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Projeto de vida em adolescentes: análise pelo software IRAMUTEQ

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Projeto de vida em adolescentes: análise pelo software IRAMUTEQ

Murilo Fernandes de Araujo1, Letícia Lovato Dellazzana-Zanon1 e Sônia Regina Fiorim Enumo1

1 Programa de pós-Graduação em Psicologia, Pontífica Universidade Católica de Campinas, Brasil; murilo.fa3@puc-campinas.edu.br; leticia.zanon@puc-campinas.edu.br; sonia.enumo@puc-campinas.edu.br

Resumo. Ter projeto de vida (PV) é fator de proteção do desenvolvimento de adolescentes. Este estudo

apresenta as possibilidades de análise do software IRAMUTEQ nos relatos de adolescentes sobre PV. Participaram 18 adolescentes (sexo feminino = 77,7%), entre 15-19 anos, bolsistas de um programa social de educação e popularização de C&T, foram divididos em grupos de cinco participantes, respondendo uma Ficha de Caracterização e Escala de Projetos de Vida para Adolescentes, com seis dimensões (Religião/Espiritualidade, Aspirações Positivas, Estudo, Trabalho, Relacionamentos Afetivos e Bens Materiais), e participaram de grupos focais, com relatos gravados. O software gerou um corpus textual sobre PV, compondo uma Nuvem de Palavras e a Análise Hierárquica Descendente e Análise de Similitude, com dois subcorpora e seis classes, relacionadas ao programa social e ao PV no presente, aos planos e expectativas de futuro. O software mostrou-se útil e eficaz para apoiar a análise de conteúdo dos relatos verbais.

Palavras-chave: projeto de vida; adolescentes; programas sociais; metodologia qualitativa; educação e

popularização de ciência e tecnologia.

Life project in adolescents: analysis by IRAMUTEQ software

Abstract. Having a life purpose (LP) is a protective factor for the development of adolescents. This study

presents the possibilities of IRAMUTEQ software analysis in the reports of adolescents on LP. A total of 18 adolescents (female = 77.7%), aged 15-19, were enrolled in a C&T social program of education and popularization of S&T. They were divided into groups of five participants, answering a Characterization and Scale of Life Projects for Adolescents, with six dimensions (Religion / Spirituality, Positive Aspirations, Study, Work, Affective Relationships and Material Goods), and participated in focus groups with recorded reports. The software generated a textual corpus about LP, composing a Word Cloud and Descending Hierarchical Analysis and Similitude Analysis, with two subcorpora and six classes, related to the social program and the LP in the present, to the plans and expectations of the future. The software proved to be useful and effective in supporting the content analysis of verbal reports.

Keywords: life purpose; adolescents; social programs; qualitative methodology; education and

popularization of science and technology.

1 Introdução

A adolescência é um período de vida entre infância e vida adulta compreendido entre 10 e 19 anos, segundo a Organização Panamericana de Saúde (Breinbauer & Maddaleno, 2008). No Brasil, os adolescentes correspondem a 18% da população ou 34 milhões, pelo último censo realizado em 2010 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, 2010). As mudanças biológicas, cognitivas e psicossociais desse período se relacionam a comportamentos de risco nessa etapa de vida. Dados do “Mapa da Violência: Adolescentes de 16 e 17 anos” (Waiselfisz, 2015) colocam o Brasil em terceiro lugar entre 85 países quanto à taxa de homicídios de adolescentes de 15 a 19 anos (54,9 homicídios/100 mil jovens), valores só superados pelo México e El Salvador. Na cidade de Campinas, SP, local do presente estudo, com mais de um milhão de habitantes, há uma taxa de prevalência de homicídios e Mortes Violentas com Causa Indeterminada (MVCI) de 15,6, ficando na 61ª posição entre 304 cidades com mais de 100.000 habitantes no país. O Instituto de Pesquisas Aplicadas (IPEA)

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e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública denominaram este quadro de “juventude perdida” – não só em termos de vidas, mas da “[...] falta de oportunidades educacionais e laborais que condenam os jovens a uma vida de restrição material e de anomia social, que terminam por impulsionar a criminalidade violenta” (Cerqueira et al., 2017, p. 26).

Nesse contexto, certos programas baseados na Psicologia Positiva podem promover a prevenção e promoção da qualidade de vida. Autores como Costa e Bigras (2007) destacam três competências que podem funcionar como preditores da resiliência em crianças e adolescentes, e podem ser potencializadas a partir de programas: (a) capacidade de solucionar e resolver problemas; (b) comunicação social, empatia e respostas positivas ao contato social; (c) projetos de vida e propostas de futuro.

Em relação esse último fator, a presença de um projeto de vida (PV) pode ser um fator protetor em situações futuras difíceis (Damon, 2009). Os estudos também mostram outros benefícios para a saúde psicológica e física, em especial auxiliando em fatores de bem-estar positivo, conquistas acadêmicas e satisfação pessoal (Bronk, 2014). O PV favorece ainda o desenvolvimento de comportamentos pró-sociais, pertencimento a comunidade, realização e autoestima (Damon, Menon, & Bronk, 2003).

Apesar das definições sobre PV ainda estarem em debate (Dellazzana-Zanon & Freitas, 2015), pode-se considerar, com Damon (2009), que o PV é “[...] uma intenção estável e generalizada de alcançar algo que é ao mesmo tempo significativo para o eu e que gera consequências para o mundo além do eu” (p. 53).

Frente aos fatores expostos e alinhando-se ao movimento da Psicologia Positiva relacionado ao desenvolvimento positivo de jovens, reconhece-se a existência de adversidades e desafios desenvolvimentais presentes nos contextos em que esses adolescentes estão inseridos. Contudo, da mesma forma, recusa-se a limitar a concepção de desenvolvimento humano e a atuação em instituições que atendam ao público jovem apenas ao mero esforço para se sobressair a esses déficits e riscos.

Esta pesquisa, portanto, se propôs a estudar um programa social federal brasileiro, em relação aos seus impactos percebidos pelos adolescentes participantes, nas esferas individual e social, examinando o papel formativo desse projeto social a partir da teoria do desenvolvimento positivo de adolescentes e da construção de PV. Pretendeu-se, mais especificamente, identificar o papel do programa social em promover o florescimento de algumas características de desenvolvimento desses adolescentes, assim como também o papel comunitário destes, a partir de suas contribuições multiplicadoras à instituição e comunidade, usando o software IRAMUTEQ para a análise de dados qualitativos obtidos com os relatos sobre o programa social e o PV.

2 Metodologia

Foi realizado um estudo descritivo e exploratório, com método misto, incluindo análises qualitativas e quantitativas dos dados (Shaughnessy, Zechmeister, & Zechmeister, 2012).

2.1 Participantes

Uma amostra de conveniência foi composta por 18 adolescentes, a maioria do sexo feminino (77,7%), na faixa etária de 15 a 19 anos (M = 17,5; DP = 1,5), que participavam há um ano de um grupo de 20 bolsistas de um programa social de educação e popularização de Ciência & Tecnologia (C&T) realizado semanalmente em um Centro de Tecnologia da Informação (CTI), localizado em uma

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região com baixo índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH) de uma cidade de grande porte, no interior do Estado de São Paulo, Brasil. Todos preencheram os critérios de inclusão, independentemente do gênero, etnia, religião, nível socioeconômico, grau de escolaridade, orientação sexual e da presença de alguma morbidade; havendo recusa de dois deles para participar. A maioria da amostra cursava o Ensino Médio em escola pública (exceção de um participante, que estava no Ensino Superior privado); a renda média familiar classificou-se no estrato C1 (R$ 1.625,00); nenhum deles trabalhava. O programa social ocorre no local semanalmente, oferecendo oficinas de atividades para uma população de educandos composta por crianças e adolescentes, que são organizadas pelos adolescentes bolsistas e pela coordenação do programa. As atividades ocorreram em quatro encontros semanais de 1h30min, após o horário das atividades normais do programa social, em uma sala de reuniões, sem interrupções externas, no período de dois meses (agosto a outubro de 2018).

Os participantes foram divididos em três grupos de cinco participantes, os quais responderam dois instrumentos, após esclarecimentos sobre os objetivos do estudo e assinatura do Termo de Assentimento Livre e Esclarecido ou Termo de Assentimento do Menor, em caso de serem menores de 18 anos e seus responsáveis legais assinar o Termo de Assentimento Livre e Esclarecido:

1) Ficha de Caracterização do Participante – com dados pessoais e relativos à participação no programa social e variáveis socioeconômicas da família, pelo Critério de Classificação Econômica Brasil (Associação Brasileira de Pesquisas, 2017). Todos dados foram transformados em variáveis numéricas para a análise dos dados, preservando o sigilo necessário à identidade de cada participante;

2) Escala de Projetos de Vida para Adolescentes [EPV-A] (Dellazzana-Zanon & Zanon, submetido); com boas evidências de validade segundo Dellazzana-Zanon & Zanon (submetido). A escala tem duas versões, propondo que os adolescentes projetem sua vida em 10 anos (5 dimensões; 48 itens) e 20 anos (6 dimensões; 53 itens), respondidas em escala Likert (1 = Discordo Totalmente a 5 = Concordo

Totalmente) (Tabela 1).

Tabela 1. Estrutura da Escala de Projeto de Vida para Adolescentes

Dimensões

Conteúdo dos Projetos de Vida 10 anos

(48 itens)

20 anos (53 itens)

Relacionamentos Afetivos

(a) construir família, com ou sem filhos; (b) convivência com a família de origem; (c) namorar;

(d) ajudar algum familiar.

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Aspirações Positivas

vontade de se tornar uma pessoa melhor que faça, de alguma forma, diferença na vida de outras pessoas e na sociedade.

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Bens Materiais aquisição de bens materiais e ao desejo de melhoria

da condição financeira. 10 8

Religião/ Espiritualidade

satisfação com a conexão pessoal com Deus ou com

algo que se considere como absoluto. 11 11

Estudo a) terminar os estudos;

(b) fazer faculdade. 9 13

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Após a aplicação da EPV-A, foram realizados grupos focais sobre Projetos de Vida, discutidos com base nas respostas dadas à escala, e sobre as Atuações no Programa Social, por meio de nove perguntas norteadoras, propostas pelo pesquisador/moderador (sexo masculino), responsável por facilitar a interação grupal, com auxílio de um observador (sexo feminino), que auxiliou na análise de questões, ambos com formação em Psicologia. Os dados foram gravados em áudio para posterior análise. A saturação dos dados se apresentou durante a fala de suas experiências no cotidiano do programa; durante as discussões referentes ao PV, julga-se que não foram esgotadas todas as possibilidades de discussão e não houve a saturação dos dados, mas o número finito da população impossibilitou a organização de mais grupos focais.

Antes da coleta de dados, foi feita uma aplicação-piloto com três bolsistas selecionados, para identificar a adequação do processo de coleta de dados, verificar a compreensão dos objetivos do estudo e instrumentos; e a adequação da execução técnica e o seguimento das normas éticas por parte dos avaliadores. O moderador e o observador atuavam no projeto há três anos, tendo uma relação prévia com os participantes, que tinham um conhecimento sobre a atuação do pesquisador e seus temas de pesquisa.

As transcrições dos áudios serão guardadas sob sigilo por cinco anos após a finalização da pesquisa, no Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Notas de campo também foram produzidas pelo pesquisador. As transcrições foram compartilhadas com a psicóloga observadora para correções ou comentários.

Foram feitas devolutivas ao final da pesquisa com os participantes e coordenação do projeto, visando a socializar as análises que possam facilitar os adolescentes a refletirem sobre seu futuro e o papel da instituição no favorecimento de espaços que promovam o fortalecimento da comunidade e a elaboração de PV. As informações obtidas foram codificadas e organizadas pelo pesquisador em uma planilha de dados eletrônicos no software Excel®. Para análise das variáveis referentes aos dados sobre o instrumento EPV-A, utilizou-se do procedimento-padrão de correção proposta pelas autoras. Considerando o número reduzido de participantes e o interesse em caracterizar a amostra para a síntese de resultados posterior, foram aplicados testes estatísticos simples de média e frequência. Os dados provenientes do grupo focal foram conferidos e corrigidos pela psicóloga observadora e, em seguida, transcritos, agrupados, codificados no software Notepad++ e adicionados para processamento pelo pesquisador no software Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles

de Textes et de Questionnaires - IRAMUTEQ® versão 0.7 Alpha 2 (Ratinaud, 2009), de 22/12/2014,

mais atual até a data da publicação deste estudo e disponível no site responsável pela divulgação do

software (http://www.iramuteq.org/).

A preparação das transcrições das entrevistas para processamento como corpus no software, foi necessário um tratamento prévio por parte do pesquisador (vide exemplo na Figura 1).

Figura 1. Exemplo da corpus preparado para o uso do IRAMUTEQ.

O software IRAMUTEQ realizou análises lexicográficas de frequência, como a Nuvem de Palavras, e análises lexicográficas multivariadas, referentes ao Método da Classificação Hierárquica Descendente (CHD) e a Análise de Similitude, sobre conteúdos temáticos e monotemáticos. As análises

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lexicográficas identificam e reformatam um corpus textual construído pelo pesquisador (nesse caso, os relatos agrupados dos grupos focais) em unidades de textos e segmentos de texto (ST), a partir do qual as palavras são, então, reduzidas a seus radicais, além de identificadas suas formas ativas e suplementares.

A análise por CHD ocorre a partir da identificação da quantidade e frequência média das palavras, classificando os ST em função de seus respectivos vocabulários, e seu conjunto repartido em função da frequência das formas reduzidas. A função é obter classes de ST compostas por vocabulários semelhantes entre si, mas ao mesmo tempo distintas dos ST de outras classes. Esses resultados são, então, apresentados para visualização em um dendograma de CHD, que ilustra as relações entre as classes. Já a Análise de Similitude tem como fundamentos a teoria dos grafos e identifica as co-ocorrências entre o vocabulário reduzido, indicando a conexidade entre as palavras e permitindo a visualização desses resultados no formato de uma árvore máxima (Ratinaud & Marchand, 2012). Por fim, a Nuvem de Palavras é uma análise mais simples, que tem por intuito fornecer uma visualização gráfica referente a frequência de utilização das palavras no corpus.

Algumas categorias prévias formuladas com base nos referenciais teóricos, propostas pela literatura da área (Evans et al., 2005) também foram retomadas para embasamento da interpretação dos resultados. Assim, obteve-se resultados de ordem qualitativa (análise da linguagem utilizada nos relatos) e quantitativa (análise de frequência da linguagem e resultados dos instrumentos de caracterização e EPV-A), gerando corpus textuais passíveis de análise pelo pesquisador, referenciando-se às temáticas de PV e papeis como multiplicador de conhecimentos e popularizador de C&T na instituição. Além disso, o estudo seguiu o Consolidated Criteria for Reporting Qualitative

Research (COREQ) (Tong, Sainsbury, & Craig, 2007).

3 Resultados

Os resultados da EPV-A indicaram maior frequência de aspectos do PV referentes a Aspirações Positivas, Estudo e/ou Trabalho e Bens Materiais (Tabela 1).

Tabela 2. Resultados descritivos da Escala de Projetos de Vida em adolescentes (N = 18) Período

Faixa etária Dimensões de Projeto de Vida

10 anos 20 anos 15-17 M (DP) 18-20 M (DP) 15-17 M (DP) 18-20 M (DP) Aspirações Positivas 41 (1,5) 42 (1,3) 48 (2,8) 44 (1,4) Estudo (e Trabalho - 10 anos) 36 (1,6) 36 (2,4) 49 (4,1) 51 (5,8) Bens Materiais 34 (4,8) 37 (4,3) 35 (2,9) 35 (3,7) Religião/Espiritualidade 32 (7,8) 27 (11,3) 32 (7,8) 27 (11,3)

Trabalho (20 anos) - - 18 (0,5) 18 (1,7)

Relacionamentos Afetivos 30 (4,6) 29 (3,2) 16 (2,2) 16 (3,4)

A dimensão de Aspirações Positivas apresenta escores elevados em toda a amostra, indicando haver o desejo de se tornar uma pessoa melhor e contribuir de forma positiva para a sociedade. Os relatos nos grupos focais mostram o impacto do programa social ao promover o contato dos adolescentes com as crianças educandas nas atividades de multiplicação de conhecimento:

E o [programa] também me mostrou que eu posso passar a pesquisa prá frente e impactar a vida de alguém. O meu projeto a gente aplicou em diversas escolas, bem precárias, com crianças que estavam

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num ambiente de pobreza, de problemas constantes com drogas, com tudo que é desprezado pelo modelo. E eles confiavam em mim, eles confiavam na gente, e nós éramos alguém que os inspirava. Aqui também, eu tenho 18 anos e as crianças me chamam de ‘tia’, ‘dona’, ‘professora’.” (P1)

Eu queria deixar algo no mundo. Sei lá, escrever um livro, algo assim. Algo pra ser lembrado. Mas aí talvez algo pra além desses 20 anos. Eu queria seguir minha vida, que eu não sei como vai ser, e depois pensar nisso. Deixar alguma contribuição, sabe? Algo com mais idade. Mas eu acho isso muito importante. Eu queria poder fazer algo pelas pessoas.” (P8)

A análise do IRAMUTEQ sobre os relatos registrados nos grupos focais indicou um corpus referente ao PV dos adolescentes, sendo dividido em 106 textos, 151 segmentos de texto (ST), 4.301 ocorrências (Mocorrência/texto = 40.57) e 869 formas. O primeiro resultado dessa análise trata-se da

frequência de palavras presentes nesse corpus, compondo uma Nuvem de Palavras (Figura 2), que posiciona as palavras mais frequentemente utilizadas em destaque no centro da figura e em maior tamanho, é possível obter de forma mais intuitiva uma visualização desses dados.

Fig. 2. Nuvem de palavras resultante dos relatos temáticos sobre Projeto de Vida de adolescentes (N =

18).

A nuvem do corpus temático mostra uma prevalência das palavras “querer” (n = 99), “achar” (n = 36) e “pensar” (n = 34) no discurso dos participantes, que estão intimamente ligadas aos desejos e planos futuros dos adolescentes, conforme evidenciado pelos trechos1:

O que é família mudou muito, e a idade prá casar também. Prá mim, isso é ficar junto dos pais, por exemplo, e não criar uma família. E eu quero independência, quero ter o meu espaço. (P15).

Acho que estudar algo que me desafie. Quero ser pesquisador, então quero descobrir coisas novas. (P9) Eu queria poder fazer algo pelas pessoas. Pelas pessoas no meu bairro, no país, no mundo. Acho que, no fim das contas, é por isso que a gente faz tudo o que fazemos, né? Estudar, trabalhar. É prá melhorar as condições de todo mundo. Esse é o resultado final. Gostaria de ser capaz de dizer que consegui fazer isso. (P4)

O segundo vocábulo encontrada mais frequentemente no discurso é a palavra “estar” (n = 57), que representa o momento atual dos adolescentes. Como se vê nos relatos verbais, a seguir:

É muito bom saber que eu estou contribuindo pro meu bairro, pro pessoal de onde eu vim. Dar pra eles a chance de se tornarem bolsistas, também, de aprender mais do que eles têm oportunidade na escola, verem coisas diferentes. (P12)

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Eu sei o que quero fazer, estou fazendo o que quero na faculdade. (P6)

Outra expressão que aparece diversas vezes no discurso é “dar” (n = 29), e está associada ao sentimento de contribuição positiva dos adolescentes para a comunidade e educandos do programa social, conforme exposto nos relatos:

Eu também, queria dar condições prá todo mundo. Gosto muito de onde eu moro, mas queria melhorar as coisas prá todo mundo, ajudar as outras crianças de onde eu vim; estar trabalhando. (P13)

E aí eu queria fazer fora do país, e depois voltar pra cá e dar aula. Mas, graças à experiência do [programa]... porque antes eu nem imaginava em dar aula, foi essa experiência de estar lá na frente explicando alguma coisa, porque eu nunca pensava em falar assim.(P3)

Na análise da Classe Hierárquica Descendente (CHD), o software reteve 131 ST (aproveitamento de 86,75%), que gerou dois subcorpora, com seis Classes distintas. O primeiro subcorpus (classe 6) relaciona-se ao programa social e ao PV no tempo presente. O segundo subcorpus (Classes 1, 2, 3, 4 e 5) refere-se aos planos e expectativas para o futuro. Outra subdivisão opõe as classes 1, 2 e 5 (48% dos ST; relativas aos planos para o futuro) às Classes 3 e 4 (aspirações e desejos em um futuro mais distante). Há duas últimas subdivisões, sendo uma entre as Classes 1 e 2, que divide os planos entre individuais e projetos conectados, e entre as Classes 3 e 4, relacionadas aos desejos entre próximos e longínquos (Figura 3).

Fig. 3. Dendograma dos relatos temáticos sobre Projeto de Vida de adolescentes (N = 18).

A Classe 6 -“Contribuições do Programa WASH no presente” contém trechos sobre o programa, mostrando usa relações com planos e desejos futuros (Classes 1 e 2). Inclui as palavras “participantes (do programa)” (referente aos educandos), “crianças”, “conhecimento”, “aprender” e “perceber”, relacionadas à importância das experiências no programa, especialmente ao contato com as crianças e adolescentes.

A Classe 2 - “Planos individuais para o futuro” contém palavras como “querer”, “família”, “continuar”, “estudar”, “ganhar” e “faculdade” (p < 0,001), retratando os planos mais pessoais, como estudar, ganhar dinheiro e constituir família. Exemplo:

Ah, eu acho que continuar estudando. O [programa] foi legal por causa disso, me colocou aqui dentro, e eu conheci o IFSP também, vi que tem como eu fazer uma faculdade, continuar estudando. Ganhar um pouco mais, né. (P13)

A Classe 1 -“Planos conectados para o futuro” complementa, com palavras como “vida”, “projeto (de vida)”, “achar”, “melhor”, “importante”, “diferença”, “mundo”, “importante”, “deixar” e “saber”.

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Number of Publications

Conference Editorial Journal

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Esses PV incluem um sentimento de conexão com outras pessoas, evidenciado pelas palavras “mundo”, “diferença”, “melhor”, “deixar” e “levar”.

A Classe 5 - “Planos referentes a família e pais” relaciona-se inclusão de planos referentes à aquisição da própria independência dos adolescentes em relação aos pais:

É, eu quero sair da casa dos meus pais também. Poder morar sozinha. Acho que se eu continuar morando na casa dos meus pais minha vida vai continuar na mesma, não dá. Ter meu carro e não depender dos outros.” (P4)

O subcorpus de “Planos e expectativas para o futuro” se subdivide em “Expectativas”, com a Classe 3 (“Desejos para um futuro mais próximo”), com relatos denotando certa confiança no presente, de que estão no caminho para alcançar seus objetivos em um futuro próximo, com paciência. Exemplos:

Acho que isso me ajudou um pouco, me ajudou a clarear, a pensar no futuro. Nada muito fechado, né? E queria muito continuar estudando depois, fazer uma pós-graduação. Mas, aí eu já não sei quais são as oportunidades que vão surgir. (P17)

Eu quero conseguir sim. Acho que estou no caminho certo. Com o [programa] a graduação, e tudo. Ainda é um plano novo, mas acho que estou nesse caminho. Só precisa de paciência, né? (risos). (P3)

A Classe 4 - “Desejos para um futuro longínquo” (20 anos) mostra dificuldades em se fazer planos, mas também uma busca por felicidade:

A gente tem um desejo, né? Ser feliz. Ter liberdade. Poder fazer o que nós gostamos e tudo mais. Mas como fazer isso eu não sei. Ter certeza do que quer pra daqui 10 ou 20 anos é muita coisa, é quase o dobro do que eu já vivi (risos). Depende muito do que vai acontecer. (P4)

4 Discussão

Este estudo analisou o projeto de vida de 18 adolescentes brasileiros atuando como bolsistas de um programa social de educação e popularização de C&T, em uma comunidade com baixo IDH, dentro de uma cidade de grande porte. Destaca-se nesta amostra a maior presença de meninas, contrariando as concepções de adolescentes brasileiros sobre a participação de mulheres na ciência, havendo um estereótipo presente de homens como cientistas (Costa & Fernandes, 2017). Contrariando, porém, a concepção de que as mulheres se preocupariam mais com relacionamentos afetivos em seus PV, esses adolescentes projetam seu futuro apresentando aspirações positivas em relação a continuar estudando, como forma de melhorar as condições de vida e contribuir com a comunidade em que vivem. Foi possível, assim, identificar as principais características de um PV segundo Damon et al. (2003) – o desenvolvimento de comportamentos pró-sociais, pertencimento à comunidade, realização e autoestima.

Adotou-se um delineamento misto, obtendo dados quantitativos e qualitativos, de maneira a facilitar o acesso a esses conteúdos e explorar as relações que os adolescentes veem entre o Programa e seus próprios PV. Cabe, portanto, discutir a escolha desse delineamento e qual foi seu impacto nos resultados encontrados.

A escolha de uma escala padronizada – EPV-A (Dellazzana-Zanon & Zanon, submetido) para avaliação dos PV na amostra permitiu obter dados descritivos sistematizados relativos as dimensões de PV, auxiliando a interpretação dos resultados provenientes do grupo focal e a comparação a outros estudos publicados. Por ser este o primeiro estudo realizado após a busca por evidências de validade baseadas na análise fatorial exploratória da escala, também gera resultados para comparações futuras com diferentes populações.

Da mesma forma, diante da escassa literatura nacional sobre a educação e popularização de C&T, os dados obtidos com os bolsistas multiplicadores de conhecimento permitem avaliar os resultados de programas como este desenvolvido pelo CTI.

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A partir do grupo focal, foi possível identificar melhor as perspectivas dos adolescentes para o futuro e o impacto do Programa social nessas projeções. A técnica é comumente utilizada, tanto na avaliação de programas e projetos, como em pesquisas, sendo uma estratégia de coletas de dados exploratória. Possibilita o debate e avaliação das experiências exercidas nas atividades e a obtenção de um conhecimento sobre um tema ou tópico. Pôde-se, assim, acessar, trocar e dividir experiências coletivas relacionados às atividades exercidas em programas e projetos. Também permitiu complementar informações sobre conhecimentos peculiares do grupo em relação às suas crenças, atitudes e percepções a respeito do PV (Borges & Santos, 2005).

Assim, a partir dos resultados aqui expostos anteriormente, é possível avaliar que a escolha metodológica atingiu os objetivos propostos. Utilizando um procedimento qualitativo, foi possível acessar com mais profundidade as características dos PV desta amostra de adolescentes. E a escolha por uma técnica de entrevista em grupo facilitou para que refletissem sobre questões das quais eles não estavam habituados a debater no dia a dia e tinham mais dificuldades em elaborar. Com isso, a discussão sobre o PV dos adolescentes e seu futuro precisou ser debatida a partir de pequenos trechos de respostas dos grupos. Com a menor quantidade de relatos registrada, justifica-se a escolha pela análise simples sobre textos na Classe Hierárquica Descendente (CHD) dessa temática – em que os textos são analisados por completo, sem a subdivisão em segmentos de texto, o que é recomendado para respostas curtas. Portanto, é interessante notar o caráter de construção coletiva das respostas sobre essa temática, assim como o auxílio da metodologia empregada para acessar os conteúdos referentes a conteúdos pertinentes ao futuro dos adolescentes.

Em relação às escolhas para processamento e análise de dados, o software IRAMUTEQ se provou extremamente útil na hora de proporcionar análises quantitativas sobre os dados qualitativos obtidos nos grupos focais, facilitando a interpretação do pesquisador sobre dois corpora textuais extensos. O único problema se deu pela falta de suporte oficial ao software por parte dos autores – a última versão oficial do Programa foi lançada há mais de quatro anos, e boa parte dos pacotes de linguagem R utilizados por ele se encontram desatualizados. Assim, foi necessário realizar atualizações manuais desses pacotes por parte do pesquisador, demandando um esforço maior. Em contrapartida, a comunidade internacional de apoio ao software ainda se encontra ativa, com a única ressalva sendo que boa parte das discussões são realizadas na língua francesa. O uso da versão brasileira do IRAMUTEQ (Camargo & Justo, 2015) seria uma alternativa para esses problemas, por estar mais atualizada.

5 Conclusões

O estudo permitiu identificar as dimensões do PV e analisar suas relações com o programa social de educação e popularização de C&T na construção desses PV. Estes estavam conectados à comunidade onde os bolsistas vivem e compartilham suas experiências nas atividades de multiplicação de conhecimento e se relacionaram a projetos para o futuro. Destaca-se o papel do programa social na motivação dos adolescentes em fazer carreira na área de pesquisa e docência, vinculando tais projetos ao período como bolsistas de iniciação científica e tecnológica. Esses resultados foram obtidos graças ao uso do software para organização do conteúdo de relatos verbais coletados em grupos focais.

Agradecimentos. Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) - bolsa de

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Referências

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