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Economia solidária e círculos de cooperação: uma análise da Rede Xique-Xique de comercialização solidária

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA

CURSO DE GEOGRAFIA

FELIPE SILVEIRA FÉLIX

ECONOMIA SOLIDÁRIA E CÍRCULOS DE COOPERAÇÃO: UMA ANÁLISE DA REDE XIQUE-XIQUE DE COMERCIALIZAÇÃO SOLIDÁRIA

NATAL-RN 2019

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FELIPE SILVEIRA FÉLIX

ECONOMIA SOLIDÁRIA E CÍRCULOS DE COOPERAÇÃO: UMA ANÁLISE DA REDE XIQUE-XIQUE DE COMERCIALIZAÇÃO SOLIDÁRIA

Monografia apresentada ao Curso de Geografia do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), como requisito para obtenção do título de Bacharel em Geografia.

Orientador: Prof. Dr. Celso Donizete Locatel

NATAL-RN

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes – CCHLA

Elaborado por Heverton Thiago Luiz da Silva - CRB-15/710 Felix, Felipe Silveira.

Economia solidária e círculos de cooperação: uma análise da rede Xique-Xique de comercialização solidária / Felipe Silveira Felix. - Natal, 2019.

113f.: il. color.

Monografia (graduação) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, 2019.

Orientador: Prof. Dr. Celso Donizete Locatel.

1. Uso do território - Monografia. 2. Economia Solidária - Monografia. 3. Círculos de Cooperação - Monografia. 4. Redes Solidárias - Monografia. 5. Empreendimentos Econômicos Solidários (EES) - Monografia. I. Locatel, Celso Donizete. II. Título. RN/UF/BS-CCHLA CDU 911.3:33

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FELIPE SILVEIRA FÉLIX

ECONOMIA SOLIDÁRIA E CÍRCULOS DE COOPERAÇÃO: UMA ANÁLISE DA REDE XIQUE-XIQUE DE COMERCIALIZAÇÃO SOLIDÁRIA

Monografia apresentada ao Curso de Geografia do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Geografia.

Orientador: Prof. Dr. Celso Donizete Locatel

Aprovado em: ___/___/_____.

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________________________ Prof. Dr. Celso Donizete Locatel

(Orientador – Departamento de Geografia da UFRN)

_______________________________________________________________ Prof. Dr. Hugo Arruda de Morais

(Membro examinador – Departamento de Geografia da UFRN)

_________________________________________________________________ Ms. Lorene Kássia Barbosa Brasil

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Ao meu avô Juarez (In memoriam), à vovó Marli e à minha mãe Ana.

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AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer a todos e a todas que estiveram presentes nessa jornada, em especial, às pessoas que aqui irei citar.

À minha família, a começar pela minha mãe Ana, minha avó Marli e meu avô Juarez, por todos os ensinamentos durante minha vida. Agradeço-lhes por tudo!

Às minhas tias Laíse, Mércia e Cristina; ao meu tio Mário; às minhas primas Paloma e Bruna; e a todos os outros familiares que torceram e me apoiaram na minha jornada no curso.

Agradeço também ao pessoal do PET Geografia por todo o apoio, ao tutor Alessandro Dozena, e aos petianos e amigos: Daniel, Jéssica, Jucielma, Júlio, Larícia, Luana, Lucas, Lívia, Vinícius e, em especial, aos meus amigos de turma e PET Marcellus e Nilvan. O aprendizado e a experiência adquirida no programa foram de fundamental importância na minha formação e me possibilitaram uma formação não apenas técnica, como também cidadã.

Aos meus amigos de turma Natã, Thales e Diego, e além deles, a todos os outros colegas de turma, pelas discussões e aprendizados seja em sala ou fora dela.

Ao meu orientador, Prof. Dr. Celso Locatel, à doutoranda Lorene Barbosa e ao Prof. Leandro Lima por todo o desenvolver da pesquisa, pelo incrível conhecimento repassado e por tudo o que me foi ensinado durante a graduação e na elaboração deste trabalho.

Agradeço também à Rede Xique-Xique de Comercialização Solidária por me ajudar na construção desta pesquisa. Agradeço aos coordenadores gerais da Rede, Francisca Eliane e Adriano Cavalcanti, por me ajudarem em todas as dúvidas e estarem sempre à disposição. Além deles, agradeço também à subcoordenadora de Economia Solidária da SETHAS, Lidiane Freire, pela grande contribuição no trabalho, no que se refere à atuação do estado do Rio Grande do Norte com a Economia Solidária.

À pessoa que mais me apoiou desde a entrada no curso, Michele Andrade. Agradeço-lhe pela paciência, pelo carinho e por todo o apoio dado. Você foi de

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fundamental importância, não só no meu curso, como na minha vida. Você, minha mãe e minha avó são as mulheres que mais admiro.

Por fim, agradeço a todos os outros amigos e colegas que, durante toda essa caminhada, estiveram presentes, me apoiaram nesta etapa, que por mais difícil que seja, com a ajuda de vocês foi intensa e satisfatória.

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RESUMO

Considerando o caráter alternativo das experiências solidárias pautadas na autogestão e na cooperação que promovem uma ruptura no paradigma do modelo dominante, entendemos a Economia Solidária enquanto movimento social que se baseia em uma nova perspectiva de trabalho e renda, a qual se difere da lógica dominante do mercado capitalista. A lógica solidária insere-se no território de maneira diferenciada, modificando seu uso. A partir disso, combinam-se usos e acirram-se disputas, de modo a fazer com que estejam de um lado as grandes empresas, aliadas ao Estado, e, de outro, os Empreendimentos de Economia Solidária que buscam, através de ações de resistência, reproduzir-se frente às adversidades encontradas. Posto isso, este trabalho compreender como se dá o uso do território pela Rede Xique-Xique de Comercialização Solidária no estado do Rio Grande do Nortee como esse empreendimento se especializa no estado do Rio Grande do Norte. Como também, entender a topologia da Rede Xique-Xique, compreender de que modo as políticas públicas em economia solidária são refletidas no território, e analisar o Círculo de Cooperação contra-hegemônico constituído a partir das práticas solidárias. Nessa perspectiva, o trabalho calcou-se na pesquisa bibliográfica de autores que discutem o tema, bem como na atividade de campo, fundamental à pesquisa geográfica. Identificamos, com este estudo, algumas peculiaridades no que se refere à Política Nacional de Economia Solidária (PNES), devido a ela apresentar políticas de caráter contraditório no Rio Grande do Norte. Isso, porque a desigual estrutura fundiária do estado foi ainda mais intensificada e aprofundada, ao serem favorecidas as antigas oligarquias pela não inserção dos vetores de emancipação, autonomia e liberdade, fato que condicionou os empreendimentos a mecanismos de controle e marginalização, de forma a ser mantida a subordinação dos agricultores associados. Além disso, percebemos a força da Rede Xique-Xique no contexto da Economia Solidária potiguar, já que se trata de um dos empreendimentos solidários mais bem estruturados do estado, com lógicas de reprodução que se alinham fortemente com os princípios solidários. Dessa forma, concluímos que a criação desse tipo de empreendimento é uma alternativa viável para os trabalhadores e trabalhadoras contra as adversidades do sistema capitalista.

Palavras-chave: Uso do território; Economia Solidária; Círculos de Cooperação; Política Pública; Rio Grande do Norte.

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ABSTRACT

Considering the alternative character of solidary experiences based on self-management and cooperation that promote a break in the paradigm of the dominant model, we understand Solidarity Economy as a social movement based on a new perspective of work and income, which differs from the dominant logic of capitalist market. Solidarity logic inserts itself in the territory in a different way, modifying its use. On the one hand, the big companies, allied to the State, and on the other, the solidarity economy enterprises that seek, through resistance actions, to reproduce themselves in the face of the adversities encountered. That said, this paper will understand how the use of the territory by the Xique-Xique Network in the state of Rio Grande do Norte takes place and how this venture specializes in the state of Rio Grande do Norte. And also, understand the topology of the Xique-Xique Network, understand how the public policies in solidarity economy are reflected in the territory, and analzy the counter-hegemonic Cooperation Circle constituted from solidarity practices. From this perspective, the work was based on the bibliographic research of authors who discuss the theme, as well as on field activity, fundamental to geographical research. With this study, we identified some peculiarities regarding the National Policy for Solidarity Economy (PNES), due to the fact that it presents contradictory policies in Rio Grande do Norte. This is because the uneven land structure of the state was further intensified and deepened, by favoring the old oligarchies by not inserting the vectors of emancipation, autonomy and freedom, a fact that conditioned the enterprises to control and marginalization mechanisms, so as to be subordination of associated farmers was maintained. In addition, we realize the strength of the Xique-Xique Network in the context of the Potiguar Solidarity Economy, as it is one of the best structured solidarity enterprises in the state, with reproductive logics that align strongly with the solidarity principles. Thus, we conclude that the creation of this type of enterprise is a viable alternative for workers against the adversities of the capitalist system

Keywords: Use of the Territory. Solidary Economy. Cooperation Circles. Public Politics. Rio Grande do Norte.

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Brasil – Formas de organização dos EES (2013) ...40

Gráfico 2 – Brasil – Formas de organização por região do país (2013) ...41

Gráfico 3 – Brasil – Concentração de EES (2013) ...43

Gráfico 4 – Brasil – Área de atuação (2013) ...43

Gráfico 5 – Brasil – Acesso a computador por parte dos EES (2013) ...49

Gráfico 6 – Brasil – Acesso à internet por parte dos EES (2013) ...49

Gráfico 7 – Brasil – Principais motivos de criação dos EES por região (2013) ...51

Gráfico 8 – Brasil – Conquistas dos EES por região (2013) ...53

Gráfico 9 – Brasil – Acesso a crédito pelos EES (2013) ...55

Gráfico 10 – Brasil – Necessidade de financiamento por parte dos EES (2013) ...56

Gráfico 11 – Rio Grande do Norte – Formas de organização dos EES no estado e na região Nordeste (2013) ...68

Gráfico 12 – Nordeste – Área de atuação dos EES (2013) ...69

Gráfico 13 – Rio Grande do Norte – Motivos de criação dos EES (2013) ...71

Gráfico 14 – Rio Grande do Norte – Principais conquistas dos EES (2013) ...73

Gráfico 15 – Rio Grande do Norte – Principais desafios dos EES (2013) ...74

Gráfico 16 – Rio Grande do Norte – Acesso a crédito por parte dos EES (2013) ...76

Gráfico 17 – Rio Grande do Norte – Necessidade de financiamento por parte dos EES (2013) ...76

Gráfico 18 – Rio Grande do Norte – Origem dos produtos comercializados nos EES (2013) ...77

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Gráfico 20 – Rio Grande do Norte – Tipos de comercialização feitos pelos EES (2013) ...79

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LISTA DE MAPAS

Mapa 1 – Mapa de localização dos empreendimentos associados à Rede Xique-Xique ...28 Mapa 2 – Brasil – Número de Empreendimentos Solidários (2007) ...44 Mapa 3 – Brasil – Número de Empreendimentos Solidários (2013)...45 Mapa 4 – Brasil – Relação do número de associados aos EES com a população total (2007) ...46 Mapa 5 – Brasil – Relação do número de associados aos EES com a população total (2013) ...47 Mapa 6 – Rio Grande do Norte – Número de EES por município e a espacialização dos nós da Rede Xique-Xique ...92

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Síntese dos elementos do espaço ...29 Quadro 2 – Brasil – Dotação orçamentária para o programa Economia Solidária em Desenvolvimento ...57 Quadro 3 – COOPERXIQUE: Síntese das informações da cooperativa ...88 Quadro 4 – COOPERXIQUE: Principais produtos produzidos e comercializados em cada

um dos nós da Rede Xique-Xique

...89 Quadro 5 – COOPERXIQUE: Alguns dos produtos produzidos e comercializados pela

Rede Xique-Xique e pela cooperativa

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Número de empreendimentos de Economia Solidária no Brasil (2003–2013) ...35 Tabela 2 – Rio Grande do Norte: Representação dos participantes da Economia Solidária em relação ao número de população...62

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LISTA DE SIGLAS

ASA Articulação no Semiárido Brasileiro CEASA Centrais de Abastecimento

CNES Conselho Nacional de Economia Solidária

COOPERMUPS Cooperativa de Mulheres Prestadoras de Serviços

COOPERVIDA Cooperativa de Assessoria e Serviços Múltiplos ao Desenvolvimento Rural

COOPERXIQUE Cooperativa de Comercialização Solidária Xique-Xique COPES Coordenadoria de Projetos Especiais

DEM Democratas

ECOSOL Economia Solidária

EES Empreendimento Econômico Solidário

EMATER Instituto de Assistências Técnicas e Extensão Rural FBES Fórum Brasileiro de Economia Solidária

FECOP Fundo de Combate à Pobreza

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística INICIES Iniciativas de Empreendimentos Solidários

ITCPs Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares

MC Ministério da Cidadania

MTE Ministério do Trabalho e Emprego

OASIS Organização de Aprendizagens e Saberes em Iniciativas Solidárias ONG Organização Não Governamental

PAA Programa de Aquisição de Alimentos

PCPR Programa de Combate/Redução da Pobreza Rural PNAE Programa Nacional de Alimentação Escolar PNES Política Nacional de Economia Solidária

PPA Plano Plurianual

PT Partido dos Trabalhadores

RESF Rede de Economia Solidária e Feminista

RXX Rede Xique-Xique de Comercialização Solidária

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SENAES Secretaria Nacional de Economia Solidária

SETHAS Secretaria de Habitação, Trabalho e Assistência Social SIES Sistema Nacional de Informações em Economia Solidária

TERRALIVRE Cooperativa de Assistência Técnica e Gerencial para o Desenvolvimento Sustentável

UERN Universidade Estadual do Rio Grande do Norte UFERSA Universidade Federal Rural do Semiárido UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 18

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA E CAMINHOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA ... 21

2.1 Problemática da pesquisa ... 21

2.2 Dimensão teórica: espaço e tempo da investigação empírica ... 24

2.3 Procedimentos metodológicos ... 31

3 ECONOMIA SOLIDÁRIA NO BRASIL... 35

3.1 Normatização da Economia Solidária no Brasil ... 36

3.2 Características regionais da Economia Solidária no Brasil ... 39

3.2.1 Economia Solidária no Brasil: algumas variáveis regionais ... 50

4 ECONOMIA SOLIDÁRIA NO RN ... 59

4.1 Normatização da Economia Solidária no RN ... 60

4.1.1 O atual ambiente institucional da Economia Solidária no RN ... 62

4.2 Dados da Economia Solidária no RN ... 67

5 A TOPOLOGIA DA REDE XIQUE-XIQUE E O USO DO TERRITÓRIO ... 81

5.1 A materialidade da Rede Xique-Xique ... 83

5.1.1 A Cooperativa de Comercialização Solidária Xique-Xique (COOPERXIQUE) ... 87

5.1.2 A topologia da Rede Xique-Xique ... 91

5.2 O círculo de cooperação e o uso do território a partir da Rede Xique-Xique ... 94

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 98

REFERÊNCIAS ... 101

APÊNDICES ... 104

APÊNDICE A – ROTEIRO DE ENTREVISTAS (SETHAS) ... 104

APÊNDICE B – ROTEIRO DE ENTREVISTAS (RXX) ... 106

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1 INTRODUÇÃO

Desde o século XX, o mundo vem passando por mudanças que alteram as dinâmicas locais no que concerne à economia, à cultura, ao trabalho e à dinâmica da população. Novos modos de produzir e comercializar ganham forma e, esse período, tido como técnico-científico-informacional, onde os fluxos de informação, de capitais e de pessoas intensificam-se, acaba por acelerar ainda mais o modus operandi global e, com isso, aumenta e acelera também as necessidades de reprodução do capital. Dessa maneira, não só a economia passa a ser cada vez mais globalizante, como também há uma crescente espacialização dos lugares aliada a uma tecnificação de padrão mundial.

Nesse período técnico-científico-informacional, certos agentes hegemônicos adquirem cada vez mais poder de decisão. Isso faz com que novos nichos de mercado sejam criados rapidamente e dinâmicas locais mudem constantemente; as conexões sejam mais intensas e as trocas também; e o território passe, então, a ser não mais apenas tutelado pelo Estado, mas também pelas grandes empresas transnacionais. Com isso, há um redimensionamento do papel do Estado, o qual, embora conflite com tais empresas em busca de sua hegemonia, também é aliado a tais lógicas.

Além disso, as ações verticais, longínquas e indiferentes às realidades locais, passam a ser cada vez mais intensas devido a essa lógica de normatização do lugar por parte das transnacionais. Isso faz com que as antigas solidariedades orgânicas do lugar sejam cada vez mais substituídas pelas solidariedades organizacionais obedientes à lei da acumulação global, presente nesse período técnico-científico-informacional.

Nessa sociedade que se molda a partir de lógicas aceleradas e cada vez mais intensas, os grupos socialmente excluídos, isto é, aqueles que não conseguem se inserir nesse modelo, são privados de tal processo. E, além disso, as gerações passadas que “não venceram” dentro dessa lógica, com forte submissão ao capital e forte desigualdade espacial, acabam por entrar na disputa de maneira mais frágil.

A partir desse quadro de exclusão, após a articulação mútua entre operários frente à grande difusão de máquinas, no início do século XIX – período do capitalismo industrial – surge a Economia Solidária, movimento de base social cuja luta organizada dos trabalhadores visava à concretização de novas relações econômicas e sociais.

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Diante disso, a Economia Solidária constitui-se como uma alternativa para os trabalhadores e trabalhadoras que, sendo excluídos do modelo dominante, buscam nela uma nova realidade econômica, social e de trabalho. Isso, porque a criação de redes de economia solidária se propõe à mudança, quando proporciona aos trabalhadores e trabalhadoras formas de inserção menos perversas no mercado, modificando, assim, consideravelmente, a renda e a qualidade de vida dos associados.

Dessa forma, na atual conjuntura política do país, a Economia Solidária apresenta-se como uma potencial ferramenta no que apresenta-se refere a mudanças sociais, econômicas e de trabalho, já que busca, a partir do confronto com o modelo hegemônico atual, atenuar a desigualdade presente. Essa condição desigual e competitiva contida no modo capitalista de viver e produzir se reflete não só economicamente, mas também, socialmente. Sujeitos subsumidos pelas lógicas do modelo hegemônico acabam por repassar tal desvantagem no jogo econômico e social para as gerações futuras e isso acentua, ainda mais, a desigualdade existente no modelo econômico vigente.

A partir disso, o tema deste trabalho foi pensado visando compreender como as práticas solidárias e o cooperativismo modificam as relações econômicas, sociais e de trabalho presentes no modelo hegemônico de produção. Modelo este que, além de pautar uma forma de exploração do trabalho, é responsável também por configurar as lógicas de viver e de produzir, presentes em nossa sociedade.

Com isso, temos como proposta compreender como se dá o uso do território pela Rede Xique-Xique de Comercialização Solidária no estado do Rio Grande do Norte, bem como de que modo ocorre a topologia da rede a partir de algumas tipologias a serem analisadas. Além disso, objetiva-se entender a relação entre a referida rede e as políticas públicas em economia solidária a níveis federal e estadual.

Posto isso, o presente trabalho está estruturado em seis capítulos, sendo destes, quatro destinados à discussão a respeito da temática da Economia Solidária. Tal discussão, portanto, inicia-se no segundo capítulo, no qual discorremos sobre a fundamentação teórica e os caminhos metodológicos da pesquisa, levantando a problemática do nosso estudo, discutindo, na dimensão teórica, o espaço e o tempo da investigação empírica e, por fim, trazendo os procedimentos metodológicos. Já no terceiro capítulo, tratamos da economia solidária no Brasil, abordando a normatização desse movimento, a partir da Política Pública em Economia Solidária (PNES), e

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finalizamos o capítulo trazendo as características regionais dela no país. Em relação ao quarto capítulo, reduzindo nossa escala de análise, nos atemos à discussão da ECOSOL a nível local, trazendo a normatização da Economia Solidária no estado, o atual ambiente institucional e a caracterização dos empreendimentos solidários potiguares. Após isso, no quinto capítulo, tratamos da análise do nosso objeto de estudo, de modo a investigar a topologia da Rede Xique-Xique de Comercialização Solidária, sua materialidade, sua caracterização, além dos dados da Cooperativa COOPERXIQUE. Ademais, ainda no referido capítulo, discutimos o Círculo de Cooperação e o uso do território a partir da Rede. Por fim, no sexto capítulo, discorremos as considerações finais acerca do nosso estudo.

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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA E CAMINHOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA

Neste capítulo, levantaremos subsídios teóricos e metodológicos para prover suporte à compreensão dos conceitos que serão discutidos e trabalhados no decorrer da pesquisa, bem como definir o recorte da realidade investigada neste trabalho, isto é, do objeto de estudo do trabalho. Desta forma, a dimensão teórica será abordada em primeiro lugar e tratará da problemática, dos objetivos, dos conceitos, do recorte empírico e temporal e dos elementos espaciais que a ciência geográfica abarca, para, com isso, contribuir na demonstração de como construiremos nossa análise.

Em um segundo lugar, apresentaremos a dimensão metodológica da pesquisa, a qual, por sua vez, diz respeito à pesquisa bibliográfica realizada, às variáveis a serem pesquisadas, à elaboração dos materiais cartográficos apresentados no decorrer do trabalho e às entrevistas estruturadas que trazem contribuições substanciais para a concretização dos objetivos propostos.

2.1 Problemática da pesquisa

A Economia Solidária, por ser um campo em ascensão, promove uma perspectiva de debate que inclui diversos outros campos, incluindo ciências e disciplinas, tais como: Geografia, Sociologia, Economia, Antropologia, Gestão de Políticas Públicas, Administração. Esse debate, que ocorre não só no Brasil, como no mundo, bem diferente do que se possa pensar, apresenta-se sob distintas perspectivas metodológicas. No entanto, os autores dessas mais diversas áreas teorizam sobre a Economia Solidária em uma sociedade dominada pela lógica do capital em seu estágio da acumulação flexível, onde a adoção de práticas neoliberais é recorrente (LIMA, 2015).

No que se refere às correntes teóricas da Economia Solidária, percebemos que ela possui pensadores e autores que a tratam de maneiras distintas, com proposições antagônicas. Nos debates teóricos acerca da Economia Solidária, predominam dois discursos: um otimista que a representa enquanto possibilidade de transformação social, por meio da prática da autogestão; e outro pessimista, que a coloca como funcional ao capital, ao precarizar as condições da força

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de trabalho e baratear a produção, o que favorecia a manutenção do modelo capitalista (LIMA, 2015).

Neste trabalho, partimos da ideia de que a Economia Solidária se constitui como movimento social que busca emancipar os trabalhadores a partir das práticas solidárias e cooperativas. Entretanto, considera-se que tal movimento, ao mesmo tempo, se constitui como forma de controle dos trabalhadores por parte do Estado, visto que incorporada como política pública, as ações verticais imperam e esse contrato acaba por realizar-se por forças desiguais (SINGER, 2002, apud LIMA, 2015). Dessa forma, as forças das relações solidárias e cooperativas devem partir do plano do lugar, do movimento da sociedade, de forma horizontal por parte dos (as) trabalhadores (as).

Ao surgir a partir da força da sociedade, através dos trabalhadores, e, assim, de maneira horizontal, a Economia Solidária encontra na Política Pública em Economia Solidária barreiras no que se refere, segundo Lima (2015) à “reprodução emancipatória”, pois acaba por inviabilizar os trabalhadores à dominação do processo de produção e comercialização, sujeitando-os à lógica hegemônica. Isso, porque o Estado é detentor do poder coercitivo e, além disso, é fortemente dominado pelos grandes agentes econômicos, o que faz com que ações públicas no que se refere à Economia Solidária sejam feitas de forma parcial, pontual e com recursos parcos (LIMA, 2015).

É na tentativa de trazer mais contribuições para a compreensão da Economia Solidária, analisando-a a partir de uma abordagem crítica da Geografia, que este trabalho se pauta. Buscamos identificar o uso do território, considerando a Economia Solidária a partir da Rede Xique-Xique de Comercialização Solidária (RXX). Tal rede traduz-se na que dispõe de melhor estrutura em todo o estado do Rio Grande do Norte, visto que, além de sua sede localizar-se no município de Mossoró, onde foi criada em 2004 a partir da atuação dos movimentos sociais, a RXX atua em outros 15 municípios do RN. A rede tem como principais produtos comercializados os hortifrutigranjeiros, com os quais atende aos mais variados públicos nos 15 municípios, participando seja de feiras livres, seja de feiras dentro de instituições de ensino, como é o caso da feira em Mossoró no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN). Além disso, é formada por trabalhadores (as) da agricultura familiar, do artesanato, e também por marisqueiros (as) e pescadores (as). Sobre os trabalhadores, a grande maioria é de trabalhadores rurais assentados em assentamentos de reforma agrária.

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Por fim, a RXX se estrutura de forma a dar mais liberdade e autonomia aos associados, com uma estrutura horizontal, em que o conselho diretor situa-se na cidade sede, mas esse mesmo conselho é votado por todos os associados, os quais indicam, em seus núcleos, representantes para as reuniões da direção.

Nessa perspectiva, para a análise da RXX, utilizamos o conceito de território, de acordo com o que diz Cataia (2001, p. 6), quando o entende como ferramenta de análise que faz “emergir toda a concretude que a sociedade, na sua história, produz”. Todavia, para Santos (2006), o conceito de território é uma abstração e necessita de outros recursos para a análise espacial. Por conseguinte, para a análise pretendida neste trabalho apresentamos a noção de “território usado” (SANTOS, 2005), partindo do pressuposto de que não existem sociedades a-territoriais e, além disso, de que as sociedades, ao produzirem seus territórios, condicionam e são condicionadas pelo uso daquilo que inventaram.

Dito isso, abordar os usos do território se faz necessário à análise deste trabalho. Isso porque estamos diante de uma sociedade em que as desigualdades são apresentadas de maneiras distintas nos territórios e os usos são diferenciados pela intensidade e frequência. Tendo isso em mente, analisaremos, a partir das ações dos distintos agentes sociais envolvidos, como se caracteriza a Rede Xique-Xique, nesse contexto, e sua importância para o uso solidário do território potiguar.

Nesse contexto, emergem algumas questões que precisam ser investigadas. A primeira delas é: “Quais os reflexos e desdobramentos sócio-territoriais são advindos da Rede Xique-Xique de comercialização Solidária?”. Para responder a essa questão, nos pautaremos na análise do território a partir do uso dele como abrigo e como recurso. Tais usos consistem na compreensão da forma como os produtores associados à rede – camponeses sujeitados ao mercado capitalista e, muitas vezes, expropriados da terra – se relacionam com outros agentes hegemônicos e, além disso, como essa relação busca mitigar e minimizar as lacunas e os impactos no que se refere a essa sujeição, definida a partir de relações desiguais que se estabelecem entre distintos agentes sociais.

Já em relação aos outros questionamentos, são eles: “Qual o uso do território e as relações que se dão entre estes distintos agentes? ”; “Qual o papel do Estado, enquanto formulador de políticas públicas e atuante na normatização do território?”; e “Quais as dificuldades encontradas pelos empreendimentos de economia solidária no Rio Grande do Norte, tomado como exemplo a Rede Xique-Xique?”.

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Tendo esses questionamentos em vista, traçamos o objetivo geral da pesquisa e estruturamos os objetivos específicos. Com isso, de forma geral, pretendemos compreender como se dá o uso do território pela Rede Xique-Xique de Comercialização Solidária no estado do Rio Grande do Norte. Objetivo esse que, para ser operacionalizado, depende dos seguintes objetivos específicos por nós definidos:

 Entender o papel do Estado enquanto formulador de política pública, a partir da normatização da economia solidária no Brasil;

 Caracterizar a economia solidária no âmbito nacional, regional e estadual;

 Discutir o uso do território a partir das ações organizadas pela Rede Xique-Xique de Comercialização Solidária, considerando o Círculo de Cooperação contra-hegemônico que se constitui a partir da comercialização solidária; e

 Compreender as relações sociais estabelecidas entre os agentes envolvidos na Rede Xique-Xique.

2.2 Dimensão teórica: espaço e tempo da investigação empírica

Considerando o espaço geográfico enquanto totalidade, nos empenharemos em apreender a realidade em sua concretude empírica. Intenção essa que se baseia no entendimento de que o espaço geográfico forma-se através de um conjunto “indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas de objetos e ações” pensados de maneira interconectada e sistêmica “como um quadro único no qual a história se dá” (SANTOS, 2006, p. 39).

Tendo isso em vista, em nosso trabalho, operacionalizaremos o espaço a partir de alguns conceitos, dos quais se destaca o de território. Isso, porque, conforme propõem Santos e Silveira (2006), é a partir do uso do território, que ele se torna objeto de análise social e geográfica, o que é de fundamental importância para este trabalho.

Além da ideia de território usado, temos as categorias de análise “território normado” e “território como norma”. As duas categorias se diferem uma da outra uma vez que, enquanto o “território normado” é caracterizado pelas normas aplicadas ao território, o “território como norma” diz respeito à forma como o próprio território condiciona a criação de normas, de modo a influenciar mudanças no seu uso.

Sobre as normas, elas implicam em diferenciações no uso do território, à medida que são responsáveis por novas camadas técnicas sobre este território. Todavia, é preciso que o território esteja apto a receber essa nova camada, pois, segundo Cataia (2001), ela trará

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implicações a respeito da criação de leis e, de forma direta, no território. Nessa perspectiva, nem sempre a norma sobrepõe o território, em alguns casos, é o território como norma que nos dá o caminho de uma normatização, mostrando se está apto ou não a receber esta nova camada técnica.

Neste sentido, os agentes hegemônicos e os agentes não-hegemônicos vivenciam o território de forma diferente, de modo que, de acordo com Lima (2015, p. 27), “é aí que o território se impõe como conceito analítico importante para se compreender as problemáticas propostas em relação aos empreendimentos rurais de Economia Solidária”. Logo, a partir desta lógica, temos, no uso do território, uma complexidade que nos obriga a pensa-lo de forma crítica e de modo a inseri-lo num sistema de inter-relações entre os diferentes elementos do espaço.

A respeito disso, Santos et al. (2000) nos fornece importantes contribuições sobre os diferentes usos do território a partir de cada agente. Com isso, ele demonstra que, para os agentes hegemônicos, usa-se o território como recurso a fim de se alcançar a realização de seus interesses particulares. Tal utilização faz com que os rebatimentos de suas ações “cobrem”, do território, constante adaptação ao serem adicionadas novas materialidades funcionais às suas lógicas, embora sejam exógenas ao lugar, de forma a acarretar, assim, em um uso corporativo do território.

Embora os atores não-hegemônicos também usem o território, de acordo com Santos (2000 et al, p. 12-13), são “os atores hegemonizados (sic) que têm o território como um abrigo, buscando constantemente se adaptar ao meio geográfico local, ao mesmo tempo que recriam estratégias que garantam sua sobrevivência nos lugares”.

A partir desses diferentes usos do território por parte dos diversos agentes, percebemos a necessidade de, mais uma vez, entender a inter-relação e o comportamento dos elementos do espaço. Pois, até mesmo os agentes hegemônicos, são distintos, com diferentes intencionalidades e poderes. Esse fato nos revela ainda mais a necessidade do esforço em compreender a multiplicidade de ações que são geradas a partir do convívio entre os agentes hegemônicos e os não-hegemônicos, uma vez que é neste jogo dialético – a partir destas totalizações em movimento – que podemos recuperar a totalidade (SANTOS et al, 2000).

Tendo isso em vista, é através da análise do uso do território que buscaremos demonstrar a materialidade da Rede Xique-Xique de Comercialização Solidária no Rio Grande do Norte. Tal demonstração será realizada também ressaltando as relações, não só entre a rede enquanto firma e a atuação das instituições, as quais, neste caso, referem-se ao Estado, mas também entre

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os demais elementos do espaço. Vale salientar que ao denominarmos a Rede de firma, não estamos nos referindo à firma hegemônica, que é detentora de poder econômico a nível mundial, mas sim à rede solidária e à cooperação eistente, com forte relação com o lugar.

De acordo com Santos (2000 apud LIMA, 2015), o lugar, por ser considerado o espaço do acontecer solidário e do concreto, nos auxilia na compreensão das ações desenvolvidas no território pelos diferentes agentes envolvidos na Economia Solidária. É no lugar que conseguimos compreender as reverberações dos impactos de natureza social, econômica e política dos sujeitos envolvidos, sendo eles agentes hegemônicos ou não-hegemônicos. Além disso, é no lugar que conseguimos captar a essência da Economia Solidária (solidariedade, cooperação, mutualismo), bem como as iniciativas por partes dos sujeitos no que se refere a práticas coletivas de produção, comercialização e consumo, as quais possibilitam uma nova realidade aos indivíduos, por não trazer benefícios apenas econômicos, mas também sociais e políticos.

Antes de discutir a Economia Solidária e como ela será tratada neste trabalho, precisamos de um esforço no que se refere ao conceito de rede geográfica, uma vez que nosso objeto de análise trata-se de uma Rede de Comercialização Solidária. Para isso, utilizaremos a concepção de Corrêa (2012) que define as redes geográficas como redes sociais que estão espacializadas e que são sociais, em virtude de serem construções humanas que refletem, em cada tempo, realidades diferentes. Nessa perspectiva, o autor ainda discorre sobre uma geografia histórica das redes geográficas que retrata, assim como faz as discussões deSantos (2006), as rugosidades de um tempo “A” pretérito que permanecem num tempo “B” posterior. Além disso, tais estudos ainda abordam as novas formas criadas e as antigas formas refuncionalizadas, de modo a adquirem novas funções e mudarem toda a sua organização, requerendo, assim, do território e do lugar novas camadas técnicas.

As redes supõem cooperação, integração e conexão. Entretanto, a cooperação, assim como as solidariedades organizacionais presentes nas grandes corporações, está relacionada às lógicas capitalistas de produção. Isso ocorre diferentemente do que acontece com as solidariedades orgânicas e a cooperação presentes na economia solidária, visto que, nesse caso, a cooperação sobrepõe-se à competição, a coletividade sobrepõe-se ao individualismo, e, além disso, diferente do que ocorre nas grandes empresas marcadas por ordens top-down, nas redes, o que prevalece é a autogestão.

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No nosso trabalho, para a discussão da Economia Solidária, recorreremos a autores que discutem o tema, tais como Azevedo et al. (2017), Singer (2001) e (2002), Mineiro (2007), Lima (2015), Godoy (2010). Esses autores, além de nos favorecer com contribuições a respeito do tema, também nos auxiliam no entendimento da dimensão teórica-conceitual e empírica da Economia Solidária. Com isso, eles permitem-nos chegar a um entendimento que fica além do proporcionado por uma análise meramente econômica, uma vez que mostram sua dimensão material e sua concretude espacial.

O fato de a Economia Solidária se propor a mudar as relações sociais, culturais, econômicas e de trabalho, pode ser compreendido pelo modo como surgiu no início do século XIX. De acordo com Singer (2002), ela surge nos primórdios do capitalismo industrial a partir de um interesse mútuo de operários em resposta à grande difusão das máquinas e do motor a vapor. Tais mudanças geraram um grande número de desempregos e, com isso, os operários passaram a fazer parte do crescente exército industrial de reserva, servindo como reguladores de salários e de condições de trabalho que são ditadas pelos proprietários dos meios de produção. Diante disso, surge uma empresa que nega a separação entre trabalho e posse dos meios de produção, que, segundo Mineiro (2007, p.3) “é fruto da organização de trabalhadores e trabalhadoras em busca da concretização e vivência de novas relações econômicas e sociais”. Surgindo com a proposta de ser uma nova economia, a Economia Solidária atua de forma contrária ao sistema econômico vigente. Ademais, ela carrega a ideia de solidariedade atrelada à economia em busca da concretização de outra vivência para os trabalhadores e trabalhadoras, na qual haja relações econômicas e sociais que pretendem proporcionar uma melhoria na qualidade de vida dessas pessoas. Dessa maneira, a economia solidária vive num constante esforço para tornar possível uma economia popular e desenvolver, cada vez mais, grupos organizados autogestionários e inseri-los no mercado. Acerca disso, Azevedo (2017) aponta que

A economia solidaria envolve um conjunto de atividades econômicas, em suas distintas etapas de produção, distribuição, circulação, consumo, poupança e crédito – organizada e realizada solidariamente por trabalhadores e trabalhadoras sob a forma coletiva, cooperada e autogestionária, abrangendo uma diversidade de práticas econômicas e sociais organizadas sob a forma de cooperativas, associações, redes de cooperação, complexos cooperativos, entre outros (AZEVEDO et al. 2017, p. 12)

Neste contexto, a Rede Xique-Xique de Comercialização Solidária insere-se como força contra hegemônica que proporciona aos agentes não-hegemônicos uma nova realidade social. Tal realidade, por sua vez, não se configura estritamente econômica, como é o caso da economia

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capitalista que privilegia o lucro e está pouco interessada na realidade local sobre a qual os indivíduos sujeitados estão expostos. Pensar a Economia Solidária requer, segundoLima (2015, p. 30), “a adoção de um conceito de desenvolvimento que [...] não será o privilegiado exclusivo da dimensão econômica”. Diante disso, como já exposto, nossa análise pauta-se em concepções de desenvolvimento como a de Sen (2000, apud Lima, 2015) a qual postula que ele deve ser entendido como um estado de liberdade e emancipatório, não estando, assim, relacionado apenas a aspectos que dizem respeito à renda e ao consumo, mas a um conceito mais amplo da emancipação dos sujeitos.

Nessa perspectiva, partimos da busca pela compreensão da realidade local para identificar quais são os reflexos territoriais da Economia Solidária a partir da Rede Xique-Xique de Economia Solidária. Para isso, o nosso recorte empírico tem como escala espaço-temporal, o período da execução da Política Pública em Economia Solidária e seus desdobramentos no território do Estado do Rio Grande do Norte (Mapa 1)

Mapa 1 – Rio Grande do Norte: Localização dos municípios com empreendimentos

associados à Rede Xique-Xique (2019)

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Nesse sentido, a partir da observação da quantidade de municípios atendidos, evidenciadas no Mapa 1, pretendemos analisar como se insere a Rede Xique-Xique no contexto da Economia Solidária Potiguar, a partir do uso do território, de que maneira ela se relaciona com a Política Pública de Economia Solidária e, além disso, investigar o círculo de cooperação contra hegemônico que se constitui a partir da comercialização solidária.

Para atingir tais objetivos, utilizaremos os elementos do espaço teorizados por Santos (2006). São eles: os homens, as firmas, as instituições, o meio ecológico e as infraestruturas. E, além disso, como já foi informado, utilizaremos o “território usado”, pois é seu uso que faz dele objeto de análise social (SANTOS, 2005, p. 255).

A respeito dos elementos do espaço propostos por Milton Santos, o Quadro 1, apresentando em seguida, exemplifica e sintetiza cada um desses elementos, fornecendo uma explicação mais sintética e objetiva da proposição do autor.

Quadro 1 – Síntese dos elementos do espaço

Elementos Caracterização

Homens São elementos do espaço, seja na qualidade de fornecedores de trabalho, seja na de candidatos a isso.

Firmas Têm como função essencial a produção de bens, serviços e ideias. Instituições Por sua vez, produzem normas, ordens e legitimações.

Meio Ecológico É o conjunto de complexos territoriais que constituem a base física do trabalho humano.

Infraestruturas São o trabalho humano materializado e geografizado na forma de casas, plantações, caminhos, etc.

Fonte: Santos (2004, p. 5-6)

Uma primeira reflexão sobre os elementos sintetizados nesse quadro pode ser tomada a partir das contribuições de Santos (2008), quando declara que, sem os homens, toda essa configuração estaria comprometida, pois os demais elementos, com exceção do meio ecológico, constituem-se única e exclusivamente a partir das ações dos homens. Sobre esse debate, Santos (2004, p. 5) afirma e corrobora com o que foi dito anteriormente, justamente ao mostrar que “os homens também podem ser tomados como firmas”, e, além disso, “como instituições”. Não se restringindo a isso, no período atual – técnico-científico-informacional –, as firmas e as instituições têm funções que acabam por se entrelaçar, uma vez que as instituições produzem, também, de forma direta ou indireta, normas e, assim como o Estado, são “produtoras de bens e de serviços”. (SANTOS, 1985, p 5). Dessa forma, apesar da inter-relação entre os elementos

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permitir-nos termos noção do espaço como uma totalidade, tal fato resulta em uma análise cada vez mais profunda e exigente dele.

Neste sentido, os elementos do espaço fornecerão bases substanciais para nossa análise, à medida que os homens surgem como elemento principal dela. Isso, porque, de acordo com Sen (2000 apud Lima, 2015, p. 32), “a filosofia da Economia Solidária e o modelo de desenvolvimento analisado perpassam as condições de renda e de consumo e estão mais relacionadas à emancipação do homem, enquanto sujeito social capaz de fazer escolhas”.

Ainda com relação aos elementos do espaço, este trabalho dispõe da preocupação de analisar não só as firmas e as instituições, como também os próprios homens. Esta condição se faz necessária, pois, no tocante às firmas, nós as compreendemos não da forma hegemônica, como é o caso das grandes, mas na forma de empreendimentos solidários que buscam, através de ações de resistência, promover a emancipação do camponês. Sujeito este que é, em grande medida, severamente subjugado e subordinado a lógica hegemônica de produzir e de viver em sociedade.

Sobre as instituições, elas são caracterizadas pelo Estado, ente hegemônico que é, assim como os homens e as firmas, de fundamental importância para esse trabalho, uma vez que sua análise permite-nos identificar as normas e as ações que nos mostram, também, diferentes usos do território. A partir disso, as ações desses diferentes agentes geram diferentes usos e demandas do território, de modo que é, justamente na análise do uso do território, que poderemos identificar como se configura a Rede Xique-Xique de Comercialização Solidária no contexto norte-rio-grandense. Assim, não menos importante que os homens, as firmas e as instituições, entendemos que o meio-ecológico, as infraestruturas e a inter-relação entre todos os cinco elementos nos possibilitam a apreensão do espaço enquanto totalidade (LIMA, 2015). Por fim, temos, na totalidade, processos de renovação constantes que geram movimento o que faz com que, segundo Santos (2000), toda totalidade seja incompleta, uma vez que a totalidade está num constante processo de totalizar-se. Desse modo, a totalidade está estruturada “perfeitamente”, ao mesmo tempo, que está, também, em movimento, ou seja, em um processo de totalização.

Dessa forma, um esforço metodológico é necessário para que esse processo de totalização seja compreendido da forma correta e não de maneira que os elementos sejam apresentados individualmente. Se a apresentação ocorrer de tal forma, não será demonstrada a

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real característica inter-relacional entre os elementos presentes no espaço geográfico (LIMA, 2015).

2.3 Procedimentos metodológicos

Para a realização da pesquisa buscaremos analisar a realidade que perpassa a Economia Solidária a partir da Rede Xique-Xique de Comercialização Solidária. Para isso, partiremos da realidade, ou seja, do mundo vivido, para analisar todos os processos e movimentos dela, como também, do movimento científico que, a cada período, modifica-se. Diante disso, focaremos nos processos, para entender a inter-relação entre sociedade, economia, política, e cultura a fim de proporcionar um entendimento maior de como as práticas solidárias, cerne da Economia Solidária trazem benefícios à sociedade como um todo.

Torna-se necessária a utilização de tais relações, pois como já dito, nosso trabalho leva em consideração os cinco elementos do espaço geográfico. Assim, é de fundamental importância, não só utilizá-la, como também aplicá-la a realidade da Rede Xique-Xique.

A pesquisa proposta terá caráter quantitativo, no que se refere a todos os dados estatísticos utilizados nas análises. Além disso, também terá caráter qualitativo, por considerarmos a importância de entender também o aspecto subjetivo, que não é possível ser expresso por meio de números.

Dito isso, este trabalho está ancorado em teóricos que estudam a temática da Economia Solidária, bem como nos autores da Geografia que teorizaram sobre os diversos conceitos aqui utilizados, quais sejam espaço, território, lugar, normatização do território, verticalidades e horizontalidades, redes geográficas, círculos de cooperação. Para construção de tal base teórica, levantamentos bibliográficos foram realizados na busca de autores que trabalhassem os temas e conceitos utilizados na pesquisa. Esses levantamentos foram feitos em diversas bases de publicação de trabalhos científicos/meios de publicação, alguns deles: RI UFRN, Periódicos CAPES, SciELO, Google Scholar. Nestes buscamos por artigos, livros, monografias, dissertações e teses.

Juntamente com a pesquisa bibliográfica, realizamos a pesquisa documental, por meio de informações em relatórios de alguns órgãos, como o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), a Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES), e o Sistema Nacional de

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Informações em Economia Solidária (SIES). Com isso, pesquisamos, nos documentos oficiais, as diretrizes e as portarias normatizadoras da Política Pública em Economia Solidária no Brasil e no Rio Grande do Norte.

Outros dados secundários foram obtidos no site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os quais foram necessários, juntamente com os dados do SIES, não só para a elaboração do questionário aplicado, como também para a realização do trabalho como um todo.

Dentre as variáveis utilizadas, destacamos as seguintes: quantidade de empreendimentos solidários (municipais, estaduais, e nacionais); formas de organização dos empreendimentos; e dificuldades enfrentadas pelos empreendimentos solidários (SIES, 2013). Essas variáveis foram utilizadas na pesquisa e correlacionadas com a realidade vivida, o que facilitou a realização da análise espacial e tornou possível evidenciar características de como estes EES funcionam na realidade do Estado do Rio Grande do Norte.

Junto aos outros procedimentos, também precisamos sistematizar os dados para que pudéssemos identificar as diversidades e especificidades em cada uma das áreas de estudos. Por isso, utilizamos como ferramenta a Estatística, a fim de promover a sistematização e a organização dos dados obtidos, para que, assim, pudéssemos analisá-los com mais eficiência.

Utilizamos ainda o software MS Excel para a tabulação e a elaboração de gráficos, os quais serão responsáveis por demonstrar as porcentagens e quantidades dos elementos utilizados para a análise do fenômeno e, por realizar comparações dos dados nas diferentes escalas. Além disso, também utilizamos o MS Excel para a produção de tabelas e quadros que auxiliarão e proporcionarão ao leitor melhor capacidade de entendimento do fenômeno.

De posse dos dados coletados, alguns foram espacializados através de softwares de geoprocessamento, como o QGIS, gerando mapas de localização da Rede Xique-Xique, bem como mapas temáticos com informações e caracterizações das áreas analisadas. Já para a elaboração dos produtos cartográficos deste trabalho, utilizamos shapes disponíveis na base de dados do IBGE, através de sua plataforma digital IBGE Downloads, como também, de imagens de satélite através do programa Google Earth Pro. O uso de tais ferramentas, aliadas à Estatística Espacial se fez necessária, uma vez que, com elas, conseguimos visualizar a ocorrência do fenômeno e sua materialização no espaço. Além delas, o uso do SIG (Sistema de Informações Geográficas), corrobora com o processo de análise territorial.

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Aliado aos estudos, às pesquisas e a outras ferramentas utilizadas, entrevistamos e aplicamos questionários aos coordenadores gerais da Rede Xique-Xique, bem como à gestora da Secretaria de Estado do Trabalho, Habitação e Assistência Social (SETHAS), responsável por gerir a Subcoordenação de Economia Solidária da secretaria. A utilização de questionários semiestruturados também nos forneceu dados importantes para nossa análise.

A Rede analisada, neste trabalho, está espacializada no Rio Grande do Norte e dispõe de núcleos com trabalhadores associados em 15 municípios do estado. A rede foi escolhida justamente por ter importância significativa no que se refere à comercialização solidária no Rio Grande do Norte.

Os questionários aplicados (Anexo 1) e as entrevistas realizadas (Anexo 2) buscaram levar em consideração os diferentes poderes entre cada um dos agentes envolvidos. Tal cuidado originou-se da compreensão de que a Economia Solidária congrega diversos agentes e relações sociais em um sistema articulado, abarcando não só o movimento social, mas também todos os trabalhadores associados a Empreendimentos de Economia Solidária, e outros agentes que agora fazem parte da Economia Solidária enquanto Política Pública.

Tendo isso em vista, para a elaboração da entrevista semiestruturada, utilizamos o questionário produzido por Lima (2015) em sua dissertação e o adaptamos para atender nossos objetivos. Na estruturação da entrevista pensamos em alguns pontos que pudessem nos oferecer um panorama geral de como se caracteriza a Rede Xique-Xique de Comercialização Solidária na perspectiva estrutural e organizacional. Para isso, utilizamos como norteadores os seguintes pontos:

 A forma de trabalho antes e depois do empreendimento solidário;  Os motivos de criação do empreendimento;

 As dificuldades encontradas pela rede;  Os problemas da associação solidária;

 Participação no movimento de Economia Solidária;  O que se entende por Economia Solidária;

 A relação com a prefeitura, incubadoras e demais órgãos.

Já para os questionários aplicados com os gestores públicos, modificamos novamente os pontos principais, na tentativa de compreendermos as relações hegemônicas que se

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processam nesses locais e a forma de atuação da política pública. Para eles, elencamos os seguintes pontos:

 Os marcos legais da Política de Economia Solidária;

 A construção da economia solidária junto com os trabalhadores;  A financeirização da Política Pública;

 O papel do Estado na Economia Solidária;

 A Economia Solidária e o seu espaço nos marcos estruturais do capitalismo;

 A participação das incubadoras e dos demais órgãos no processo de fortalecimento da Economia Solidária;

 A independência dos empreendimentos para gerir suas ações;  Características específicas da política pública no estado do RN;  O atual papel e importância da Política de Economia Solidária.

Posterior à realização das entrevistas, os dados e informações obtidos foram sistematizados, tabulados e analisados para que conseguíssemos entender a realidade local, como os diferentes agentes atuam com relação à Economia Solidária e como essas distintas atuações impactam o uso do território. A partir disso, pretendemos compreender a importância da atuação dos Empreendimentos de Economia Solidária, o uso do território e o círculo de cooperação constituído a partir da comercialização solidária, através da Rede Xique-Xique. Ademais, para demonstrar a realidade da Rede Xique-Xique, concomitante as entrevistas, foram realizados registros fotográficos.

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3 ECONOMIA SOLIDÁRIA NO BRASIL

Diversos foram os agentes envolvidos na Economia Solidária no Brasil. Há uma estreita relação entre a Economia Solidária e os movimentos sociais do Brasil, uma vez que foram eles os principais agentes envolvidos no desenvolvimento dela no país. Tal apoio ocorreu porque o movimento surge bem antes de sua institucionalização e, por isso, tem nos movimentos sociais dos trabalhadores rurais em luta pela terra, a sua força motriz. Diante disso, mesmo não sendo o foco deste trabalho, é importante frisar a contribuição dos movimentos sociais, pois, de acordo com Lima, (2015) é no interior desses movimentos que a Economia Solidária surge enquanto proposta para o enfrentamento das crises e das contradições sociais presentes no modelo hegemônico, tendo não só características política e econômica, mas também cidadã.

Posto isso, destacamos aqui, de acordo com Lima (2015), algumas organizações importantes no que se refere à atuação dos trabalhadores. Dentre as quais, temos:

A) Associação Nacional de Empresas de Autogestão (ANTEAG) – Criada em 1994 no intuito de apoiar e acompanhar as experiências de recuperação das empresas falidas realizada pelos trabalhadores por meio da autogestão;

B) Agência de Desenvolvimento Solidário (ADS/CUT) – Surge no final da década de 1990, ligada a CUT, já como a estratégia de buscar organizar os trabalhadores em um contexto de crise do próprio movimento sindical diante do crescente desemprego e da informalização do trabalho;

C) União e Solidariedade das Cooperativas e Empreendimentos de Economia Social do Brasil (UNISOL) – Também surge ligada a CUT no ano de 2004, tendo como objetivo organizar, representar e articular as cooperativas, associações e outros empreendimentos autogestionários da Economia Solidária (SCHIOCHET, 2012, p. 26, apud LIMA, 2015, p. 129).

Além dos movimentos citados, outras organizações e agentes estiveram envolvidos na ECOSOL. Dentre eles, destaca-se o papel das pastorais e organismos católicos como a Cáritas e a Comissão Pastoral da Terra (CPT). De acordo com Dacoregio (2011, p. 7), “vários empreendimentos solidários atuais formaram-se com o apoio direto ou sob a influência das pastorais sociais e organismos católicos, principalmente a Cáritas Brasileiras”. Entretanto, há, além da Cáritas, outras instituições de origem católica, ou que têm relação com a Igreja Católica, como demonstram Pires e Rossi (2017), ao apontarem a FASE (Federação de Órgãos para a Assistência Social e Educacional), o IBASE (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas) e, também o Instituto de Políticas Alternativas do Cone Sul. Desse modo, não só a Cáritas, mas também esses outros agentes “tiveram papel importante no que se refere a articulação política que culminou na criação do Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES)”. (PIRES E ROSSI, 2017, p. 90).

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Nessa perspectiva, percebemos que há forte relação entre a Economia Solidária e os movimentos sociais, haja vista que todos buscavam fortalecer os (as) trabalhadores (as), além de consolidar empreendimentos que buscavam, na autogestão, um meio de enfrentamento das desigualdades sociais vivenciadas por diversos trabalhadores e trabalhadoras do campo e da cidade.

Dito isso, o objetivo da próxima sessão é discorrer sobre a normatização da Política Pública em Economia Solidária no Brasil, além de analisá-la, a partir dos dados do Sistema de Informações em Economia Solidária (SIES), o qual é ligado à Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES) a nível regional ou, mais especificamente, no Nordeste.

3.1 Normatização da Economia Solidária no Brasil

No período de 2003 a 2015, a Economia Solidária foi operacionalizada pelo Estado e, com isso, ganhou um novo viés, o que foi responsável por distanciá-la da perspectiva de suas bases teóricas. Como vimos, a Economia Solidária surge através de iniciativas populares, justamente na ausência de políticas públicas, no entanto, o que ocorre atualmente, é que, segundo Forbeloni (2011, n.p.), “os dois segmentos se juntam para traçar estratégias comuns”.

Diante disso, vista como política pública, no contexto brasileiro, a Economia Solidária passa a ser cada vez mais dependente da atuação do Estado. Atuação essa que, por vezes, mostra-se ineficiente pela falta de recursos disponíveis para as pautas sociais, com pouco incentivo por parte do Estado e, além disso, com ações pontuais que muitas vezes promovem mais um desenvolvimento econômico do que social.

Entretanto, se comparada a outras políticas públicas, essa mesma atuação do Estado é marcante e contínua, diferente da inércia que ocorre no que se refere às políticas de desenvolvimento social. De acordo com Alencar e Menezes (2009), isso ocorre porque o Estado atua como agente hegemônico junto aos outros agentes hegemônicos do sistema econômico vigente, o que faz com que não exista, dessa forma, uma neutralidade na elaboração e execução das políticas públicas. Com isso, o Estado torna-se um agente que atende diretamente às demandas político-econômicas dos agentes hegemônicos que comandam a economia e a política nacional e mundial. Acerca disso, Alencar e Menezes (2009) ainda complementam que Na realidade, as políticas públicas e suas formas de realização refletem as contradições e conflitos entre e nos distintos setores e classes sociais presentes no

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atual estágio de desenvolvimento da história do Brasil e do mundo. No processo de luta constante a classe capitalista procura desenvolver mecanismos que sustentem a estabilidade e permanência de uma ordem que defenda seus interesses. Esses mecanismos fazem parte do Estado e da sociedade civil, que além de garantir as condições de reprodução vigentes possibilita as condições para sua reprodução no futuro (ALENCAR e MENEZES, 2009, p.133).

Ainda sobre a atuação do Estado, Corrêa (1989, p. 14), ao mostrar os conflitos entre os agentes dominantes (proprietários dos meios de produção e proprietários fundiários), aponta para o fato de que “os conflitos que emergem tendem a ser, em princípio, resolvidos a favor dos proprietários dos meios de produção, que, no capitalismo, comandam a vida econômica e política”. A partir disso, podemos compreender que, de todo modo, os interesses do agente de maior poder irão sobressair-se em relação aos dos outros agentes.

Ainda discorrendo sobre o Estado, Corrêa (1989, p. 26) afirma que “sua ação é marcada pelos conflitos de interesses dos diferentes membros da sociedade de classes[...]Tende a privilegiar os interesses daquele segmento ou segmentos da classe dominante que, a cada momento, estão no poder”.

No caso brasileiro, a real efetivação de uma política pública, segundo Locatel e Lima (2018, p. 12), “é perpassada pelas diferentes dimensões da Política até a sua institucionalização enquanto uma política de Estado”. Diante disso, segundo Locatel e Lima (2018), as ações executadas por um Governo são marcadas por fragilidades jurídico-normativas, considerando que tais políticas públicas não estão assentadas em uma Lei que normatize sua execução. Essa falta de normatização faz com que, a cada novo governo, novas ações sejam operacionalizadas a fim de atender a demandas de segmentos específicos da sociedade, das quais as políticas públicas de desenvolvimento social acabam ficando de lado. Assim, o que se nota é que governos não compromissados com causas populares e, muito menos, reivindicações de grupos socialmente excluídos e/ou minorias, atuam em prol dos hegemônicos.

Nessa perspectiva, percebemos que as políticas de Governo não possuem dimensão institucional. Esta que, de acordo com Locatel e Lima (2018), se refere “à ordem do sistema político, delineada pelo sistema jurídico, e à estrutura institucional do sistema político-administrativo”. Diferente disso, as políticas de Estado possuem 3 dimensões, a saber: polity (dimensão institucional), politics (dimensão processual) e policy (dimensão material). Elas são mais burocráticas e dispõem todo um arcabouço jurídico-normativo que, segundo Locatel e Lima (2018, p. 13-14), “define toda a sua execução, inclusive estabelecendo as formas de

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financiamento, como ocorre nas políticas de saúde, de educação, de defesa, de relações exteriores”.

Diante disso, constata-se que governos neoliberais acabam por aplicar novas formas de governar diferentes das de governos populares e, agindo assim, atuam em benefício dos grupos hegemônicos e, assim, eliminam políticas públicas voltadas ao atendimento das demandas dos movimentos de economia solidária no país.

Todavia, a atuação do Estado em relação à Economia Solidária nem sempre foi inerte. No ano de 2003, durante o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2011), na realização do III Congresso de Economia Solidária, o Estado reconheceu institucionalmente os empreendimentos solidários no Brasil. A partir disso, foi aprovado na Câmara Federal, em 2003, o Projeto de Lei que criou a Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES), ligada ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). De acordo com Silva e Nagem (2011, p. 10), “a economia solidária foi institucionalizada no Brasil no nível federal, por meio da Lei nº 10.683 e do Decreto nº 4.764, que estabeleceu a criação Senaes”.

A SENAES surge a partir da mobilização dos movimentos sociais que atuam na área e, a respeito disso, Forbeloni (2011, n.p.) declara que a iniciativa, “partiu da organização de diversos fóruns de discussão sobre a temática, envolvendo as entidades populares e não-governamentais que já atuavam na área”. A força dos movimentos sociais ligados à Economia Solidária fez, portanto, com que o governo institucionalizasse a Economia Solidária, pois percebeu nela uma alternativa válida à promoção da qualidade de vida e mitigação da desigualdade para as populações excluídas.

Além da criação da SENAES, Lima (2015) afirma que a implementação do Programa Economia Solidária em Desenvolvimento surgiu com o intuito de promover e fortalecer os empreendimentos de economia solidária, de modo a visar o bom desenvolvimento e a inclusão social dos trabalhadores associados aos empreendimentos. Assim, o crescimento percebido após 2003 mostrou a força do Estado como impulsionador na criação de empreendimentos solidários no país (LIMA, 2015).

De acordo com MTE/SENAES (2007, apud Lima, 2015, p. 133) essas políticas tinham como competências:

a organização da comercialização dos produtos e serviços da economia solidária; a formação e assistência técnica aos empreendimentos econômicos solidários e suas redes de cooperação; o fomento às finanças solidárias, sob a forma de bancos

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comunitários e fundos rotativos solidários; e a elaboração de um marco jurídico diferenciado para a economia solidária, garantindo o direito ao trabalho associado.

Para a operacionalização da Política Pública em Economia Solidária, a SENAES contou também com o apoio político e material de outras iniciativas. Dentre elas, destacam-se o Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES) e o Conselho Nacional de Economia Solidária (CNES), os quais reúnem os gestores de diversos municípios, tendo como finalidade a proposição de ações e de projetos, e as discussões para a operacionalização da Política Nacional de Economia Solidária (PNES).

Essas iniciativas se fazem necessárias tendo em vista o caráter transversal e intersetorial que a política pública em economia solidária possui. Além disso, elas também se fazem necessárias devido ao fato de que a política pública apenas se efetivaria a partir da cooperação institucional de diversas secretarias, de agências de fomento, de rede de gestores municipais e estaduais, de Instituições de Ensino Superior (IES), e também de diferentes Ministérios (LIMA, 2015).

Nessa perspectiva, a Economia Solidária materializa-se e acaba expressando-se de formas distintas no Brasil. A institucionalização da Política Pública em Economia Solidária é um evento que acontece em cada país e possui temporalidade diferente em cada lugar. Portanto, é no lugar que podemos ter e perceber os reais desdobramentos da normatização do Estado em relação à Economia Solidária.

3.2 Características regionais da Economia Solidária no Brasil

Os dados de 2013, obtidos no sistema SIES, apontam a existência de 19.708 Empreendimentos de Economia Solidária no Brasil (EES), distribuídos nas cinco macrorregiões brasileiras. Os demais dados, anteriores a 2013, foram obtidos a partir da dissertação de Lima (2015), pois não estão mais disponíveis em meios eletrônicos desde o ano de 2016.

Através dos dados apresentados na Tabela 1, situada logo em seguida, notamos o crescimento no número de Empreendimentos da Economia Solidária (EES) no Brasil entre os anos de 2003 e 2007, bem como o total de EES no ano de 2013, após o último levantamento nacional promovido pelo SIES.

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