2016), é possível caracterizar o conservadorismo clássico como uma reação ideológica e política aos avanços da modernidade. Avanços esses identificados, naquele momento, no desenvolvimento das forças produtivas e nas transformações das relações de produção, que implicaram profundas mudanças socioinstitucionais e culturais. Destarte, o pensamento conservador é complexo e requer uma análise minuciosa sobre os seus fundamentos e características.

Nessa direção, nosso estudo, por meio da metodologia denominada de Estado da Arte2, busca estudar as tendências do conservadorismo apontadas pela produção de conhecimento em Serviço Social, considerando o atual contexto de retrocessos e ainda a presença de traços históricos do conservadorismo na profissão, vez que a mesma possui suas

1 De acordo com Souza (2015), o conservadorismo clássico, em sua gênese pós-1798, constitui-se como sistema

de ideias e posições políticas marcadamente antimodernas, antirrepublicanas e antiliberais. Em síntese: antiburguesas. É possível caracterizá-lo como uma reação ideológica e política aos avanços da modernidade. Avanços esses identificados, naquele momento, no desenvolvimento das forças produtivas e nas transformações das relações de produção, que implicaram profundas mudanças sócio-institucionais e culturais.

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Nas análises de Romanowski e Ens (2006), os objetivos da metodologia denominada de estado da arte favorecem compreender como se dá a produção do conhecimento em uma determinada área de conhecimento em teses de doutorado, dissertações de mestrado, artigos de periódicos e publicações. Essas análises possibilitam examinar as ênfases e temas abordados nas pesquisas; os referenciais teóricos que subsidiaram as investigações; a relação entre o pesquisador e a prática pedagógica; as sugestões e proposições apresentadas pelos pesquisadores [...].

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bases vinculadas à herança religiosa, sobretudo, da igreja católica, bem como sua funcionalidade aos interesses capitalistas, como uma profissão que emergiu para responder, tanto aos interesses da classe trabalhadora, como, principalmente, da burguesia.

Nessa perspectiva, é inegável a existência do pensamento conservador no Serviço Social, de forma que há, historicamente, na profissão um embate entre projetos de cariz conservador, como também, críticas a este pensamento, considerando a atual cultura profissional, pautada pelos interesses da classe trabalhadora. Entretanto, no atual contexto de retomada destes discursos, o Serviço Social também é atravessado pelas ideias conservadoras. Tal pensamento também permeou as matrizes teórico-metodológicas utilizadas pela profissão. Isto se evidenciou no processo de Renovação do Serviço Social no Brasil, a partir das duas primeiras vertentes, quais sejam: a Perspectiva Modernizadora, a qual se valeu do positivismo3- concebendo a atuação profissional a um estatuto científico, de forma que as problemáticas sociais fossem comparadas a ideia de um desajuste por parte dos indivíduos; a fenomenologia- com a tônica centrada na subjetividade dos sujeitos, expressa através da tríade diálogo, pessoa e transformação social.

Ademais, outra matriz teórica que condensa traços do conservadorismo é o estrutural-funcionalismo, cujo expoente é Émile Durkheim. Esta vertente entende a sociedade como um organismo vivo, e, por conseguinte, qualquer desajuste dos indivíduos colocaria em risco a organização e ajustamento social. ―A abordagem funcionalista não se propõe a explicar por que funciona, mas, sim, a ajustar tal funcionamento‖ (GUERRA, 2018, p. 58). Destarte, tais exemplos representam extratos do pensamento conservador no Serviço Social.

No cenário contemporâneo, é possível acompanharmos o crescimento das elaborações pós-modernas, as quais convergem com o conservadorismo. Sendo assim, o conservadorismo se expressa de maneiras diversas: sob o discurso pós-moderno, em qualquer uma de suas versões o conservadorismo atual mantém uma linha de convergência: a negação e crítica à teoria marxista. É tendência comum na maioria dos autores enraizados no pensamento conservador o questionamento da centralidade do marxismo no Serviço Social, na tentativa de reverter à tendência teórica adotada a partir da década de 1980 e consolidada nas décadas seguintes. Tendência essa que se expressa nas produções teóricas da área, na direção das

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O Positivismo surge no final do século XVIII como uma utopia revolucionária, dentro do movimento Iluminista e ligado à fase revolucionária da burguesia. Tem como precursor Condocert (1743-1794), que vai formular a noção de ciência da sociedade, submetida aos interesses das classes poderosas. O método positivista trabalha com as relações aparentes dos fatos, bem como, o imediato, o observado. Contesta o teleológico e o metafísico. Busca a regularidade e a individualidade. Circunscreve os objetos em uma perspectiva formalista (GUERRA, 2018).

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organizações da categoria profissional (CFESS/CRESS, ABEPSS, ENESSO), na formação profissional, ou seja, na cultura profissional sustentada pelo projeto ético-político profissional.

A pós-modernidade, decerto, se configura como uma grande disputa à direção social do projeto ético-político profissional, por esta desconsiderar a dimensão da totalidade e apostar no aspecto micro das relações sociais. Também são características do ideário pós-moderno a efemeridade, negação da história e a crítica às metanarrativas, em especial o marxismo.

Como resultado dos acontecimentos operados a partir das décadas de 1980/1990, momento em que o Serviço Social notabilizou-se pela sua vasta produção teórica, bem como pelo processo de maturação profissional, por meio de seu processo de Renovação, como já referenciado acima, permitiu que a profissão construísse o que se convenciou denominar de Projeto Ético-Político do Serviço Social (PEPSS).

Tal projeto é resultado de uma gama de transformações ocorridas, tendo como saldo histórico a década de 1980, e comporta, fundamentalmente, três elementos: o Código de Ética Profissional (1993), a Lei de Regulamentação da Profissão (nº 8662/1993) e o conjunto das Diretrizes Curriculares da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS), aprovadas nos anos de 1996. Tais elementos condensam uma série de parâmetros que visam nortear a atuação profissional do/a assistente social. É interessante demarcar que no atual contexto de crise capitalista, cria-se um terreno fértil para a eclosão de uma gama de expressões do conservadorismo, cujos rebatimentos tendem a disputar os valores preconizados pelo PEPSS e, por conseguinte, merecem ser estudados no âmbito da produção teórica.

Segundo Abramides (2019), a constituição do referido projeto profissional apresenta algumas características centrais que o identificam, quais sejam: a análise da vida social em sua totalidade; a percepção da profissão na divisão sociotécnica do trabalho; o significado social da profissão no processo de produção e reprodução da força de trabalho; a condição de assalariamento profissional; o legado marxiano e a tradição marxista como referenciais teóricos de interpretação e transformação da sociedade de classes; sua direção sociopolítica. Diante destas características, o Serviço Social, como uma das poucas profissões, possui um projeto profissional peculiar: a defesa por uma nova ordem societária, assim como a sua atual direção aponta.

É neste cenário, que o interesse pelo estudo desta temática adveio desde o período de graduação em Serviço Social, sobretudo, nas disciplinas dos fundamentos históricos e teórico-metodológicos do Serviço Social, quando deparamo-nos com a seguinte indagação: o que é e

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como é possível materializar o projeto ético-político do Serviço Social no exercício profissional? A partir desta reflexão, desenvolvemos o Trabalho de Conclusão de Curso intitulado de ―O projeto ético-político do Serviço Social em debate: desafios e perspectivas à sua materialização4‖.

Com base nisto, constatamos algumas dificuldades apresentadas pelas profissionais que participaram da pesquisa, quais sejam: precarização das condições de trabalho; relativa autonomia profissional, em face dos ditames institucionais que, por vezes, esbarra-se com a autonomia das/os assistentes sociais; e, um aspecto que nos chamou atenção, foi o fato de uma profissional referir-se ao projeto ético-político como se o mesmo fosse um projeto tangível, ou seja, um projeto pronto. Tal aspecto evidencia que o PEPSS, ainda é assimilado como uma espécie de cartilha, como se o mesmo não fosse resultado de uma luta histórica da categoria, em sintonia com as transformações societárias.

Ao ingressarmos no mestrado acadêmico em Serviço Social, continuamos com o interesse por aprofundar os estudos nesta temática, de forma que pudéssemos apreender novos elementos que permeiam o PEPSS na atual conjuntura. Depois de amadurecer a proposta de estudo na disciplina de seminário de dissertação, julgamos pertinente redirecionar a pesquisa, analisando, agora, como o fenômeno do conservadorismo vem se expressando na produção de conhecimento em Serviço Social e como este implica na direção social do projeto profissional? Adotamos para a construção desta problemática as seguintes questões norteadoras: O que caracteriza o pensamento conservador na atualidade? Como o Serviço Social vem problematizando o conservadorismo e suas atuais tendências, no âmbito da produção teórica? Quais as implicações das expressões do conservadorismo à direção social hegemônica do PEPSS? O estudo aqui desenvolvido está organizado da seguinte forma:

No primeiro capítulo, nossos esforços consistem em apresentar as mediações históricas e teórico-metodológicas entre o conservadorismo e o Serviço Social, com a preocupação de apreender as determinações de nosso objeto de pesquisa em toda a construção da dissertação. Desta feita, recuperamos alguns fundamentos históricos do conservadorismo e suas particularidades no Serviço Social, em seu processo de institucionalização no Brasil.

O segundo capítulo propõe-se a abordar a construção do chamado projeto ético-político profissional, a partir das determinações societárias e profissionais que influenciaram em sua constituição. Tal projeto representa o atual estatuto teórico-metodológico,

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O referido trabalho foi defendido no período de 2017.2, na Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). Contou com a participação de três assistentes sociais que atuavam no âmbito da política de Assistência Social, cujo objetivo foi discutir a possibilidade de materialização do projeto ético-político neste espaço.

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político e técnico-operativo da profissão. Neste capítulo, procuramos situar à disputa hegemônica entre o PEPSS e alguns projetos que o criticam, como é o caso do chamado Serviço Social libertário, cujo direcionamento visa tornar o Serviço Social acrítico, desvinculado da perspectiva marxista. Nas considerações finais, retornamos ao objeto de estudo, agora como um ―concreto pensado‖ e lastreado de inúmeras determinações, buscando responder a pergunta de partida.

Em termos teórico-metodológicos, o referido estudo é orientado pelo método crítico-dialético, haja vista o mesmo, segundo Prates (2012, p. 117), ―Marx apropria-se das categorias que emanam da realidade e volta a ela utilizando-as para explicar o movimento de constituição dos fenômenos, a partir de sucessivas aproximações e da constituição de totalizações provisórias, passíveis de superação sistemática, porque históricas‖. Nesse sentido, as categorias centrais deste estudo envolvem o conservadorismo, a direção social e a produção de conhecimento em Serviço Social, todas imbricadas nas análises aqui expostas.

Para a construção da dissertação, procedemos com um levantamento bibliográfico, identificando as categorias centrais, como o conservadorismo, tendo como aporte teórico as reflexões de Nisbet (1986), Escorsim Netto (2011), Souza (2016); a fim de dialogar com o objeto em toda a tessitura do trabalho, recorremos a Iamamoto (2013), Netto (1996), Silva e Silva (2011), Santos (2007), os quais discutem acerca do Serviço Social, e no âmbito da produção de conhecimento, contamos com os estudos de Kameyama (1998), Carvalho e Silva (2005), Lewgoy e Serpa (2018). Posteriormente, utilizamos a pesquisa documental, mediante um roteiro elaborado para explicar as categorias analíticas e facilitar a análise dos dados. O estudo documental, segundo Lakatos e Marconi (2005, p. 32) permite ―[...] fazer uma crítica, do ponto de vista da coerência interna e validade dos argumentos empregados no texto‖.

No tocante a abordagem do estudo, o mesmo consiste numa abordagem qualitativa, vez que pretendemos analisar a temática do conservadorismo e suas atuais tendências, expressas na produção teórica. De acordo com Deslandes, Gomes e Minayo (2012, p. 21) ―a pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares. Ela se ocupa, nas Ciências Sociais, com um nível de realidade que não pode ou não deveria ser quantificado‖. Desta feita, a pesquisa qualitativa possibilita a/o pesquisador/a captar como o seu objeto de estudo aparece, bem como o mesmo é analisado em seus significados.

Nesse sentido, o material analisado compreendeu as três últimas edições do Encontro Nacional de Pesquisadores de Serviço Social (ENPESS), ou seja, os anos de 2014, 2016 e 2018, respectivamente. Os materiais foram analisados através de uma categorização, na qual se buscou os trabalhos que discutiam o conservadorismo. Realizamos a leitura completa dos

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mesmos, buscando discutir como o conservadorismo é debatido, quais as suas tendências para a profissão. É valido ponderar que tais períodos foram emblemáticos para a conjuntura social, política, econômica e cultual do Brasil, tendo como ápice o processo de impeachment contra a ex-presidenta Dilma Rousseff.

Na perspectiva de extrair os conteúdos, nos quais os artigos foram caracterizados quanto ao tema (categorização), a técnica empregada na interpretação dos dados foi à técnica de análise de conteúdo, a qual para Silva e Fossá (2015, p. 02) é uma técnica de análise das comunicações, que irá analisar o que foi dito nas entrevistas ou observado pelo pesquisador. Na análise do material, busca-se classificá-los em temas ou categorias que auxiliam na compreensão do que está por trás dos discursos.

Acreditamos, então, que este estudo possui relevância acadêmica, pois, pretendemos dar visibilidade e agregar conhecimento às produções teóricas que abordem o pensamento conservador e seus rebatimentos à direção social do PEPSS. No âmbito social, o mesmo apresenta relevância no sentido de fornecer elementos para a compreensão do conservadorismo, não apenas em suas manifestações cotidianas- a exemplo da influência da religião, a centralidade na família, comportamentos discriminatórios- mas, no entendimento da dinâmica e constituição deste pensamento.

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1 SERVIÇO SOCIAL E CONSERVADORISMO: mediações históricas e teórico-metodológicas

Neste capítulo, abordar-se-á os fundamentos históricos e teórico-metodológicos do conservadorismo, bem como suas influências no Serviço Social. Para tanto, recuperar-se-á o processo de surgimento do Serviço Social no Brasil e os aspectos que demarcaram a sua institucionalização. Em seguida, abordaremos às primeiras expressões do pensamento conservador na sociedade e como o mesmo permeou à gênese da profissão, considerando que a mesma emergiu na sociedade capitalista a fim de responder às necessidades sociais que a demandaram.

1.1 Notas sobre o processo de institucionalização do Serviço Social no Brasil: apontamentos iniciais

Antes de iniciarmos o debate proposto nesta seção, consideramos pertinente situar o significado social da profissão de Serviço Social, como já aludira Iamamoto (2013), como sendo a mesma uma especialização do trabalho coletivo, inscrita na divisão social e técnica do trabalho no modo de produção capitalista. A partir desta premissa, objetivamos traçar o processo de institucionalização e legitimação do Serviço Social no Brasil.

O contexto que propiciou a emergência da profissão em solo brasileiro acompanhou uma série de transformações conjunturais. Seu surgimento ocorreu no período da chamada industrialização pesada, quando o Estado e o empresariado passaram a requisitar uma profissão que pudesse responder às expressões da ―questão social5‖. Para Iamamoto e Carvalho (2009, p. 77 grifos dos autores):

O Serviço Social se gesta e se desenvolve como profissão reconhecia na divisão social do trabalho, tendo por pano de fundo o desenvolvimento

capitalista industrial e a expansão urbana, processos esses aqui apreendidos

sob o ângulo das novas classes sociais emergentes- a constituição e expansão do proletariado e da burguesia industrial- e das modificações verificadas na composição dos grupos e frações de classes que compartilham o poder do Estado em conjunturas históricas específicas.

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Segundo Iamamoto (2015, p.156), a Questão Social condensa o conjunto das desigualdades e lutas sociais, produzidas e reproduzidas no movimento contraditório das relações sociais, alcançando a plenitude de suas expressões e matizes em tempo de capital fetiche.

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Com base nesta afirmação, o processo de surgimento do Serviço Social no Brasil sintonizou-se com os acontecimentos sociais, políticos, econômicos e culturais, os quais acompanharam a formação e expansão das configurações de classes, com destaque para o protagonismo da classe operária. Todavia, neste contexto, o projeto de intervenção da profissão ainda era embrionário, conforme analisa Silva e Silva (2011, p. 43), à medida que ―apresentava-se como estratégia de qualificação do laicato e da Igreja católica que, no contexto desenvolvimento urbano vinha ampliando sua ação caritativa aos mais necessitados, para o desenvolvimento de uma prática ideológica junto aos trabalhadores urbanos e suas famílias‖.

Nesse sentido, as primeiras ações da profissão foram norteadas pela Doutrina Social da Igreja Católica, possuindo, ainda, um caráter confessional e de ajustamento à ordem social vigente. Foi referendada também pelo ideário franco-belga e de ação social do pensamento de São Tomás de Aquino (século XII): o tomismo6 e o neotomismo (retomada em fins do século XIX do pensamento tomista de Jacques Maritain na França e pelo Cardeal Mercier na Bélgica). Nessa direção, Yazbek (2009, p. 06) pontua:

As particularidades desse processo no Brasil evidenciam que o Serviço Social se institucionaliza como um dos recursos mobilizados pelo Estado e pelo empresariado, com o suporte da Igreja Católica, na perspectiva do enfrentamento e regulação da Questão Social, a partir dos anos 30, quando a intensidade e extensão das suas manifestações no cotidiano da vida social adquirem expressão política.

Decerto, a partir do projeto de cristianização da sociedade e da perspectiva de ajustamento do Estado, o Serviço Social é solicitado para intervir frente às expressões da ―questão social‖, não mais pela via da repressão, ou seja, como caso de polícia, e sim, como caso de política. Segundo Silva e Silva (2011, p. 42), deu-se nesse contexto, a supremacia da burguesia industrial, no poder do Estado, aliada aos grandes proprietários rurais, ocorrendo, também o crescimento do proletariado urbano, em face do desenvolvimento do modelo urbano-industrial e da capitalização da agricultura, com a consequente liberação de fluxos populacionais.

6 Conforme Aguiar (2011), o neotomismo consiste numa retomada da filosofia expressa por São Tomás de

Aquino, no século XII. A filosofia de São Tomás, a partir deste século, marcará por muito tempo a história da filosofia e do homem. Os princípios de dignidade da pessoa humana, do bem- comum, entre outros, iluminaram a teoria e prática do assistente social, desde 1936 até 1960.

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Nesse sentido, o surgimento da profissão ocorreu, paralelamente, à formação de novos segmentos populacionais, a saber, os setores oriundos no meio rural, tendo em vista o processo de urbanização ocorrido nos anos de 1930. Seus principais meios de recrutamento foram à igreja católica, por meio de sua doutrina social; e o Estado, como instância reguladora da ordem social. Tal afirmativa ratifica as análises de Netto (1996, p.118), quando o mesmo situou a gênese e o desenvolvimento do Serviço Social como antimodernos: ―a profissão nasce e se desenvolve como parte do programa da antimodernidade, reagindo à secularização, à laicização, à liberdade de pensamento, à autonomia individual, etc.‖.

Nesta perspectiva, o Serviço Social, sob as influências da doutrina social da igreja católica, em um contexto de recuperação de sua hegemonia, desenvolveu suas primeiras tentativas de atuação. Isto significou, conforme Iamamoto (2013, p. 20):

Na tentativa de recuperar áreas de influência e privilégios perdidos, em face da crescente secularização da sociedade das tensões presentes nas relações entre Igreja e Estado, a Igreja procura superar a sua postura contemplativa. Fortalece-se defensivamente, e, diretamente orientada pela hierarquia, procura organizar e qualificar seus quadros intelectuais laicos para uma ação missionária e evangelizadora na sociedade. Contrapõe-se aos princípios do liberalismo e ao comunismo, que aparecem como um perigo ameaçador à sua posição na sociedade.

Segundo as considerações acima apresentadas, as primeiras iniciativas do Serviço Social no Brasil reiteram a sua natureza confessional, na medida em que sua base de formação estava ancorada à doutrina social da igreja. Destaca-se, como apresenta Yazbek (2018, p. 52), a publicação da encíclica Rerum Novarum (1891), a qual ―negava a proposta socialista e afirmava o pensamento da Igreja Católica como único caminho para a solução da questão social‖. Decorridos 40 anos da publicação da encíclica Rerum Novarum, tem-se a encíclica ―Quadragésimo Anno‖ de Pio XI em 1931, a qual vai tratar da questão social, apelando para a renovação moral da sociedade e a adesão à ação social da Igreja.

No que diz respeito à formação profissionais das primeiras assistentes sociais daquele contexto, foi criado, em 1932, o Centro de Estudos e Ação Social de São Paulo (CEAS), considerado como manifestação e sob o controle da hierarquia do Serviço Social no Brasil. Conforme Iamamoto (2009), o CEAS aparece como uma condensação da necessidade sentida por setores da Ação Social e Ação Católica, especialmente pela primeira se tornar mais efetiva e dar maior rendimento às iniciativas e obras promovidas pela filantropia das classes

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dominantes paulistanas sob patrocínio da Igreja e de dinamizar a mobilização do laicado. Conquanto, segundo a referida autora o objetivo central do CEAS foi:

Promover a formação de seus membros pelo estudo da doutrina social da Igreja e fundamentar sua ação nessa formação doutrinaria e no conhecimento aprofundado dos problemas sociais, visando tornar mais eficiente a atuação das trabalhadoras sociais e adotar uma orientação definida em relação aos problemas a resolver, favorecendo a coordenação de esforços dispersos nas diferentes atividades e obras de caráter social (IAMAMOTO, 2009, p. 169).

A criação do CEAS significou, destarte, a preocupação do ideário católico em instruir as assistentes sociais acerca de sua atuação profissional à luz de suas requisições. Tal instituição foi assentada nas bases da Doutrina Social católica, orientada pela perspectiva de ajustamento social, apresentando-se como uma instituição difusora do pensamento conservador no âmbito da formação das primeiras assistentes sociais. Faz-se necessário destacarmos que o público do referido curso era formado, massivamente, por mulheres. Isso expressa à histórica feminização do Serviço Social, ao atribuir à mulher características como o cuidado, a sensibilidade e a capacidade de apaziguar os conflitos sociais.

Em convergência com tais reflexões, Vasconcelos (2015, p. 282) ressalta:

[...] mulheres cultas e preparadas ideológica e tecnicamente do ponto de vista da classe que representavam, tendo em vista sua profissionalização, prestavam (o que nos remete à necessidade, resgatando o Serviço Social na história, de apreender o que desta prática está presente ainda nos dias atuais) ajuda/assistência aos trabalhadores e suas famílias, ―preocupadas‖ com seu ―estilo de vida‖/comportamentos/habilidades, mas não com suas condições de vida e de trabalho.

Este foi, portanto, o perfil esboçado pelas primeiras assistentes sociais no Brasil, cujo objetivo principal era o de ajustar o indivíduo à ordem social em que o mesmo estava inserido. Acrescido a isto, o ideário católico propalava o seu discurso na direção de intervir frente às expressões da ―questão social‖, concebendo-a, além de um caráter moralizador, um caráter, precipuamente, religioso. Noutras palavras, Yazbek (2009) assinala que, é, pois, na relação com a Igreja Católica, que o Serviço Social brasileiro vai fundamentar a formulação de seus primeiros objetivos político-sociais, orientando-se por posicionamentos de cunho humanista conservador contrário aos ideários liberal e marxista na busca de recuperação da hegemonia do pensamento social da Igreja em face da ―questão social‖.

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Mediante os argumentos até aqui expostos, cumpre-nos analisar que o Serviço Social, ao se constituir como uma profissão no Brasil emerge com expressivos traços do conservadorismo profissional, vez que, em seus primórdios, a profissão fora balizada por princípios religiosos, bem como, por pressões do aparelho estatal, o qual buscava adequar os sujeitos sociais ao status quo. De acordo com Cardoso (2013), a institucionalização do Serviço Social no Brasil foi uma consequência da legitimação realizada pelas classes dominantes e impulsionada pela igreja e que sua formação profissional passa a ser responsabilidade desta, o que lhe confere um caráter conservador e humanista.

Nas reflexões a seguir, buscaremos elucidar sobre o pensamento conservador como um fenômeno histórico, complexo e perpassado por inúmeras determinações sociais. Vale ressaltar, portanto, que o conservadorismo é constitutivo de um dado movimento histórico, e que o mesmo permeou o surgimento do Serviço Social no Brasil, reatualizando-se nos dias atuais.

1.2 Particularidades do conservadorismo no Serviço Social: determinações históricas e rebatimentos na cultura profissional

O conservadorismo constitui uma ideologia fortemente atrelada aos interesses do modo de produção capitalista, apresentando-se como um fenômeno histórico, complexo e constitutivo da dinâmica social, o qual se expressa de variadas formas e reaparece a depender da dinâmica das lutas de classes. Diante das mais variadas expressões deste, as reflexões a seguir objetivam recuperar os aspectos históricos que demarcam o seu surgimento na sociedade, bem como situar a presença deste pensamento na profissão. Nesse sentido, considerando o conservadorismo como um fenômeno que interfere em todas as dimensões da vida em sociedade, busca-se, portanto, analisar suas principais tendências e de que forma o mesmo vem se expressando na produção teórica do Serviço Social.

Para Nisbet (1986) considerado uma figura expoente deste pensamento, o conservadorismo, enquanto uma filosofia social definida surge como uma resposta direta à Revolução Francesa, que teve o mesmo impacto sobre a mente dos homens, que tiveram as revoluções comunistas e nazistas do século vinte. Em cada caso a tomada do poder, a expropriação dos velhos governantes e o impacto de novos padrões de autoridade sobre velhas certezas, levaram a um reexame das ideias de liberdade e ordem.

Conforme Escorsim Netto (2011), o pensamento conservador é uma expressão cultural particular de um tempo e um espaço sócio-histórico muito preciso: o tempo e o espaço da

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configuração da sociedade burguesa, configuração esta que deve ser tomada como uma ―rica totalidade de determinações e relações diversas‖ (MARX apud ESCORSIM NETTO, 2011, p. 41), e que opera movimentos e tensões em todas as esferas e instâncias sociais.

Em confluência com este aspecto, Iamamoto (2013) analisa o conservadorismo não apenas como a continuidade e persistência no tempo de um conjunto de ideias constitutivas da herança intelectual europeia do século XIX, mas de ideias que, reinterpretadas, transmutam-se em uma ótica de explicação e em projetos de ação favoráveis à manutenção da ordem capitalista. Segundo a referida autora, o conservadorismo moderno, que supõe uma forma peculiar de pensamento e experiência prática, é fruto de uma situação histórica-social específica: a sociedade de classes em que a burguesia emerge como protagonista do mundo capitalista.

É preciso elucidar, portanto, que o conservadorismo e o pensamento conservador não são sinônimos. Para Silva (2010), do ponto de vista do uso comum, conservadorismo está ligado à pretensão de manter intacta, de conservar, portanto, de rejeitar o novo e o apelo à mudança, visto como riscos à ordem instituída. O primeiro, portanto, constitui uma ideologia7, uma visão de mundo; já o segundo, tem profundas relações com o primeiro, na medida em que à adesão ao conservadorismo canaliza em pensamentos de ordem conservadora.

Tendo como precursor do pensamento conservador, Edmund Burke (1729-1797) pensador inglês, inaugura as bases históricas do pensamento conservador, o chamado conservadorismo clássico a partir de dois eventos emblemáticos: a Revolução Gloriosa (1688) e Revolução Francesa (1789). Ambos os eventos são significativos para o entendimento do conservadorismo clássico. Vejamos algumas de suas características.

A Revolução Gloriosa surgiu na Inglaterra e instituiu um novo governo monárquico inglês, submetido ao parlamento e a uma constituição, depôs Jaime II e entronizou o holandês Guilherme II. Para Burke, a revolução deu-se de maneira pacífica e ordeira, contrariando, assim, qualquer atentado ou insurreição. Nesse sentido, tal revolução como modelo "revolucionário" ideal, caracterizou-se por uma transição sem sangue, sem convulsões ou insurreições capazes de alavancar o tradicionalismo e fundar outra institucionalidade (SOUZA, 2015, p. 118).

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O conceito gramsciano de ideologia é bastante amplo e expressa ―o mais alto significado de uma concepção de mundo que se manifesta implicitamente na arte, no direito, na atividade econômica, em todas as manifestações da vida individual e coletiva‖ (GRAMSCI, 1978, p. 16), a qual cimenta e unifica todo o bloco histórico.

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Na Revolução Gloriosa, uma parcela da burguesia ascendeu socialmente, ganhando prestígio e reconhecimento. A forma como se processou a emergência do novo governo prescindiu o uso de armas, garantido, assim, a ordem e a manutenção do poderio burguês. Assim sendo, a máxima do pensamento conservador clássico fora preservada: seu caráter antirrevolucionário.

Em face do exposto, Souza (2016) pondera que a ideia central do conservadorismo clássico, defendida por Burke e incorporada pelos conservadores até a contemporaneidade, é a negatividade da revolução. Sob todos os aspectos e pontos de vista, para o conservadorismo, a revolução é não apenas desnecessária, mas, sobretudo, devastadora para as relações sociais. O fundador do conservadorismo tinha como objeto de crítica o processo revolucionário burguês.

Contrariando tais ideais, a Revolução Francesa de 1789, proclamando o seu célebre lema Liberdade, Igualdade e Fraternidade, na visão burkeana, ―haveria realizado uma ruptura abrupta, desnecessária e violenta com as heranças da tradição‖ (idem). Com base no pensamento do autor, a Revolução Francesa sinalizou um atentado aos costumes e valores do antigo regime, subvertendo a tradição herdada. Na concepção de Nisbet (1986), não foi somente contra a Revolução Francesa que os conservadores se revoltaram. Foi, para este autor, a perda do status que podia ser observada por toda parte na Europa Ocidental como consequência de mudanças econômicas, secularização da moral e centralização política.

De acordo com Escorsim Netto (2011), a função social do pensamento conservador, tal como aparece nos imediatos continuadores de Burke é inequívoca: o conservadorismo expressa os interesses dos privilegiados do Ancien Régime, a nobreza fundiária e o alto clero. O pensamento conservador exprime, assim, um projeto de restauração que em pouco tempo revela-se inviável: entre 1815 (o Congresso de Viena, que consagra a Santa Aliança) e 1830 (a revolução de julho, que derruba, na França, Carlos X, o último Bourbon), o que se manifesta, na Europa Ocidental, é a irreversibilidade das transformações que o desenvolvimento do capitalismo impõe às instituições sociais.

Todo este cenário de insurreição foi orientado pelos valores do Iluminismo8, o qual, para Burke, implicou em meras abstrações destituídas de significados objetivos. Foi assim que as concepções de igualdade, direitos do homem, razão, antropocentrismo, liberdade individual, soberania popular, são identificadas como ideias perigosas à ordem estabelecida,

8 Os traços mais marcantes da cultura do Iluminismo são o racionalismo, a autonomia individual, o humanismo e

o historicismo; suas principais características são a secularização, dessacralização do mundo, valorização da experiência controlável e universalizante. Eles expressam os aspectos do mundo ideal a ser construído pela burguesia revolucionária e as condições em que as transformações técnico-produtivas deveriam se desenvolver. (ESCORSIM NETTO, 2011).

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corrosivas de toda a herança cultural e patrimonial das tradições europeias (SOUZA, 2015, p 121).

Tomando como base histórica os eventos supracitados encontramos em ambos o substrato do conservadorismo clássico, em que a perspectiva antirrevolucionária é o seu cerne. De acordo com as análises de Souza (2015) certos princípios do conservadorismo clássico vão ganhar dimensão científica com as sociologias de August Comte (1798-1857), Hebert Spencer (1820-1903) e Émile Durkheim (1858-1917), os quais desenvolveram o pensamento conservador a conceitos, sobretudo, nas relações entre indivíduo, Estado e sociedade, contribuindo para que a sociologia se apropriasse de algumas características do conservadorismo, a exemplo da perspectiva defendida por Durkheim, em que a sociedade é comparada a um organismo vivo e, portanto, qualquer desvio dos indivíduos provocaria desajustes à sociedade.

No que diz respeito às contribuições da sociologia para a afirmação do pensamento conservador, sua funcionalidade consiste em ―vocalizar certas aspirações conservadoras clássicas, principalmente aquelas em defesa das instituições estabelecidas‖ (SOUZA, 2015, p. 5). Destarte, a sociologia como ciência social e, consequentemente, por estudar os fatos sociais, objeto de estudo da perspectiva durkheimiana, enfatiza os aspectos que garantem organicidade social, de forma que os indivíduos são classificados segundo as suas funções, as quais podem ser normais ou desviantes convergindo para o que Durkheim denominou de coesão social9.

Todavia, é preciso analisar com mais propriedade, a relação da sociologia com o conservadorismo. Escorsim Netto (2011) assinala que até meados do século XX, o conservadorismo permaneceu como um tabu para os sociólogos. Foi preciso, portanto, aguardar os anos de 1950/1960 para este panorama ser alterado significativamente. De uma parte, é então que, no interior da sociologia, surgem tendências que questionam a sua própria função social- é quando emergem, expressando transformações socioculturais, os embriões da sociologia crítica. Para esta, a análise do conservadorismo sociológico demonstrou-se tanto uma operação autocrítica quanto uma necessária estratégia de afirmação institucional.

Baseado nestas considerações convém ressaltar que a tônica do pensamento conservador assenta seus valores, na supervalorização às instituições, apelo às tradições,

9 A noção de coesão para Burke (2014) é central uma vez que entende que a sociedade é um todo harmônico e

algo orgânico, como um organismo no qual cada indivíduo exerce seu papel. A possibilidade de, pós Revolução Francesa, que trabalhadores de diferentes profissões fossem considerados como sujeitos iguais, livres e com direitos iguais, para o autor, iniciava uma ruptura com a tradição da desigualdade, necessária para o estabelecimento da ordem (SECON, 2018, p. 42).

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família, propriedade privada, e, por se tratar de um pensamento eminentemente empiricista superestima os preconceitos na medida em que, para Souza (2015) consistiriam em um referencial estabelecido pelo acúmulo das experiências, ao fundamentar as escolhas, ações e pensamentos em "preconceitos", o conservadorismo abole qualquer perspectiva de debate racional sobre a formação social e econômica de uma dada sociedade. Para este mesmo autor, o preconceito passa a enquadrar indivíduos e grupos em padrões previamente estabelecidos. As exceções, por derivação, tendem a ser encaradas como ―desvios‖, ―anomias‖, ―doenças‖, como ―casos‖ a serem reconduzidos ou reprimidos, posto que representam ―ameaças‖. Assim, para Nisbet (1986, p. 67), ―há no preconceito, uma sabedoria intrínseca que é o produto dos séculos e da profunda necessidade de segurança do homem‖.

No tocante à centralidade à defesa da família, um dos pilares do conservadorismo clássico, Escorsim Netto (2011) pondera que, de um lado, os conservadores a compreendem como base moral da sociedade, lócus precisamente de inculcação da tradição, já que, conforme Burke tomamos nossas leis fundamentais no seio de nossas famílias; de outro, os conservadores têm plena consciência do seu papel econômico e do seu peso, através da herança. Nesse sentido, ―toda pessoa, todo costume, toda instituição, serve a alguma necessidade básica da vida humana, ou contribui com alguns serviços indispensáveis para a existência de outras instituições e costumes‖ (NISBET, 1986, p. 67).

A centralidade da família também esteve presente na gênese do Serviço Social, ao passo que, como sublinha Iamamoto (2013, p. 33), ―a família como grupo social básico, é erigida como núcleo do trabalho profissional e como referência para a apreensão da vida em sociedade, em contrapartida às classes sociais‖. Tal afirmativa implica dizer, todavia, que a individualização das problemáticas familiares, deslocadas das determinações sociais, tende a culpabilizar os indivíduos face às expressões da ―questão social‖ enfrentadas pelos mesmos.

Depreendemos, assim, que o conservadorismo, como um fenômeno histórico e político, apresenta diversas nuances que se imbricam ao movimento da realidade, principalmente, num contexto marcado pela defesa intransigente da propriedade privada, da família, da disseminação crescente de preconceitos e do irracionalismo10, favorecendo, assim, perseguições políticas, ideológicas e demais expressões que legitimem preconceitos e

10 Segundo as análises de Barroco (2015, p. 624) o irracionalismo dissemina o pessimismo, o anti-humanismo, o

individualismo e desvaloriza a verdade objetiva, dissimulando as contradições sociais e naturalizando suas consequências. O irracionalismo e o conservadorismo encontram condições favoráveis para se desenvolver em momentos de crise social, exercendo a função de enfrentamento das tensões e contradições sociais e contribuindo, direta ou indiretamente, para a apologia do capitalismo.

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condutas permeadas por intolerâncias, em diversas esferas. Vejamos, então, as características centrais do pensamento conservador:

Dentre as características do pensamento conservador, destaca-se sua vocação para o passado, terreno, germinativo da inspiração para a interpretação do presente. O passado é experimentado como virtualmente presente. A sociedade tende a ser apreendida como constitutiva de entidades orgânicas, funcionalmente articuladas, cujo modelo é a família e a corporação. Os pequenos grupos são tidos como fonte das relações interpessoais, da sociabilidade e da moralidade. Os elementos sagrados, irracionais, não utilitários da existência, são valorizados, em contraposição ao primado da razão. O conservador pensa a base do ―nós‖; o indivíduo não é uma partícula isolada e atomizada na sociedade, mas é parte de unidades mais amplas, dos grupos sociais básicos. Reage a toda igualdade externa, que desconheça as particularidades individuais [...] (IAMAMOTO, 2013, p. 27).

É preciso ressaltar, também, que o conservadorismo representa uma expressão ideopolítica funcional a atual fase da crise do capital, na qual se acirram os conflitos econômicos, sociais e culturais. Sobre a crise que assola o sistema capitalista, Mészáros (2014, p. 7) afirma que ―sua severidade pode ser medida pelo fato de que não estamos frente a uma crise cíclica do capitalismo mais ou menos extensa, como as vividas no passado, mas a uma crise estrutural, profunda, do próprio sistema do capital‖.

Diante disso, tal contexto de crise torna-se propício à difusão de ideologias, as quais se apoiam o conservadorismo. Noutras palavras:

Sendo assim, se outras ideologias conservadoras – como o liberalismo, o pragmatismo, o utilitarismo – mantêm influência permanente e predominante sobre o pensamento social, político e econômico produzido na sociedade burguesa em condições de estabilidade, o conservadorismo tende a ganhar força e aglutinar os interesses dominantes nos momentos de crise (SOUZA, 2016, p. 146).

Nessa direção, a crise estrutural do capitalismo não apenas traz implicações para a economia, mas, sobretudo, para a emergência de expressões que garantam funcionalidade às ideologias propagadas por este, nesse caso, tem-se o conservadorismo como uma expressão ideológica favorecedora dos processos de hegemonia capitalista. Como o pensamento conservador apela para o irracionalismo, Coutinho (2010, p. 16) pontua que quando ―atravessa momentos de crise, a burguesia acentua ideologicamente o momento irracionalista, subjetivista; quando enfrenta períodos de estabilidade, de segurança, prestigia as orientações fundadas num racionalismo formal‖.

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Prossegue o referido autor em suas análises, afirmando que, do ponto de vista filosófico, o racionalismo formal emerge devido ao fato do abandono dos três núcleos categoriais que o marxismo herdou da filosofia clássica, quais sejam: o historicismo concreto, ou seja, a afirmação do caráter ontologicamente histórico da realidade e a defesa do progresso e melhoramento da espécie humana; o humanismo, a teoria de que o homem é um produto de sua própria atividade, de sua história coletiva; e, por fim, a razão dialética, na qual uma racionalidade objetiva imanente ao desenvolvimento da realidade; e aquele das categorias capazes de apreender subjetivamente a racionalidade objetiva.

Delineadas algumas das principais características do conservadorismo clássico, sem a pretensão de estabelecer uma cisão entre este e o conservadorismo moderno, analisaremos a seguir a dinâmica do pensamento conservador moderno, sendo que este se particulariza no estágio monopolista de reprodução do capital, contrapondo-se a qualquer projeto societário que não seja o modo de produção capitalista. Noutras palavras, tal conservadorismo ―se volta para a sociedade medieval em busca de inspiração e modelos, contra os quais lança o mundo moderno‖ (NISBET, 1986, p. 65).

O conservadorismo moderno emergiu num contexto marcado pelos resultados das revoluções proletárias pós 1848, momento em que a burguesia, deixando de lado seus valores libertários converte-se em classe eminentemente conservadora11, de forma que a burguesia, em determinados momentos recorre ao conservadorismo como processo ideológico. Este momento demarcou a reação conservadora não mais como volta ao passado aristocrático, mas sob novas características, muito mais elaboradas e complexas.

O conservadorismo moderno, como assevera Souza (2015, p. 7):

O conservadorismo moderno incorporou o conceito de ―totalitarismo‖ nesses termos niveladores e, com ele, elaborou uma concepção de mundo que encastela o significado ontológico do tempo presente, esvaziando-o do devir histórico. Realiza esse encastelamento através, de um lado, da blindagem do presente em relação às ―utopias‖ revolucionárias, que desejam transformar radicalmente a sociedade vigente. De outro, projetando-se contrários às ―utopias‖ reacionárias, aferradas que são às formas do passado. Com essa blindagem ―presentista‖ (nem passado-reacionário, nem futuro-revolucionário, somente o presente importa), o conservadorismo moderno acredita estar se movendo em bases ―progressistas‖, uma vez que rejeita, equalizando, tanto as ―utopias‖ revolucionárias, quanto reacionárias, ambas

11 Ortiz (2010, p. 90) afirma que o século XIX e principalmente os confrontos proletários de 1830 e 1848 fizeram

com que a burguesia, para se manter como dirigente, abandonasse seu papel revolucionário, tornando-se classe conservadora. Diante deste novo posicionamento dela em face do cenário político existente no século XIX, estão dados os passos para uma nova relação da burguesia com o pensamento conservador.

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concebidas, pejorativamente, como idealizações potencialmente ―totalitárias‖.

É cabível afirmarmos que o conservadorismo moderno opera uma verdadeira desistoricização do tempo, na medida em que desconsidera a história como chave heurística de entendimento dos fenômenos sociais. Tal pensamento hiperdimensiona o tempo presente, interditando qualquer perspectiva que conteste os fundamentos da sociedade capitalista e, por conseguinte, a possibilidade de suplantação.

Ainda sobre suas reflexões, Souza (2015) argumenta que outro elemento que concorre para essa desistoricização é o aprisionamento da razão12 aos variados modelos formais e abstratos, exemplificados com as elaborações do positivismo lógico. Na perspectiva defendida pelo autor, ao apoiar-se, sobremaneira, nesse ―presentismo‖, o conservadorismo moderno cancela a possibilidade de construção de qualquer projeto societário alternativo à sociabilidade vigente.

Baseado nestas assertivas, inferimos que o conservadorismo possui uma inegável função ideológica e, por conseguinte, a formação de uma autoimagem, ou seja, a representação que os sujeitos e perspectivas conservadoras imprimem de si mesmos, a partir de determinados, valores e comportamentos. Nas palavras de Souza (2015, p. 9), ―essa autoimagem é construída sobre uma espécie de existencialismo conservador com tonalidades irracionalistas‖.

A despeito do conservadorismo clássico e moderno esboçar particularidades distintas, ambos convergem para a mesma tese, na medida em que o conservadorismo, tanto clássico, quanto contemporâneo, renunciam aos modernos ideais de democracia e justiça social, tomando-os como anacronismos niveladores sociais, isto é, utópicos desejos de igualdade, inaceitáveis no ponto de vista da desigualdade social natural e positivamente constituída. O conservadorismo, por sua vez, defende a ideia de meritocracia13 em oposição à ideia de igualdade e justiça social.

12 A relação do conservadorismo com a categoria da razão é contraditória e bifurcada. De um lado, há uma

vertente importante e ativa de conservadores irracionalistas, herdeiros de Burke e defensores dos ―instintos‖, dos ―sentimentos‖, das ―formas de ser‖, como expressões intocáveis e orientadoras da ―alma humana‖. Essa vertente condena a razão e o racionalismo como fontes de conhecimentos abstratos e artificiais, fadados a engendrar formas embrionárias de ―totalitarismos‖ (SOUZA, 2015, p. 212).

13A meritocracia baseia-se na nos méritos pessoais como responsáveis por situações de ascensão social e êxito

na realização dos projetos. Tal conceito vem sendo fortemente disseminado no atual contexto de acirramento da luta de classes, em que, para a classe dominante, às condições de acesso a renda, mercado de trabalho e educação, dentre outros fatores, são de inteira responsabilidade do indivíduo.

Referências

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