• Nenhum resultado encontrado

Doenças inflamatórias da córnea no cão e no gato

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Doenças inflamatórias da córnea no cão e no gato"

Copied!
77
0
0

Texto

(1)

Doenças inflamatórias da córnea

no cão e no gato

Ana Teresa Pereira Lourenço de Campos Peixeiro

Orientadora: Professora Doutora Maria João Pires

Co-Orientador: Dr Hugo Corte-Real Vilhena

UNIVERSIDADE DE TRÁS-OS-MONTES E ALTO DOURO VILA REAL, 2012

(2)

Doenças inflamatórias da córnea

no cão e no gato

Ana Teresa Pereira Lourenço de Campos Peixeiro

Orientadora: Professora Doutora Maria João Pires

Co-Orientador: Dr Hugo Corte-Real Vilhena

UNIVERSIDADE DE TRÁS-OS-MONTES E ALTO DOURO VILA REAL, 2012

(3)

“I speak of crystal cornea, it’s nature satisfied Nonkeratinized coating of a skin that’s stratified Now if you dare, explore below, for underneath this phase Exists a structure so profound, it truly will amaze” Jenna Buley, in Veterinary Ophthalmology 2009

(4)

iii

Nesta dissertação serão abordadas as doenças inflamatórias da córnea que se dividem em doenças ulcerativas e não ulcerativas, estando também incluido o sequestro corneal. Foram acompanhados três casos clínicos no período de estágio no Hospital Veterinário do Baixo Vouga que apresentavam doença inflamatória da córnea. Realizou-se um exame oftalmológico a cada animal. De acordo com os sinais clínicos estabeleceu-se um diagnóstico e instituiu-se um tratamento médico e/ou cirúrgico. O primeiro caso clínico é de uma cadela de raça Caniche de nove anos de idade, que apresentava uma úlcera indolente, cujo tratamento inicial foi médico mas devido à falta de sucesso foi aplicado um tratamento cirúrgico. O segundo caso clínico é referente a uma cadela de raça Pastor Alemão com queratite superficial crónica. O tratamento instituido foi ciclosporina A mas o sucesso esperado não foi alcançado pois o proprietário não seguiu as recomendações dadas pelo médico veterinário. No terceiro caso clínico descrito, de um gato de três anos de idade, foi diagnosticado um sequestro corneal cujo tratamento cirúrgico foi alcançado com sucesso com a realização de uma queratoplastia lamelar. As doenças inflamatórias da córnea são frequentes na consulta oftalmológica veterinária e serve este trabalho para uma melhor compreensão do tema.

(5)

iv

This dissertation will address the corneal inflammatory diseases, which can be divided between the ulcerative and non-ulcerative form and also includes corneal sequestration. During the internship period, at the Baixo Vouga Veterinary Hospital, three clinical cases that displayed the corneal inflammatory disease were accompanied. In each of these animals an ophthalmological exam was performed. In accordance with the presenting clinical signs, a diagnosis was established and a medical and/or surgical treatment was instated. The first clinical case is of a nine year old Poodle that presented an indolent ulcer. Although the initial attempted approach was medical, the lack of success led to a surgical treatment. The second clinical case concerns a German Sheppard dog with a chronic superficial keratitis. The chosen treatment involved the use of cyclosporine A, however the expected success was not obtained given that the owner did not follow the stated recommendations given by the attending veterinarian. Regarding the third clinical case, a three year old cat that was diagnosed with a corneal sequestration, successful surgical treatment was attained through the execution of a lamellar keratoplasty. Corneal inflammatory diseases are frequent to the veterinary ophthalmologic consult and the aim of this paper is to provide a further understanding to the subject.

(6)

v

CAPÍTULO I – REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ... 1

1- INTRODUÇÃO ... 1 1.1 - Anatomia do olho ... 1 1.2 - Anatomia da Córnea ... 1 1.2.1 – Epitélio ... 2 1.2.2 – Estroma ... 2 1.2.3 – Membrana de Descemet ... 2 1.2.4 – Endotélio ... 3 1.3- Inervação da córnea ... 3

2 - RESPOSTAS DA CÓRNEA ÀS AGRESSÕES... 3

2.1 - Edema corneal ... 4

2.2 - Neovascularização ... 4

2.3 - Fibrose ... 5

2.4 - Pigmentação ... 5

2.5 - Infiltração de leucócitos e depósitos celulares ... 6

3 - DOENÇAS INFLAMATÓRIAS DA CÓRNEA ... 6

3.1 - Queratite ulcerativa ... 6

3.1.1 – Classificação e descrição das úlceras de acordo com a profundidade ... 7

3.1.1.1 – Úlceras superficiais ... 7

Úlceras Indolentes ou Defeitos Epiteliais Corneais Crónicos Espontâneos ... 7

3.1.1.2 – Úlceras estromais ... 10

3.1.1.3 – Descemetocélio e perfuração corneal ... 10

3.1.2 – Classificação das úlceras de acordo com a sua etiologia ... 11

3.1.2.1 – Bacterianas ... 11

3.1.2.2 – Micóticas ... 12

3.1.2.3 – Víricas ... 13

3.1.2.4 – Úlceras desfeitas (“melting”) ... 14

3.1.2.5 – Úlceras químicas ... 15 3.1.3 – Sinais clínicos... 15 3.1.4 – Diagnóstico ... 16 3.1.5 – Tratamento médico ... 16 3.1.5.1 - Anti-inflamatórios ... 17 3.1.5.2 - Antibióticos ... 18 3.1.5.3 - Antivirais ... 20

(7)

vi

3.1.5.6 - Imunossupressores ... 21

3.1.5.7 - Glicosaminoglicanos polissulfatados ... 22

3.1.5.8 - Anticolagenolíticos ... 22

3.1.6 - Tratamento cirúrgico ... 22

3.1.6.1 - Queratectomia, queratotomia em grade e queratotomia punctata .... 22

3.1.6.2 - Transplante de córnea ou queratoplastia ... 23

3.1.6.4 - Enxertos de conjuntiva ... 25

3.1.6.5 - Uso de membrana amniótica... 25

3.1.6.6 - Termoqueratoplastia ... 26

3.1.6.7 - Submucosa intestinal suína ... 26

3.1.6.8 - Queratoprótese ... 26

3.2 – Queratite não ulcerativa ... 27

3.2.1 – Queratite pigmentária ... 27

3.2.2 – Queratite superficial crónica ... 27

3.2.3 – Queratite neurotrófica ... 29 3.2.4 – Queratopatia bolhosa ... 29 3.2.5 – Abcesso corneal ... 30 3.2.6 – Queratite eosinofílica ... 30 3.2.7 – Queratopatia da Florida ... 31 3.3 – Sequestro corneal ... 31 3.3.1 – Definição ... 31 3.3.2 – Predisposição ... 31 3.3.3 – Etiologia ... 32 3.3.4 – Sintomatologia ... 32

3.3.5 – Tratamento do sequestro corneal ... 33

CAPÍTULO II – CASOS CLÍNICOS ... 34

1. INTRODUÇÃO………..34

2. APRESENTAÇÃO DOS CASOS CLÍNICOS ... 35

Caso Clínico Nº 1 – Úlcera indolente ... 35

Caso Clínico Nº 2 – Queratite superficial crónica ... 38

(8)

vii

Tabela 1 – Casos clinícos……….………...34

Tabela 2 – Exame oftalmológico inicial do caso clínico número 1……….. 35

Tabela 3 – Exame oftalmológico inicial do caso clínico número 2……….. 38

Tabela 4 – Exame oftalmológico inicial do caso clínico número 3……….. 41

ÍNDICE DE FIGURAS Figura 1 – Estrutura da córnea. ... 1

Figura 2 – Olho esquerdo (OS) de um cão que apresenta edema difuso da córnea.. ... 4

Figura 3 – Olho direito (OD) de um cão com neovascularização superficial da córnea ... 4

Figura 4 – Olho esquerdo de um cão que apresenta neovascularização profunda da córnea .... 5

Figura 5 – Olho esquerdo de um gato com fibrose corneal ... 5

Figura 6 – Olho esquerdo de um cão que apresenta pigmentação da córnea ... 5

Figura 7 – Olho direito de um cão que apresenta triquíase devido a entropion ... 7

Figura 8 – Olho esquerdo de um cão de raça Husky que apresenta uma úlcera indolente ... 8

Figura 9 - Olho direito de um cão que apresenta uma úlcera estromal... 10

Figura 10 - Olho esquerdo de um gato com um descemetocélio ... 10

Figura 11 – Olho direito de um gato com perfuração da córnea ... 11

Figura 12 – Úlcera dendrítica por herpesvirus felino tipo-1 ... 13

Figura 13 – Olho direito de um gato de raça Persa com uma úlcera “melting” da córnea ... 14

Figura 14 – Diagrama que representa o padrão de queratotomia em grade ... 22

Figura 15 – Representação de uma queratoplastia lamelar ... 24

Figura 16 – Enxerto pediculado de conjuntiva numa úlcera corneal profunda e central ... 25

Figura 17 – Olho direito de um cão que apresenta queratite pigmentária... 27

Figura 18 – Olho esquerdo de um cão que apresenta queratite superficial crónica ... 27

Figura 19 – Olho direito de um cão com queratopatia bolhosa ... 29

Figura 20 – Gato com queratite eosinofílica felina ... 30

Figura 21 – Olho esquerdo de um gato com sequestro corneal. ... 32

Figura 22 - Olho esquerdo com uma úlcera indolente, após o primeiro desbridamento.. ... 36

Figura 23 - Olho esquerdo com uma úlcera indolente, após instilação de fluoresceína. ... 36

Figura 24 – Olho esquerdo com uma úlcera indolente, após o segundo desbridamento ... 37

Figura 25 – Olho direito antes do tratamento ... 39

Figura 26 – Olho esquerdo antes do tratamento ... 39

(9)

viii

Figura 29 – Olho esquerdo com queratite superficial crónica, depois de ter sido iniciado o

tratamento com ciclosporina ... 40

Figura 30 - Olho esquerdo com queratite superficial crónica, 10 meses após a primeira consulta ... 40

Figura 31 - Olho direito com queratite superficial crónica, 10 meses após a primeira consulta 40 Figura 32 - Olho esquerdo com sequestro corneal paraxial. ... 42

Figura 33 - Cirurgia de transplante de córnea ... 43

Figura 34 - Olho esquerdo 5 dias após a cirurgia ... 44

(10)

ix AB – Antibiótico

AINE’s – Antiinflamatórios não esteróides BCTA – Cianoacrilato isobutílico

BID – Duas vezes ao dia

CGRP – Péptido relacionado com o gene da calcitonina

COX-2 – Ciclooxigenase-2

DECCE – Defeitos epiteliais corneais crónicos espontâneos

E. coli – Escherichia coli

EDTA – Ácido etilenodiamino tetraacético FGF – Factor de crescimento de

fibroblastos h – Hora(s)

HVC-1 – Herpesvírus canino tipo-1 HVF-1 – Herpesvírus felino tipo-1

IGF-1 – Factor de crescimento semelhante à insulina tipo-1 IL-1 – Interleucina-1 kg – Quilograma MA – Membrana amniótica mg – Miligrama min – Minuto ml – Mililitro mm – Milímetro

mm/min – Milímetro por minuto mmHg – Milímetro de mercúrio MMP’s – Metaloproteinases da matriz MMP2 – Metaloproteinase-2 da matriz MMP9 – Metalopeptidase-9 da matriz Na+/K+ ATPase – Bomba Na+/K+ ATPase NaCl – Cloreto de sódio

Nº – Número OD – Olho direito OS – Olho esquerdo

OU – Ambos os globos oculares

PCR – Reacção em cadeia da polimerase PDGF – Factor de crescimento derivado de plaquetas

PIO – Pressão intra ocular PMN’s - Polimorfonucleares PO – Per os

PSGAG – Glicosaminoglicanos polissulfatados

QCS – Queratoconjuntivite seca QID – Quatro vezes ao dia QOD – A cada 48 horas

QSC – Queratite superficial crónica SC – Subcutâneo

SID – Uma vez por dia

SIS – Submucosa intestinal suína SOS – Em situação de urgência SP – Substância P

sp. – Espécie spp. – Espécies

TGF – Factor de crescimento de transformação beta

TID – Três vezes ao dia

TIMP’s – Inibidores de tecido das metaloproteinases

TS – Teste de Schirmer UV – Radiação ultravioleta % – Percentagem

(11)

x

Embora a dissertação de mestrado seja um trabalho individual, há contributos de natureza diversa que não podem deixar de ser realçados. Sem a contribuição, crítica e ajuda de diversas pessoas que se cruzaram comigo nesta etapa não teria sido fácil.

As minhas primeiras palavras de agradecimento dirigem-se à Professora Maria João Pires pela ajuda preciosa na revisão da minha dissertação, pela disponibilidade e generosidade reveladas ao longo deste trabalho, assim como pelas críticas, correcções e sugestões relevantes feitas durante a orientação.

Ao Doutor Hugo Vilhena (Hospital Veterinário do Baixo Vouga), a quem coube a co-orientação desta dissertação, que com o seu entusiasmo, inspiração e esforço para explicar de forma clara e simples, contribuiu fortemente para o meu gosto pela área da oftalmologia.

Agradeço ao Hospital Veterinário do Baixo Vouga por me ter recebido tão bem! Foram cinco meses onde aprendi muito, obrigada pela partilha de conhecimentos e obrigada a todas as pessoas fantásticas que conheci neste Hospital, à Dra. Sónia, Dr. Artur, Dr. Pedro, Dr. Olivério, Dra. Inês, Dra. Mafalda, Dra. Raquel, Dr. Zé Miguel, Dr. João, Enfermeiros Nuno, Daniela e Luciana, à Lili, Daniel e Katia! E em especial aos meus colegas estagiários, os meus primeiros colegas de trabalho que eu adorei conhecer, à Tatiana, Inês, Rafael e às surpresas Nádia, Marta Minguinhos, Marta Lemos, Joana e Margarida.

Também quero agradecer ao Hospital Veterinario Canis de Girona, em especial ao Dr. Jordi Cairo, Dr. Josep Font, e todos os veterinários e auxiliares. Um agradecimento muito especial à maior surpresa dos três meses que passei em Girona, Francisca Zarco Luz, que é igual a mim e que nunca esqueço!

Ao Doutor Paulo Pimenta, do HVTM, por me ter ensinado mais sobre o mundo da oftalmologia!

Quero agradecer a todos as pessoas especiais que sempre me acompanharam e que sempre me fizeram uma pessoa muito feliz, muito obrigada à Rita, Carlota, Mafalda, Anita, Seixas e Ana Bernardo. Em Vila Real conheci pessoas fantásticas, graças a vocês o percurso académico foi mais fácil. Em especial à Renata, minha super companheira, a ti devo muito muito (animação!). À minha açoriana, “bela fema” Sofia, obrigada por fazeres parecer que a vida é simples! E à Marta Alegria, uma descoberta a meio do percurso mas igualmente importante! À Manuela, minha colega de casa, à Su, grande surpresa, aos compinchas de turma, de ano, de viagens e de cafés no Pio muito obrigada! E sem esquecer os míticos e suas ladys Marta, Ângela, Tati, Xu e Bé!! Obrigada pelos dias animados no meio do stress da tese à Uxia, João Agostinho e Inês Cruz que acompanharam esta fase tão importante!

(12)

xi

minha afilhada Mia por todos os momentos vividos, e pelas confidências! E à minha avozinha Belinha por me ter mostrado desde cedo como se deve aproveitar a vida eheh e por não se esquecer de mim!!

Um agradecimento especial e tão merecido ao amor da minha vida, Xico, ouvinte muito atento, que conseguiu transformar os meus dias em pura animação, com as suas piadas, sentido de humor, descontração, aprendi contigo a relaxar e aproveitar todos os momentos! Pelo companheirismo e por nunca me deixares só:)

Para finalizar, um agradecimento a toda a minha família, principalmente à minha irmã, que vai aumentar em breve a nossa família, muito obrigada! E um obrigada também muito especial à minha Tia Né por ser tão boa ouvinte e tão boa amiga! Sem esquecer claro os meus primos e tios! Mariana no que te meteste!

E aos meus pais! Por tudo! Ao meu pai por me tirar os medos e me ensinar tanto! Por me ouvir a qualquer hora e me simplificar tanto a vida! E à minha mãe por me alegrar os meus dias, por nunca parar de rir, por me ajudar sempre a seguir em frente e me chamar sempre à Terra!

(13)

1

Figura 1 – Estrutura da córnea; A, Epitélio; B, Estroma; C, Membrana de Descemet; D,

Endotélio. Fonte: Adaptado Maggs, 2008a. CAPÍTULO I – REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

1- INTRODUÇÃO

1.1 – Anatomia do olho

O olho é o órgão sensorial mais complexo do corpo dos vertebrados. Está inserido na órbita que é o suporte ósseo que circunda o olho, e é formada pelos ossos frontal, lacrimal, esfenoide, zigomático, palatino e maxilar. É suportado pela fáscia orbital, os músculos extraoculares e as pálpebras (Samuelson, 2007;Boevé et al., 2009).

O globo ocular é composto por três túnicas. A camada interior é a túnica nervosa composta pela retina e o nervo ótico. A túnica intermédia é denominada úvea e divide-se em íris, coroide e corpo ciliar. A túnica exterior é fibrosa e é constituída pela córnea e esclera (Mattoon e Nyland, 2002; Samuelson, 2007). A zona de transição entre a córnea e a esclera é denominada “limbo'' (Grahn e Sandmeyer, 2008).

Em seguida vamos apenas descrever a anatomia da córnea, a resposta da córnea às

agressões e as doenças inflamatórias da córnea por ser este o tema deste trabalho.

1.2 - Anatomia da Córnea

A córnea é a região anterior da túnica fibrosa e atua como uma barreira física e impermeável entre o olho e o ambiente. Tem ligação com a conjuntiva bulbar, episclera, esclera e ângulo iridocorneal, terminando ao nível do limbo esclero-corneal (Whiteley et al., 2002; Denis, 2004; Kaur, 2004). É transparente e representa 70 a 80% do poder de refração total do olho (Gilger et al., 2008; Maggs, 2008a; Boevé et al., 2009; Konrade et al.,

2012). A sua transparência baseia-se num arranjo altamente organizado de fibrilhas de colagénio no estroma, na ausência de vasos sanguíneos e de pigmento, no controlo do teor de água e na presença de uma superfície não queratinizada (Laus et al., 2002). A espessura corneal do cão varia entre 0,495 e 0,820 mm, a do gato tem um valor médio de 0,567 mm. Estes valores só podem ser medidos a partir dos dez meses de idade no cão e quinze meses no gato, pois até essa idade a córnea sofre variações de espessura (Gwinet al., 1983; Moodie

(14)

2

Tanto no gato como no cão a córnea é constituída por quatro camadas. A mais exterior é o epitélio estratificado, seguindo-se o estroma, a membrana de Descemet e o endotélio (Figura 1) (Stades et al., 2007; Gilger et al., 2008; Maggs, 2008a).

1.2.1– Epitélio

As células epiteliais da córnea constituem a primeira barreira de defesa contra agentes nocivos externos (Hu et al., 2009). O epitélio é pavimentoso estratificado, não queratinizado, (Whiteley et al., 2002; Bentley e Murphy, 2004a; Sandmeyer et al., 2005; Maggs, 2008a) composto por três camadas distintas: uma camada externa de células pavimentosas, uma camada média de células poliédricas e uma membrana basal com uma camada única de células cúbicas (Crispin, 2002; Moore, 2005). O epitélio tem um período de renovação de 7 dias (Martin, 2010) e tem uma espessura de 7-12 camadas celulares (Stades et al., 2007).

As células epiteliais ligam-se entre si por hemidesmossomas. O epitélio, a sua membrana basal e o estroma subepitelial unem-se por finas fibrilhas (Crispin, 2002). A membrana basal do epitélio é composta por fibras de colagénio tipos IV, VI e VII, laminina, hialuronidases e fibronectina (Brooks e Ollivie, 2004; Samuelson, 2007). Quando há uma agressão corneal que envolve o epitélio e o quarto anterior do estroma, as células epiteliais recebem estímulos para sofrerem mitoses, e assim corrigir a espessura corneal normal, podendo, no entanto, não restaurar a normal curvatura corneal (Carter, 2009; Myrna et al., 2009).

1.2.2– Estroma

O estroma ocupa aproximadamente 90% da espessura da córnea (Whiteley et al., 2002; Nagayasu et al., 2009). Consiste em múltiplas camadas finas de microfibrilhas de colagénio dos tipos I, III, V, VI e XII, rodeadas por uma matriz extracelular que é composta por glicosaminoglicanos e glicoproteínas (Brooks e Ollivie, 2004; Carter, 2009). Os queratócitos estão incluídos no estroma tendo como função manter a transparência normal da córnea (Svaldeniene et al., 2003; Tsukahara et al., 2010). Quando há uma agressão, ocorre uma ativação dos queratócitos que se transformam em dois fenótipos reparadores: os fibroblastos e os miofibroblastos que produzem os precursores do colagénio e da matriz (Crispin, 2002; Dupps e Wilson, 2006; Myrna et al., 2009).

1.2.3– Membrana de Descemet

A membrana de Descemet encontra-se posteriormente ao estroma. É a membrana basal do endotélio e aumenta de espessura com a idade do animal, pois é continuamente produzida pelas células endoteliais (Maggs, 2008a). É constituída por colagénio dos tipos I, III,

(15)

3

IV, V, VI, VIII, laminina e fibronectina (Brooks e Ollivie, 2004). É muito elástica, mas pode fragmentar-se em casos de glaucoma avançado, em lesões penetrantes ou úlceras que perfuram (Maggs, 2008a; Martin, 2010).

1.2.4 – Endotélio

A camada posterior de células da córnea é o endotélio (Martin, 2010). É uma única camada de células hexagonais, responsável por controlar o nível de transparência da córnea, mantendo o grau de hidratação do estroma constante através de uma bomba Na+/K+ATPase (Collin e Collin, 1998; Rodrigues et al., 2006; Pigatto et al., 2008; Hoffman et al., 2009). É uma camada relativamente permeável que possibilita a passagem de água e mesmo de outras moléculas, permitindo a nutrição da córnea (Arndt et al., 2001). As células endoteliais têm uma baixa capacidade de regeneração e replicação (Chandler et al., 2003; Rodrigues et al., 2006). A morfologia desta camada pode ser alterada por ocorrência de distrofias corneais, queratoconus, glaucoma, uveíte ou trauma ocular (Franzen et al., 2010).

1.3- Inervação da córnea

A inervação da córnea anterior é realizada por axónios nociceptivos aferentes do ramo oftálmico do nervo trigémio (Stiles et al., 2003; Miller, 2008). A córnea também recebe inervação simpática do gânglio cervical superior e no caso dos gatos uma modesta inervação parassimpática pelo gânglio ciliar (Müller et al., 2003).

Marfurt et al. (2001) descreveu que 99% dos nervos sensoriais da córnea contêm um péptido relacionado com o gene da calcitonina (CGRP) e substância P (SP). A substância P é um neuropéptido com implicação na homeostase da córnea que estimula a síntese de ADN (ácido desoxirribonucleico para ajudar na cicatrização da córnea (Marfurt et al., 2001; Bentley e Murphy, 2004a).

O epitélio apresenta uma elevada concentração de terminações nervosas (Robertson e Andrew, 2003). Quando há perda epitelial superficial o animal apresenta muita dor, o mesmo não se verificando quando a úlcera é profunda (Martin, 2010). A diminuição da inervação corneal origina um aumento da permeabilidade das células epiteliais e uma menor migração e número de mitoses celulares o que contribui para a formação de erosões recorrentes (Stiles et

al., 2003; Kafarnik et al., 2008).

2- RESPOSTAS DA CÓRNEA ÀS AGRESSÕES

As queratopatias manifestam-se através das seguintes reações patológicas: edema, vascularização, fibrose, melanose, infiltração estromal de leucócitos, acumulação de lípidos ou minerais na córnea e malácia do estroma (“melting”) (Michau et al., 2003; Maggs, 2008a).

(16)

4

2.1- Edema corneal

O epitélio e o endotélio mantêm a hidratação corneal constante, assegurando assim a função refrativa da córnea (Gilger et al., 2008). O epitélio impede a passagem da película lacrimal para o estroma; ao sofrer uma lesão, a película lacrimal alcança o estroma e a córnea perde a sua transparência, adquirindo uma cor azul ou esbranquiçada (Figura 2) (Stades et al., 2007; Maggs, 2008a). As células endoteliais laterais possuem um mecanismo controlado pela bomba Na+/K+ ATPase que impede a entrada de humor

aquoso para o estroma. Quando há uma lesão endotelial, o edema é difuso e há perda de transparência que poderá ser permanente devido à baixa capacidade regenerativa do endotélio (Martin, 2010).

O edema corneal de origem endotelial pode estar associado a distrofia endotelial, degeneração associada à idade, lesão endotelial associada com a membrana pupilar persistente, trauma mecânico, reações a tóxicos, uveíte anterior ou mesmo úlceras corneais profundas. O edema associado a ulceração corneal é localizado (Gilger et al., 2008).

2.2- Neovascularização

A córnea no seu estado fisiológico normal é avascular (Maggs, 2008a). A neovascularização é uma resposta patológica comum à agressão (Cullen, 2011).

Devem distinguir-se dois tipos de vascularização, a superficial e a profunda. Os vasos superficiais correspondem a lesões do terço anterior da córnea, surgem dos vasos conjuntivais, são ramificados e de cor vermelho claro (Figura 3). Os vasos profundos correspondem a lesão

nos dois terços posteriores da córnea, têm origem no plexo ciliar, são curtos e escuros (Figura 4) (Almeida, 2000; Crispin, 2005; Herrera, 2007). A hemorragia intracorneal é rara mas pode estar presente em casos de membrana pupilar persistente, trauma ou glaucoma grave (Crispin, 2005; Matas et al., 2012).

Os processos patológicos que levam à formação de vasos podem ser divididos em três categorias: hipoxia, inflamação e perda da função da barreira do limbo (Mezel-Severing, 2012).

Figura 2 – Olho esquerdo (OS) de um

cão que apresenta edema difuso da córnea. Fotografia gentilmente cedida por Dr. Hugo Vilhena, HVBV.

Figura 3 – Olho direito (OD) de um cão que

apresenta neovascularização superficial da córnea. Fonte: Maggs, 2008a.

(17)

5

Figura 4 – Olho esquerdo de um cão

que apresenta neovascularização profunda da córnea. Fotografia gentilmente cedida por Dr. Hugo Vilhena, HVBV.

Figura 5 – Olho esquerdo de um gato

com fibrose corneal. Fonte: Adaptado de Moore, 2001.

A neovascularização está frequentemente associada a edema corneal e aumenta a probabilidade de deposição de lípidos, hemorragia e formação de cicatrizes que comprometem a transparência corneal e a acuidade visual (Azar, 2006; Nakao et al., 2007; Mezel-Severing, 2012).

Determinadas afeções oculares cursam com angiogénese como é o caso da queratite inflamatória, trauma, infeção, tóxicos ou problemas nutricionais (Dana e Streilein, 1996; Pearce et al., 2007).

2.3- Fibrose

A fibrose corneal é uma componente essencial da resposta da córnea à agressão (Figura 5) (Gupta et al., 2011). A agressão da córnea, principalmente do estroma, conduz à ativação e diferenciação dos queratócitos em fibroblastos e miofibroblastos que associados ao fator de crescimento de transformação beta (TGF), ao fator de crescimento de fibroblastos (FGF) e ao fator de crescimento derivado de plaquetas (PDGF) podem culminar em fibrose discreta a grave (Hu et al., 2009; Chandler et al., 2010).

Conforme o tamanho a cicatriz da córnea pode denominar-se nébula, mácula ou leucoma, por ordem crescente de tamanho respectivamente (Maggs, 2010).

2.4- Pigmentação

O aparecimento de pigmentação corneal resulta da migração de melanócitos do limbo e é frequentemente acompanhado por vascularização superficial (Figura 6) (Townsend, 2009). A melanina é depositada normalmente no epitélio e no estroma, sendo raro no endotélio (Crispin, 2005; Maggs, 2008a).

A pigmentação corneal observa-se na queratite superficial crónica, síndrome da queratite pigmentária em raças braquicéfalas, queratoconjuntivite seca e queratite ulcerativa crónica (Gilger et al., 2008).

Figura 6 – Olho esquerdo de um cão

que apresenta pigmentação da córnea. Fotografia gentilmente cedida por Dr. Hugo Vilhena, HVBV.

(18)

6

2.5 – Infiltração de leucócitos e depósitos celulares

A infiltração de células inflamatórias no estroma corneal aparece com uma coloração verde-amarelada. Geralmente ocorre em resposta a uma infeção ou em associação com um corpo estranho na córnea. Após o tratamento, é aconselhável uma reavaliação da córnea porque a libertação de enzimas líticas a partir de células inflamatórias pode estar associada com colagenólise rápida, isto é, malácia ou “melting” da córnea (Martin, 2010).

O aparecimento de pontos branco acizentados, brilhantes, cristalinos na córnea normalmente está associado à acumulação de substâncias como a fibrina, os lípidos e/ou os minerais. Estas acumulações frequentemente contêm colesterol e/ou cálcio em várias combinações (Stades et al., 2007).

A degeneração e a distrofia corneais são condições caracterizadas pelo depósito de lípidos ou de cálcio no estroma anterior da córnea (Krohne, 2005). A distrofia lipídica é normalmente bilateral e não dolorosa, tem um efeito mínimo sobre a visão, e não requer nenhuma terapia. A degeneração lipídica da córnea, por outro lado, é geralmente unilateral e está frequentemente associada com inflamação (Martin, 2010).

3- DOENÇAS INFLAMATÓRIAS DA CÓRNEA

As doenças da córnea são classificadas em doenças congénitas e adquiridas. As doenças adquiridas podem ser devidas a doenças inflamatórias, doenças não inflamatórias e neoplasias (Gilger et al., 2007). Como já foi referido anteriormente, neste trabalho vamos desenvolver apenas as doenças inflamatórias.

O termo queratite refere-se a uma inflamação da córnea. Os mediadores inflamatórios envolvidos na doença ocular incluem as citocinas inflamatórias, a enzima óxido nítrico sintase, o fator de necrose tumoral, a interleucina-1 (IL-1) e a ciclooxigenase-2 (COX2) (Sellers et al., 2004). As queratites dividem-se em queratites ulcerativas e não ulcerativas (Gilger et al., 2007).

3.1- Queratite ulcerativa

A queratite ulcerativa ou ulceração corneal, é um dos problemas oculares mais comuns em Medicina Veterinária (Kim et al., 2009). Define-se por úlcera corneal um defeito ou descontinuidade do epitélio corneal que expõe o estroma, e que pode estender-se às camadas inferiores originando uma perfuração (Powell, 2001; Kaur, 2004).

As queratites ulcerativas podem classificar-se em função da sua profundidade ou da sua etiologia (Gilger et al., 2008).

(19)

7

3.1.1 – Classificação e descrição das úlceras de acordo com a profundidade

As úlceras corneais podem ser classificadas pela profundidade do envolvimento corneal como superficiais, estromais superficiais ou profundas, descemetocélio e perfurantes (Ollivier, 2003).

3.1.1.1 – Úlceras superficiais

As úlceras superficiais são divididas em não complicadas e persistentes. As úlceras não complicadas curam em poucos dias e originam uma cicatriz pequena. As úlceras persistentes não respondem ao tratamento convencional e tendem a recidivar (Ollivier, 2003).

Na presença de uma úlcera superficial é necessário identificar a causa inicial que levou à lesão, sendo as causas mais comuns as anomalias

palpebrais, os defeitos ciliares, as alterações da película lacrimal pré-corneal e os traumatismos (Gilger et al., 2007).

As anomalias palpebrais que mais frequentemente agridem a córnea são o entropion (Figura 7), o ectropion e o lagoftalmos (Moore, 2001).

Os principais defeitos ciliares que afetam cães e com menor frequência gatos são a distiquíase, os cílios ectópicos e a triquíase (Figura 7).

A película lacrimal pré-corneal é uma estrutura trilaminar composta por uma camada lipídica superficial, uma camada intermédia aquosa e uma camada profunda mucosa (Klaus et

al., 2007).

Pode sofrer alterações devido a inflamação crónica da glândula lacrimal, da conjuntiva ou da córnea, originando uma modificação quantitativa devido a secreção inadequada e a uma modificação qualitativa por evaporação excessiva, provocando uma queratoconjuntivite seca (QCS) (Almeida et al., 2009).

Úlceras Indolentes ou Defeitos Epiteliais Corneais Crónicos Espontâneos (DECCE)

As úlceras superficiais, sem causa aparente, que não envolvem o estroma da córnea e que são envolvidas ou parcialmente cobertas por epitélio não-aderente são denominadas de defeitos epiteliais corneais crónicos espontâneos (DECCE) (Ledbetter et al., 2006; Garcia da Silva et al., 2011). Estas condições corneais são também denominadas de úlcera indolente,

Figura 7 – Olho direito de um cão que apresenta

triquíase devido a entropion. Fotografia gentilmente cedida por Dr. Hugo Vilhena, HVBV

(20)

8

úlcera refractária, úlcera do boxer, erosão corneal persistente e úlcera recorrente (Bentley, 2005; Ledbetter et al., 2006; Clark et al., 2011; Davis e Gionfriddo, 2011). São mais frequentes em cães de meia-idade, e não apresentam predisposição sexual. Apesar de terem sido originalmente descritas em Boxers, as DECCE já foram documentados na maioria das raças de cães (Murphy et al., 2001).

As úlceras indolentes não cicatrizam dentro de um período de tempo normal de 3 a 5 dias e são refractárias à terapia convencional (Van der Woerdt, 2002; Ledbetter et al., 2006). A falta de tratamento ou o tratamento inadequado pode resultar na persistência de DECCE por meses ou anos (La Croix et al., 2001; Murphy et al., 2001; Bentley e Murphy, 2004a; Chandler

et al., 2007).

As úlceras indolentes ocorrem devido a várias etiologias, nomeadamente, anomalias palpebrais, defeitos ciliares, anomalias da película lacrimal pré-corneal, deficiências na inervação da córnea, corpos estranhos e infeções microbianas. Em alguns casos, a causa pode ser corrigida e a cura é rápida. Quando a causa não é identificada e se estiverem presentes mais de 14 dias, passam a denominar-se erosões persistentes corneais primárias (Bentley e Murphy, 2004a; Grahn et al., 2007).

Nas úlceras indolentes, observa-se uma retenção superficial focal pouco marcada de fluoresceína (Figura 8). É caracterizada por ausência de aderência do epitélio ao estroma, o que forma um halo de fluoresceína em redor do epitélio danificado, que não está aderido ao estroma subjacente ou às membranas basais epiteliais (Stanley, 1998; Davis e Gionfriddo, 2011). A zona de epitélio não aderente ao estroma subjacente é extensa, sugerindo uma tentativa exagerada do epitélio de migrar sobre a lesão,

combinado com uma incapacidade de restabelecer complexos de adesão funcionais (Bentley et

al., 2002; Bentley, 2005; Davis e Gionfriddo, 2011).

O exame histológico do epitélio corneal de úlceras indolentes revela uma degenerescência das células basais epiteliais, uma membrana basal irregular e espessada, com diminuição do número de hemidesmosomas, não permitindo a adesão de células epiteliais ao estroma da córnea. Apresentam também uma lâmina hialina fina acelular anterior no estroma (La Croix et al., 2001; Chandler et al., 2010). Em cães com DECCE há alterações da substância P e das fibras imunorreativas podendo existir uma relação com as alterações na morfologia do estroma (Bentley et al., 2002; Davis e Gionfriddo, 2011).

Figura 8 – Olho esquerdo de um cão de raça

Husky que apresenta uma úlcera indolente. Fotografia gentilmente cedida por Dr. Hugo Vilhena, HVBV.

(21)

9

Ao exame oftalmológico observa-se normalmente edema ligeiro da córnea na área do defeito e um “rolo” de epitélio da córnea, que muitas vezes rodeia a área. Os DECCE podem apresentar algum grau de neovascularização superficial da córnea, estando a maioria localizados na córnea axial ou paraxial (Murphy et al., 2001).

Em cães, têm sido sugeridos vários tratamentos de forma a encurtar o processo de cicatrização das úlceras indolentes. Os tratamentos tópicos incluem soluções tópicas hiperosmóticas, antibióticos tópicos, fator de crescimento epidérmico, glicosaminoglicanos polissulfatados, lentes de contacto, aprotinina e atropina, administrados em monoterapia ou em combinação (La Croix et al., 2001; Chandler et al., 2010; Davis e Gionfriddo, 2011). A SP, com ou sem fator de crescimento do tipo insulina 1 (IGF-1), revelou ser uma terapia tópica efetiva para esta doença. In vitro, a SP apresenta ação sinérgica com o IGF-1, e estimula a proliferação das células epiteliais da córnea (Murphy et al., 2001). Para o controlo da dor são usados anestésicos tópicos como a proparacaína, anti inflamatórios não esteroides (AINE’s) tópicos ou sistémicos e analgésicos (Clark et al., 2011).

O uso único de tratamento médico é muitas vezes ineficaz, pois nestes casos o processo de cicratização da córnea não é normal (Chandler et al., 2010). A terapia deve remover o epitélio solto que não é aderente ao estroma, promover a aderência normal do epitélio novo ao estroma subjacente e proteger o epitélio recém formado (Davis e Gionfriddo, 2011).

Os procedimentos cirúrgicos incluem o desbridamento do epitélio solto, enxertos conjuntivais, queratotomia em grade ou punctata, “flap” de membrana nictitante, queratectomia superficial, cauterização térmica ou química ou o polimento de diamante (Bentley et al., 2001; La Croix et al., 2001; Clark et al., 2011).

O desbridamento com um aplicador com ponta de algodão é uma forma eficaz de remoção de epitélio não aderido. O desbridamento pode ser feito sem sedação se for aplicado um anestésico tópico. É importante remover todo o epitélio solto embora se crie um defeito maior do que a úlcera original (Davis e Gionfriddo, 2011).

As alterações do estroma em cães com DECCE não permitem a formação de complexos de adesão entre células epiteliais e do estroma subjacente. Por isso, os tratamentos que alteram ou removem este estroma anormal, tais como a queratotomia em grade, a queratotomia punctata e a queratectomia superficial, são mais eficazes do que aqueles que afetam apenas minimamente o estroma (La Croix et al., 2001; Bentley e Murphy, 2004b).

Os DECCE curam em aproximadamente duas semanas com o tratamento adequado na ausência de complicações, embora possam recidivar. O processo de cicatrização é demorado e pode necessitar de tratamentos múltiplos (Davis e Gionfriddo, 2011).

(22)

10

Figura 9 - Olho direito de um cão que apresenta uma úlcera estromal. Fotografia gentilmente cedida por Dr. Hugo Vilhena, HVBV.

Figura 10 - Olho esquerdo de um gato com um descemetocélio. Fotografia gentilmente cedida por Dr. Hugo Vilhena, HVBV

3.1.1.2 – Úlceras estromais

As úlceras estromais estão frequentemente associadas a uma infeção microbiana secundária que inicia a destruição do estroma (Figura 9). Como tal, devem ser sujeitas a cultura e antibiograma e deve ser feita uma raspagem corneal para realizar uma citologia de modo a determinar a causa subjacente (Gilger et

al., 2008).

As úlceras estromais dividem-se em não progressivas e progressivas. As úlceras não progressivas poderão ter um maneio terapêutico

idêntico ao das úlceras superficiais, baseado nos resultados da cultura e citologia. O tratamento cirúrgico é indicado quando a úlcera afeta mais de 50% da espessura corneal (Gilger et al., 2008).

As úlceras progressivas profundas estromais podem levar a perda de visão devido à formação de cicatriz ou à presença de sinéquias anteriores, ou levar a perda do globo ocular devido a endoftalmite, glaucoma, phthisis bulbis, ou a combinação destes (Ollivier, 2003).

A úlcera desfeita (“melting”) ocorre quando há dissolução estromal progressiva. Não é uma doença específica, mas sim uma complicação das úlceras corneais (Ollivier, 2003). Este tipo de úlcera será descrito mais à frente.

3.1.1.3– Descemetocélio e perfuração corneal

O descemetocélio é um defeito corneal profundo em que o epitélio e o estroma estão totalmente destruídos, havendo exposição da membrana de Descemet (Figura 10). O diagnóstico é feito através da técnica de fluoresceína pois a parede da úlcera fica corada devido à presença de estroma, mas o centro não cora pois a membrana de Descemet não retém a fluoresceína (Crispin, 2002).

Quando a barreira constituída pela membrana de Descemet e endotélio é quebrada, ocorre uma

perfuração corneal com perda de humor aquoso e pode ocorrer prolapso de íris (Figura 11) (Gilger et al., 2008). A perfuração da córnea é uma causa de morbilidade ocular e perda profunda de visão (Jhanji et al., 2011). Os sinais clínicos clássicos de penetração corneal após

(23)

11

Figura 11 – Olho direito de um gato com

perfuração da córnea. Fotografia gentilmente cedida por Dr. Hugo Vilhena, HVBV.

trauma são o edema corneal, o hifema e a hipotonia. Estas alterações limitam o exame oftalmológico (Sansom e Labruyère, 2012). Em caso

de dúvida da existência de perfuração da córnea pode-se realizar o teste de Seidel que consiste na instilação de uma gota de fluoresceína e observação com luz azul-cobalto. Se existir um ponto ou um trajeto de cor verde, há perfuração (Peña e Leiva, 2012).

A perfuração da córnea necessita de tratamento imediato, a fim de preservar a integridade anatómica da córnea e prevenir o glaucoma secundário ou a endoftalmite (Jhanji et al., 2011).

3.1.2 – Classificação das úlceras de acordo com a sua etiologia

A queratite ulcerativa apresenta como causas mais frequentes as infeções bacterianas, as infeções fúngicas, as infeções virais, as úlceras químicas, as úlceras traumáticas e úlceras desfeitas (Crispin, 2002; Wichayacoop et al., 2009).

3.1.2.1 – Bacterianas

A queratite bacteriana é uma doença ocular mais frequente no cão do que no gato (Tuft e Matheson, 2000; Ollivier, 2003; Sensoy et al., 2009).

A defesa contra a invasão bacteriana é determinada pela integridade das barreiras anatómicas associada ao estado imunológico do hospedeiro. Como o epitélio corneal representa uma barreira, a rutura dessa camada precede necessariamente a invasão bacteriana (Ollivier, 2003; Tolar et al., 2006; Wang et al., 2008a). Outras barreiras à penetração de organismos na superfície do olho são o desprendimento ativo de células do epitélio a cada 5 a 7 dias, a membrana de Descemet, a película lacrimal corneal e a flora ocular pré-existente. Esta última interfere privando os organismos invasores de nutrientes e secreta substâncias com propriedades antimicrobianas. A utilização prolongada de antibióticos tópicos ou de corticosteróides pode destruir a flora ocular normal e resultar em crescimento excessivo de agentes patogénicos bacterianos ou fúngicos (Ollivier, 2003; Richter et al., 2010).

Os agentes patogénicos mais frequentemente encontrados na queratite bacteriana são

Staphylococcus spp, Streptococcus spp, Pseudomonas spp, E. coli, Corynebacterium spp e Bacillus cereus (Prado et al., 2005; Gilger et al., 2007).

Apesar de as bactérias Gram-positivas serem as mais frequentemente isoladas, a percentagem de casos de queratite bacteriana nos quais Pseudomonas spp é isolado varia entre os estudos (Tolar et al., 2006). A Pseudomonas aeruginosa é uma bactéria

(24)

Gram-12

negativa que pode causar uma queratite progressiva e originar perfuração, pois produz proteases extracelulares, que atuam sobre o estroma mesmo após as bactérias terem sido eliminadas por tratamento tópico (Onlen et al., 2007; Wang et al., 2008b; Sensoy et al., 2009).

Em condições fisiológicas normais, os anaeróbios obrigatórios contribuem para a imunidade inata de superfícies mucosas, competindo por recursos e inibindo diretamente o crescimento de outros organismos patogénicos. Podem, contudo, também estar envolvidos numa queratite bacteriana. Deve ser considerada a utilização de métodos de cultura de agentes anaeróbios, em todos os casos de suspeita de queratite ulcerativa séptica, particularmente aqueles que ocorrem como consequência ou em simultâneo com trauma ocular, doença da córnea pré-existente, cirurgia ocular ou doença dermatológica crónica (Ledbetter e Scarlett, 2008).

Os sinais clínicos de queratite bacteriana incluem o edema de córnea, o infiltrado celular estromal, a atividade colagenolítica e a perda de estroma (Tolar et al., 2006).

Devem ser realizadas cultura e citologia e o tratamento deve consistir em antibiótico (AB) tópico de acordo com os resultados da cultura e do antibiograma. Enquanto se espera pelos resultados destes testes deve-se aplicar terapia antibiótica de largo espectro tal como uma combinação de neomicina-bacitracina-polimixina B ou tobramicina cada 2 a 4 horas, soro autólogo cada 2 a 4 horas, atropina tópica cada 8 a 12 horas, AINE’s sistémico tal como o carprofeno na dose de 2mg/kg, PO, BID, e AB sistémico como a doxiciclina na dose de 5mg/kg cada 12 horas se houver penetração de corpo estranho (Ollivier, 2003; Marrion, 2008).

Muitos animais têm uma perda substancial de estroma antes do início do tratamento agressivo, necessitando de tratamento cirúrgico tal como queratectomia e colocação de enxerto conjuntival (Tolar et al., 2006).

3.1.2.2 – Micóticas

As infeções fúngicas da córnea, também denominadas de queratites fúngicas, queratites micóticas ou queratomicoses, podem ser supurativas e/ou ulcerativas. Embora não sejam normalmente descritas no cão devem ser consideradas uma das causas de queratite ulcerativa (Scotty, 2005; Javey et al., 2009).

Os agentes mais frequentemente isolados em casos de queratite fúngica canina são

Aspergillus spp. Ocasionalmente também poderão ser encontrados Alternaria spp, Acremonium

spp, Cephalosporium spp, Candida spp, Pseudallescheria spp, Scedosporium spp e Curvularia spp (Ben-Shlomo et al., 2010).

A queratomicose ulcerativa é rara em gatos. Os agentes que já foram isolados em caso de queratomicose felina incluem Cladosporium spp, Candida spp, Aspergillus fumigatus e

(25)

13

Figura 12 – Úlcera dendrítica por herpesvirus

felino tipo-1. Fonte: Adaptado Maggs, 2008a.

Acremonium spp (Binder et al., 2011). A infeção vírica por herpesvírus felino tipo-1 (HVF-1)

poderá potenciar uma queratomicose (Labelle et al., 2009; Binder et al., 2011).

Os fatores predisponentes de queratite fúngica incluem a diminuição da imunidade local, a doença prévia da córnea ou a cirurgia oftalmológica, o trauma ocular, as doenças sistémicas, tais como o hiperadrenocorticismo ou a diabetes mellitus, ou a terapia tópica com antibióticos ou corticosteróides (Landry et al., 2004; Ben-Shlomo et al., 2010).

A queratomicose pode-se apresentar como uma erosão superficial da córnea, uma placa com infiltrados estromais esbranquiçados ou uma perfuração quando não é tratada. Ocasionalmente, os fungos produzem um pigmento castanho (Richter et al., 2003; Landry et al. 2004).

O diagnóstico de uma queratite fúngica pode ser realizado com base nos resultados da citologia, cultura ou técnicas de biologia molecular. A cultura de fungos não é um procedimento frequente devido à exigência de um meio especial ou aos longos tempos de incubação, que podem ir até 4 a 6 semanas. As técnicas baseadas em reação em cadeia da polimerase (PCR) permitem um diagnóstico precoce, mas são dispendiosas (Rampazzo et al., 2009).

O tratamento médico da queratite fúngica ulcerativa deve incluir agentes antifúngicos, antimicrobianos, AINE’s, inibidores da colagenase ou protease e parassimpaticolíticos (Landry

et al., 2004).

3.1.2.3 – Víricas

A infeção corneal por herpesvírus ocorre mais frequentemente em gatos do que em cães (La Croix 2005; Ledbetter et al., 2009).

A queratite ulcerativa microdendrítica é uma lesão patognomónica associada com a infeção ocular por Herpesvirus, em felídeos, pelo herpesvírus felino tipo-1 (HVF-1) (Figura 12), e em canídeos, pelo herpesvírus canino tipo-1 (HVC-1) (La Croix, 2005; Regnier, 2007; Thiry et al., 2009; Lim et al., 2011).

O HVF-1 replica-se principalmente no

epitélio corneal, conjuntival, nasal e da faringe. O vírus é citopático e pode destruir os epitélios da superfície da conjuntiva, da córnea e passagem nasal. A infeção por HVF-1 está associada a ulceração recorrente da córnea, sequestro corneal, queratite estromal e queratite eosinofílica (La Croix, 2005). Os sinais clínicos no caso do HVC-1 envolvem conjuntivite, queratite ulcerativa dendrítica ou queratite não ulcerativa (Ledbetter et al., 2009).

(26)

14

Figura 13 – Olho direito de um gato de raça

Persa com uma úlcera “melting” da córnea. Fotografia gentilmente cedida por Dr. Hugo Vilhena, HVBV.

A infeção por herpesvírus acompanhada com infeção bacteriana secundária pode originar perfuração da córnea (Jacobi e Dubielzig, 2008).

A utilização de corticosteróides tópicos ou sistémicos deve ser considerada um fator de risco pois reativa a infeção por herpesvirus caso esta esteja latente (Regnier, 2007; Swinger et

al., 2009; Ledbetter et al., 2010). Poucos tratamentos estão disponíveis para esta condição

frequente, e pouca informação objetiva existe em relação à eficácia da terapia instituída (Sandmeyer et al., 2005).

3.1.2.4 – Úlceras desfeitas (“melting”)

Durante a cicatrização corneal são produzidas proteases e colagenases que ajudam na remoção de tecido desvitalizado. Estas podem ser produzidas por micro-organismos, como as bactérias e os fungos, as células inflamatórias como os neutrófilos degenerados, as células corneais epiteliais e os fibroblastos. As proteases que afetam a córnea podem ser divididas em metaloproteases matriciais (MMPs) como a MMP-2 e a MMP-9, e as proteases séricas como a elastase dos neutrófilos (Ollivier, 2005; Dubielzig, 2010).

A córnea contém inibidores naturais de proteases tais como o inibidor da α1-proteinase, a α2-macroglobulina e alguns inibidores de tecidos de MMP’s (TIMP’s). A destruição corneal ocorre quando o equilíbrio entre as proteases e os seus inibidores está desregulado a favor das proteases. Este desequilíbrio provoca “melting” rápido do estroma (Ollivier et al., 2007).

Os sinais clínicos de úlceras “melting” da córnea incluem um estroma gelatinoso e liquefeito associado a edema, a secreção ocular mucopurulenta, a dor ocular e a uveíte secundária (Figura 13) (Landry et al., 2004).

O sucesso no maneio das úlceras desfeitas está em controlar a infeção através de uma antibioterapia de largo espectro e reduzir o impacto das colagenases e outras proteases sobre a córnea. Os antibióticos de escolha são a tobramicina, a gentamicina ou a ciprofloxacina. Os inibidores das proteases são

recomendados pois reduzem a progressão da úlcera estromal, aumentam a velocidade de cura e minimizam a cicatriz corneal. Incluem o soro autólogo, a N-acetilcisteína, as tetraciclinas tais como a oxitetraciclina e a doxiciclina, o ácido etilenodiamino tetra-acético (EDTA) e os compostos de tiol tal como o ilomostat. A combinação destes inibidores de protease pode ser benéfica (Ollivier, 2003). Os resultados de um estudo realizado por Wang et al. et al. (2008) demonstraram que a redução de MMPs usando inibidores das proteinases é efetiva no tratamento de queratite por Pseudomonas aeruginosa (Wang et al., 2008b).

(27)

15

3.1.2.5 – Úlceras químicas

As queimaduras químicas da córnea são uma emergência oftalmológica pouco frequente, mas podem originar sequelas que ameaçam a visão tais como a formação de cicatriz, a neovascularização e a ulceração (Mohan et al., 2012).

As queimaduras químicas por agentes alcalinos provocam uma maior lesão da córnea quando comparadas com as queimaduras por ácidos (Gilger et al., 2007). Nas queimaduras alcalinas o ião hidroxilo do agente alcalino pode saponificar rapidamente os ácidos gordos nas membranas celulares da córnea e epitélio da conjuntiva, podendo penetrar o epitélio e envolver o estroma e o endotélio (Yang et al., 2010).

A aparência de uma queimadura química da córnea é uma queratite caracterizada pela formação de bolhas, lesão epitelial recorrente, necrose das células do estroma, infiltração de células inflamatórias tais como PMNs e distrofia endotelial (McCulley, 1994; Gan et al., 1999; Abbaszadeh, 2010). O edema da córnea é muito frequente em queimaduras alcalinas devido à apreensão de água que altera o padrão normal de lamelas de colagénio do estroma (Abbaszdeh et al., 2010).

A magnitude da lesão depende de vários fatores, incluindo o tipo e o pH do agente alcalino e o tempo de exposição ocular. Um fator determinante na quantidade de superfície ocular danificada após uma queimadura é a rapidez de irrigação inicial. A hipotonicidade da água é um perigo potencial para o tratamento inicial pois gera um gradiente de concentração favorecendo a difusão de agente cáustico no estroma da córnea. Em situações agudas, é recomendável fazer uma irrigação ocular com 0,5 a 1,0 litros de solução isotónica, como solução de lactato de Ringer ou NaCl a 0,9%, pelo menos durante 15 minutos. O diagnóstico de queimaduras alcalinas pode ser um desafio, uma vez que muitas vezes, os proprietários não estão cientes da exposição a qualquer substância nociva (Singh et al., 2004).

O tratamento durante a fase aguda da queimadura química é crucial para o seu maneio clínico e consiste em tratamentos tópicos com anti-inflamatórios, antimicrobianos e antiangiogénicos (Abbaszdeh et al., 2010; Yao et al., 2012).

3.1.3 – Sinais clínicos

Os sinais clínicos variam de acordo com o tipo de úlcera, a sua profundidade e etiologia. Os sinais clínicos característicos de um animal com úlcera corneal superficial são o blefarospasmo, o corrimento ocular ou epífora, a neovascularização, a hiperemia conjuntival, a perda de transparência da córnea, a fotofobia e um teste de fluoresceína positivo (Landry et al., 2004; Gerard et al., 2006; Boevé et al., 2009; Clark et al., 2011). As úlceras estromais apresentam os mesmos sinais clínicos que as úlceras superficiais e ainda um corrimento ocular

(28)

16

mucopurulento, com ou sem hipópion e vascularização perilimbal. O descemetocele também apresenta sinais de dor mas não cora com fluoresceína (Marrion, 2008). Em função da gravidade da úlcera, pode ativar-se um reflexo axonal que induz miose e sinais variáveis de uveíte anterior (Peña e Leiva, 2012). Relativamente aos sinais clínicos das úlceras provocadas por diferentes etiologias, estes já foram descritos ao pormenor anteriormente.

3.1.4 – Diagnóstico

Para estabelecer diagnóstico de queratite ulcerativa deve obter-se uma história completa do animal, nomeadamente em relação à duração dos sinais clínicos e obter informação sobre tratamentos anteriores (Crispin, 2005; Lim et al., 2011). Os objetivos do diagnóstico são identificar a causa e a gravidade da úlcera e instituir o tratamento adequado, quer seja etiológico ou sintomático, médico ou cirúrgico (Ollivier, 2003).

A córnea deve ser inicialmente observada com uma boa fonte de luz tal como uma lanterna forte ou transiluminador de Finnoff. Antes de qualquer outro procedimento, deve examinar-se a produção lacrimal dos dois olhos através do teste de Schirmer (TS) (Giuliano e Moore, 2002; Crispin, 2005; Ollivier, 2005; Gerard et al., 2006). O teste de fluoresceína deve realizar-se para procurar defeitos. A córnea é examinada com uma luz azul-cobalto para melhorar a visualização de qualquer defeito. O padrão de uma úlcera da córnea é útil para determinar as causas subjacentes (Moore, 2001; Marrion, 2008; Boevé et al., 2009). As úlceras são coradas se o estroma estiver exposto, pois o corante é hidrofílico. O epitélio intacto não cora com fluoresceína e os descemetocélios só coram nas paredes pois é onde apresentam exposição do estroma (Crispin, 2005; Ollivier, 2005; Boevé et al., 2009). Se necessário, antes de iniciar o tratamento devem recolher-se amostras para citologia e cultura (Boevé et al., 2009).

O corante rosa de Bengala cora células degeneradas e inativadas bem como células que não estão cobertas por mucina e é usada, por exemplo, no diagnóstico de queratoconjuntivite seca (Saito e Kotani, 1999; Sansom e Labruyère, 2012).

3.1.5 – Tratamento médico

Para instituir um tratamento adequado da queratite ulcerativa deve identificar-se e remover a causa, determinar o estadio e a gravidade da úlcera, e selecionar uma modalidade terapêutica apropriada (Miller, 2001).

As úlceras superficiais normalmente não estão infetadas. No entanto, uma terapia antibacteriana com um antibiótico de largo espectro tópico deve ser usada para evitar infeções secundárias oportunistas pois a integridade do epitélio está comprometida. Pode usar-se uma combinação tripla de AB de neomicina-bacitracina-polimixina B a cada 8 horas, ácido fusídico a

(29)

17

cada 12 horas ou cloranfenicol a cada 12 horas (Peña e Leiva, 2012). É indicado o uso de atropina a 1% para controlar a dor associada ao espasmo do músculo ciliar e espasmos do esfíncter da íris (Ollivier, 2003). O tratamento das úlceras superficiais consiste em remover a causa subjacente e remover o epitélio necrosado. Deve-se realizar citologia ou cultura caso a úlcera pareça estar infetada, fornecer proteção, implementar tratamento com AB, cicloplégico/midriático e tratar uveíte associada caso exista (Wichayacoop et al., 2009). O uso de AINE’s também é recomendado para aliviar a dor do animal (Bjerkas, 2007). No entanto, Peña e Leiva (2012) não refere a sua utilização nas úlceras superficiais.

As úlceras com o envolvimento de 1/3 ou 1/2 do estroma anterior são normalmente responsivas ao tratamento médico, exceto as que têm evidência de “melting” ou infeção (Powell, 2001).

O tratamento médico de úlceras profundas é semelhante ao das úlceras superficiais, associando procedimentos cirúrgicos como pedículos ou enxertos de conjuntiva, transplantes de córnea, transposições córneo-conjuntivais, transplantes de membrana amniótica ou “flaps” de membrana nictitante, principalmente se estiver presente um descemetocélio (Renwick, 1996; Wichayacoop et al., 2009).

As formas farmacêuticas mais frequentes para aplicação oftalmológica são as soluções, que devem ser estéreis, isotónicas, livres de partículas estranhas e fáceis de instilar; as pomadas e os géis que asseguram a máxima duração de contacto entre o princípio ativo e a superfície ocular; e as suspensões que são constituídas por partículas ativas que se dissolvem lentamente (Malmberg e Lupo, 2004; Stanley, 2008). As doenças oculares que são uma manifestação de uma infeção sistémica, devem ser tratadas com compostos de administração sistémica (Malmberg e Lupo, 2004).

O tratamento de queratites graves é mais efetivo se o animal for internado, pois é mais fácil administrar a medicação e avaliar a resposta ao tratamento (Marrion, 2008).

3.1.5.1 – Anti-inflamatórios

Os anti-inflamatórios, onde se incluem os corticosteróides e os AINE’s, são frequentemente indicados no tratamento de doença ocular canina (Werner et al., 2008).

Em geral, a utilização de corticosteróides tópicos não é recomendada quando há uma lesão no epitélio, já que está associada a um atraso na reepitelização, aumento do risco de infeção e aumento da atividade das colagenases. Os AINE’s devem ser evitados ou usados com cuidado em casos de úlceras infetadas da córnea porque diminuem a taxa de vascularização da lesão atrasando a sua cicatrização e podem potenciar a necrose estromal e “melting” (Baeyens et al., 2000; Champagne, 2001; Hendrix et al., 2002; Woerdt, 2002; Stanley, 2008; Werner et al., 2008; Srinivasan et al., 2009). No entanto, os AINE’s são mais utilizados

(30)

18

em terapias prolongadas pois têm menos contraindicações do que os corticosteróides(Stanley, 2008). Apesar de os anti-inflamatórios sistémicos causarem um atraso na reepitelização, são importantes para controlar uma possível uveíte secundária (Hamor, 2002).

Os AINE’s tópicos mais frequentemente usados são o flurbiprofeno a 0,03% ou a 1%, o diclofenac a 0,1% e o ketorolac. Para administração oral é utilizado o carprofeno (Stanley, 2008).

Os corticosteróides mais utilizados são a dexametasona a 0,1%, o acetato de prednisolona a 1% e a hidrocortisona a 0,1% (Nakao, 2007; Stanley, 2008). A dexametasona é aproximadamente 5 a 10 vezes mais potente do que a prednisolona e 25 vezes mais potente do que a hidrocortisona (Holmberg e Maggs, 2004).

Os corticosteróides são usados como imunossupressores na queratite superficial crónica e na queratite eosinofílica felina. Em muitas outras formas de queratite utilizam-se para evitar a neovascularização, a melanose ou a formação de cicatriz (Holmberg e Maggs, 2004; Stanley, 2008).

Os agentes anti-inflamatórios tópicos são também essenciais no pós-operatório do transplante de córnea pois suprimem a inflamação e previnem a formação de cicatriz e de tecido de granulação (Wichayacoop et al., 2009).

3.1.5.2 – Antibióticos

A seleção de um antibiótico tópico apropriado para o tratamento de uma úlcera de córnea infetada deve ser baseado em resultados de cultura e sensibilidade, e pode ser orientada pelo resultado da citologia. No entanto, é apropriado fazer terapêutica até os resultados de cultura estarem disponíveis. A maior parte das úlceras da córnea são tratadas com base no conhecimento de potenciais agentes patogénicos e prováveis padrões de sensibilidade (Champagne, 2001).

As causas que podem levar à falha da terapia antibacteriana são a resistência antimicrobiana, os diagnósticos imprecisos ou inespecíficos, a dosagem inadequada de fármacos e o não cumprimento da medicação pelo proprietário (Kern, 2004).

O efeito in vitro de vários agentes antimicrobianos tópicos nas células epiteliais da córnea canina foi estudado por Hendrix (2002). Os antimicrobianos utilizados foram a ciprofloxacina, a cefazolina, a neomicina-polimixina B-gramidacina, o sulfato de gentamicina, a tobramicina e o cloranfenicol. A ciprofloxacina e a cefazolina são mais prejudiciais à morfologia epitelial. A gentamicina tem maiores efeitos citopatológicos e diminuiu a migração celular quando comparado com tobramicina. A neomicina-polimixina B-gramicidina tem efeitos intermediários nas células epiteliais e na migração celular. O cloranfenicol e a tobramicina foram menos prejudiciais sobre as células epiteliais (Hendrix et al., 2002).

(31)

19

O cloranfenicol é um antibiótico bacteriostático de amplo espectro. É ativo contra a maioria das bactérias gram-positivas e gram-negativas; no entanto, a Pseudomonas

aeruginosa é resistente (Kern, 2004). É usado na terapia do abcesso da córnea pois penetra

facilmente na córnea com epitélio intacto. Como provoca anemia aplástica em seres humanos, alguns autores defendem que a sua utilização deve ser limitada aos casos em que outros antibióticos são ineficazes (Champagne, 2001).

Os antibióticos aminoglicosídeos incluem a neomicina, a gentamicina e a tobramicina. São bactericidas e de amplo espectro, embora a sua utilização principal seja contra bactérias gram-negativas. A neomicina é frequentemente encontrada em combinação com a polimixina e a bacitracina, em pomada ou solução antibiótica tripla, que é uma escolha para profilaxia e tratamento de úlceras não complicadas ou não infetadas. A gentamicina e a tobramicina são usadas em infeções específicas causadas por P. aeruginosa (Stanley, 2008). A gentamicina deve ser reservada para situações com risco de perda de visão ou úlceras complicadas. Em medicina veterinária, a gentamicina pode ser combinada com a betametasona (Champagne, 2001). In vitro, a tobramicina é mais potente do que a gentamicina contra P. aeruginosa e, por isso, é muitas vezes preferida (Kern, 2004). A amicacina é um aminoglicosídeo semissintético, que somente é usado quando os organismos se mostram resistentes à gentamicina, à tobramicina e à neomicina (Maggs, 2008b).

As fluoroquinolonas são bactericidas de amplo espectro com ação contra bactérias gram positivas e gram negativas, incluindo P. aeruginosa. Estão disponíveis soluções tópicas oftalmológicas de ciprofloxacina, ofloxacina, norfloxacina e levofloxacina (Kern, 2004; Ledbetter

et al., 2007; Onlen et al., 2007). A preparação mais usada é a ciprofloxacina. É uma excelente

primeira escolha, enquanto se espera pelos resultados de cultura e sensibilidade, para úlceras profundas, “melting”, descemetocélios e perfurações da córnea (Renwick, 1996; Champagne, 2001).

A cefazolina é uma cefalosporina que pode ser usada em úlceras bacterianas, em combinação com um aminoglicosídeo ou uma fluoroquinolona. Tem um espectro de ação que inclui estafilococos resistentes à penicilina. Não está disponível como uma preparação oftálmica. É administrada topicamente ou subconjuntival como uma solução especialmente preparada (Kern, 2004).

A tetraciclina é um fármaco bacteriostático de amplo espectro. A sua utilização é limitada devido à alta frequência de resistência bacteriana. Não tem uma boa penetração intraocular sendo administrada por via sistémica (Maggs, 2008b).

As sulfonamidas têm uma ação contra bactérias gram positivas e em menor grau contra gram negativas, como a P.aeruginosa. As preparações oftálmicas tópicas de sulfonamidas

Imagem

Figura 2 – Olho esquerdo (OS) de um  cão  que  apresenta  edema  difuso  da  córnea.  Fotografia  gentilmente  cedida  por Dr
Figura 5 – Olho esquerdo de um gato  com  fibrose  corneal.  Fonte:  Adaptado  de Moore, 2001
Figura  7  –  Olho  direito  de  um  cão  que  apresenta  triquíase  devido  a  entropion
Figura  8  –  Olho  esquerdo  de  um  cão  de  raça  Husky  que  apresenta  uma  úlcera  indolente
+7

Referências

Documentos relacionados

O pretendente: JOÃO PAULO PEREIRA DA SILVA, profi ssão: porteiro, estado civil: sol- teiro, naturalidade: Pão de Açúcar, AL, data-nascimento: 11/07/1980, residente e domiciliado

The concomitant orthotic treatment using the spine lateral ben- ding and the dynamic chest compression principles for patients who present scoliosis and pectus deformity

- os materiais utilizados, a dosagem, a produção e a execução da camada de BBTM 0/10 do trecho experimental ao lado da marginal Pinheiros, próximo do município de Presidente

▪ Um estudo da UNESCO, publicado em 2005, mostra que Austrália, Inglaterra e Japão, onde as armas são proibidas, estão entre os países do mundo onde MENOS se mata com arma de

Não houve interação (P>0,05) entre os níveis de cálcio e as relações cálcio/fósforo para nenhuma das variáveis, porém os níveis de cálcio promoveram efeito (P<0,05)

Após extração do óleo da polpa, foram avaliados alguns dos principais parâmetros de qualidade utilizados para o azeite de oliva: índice de acidez e de peróxidos, além

Portanto, mesmo percebendo a presença da música em diferentes situações no ambiente de educação infantil, percebe-se que as atividades relacionadas ao fazer musical ainda são