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SER HOMOSSEXUAL EM UMA ESCOLA INCLUSIVA: A INVESTIGAÇÃO DAS DIFICULDADES VIVIDAS PELOS HOMOSSEXUAIS EM SEU PERCURSO DE VIDA EDUCACIONAL

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Academic year: 2020

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ainda a realidade vivida pelos alunos da escola E-JOVEM, uma escola de Campinas-SP voltada para o público LGBTTT, verificando as possíveis transformações vividas tanto no âmbito pessoal (aprendizagem, liberdade, entre outros) quanto no âmbito coletivo, relativo ao combate à homofobia). Nesta instituição a coleta de dados aconteceu em duas etapas: inicialmente foram realizadas observações participantes no ambiente escolar, e em seguida foram realizadas entrevistas individuais, semiestruturadas, com cinco alunos e cinco professores. A E-JOVEM busca sanar com a homofobia dando suporte sócio – afetivo entre os homossexuais participantes, em um projeto pedagógico inovador que possibilita a transformação social e de proteção aos indivíduos agredidos diante do preconceito. Estas formas de proteção contribuem para o processo de construção de políticas públicas que visam a homossociabilidade de LGBTTTs na sociedade contemporânea.

Palavras-chave: LGBTTT. Homofobia. Educação.

Políticas públicas. Desenvolvimento Humano e Social.

Abstract: This work focuses on the investigation

of the difficulties experienced by homosexuals in their life course. It also investigates the reality lived by the students of the E-JOVEM school, a school in Campinas-SP focused on the LGBTTT public, verifying the possible transformations experienced both in the personal scope (learning, freedom, among others) and in the collective sphere, related to combat To homophobia). In this institution data collection took place in two stages: initially, observations were made in the school environment, followed by individual, semi-structured interviews with five students and five teachers. E-JOVEM seeks to heal with homophobia by providing socio-affective support among participating homosexuals in an innovative pedagogical project that enables social transformation and protection of individuals who are beaten in the face of prejudice. These forms of protection contribute to the process of building public policies aimed at the homossociability of LGBTTTs in contemporary society.

Keywords: LGBTTT. Homophobia. Education. Public

policy. Human and Social Development.

É doutorando do Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, UNESP - Araraquara. Realizou estágio doutoral com bolsa CAPES/PDSE junto ao Centro em Investigação Social (CIS/ISCTE-IUL), em Lisboa/Portugal, na linha temática Gênero, Sexualidades e interseccionalidade (2015-2016), orientado pelo Prof. Dr. João Manuel Calhau de Oliveira, sob processo de número 99999.006746/2015-02. É mestre em Desenvolvimento Regional, na linha temática Políticas Públicas (2014), orientado pela Profa. Dra. Daniela de Figueiredo Ribeiro. É cientista social (2012). Foi bolsista (2014/2015) da Fundação para o Desenvolvimento da UNESP (FUNDUNESP). Foi professor bolsista na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, UNESP - Rio Claro, no curso de Licenciatura em Geografia. Pesquisador do Grupo de pesquisa e extensão sobre sexualidades (GSEXs) da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - UNESP - Araraquara. Pesquisador no Grupo de Pesquisa SexualidadeVida/USP-CNPq. Pesquisador do Grupo de Estudos “Tecnologias e Processos de Subjetivação”. Pesquisador do Grupo Interdisciplinar em Educação e Saúde (UNESP). E-mail: lepp@rc.unesp.br

Renan Antônio Silva

BEING HOMOSEXUAL IN AN INCLUSIVE

SCHOOL: THE INVESTIGATION OF

THE DIFFICULTIES EXPERIENCED BY

HOMOSEXUALS IN THEIR EDUCATIONAL

LIFE TRAJECTORY

DAS DIFICULDADES VIVIDAS PELOS

HOMOSSEXUAIS EM SEU PERCURSO

DE VIDA EDUCACIONAL

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Introdução

O artigo aborda a temática da homofobia a partir da investigação das vivências e representações de alunos e professores homossexuais de uma escola destinada ao público gay.

O principal objetivo da escola é oferecer ao jovem todas as ferramentas para que ele possa se expressar, conhecer a Cultura LGBTTT e produzir sua própria cultura, propondo uma socialização diferenciada.

Para isso, o trabalho foi produzido mediante pesquisa qualitativa, ou seja, que descreve informações que não podem ser quantificadas. Foram entrevistados cinco professores e cinco alunos da E-JOVEM.

Desenvolvimento como liberdade e homofobia

Em 1950, um ramo de estudo intitulado como a “economia do desenvolvimento” tinha como principal preocupação os meios para a promoção e o crescimento da renda per capita, tendo a ideia central de que existia uma relação direta entre o consumo, a renda e a satisfação, lidando com os aspetos econômicos do processo de desenvolvimento dos países menos ricos, focando não só os métodos para promover o crescimento econômico e a mudança estrutural, mas também, em como melhorar o potencial da sociedade no geral.

Tendo em vista essas reais problemáticas, o economista indiano Amartya Sen, homenageado com o Prêmio de Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel de 1998, questiona o porquê isso até hoje acontece, como o acúmulo de bens, riquezas, não supre o bem estar social de toda a sociedade (apenas uma minoria). Para o economista, a promoção do bem estar (desenvolvimento), deve passar por várias questões, não tão somente pelas questões econômicas, orientando-se pelo questionamento de qual é o valor próprio da vida humana, que perpassa por estar livre de doenças evitáveis, de uma morte prematura, ter uma boa alimentação, e a de ser um cidadão apto a exercer sua “cidadania”, que sabe questionar, que sabe de seus direitos e deveres, que tem a “liberdade” como precursora de sua vida, sendo possível desenvolver suas potencialidades.

O desenvolvimento pode ser visto, argumenta-se aqui, como um processo de expansão das liberdades reais de que desfrutam as pessoas. Enfocar a liberdade humana contrasta com concepções mais estreitas do desenvolvimento, como as que o identificam com o crescimento do produto nacional bruto ou com o aumento da renda pessoal, ou com a industrialização, ou com o avanço tecnológico, ou com a modernização social... Ver o desenvolvimento em termos da expansão das liberdades substantivas dirige a atenção para os fins que tornam o desenvolvimento importante, antes que meramente para os meios, que, inter alia cumprem parte proeminente no processo (SEN, 1993).

A acessibilidade de uma vida repleta de garantias e de benefícios é ainda um sonho para muitos homens e mulheres, o que Amartya Sen denomina de “capacidades”, ou seja, a efetivação de tipos diversos de funcionamentos (levar a vida que se almeja). O desejo de se ter uma vida digna (o almejo de melhorias) é algo que muitas vezes deixa-nos um questionamento inevitável, pois, como se sabe, no mundo atual apenas uma minoria é detentora de lucros, de bens e da máquina produtiva. Em muitos livros e artigos, o desenvolvimento se enquadra apenas à definição econômica, porém, desenvolvimento pode ser definido como um processo de alargamento das liberdades vivenciadas de que uma pessoa possa usufruir. Silva (2003), ao pesquisar Amartya Sen, mostra que a expansão da liberdade é o fim prioritário e, simultaneamente, o meio principal do desenvolvimento. O desenvolvimento consiste na remoção de vários tipos de restrições que deixam às pessoas pouca escolha e pouca oportunidade para exercerem a sua ação.

As liberdades sendo concretas (efetivadas) contribuem para o alargamento da liberdade humana em geral, promovendo assim, o desenvolvimento. Liberdades que incluem o combate à fome, participação política, liberdade religiosa, liberdade de expressão, educação, saúde, etc. Dentre essas liberdades, destaca-se a busca pelos “direitos de igualdade”, iniciada no final dos anos 70, caracterizado, entre outros, pelo processo de ressurreição da sociedade civil, onde vários

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movimentos sociais vieram à tona, entre eles a de grupos de gays e lésbicas, que até aquele momento, eram vistos como «marginais», sem direito à nada, apenas ao desprezo e a hostilização, e que após essa visibilidade, passaram a ter suas potencialidades à mostra, como forma de liberdade, realizando combinações de funcionamento alternativas, podendo levar diferentes estilos de vida (fora do padrão pré- estabelecido).

O movimento gay começou a se organizar entre o final da década de 1970 e o início dos anos de 1980. Não somente o movimento gay, mas outros grupos sociais, nesta época, articulavam-se pela defesa da visibilidade, pela construção de novas formas de conhecimento, de cidadania plena e pela luta por direitos civis. Essas reivindicações demonstravam a importância do contexto político em que se desenvolviam (FERRARI, 2006).

Pensando na questão de grupos LGBTTT, iniciadas nos anos 70 e 80, onde atores sociais, que lançaram projetos, obtiveram grandes conquistas e ainda continuam lutando, visando mudanças, em especial, no combate contra a homofobia, vemos nitidamente uma busca pelos direitos e principalmente por suas liberdades. Na segunda metade dos anos de 1990, uma série de processos e acontecimentos se mostraram consideráveis no quadro de articulações, que caracterizaram o movimento na década de 1980 e em outras representações sociais.

Sobre a homossexualidade, tradicionalmente marcada pelo estigma e pelo preconceito, destaca-se o trabalho do Legislativo e do Judiciário, onde emergem diferentes iniciativas visando à coibição da discriminação e à ampliação de direitos. A luta em prol do respeito e principalmente por suas liberdades, introduz ao grupo LGBTTT conceitos derivados de Amartya Sen, pois temos nestas buscas, o exercer da democracia, encarada como um leque de oportunidades a serem geradas, onde seu uso depende de práticas sociais, pois em uma democracia, as populações tendem a obter direitos após “reclamarem”, “exigirem”, e é característico que não se consiga nada sem o exercício da prática cidadã e da aquisição de suas “liberdades”.

Sabe–se que os conflitos por reconhecimento de direitos, são avaliados por situações de desrespeito, principalmente, quando se luta por questões que visam o desenvolvimento social, e dessa forma, “tende a conter todos os pressupostos intersubjetivos que hoje precisam estar preenchidos para que os sujeitos se possam saber protegidos nas condições de sua auto-realização” (HONNETH, 2003,p 270). Nas sociedades modernas, as relações de estima social são sujeitas a uma luta permanente na qual os diversos grupos procuram elevar, com os meios da força simbólica e em referência às finalidades gerais, o valor das capacidades associadas à sua forma de vida.

O combate à homofobia

A intolerância à homossexualidade, cientificamente chamada de “homofobia”, atinge dimensões chocantes e requintes de crueldade em nosso país e no mundo. Fruto de uma ideologia machista e heterossexista (atitude de preconceito, discriminação ou ódio contra toda sexualidade não-heterossexual), que vê os homossexuais como desleais diante à tradição e ao formato de família tradicional, normalmente formada pelo pai e mãe (homem e mulher), unidos por matrimônio ou união de fato, e por um ou mais filhos, compondo uma família nuclear. Quando uma família suspeita que um (a) filho (a) revela tendências homossexuais, todos os recursos são acionados para corrigir e curar a indesejada “anormalidade”, que passam por surras, broncas, idas a psicólogos, psiquiatras, igrejas, sessões de descarrego, etc. Sendo assim, muitos homossexuais escondem seus sentimentos e atividades por medo de reprovação ou de violência por parte da sociedade e de seus familiares, sentindo-se muitas vezes, “excluídos”.

A heterossexualidade permanece considerada como a única forma de “normalidade”, daquilo que se preconiza como sendo “natural”, não obstante as várias demonstrações de homossexualidade nas diversas espécies animais (BAGEMIHL, 2000).

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No Brasil, onde predomina a cultura judaico-cristã, deixada por nossos colonizadores portugueses, a homossexualidade foi considerada como ato abominável (pecado contra a natureza), crime equivalente a execução pública, principalmente pelo período da “inquisição divina”, onde os pecadores ou aptos ao pecado eram levados para a forca ou a fogueira santa, para serem queimados vivos e seus “erros” levados ao vento. Para os religiosos, o pecado da sodomia (usada para designar as perversões sexuais, com ênfase para o sexo anal), era algo inaceitável, pois essa prática sexual deturpava as leis divinas, em que quaisquer ações relativas ao comportamento sexual homogenital eram considerados pecaminosos, porque atos sexuais, por natureza, são unitivos e procriativos. Não só no Brasil se tem relatos de tais brutalidades, e sim, como exemplo, cita-se o período nazista, onde os homossexuais mal desciam dos trens, e eram marcados com a letra A, e logo após, substituída por um triângulo cor-de-rosa. O “triângulo”.

Após anos de violências e mortes, diferentes grupos, e neste caso, fazendo referência aos homossexuais, começaram a frequentar “guetos”, locais exclusivos para encontros amistosos, sexuais, baladas, etc.

No ano de 1983, Edward MacRae, docente e professor da UFBA, publicou o artigo “Em defesa do gueto”, refletindo sobre a crescente visibilidade pública alcançada pelo grupo homossexual durante o período final do regime autoritário, em especial no Brasil (de 1º de abril de 1964 até 15 de março de 1985) e a sua relação com mudanças no papel social do homossexual, na vivência das relações homossexuais, na sociabilidade e na militância política (reivindicações por direitos, luta contra o HIV/AIDS). No artigo original, argumentava-se que o “gueto” é importante na medida em que proporciona um ambiente de contatos no qual as pressões da estigmatização da homossexualidade são momentaneamente afastadas ou atenuadas.

Simões (2005) diz que “Gueto homossexual” refere-se a espaços urbanos públicos ou comerciais –parques, praças, calçadas, quarteirões, estacionamentos, bares, restaurantes, casas noturnas, saunas – onde as pessoas que compartilham uma vivência homossexual podem se encontrar.

Ocorre que a imagem estereotipada da homossexualidade na sociedade é elaborada a partir de um processo de estigmatização desse segmento social, considerando aqui, que o ato de “estigmatizar” é atribuir um rótulo a alguém, tomando, como sinal emblemático, elementos como a cor da pele, a gordura ou magreza, o comportamento, enfim, qualquer traço que carregue alteridade frente aos padrões considerados “normais” para a sociedade. Para Goffman (1994), o estigma refere-se a uma situação em que o indivíduo está inabilitado para a aceitação social plena, e destaca que o estigma configura-se como algo externo ao indivíduo. O autor não considera que os discriminadores procuram fazer com que o indivíduo portador de estigma, seja exposto o tempo todo.

Diferenças e identidades, multiculturalismo e diversidade têm sido palavras largamente utilizadas para marcar posições democráticas que pretendem ter uma leitura social da realidade. Entretanto, essas mesmas palavras também têm sido distorcidas, utilizadas de modo a justificar práticas sociais que induzem ao erro e levam à manutenção da dialética da exclusão/inclusão social (SAWAIA, 1999). Em muitos casos, a utilização do termo “diferente” agrega preconceitos, como a homofobia.

O termo homofobia foi empregado inicialmente em 1971, pelo psicólogo George Weinberg, remetendo a um medo irracional da homossexualidade, com uma conotação profunda de repulsa, total aversão, mesmo sem motivo aparente. Trata-se de uma questão enraizada ao racismo e a todo tipo de preconceito. Este medo passa pelo problema da identificação grupal, ou seja, os homófobos conformam suas crenças às da maioria e se opõem radicalmente aos que não se alinham com esses papéis tradicionais que eles desempenham na sociedade, ainda que apenas na aparência.

Bahia (2012) esclarece que o termo “homofobia” não pode ser limitado a uma visão reducionista: “homossexualidade + fobia” (isto é, como aversão a homossexuais). Homofobia se marca pela rejeição ou negação – em múltiplas esferas, materiais e simbólicas – da coexistência, como iguais, com seres afetivos sexuais que diferem do modelo sexual dominante. Violência não se dá apenas de forma física, mas igualmente em discursos que não reconheçam uma minoria como tal.

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Homofobia e Políticas Públicas

No Brasil, projetos de políticas públicas, criadas pelo Judiciário e Legislativo, visam a melhoria ou meios de garantir direitos aos homossexuais, dando reconhecimento aos que padecem muitas vezes, de não garantias, sendo rotulados como “marginais” (pessoas que por algum motivo não estejam inseridas no convívio social).

No final dos anos 90, já no contexto de multiplicação de ONGs e redes, na presença das paradas do orgulho gay (desde 1997), da internet e de um mercado que cresce, acontece a primeira experiência de política pública na esfera da segurança aos homossexuais o Disque Defesa Homossexual (DDH). Criado em 1999, na Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro, o DDH foi pensado como um programa de defesa (e não apenas de denúncia).

Em 1997 acontece a Primeira Parada LGBTTT, com a meta de dar visibilidade às categorias sócio-sexuais e fomentar a criação de políticas públicas para lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais. A principal estratégia foi de ocupar os espaços públicos para elevar a auto-estima dos LGBTTT e sensibilizar a sociedade para o convívio com as diferenças. Mas a Parada também é vista, além de uma política pública de visibilidade, como um dos maiores eventos turísticos de São Paulo e como um momento de celebração pelas conquistas já alcançadas, pelo avanço da sociedade ao respeito às diferenças e para reivindicar mais mudanças.

Em 2004, o “Programa Brasil Sem Homofobia” foi lançado a partir de uma série de discussões entre o governo federal e a sociedade civil organizada com o intuito de promover a cidadania e os direitos humanos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBTTT) a partir da equiparação de direitos e do combate à violência e à discriminação homofóbicas.

Em 2010, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decide manter a adoção de duas crianças concedidas a um casal de lésbicas do Rio Grande do Sul. Um recurso do Ministério Público do Estado contestava a decisão da 7ª Câmara Cível, que permitiu que as duas mulheres fossem responsáveis legais pelas crianças. Em 28 de abril do mesmo ano, com o precedente aberto, outro casal homoafetivo conseguiu a guarda de uma criança, no município de Tangará da Serra (MT).

Violência e Homofobia

Violência, etimologicamente, “[...] do latim violentia, significa exercer violência sobre, forçar, coagir” (Cunha, 1997). Violência pode remeter também ao conceito de um comportamento que causa intencionalmente dano ou intimidação moral a outra pessoa ou ser vivo, sendo que este comportamento pode invadir a autonomia (espaço), integridade física ou psicológica e até mesmo a vida de outro. Segundo Durozoi (1993:485), “[...] ato que se exerce com força contra um obstáculo; comportamento de uma pessoa contra outra que ela considera como um obstáculo à realização de seu desejo”. A questão da violência abrange todos os atos de violação dos direitos: civis (liberdade, privacidade, proteção igualitária); sociais (saúde, educação, segurança, habitação); econômicos (emprego e salário); culturais (manifestação da própria cultura) e políticos (participação política, voto).

Exerce o poder da violência quem tortura, fere ou mata; quem, não obstante a resistência, imobiliza ou manipula o corpo do outro; quem impede materialmente o outro de cumprir determinada ação. Geralmente a ação violenta é exercida contra a vontade da vítima; como exceções, podem-se citar o suicídio, os atos de violência provocados pela vítima com finalidade propagandística, como os monges budistas que se auto imolavam, durante a Guerra do Vietnã, na década de 1960.

Uma das formas de violência é a homofobia. Ancorado em Borrillo (2001), homofobia é entendida como um ato de medo ou receio, direcionado para aqueles que adotam costumes de vida que não condizem com os padrões sexuais da sociedade ocidental hegemônica (heteronormatividade), e está ligada a pensamentos arraigados durante a convivência familiar, social e religiosa. Tais sentimentos empregados contra os homossexuais geram a homofobia e estão presentes em uma série de ações que são reforçadas no cotidiano da vida social, vivenciadas diversas vezes em telejornais diários, onde são mostrados casos de muitos homossexuais que sofrem agressões físicas, sexuais e psicológicas.

Para Girard (1990), a violência é algo inexorável e inerente à interação humana e, em não podendo ser evitada, precisa ser canalizada, desviada para outros fins e objetos. É com esse

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sentido que pode se interpretar a história da humanidade como o percurso dos ritos sacrificiais e das suas vítimas expiatórias. O apaziguamento da comunidade sempre foi procurado através da descarga, como catarse da “violência de todos contra todos”, propiciada pelo ritual da “violência de todos contra um”. É recorrente, na história dos grupos humanos, a eleição ou constituição de “bodes expiatórios” que representariam essa tentativa catártica e domesticatória.

Dessa forma, os homossexuais, bodes expiatórios diante da definição de homofobia sofrem em função de suas orientações sexuais. Dessa maneira, a homofobia é construída e mantida por processos sociais que englobam a forma através da qual a própria sociedade é organizada, como, por exemplo, os estereótipos que constroem certos padrões de masculinidade e feminilidade, bem como a heterossexualidade hegemônica, impetrada na cultura como um todo, como por exemplo, o brinquedo em que um garoto pode brincar e uma garota não, e vice versa.

O (a) agressor (a) é chamado (a) de homofóbico (a), onde em muitos casos, trata suas “vítimas” (homossexuais) com calúnias, insultos verbais, gestos, ou com um convívio social baseado na antipatia e na ironia.

As formas de agressão podem ser muito diversas e abarcam reações diretas e indiretas, ativas ou passivas, motoras ou verbais destinadas a prejudicar o outro. Ao se levar em conta a intenção do sujeito, permite-se distinguir a agressão hostil da agressão instrumental, que consiste em utilizar um poder coercitivo para alcançar uma meta distinta daquela de prejudicar a vítima, por exemplo, por antecipação de uma recompensa.

No pensamento sobre as lutas pelos direitos humanos, nota-se que cada época interferia em tais questionamentos, pois em cada momento histórico alguma reivindicação foi feita, em prol de melhorias ou até mesmo de mudanças, porém, em muitos casos, em vários momentos da história, aquele que detinha o poder abusava de sua autoridade violando os direitos de outros.

Sabemos que existem muitas desigualdades no uso do poder público e até mesmo jogo político quando falamos em “formação de grupos” que representam minorias sociais. As pressões surgidas de diferentes segmentos sociais conseguiram uma construção desigual, em termos de aquisições: uma vez um grupo alcançando direitos ou “privilégios” (aspecto religioso, social e político), ora outro, e, assim, são elaboradas as normas da conduta humana, que perpassam pela questão do ser social.

Direitos humanos e homossexualidade

Buscando refletir em torno de projetos em prol do ser humano, foi criada em 1945, a Organização das Nações Unidas (ONU), formalizada após convenções, pactos, tratados e conferências para o fortalecimento dos princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Essas formulações contribuíram para a participação da sociedade civil na vida política, que dessa forma “soltou a voz”, denunciando as desigualdades sofridas, o que acarretou a formação de grupos e movimentos sociais, permitindo o reconhecimento do sujeito de direito.

Em território brasileiro, a luta obteve força no movimento contra a Ditadura Militar instalada em 1964, na redemocratização da política e ruptura com o regime autoritário (censura, desaparecimentos e mortes em massa). Através dos movimentos sociais - década de 1970 e 1980 - surgiram significativas mudanças. A Constituição Federal de 1988 estabelece a mútua responsabilidade entre cidadão e Estado nas políticas públicas. Inauguram-se o Programa Nacional de Direitos Humanos em 1996 e o Programa Mineiro de Direitos Humanos em 2001, questionando sobre o desenvolvimento social.

Segundo Ferrari (2006) o movimento gay começou a se organizar entre o final da década de 1970 e o início dos anos de 1980. Não somente o movimento gay, mas outros grupos sociais, nesta época, articulavam-se pela defesa da visibilidade, pela construção de novas formas de conhecimento, de cidadania plena e pela luta por direitos civis. Essas reivindicações demonstravam a importância do contexto político em que se desenvolviam. O fim da ditadura militar fazia surgir e reforçava um sentimento de otimismo cultural e social que atingia a todos.

Até mais ou menos 1975, os partidos políticos de oposição consideraram que os movimentos feminista, negro e homossexual eram irrelevantes à luta geral, ou seja, a questão das desigualdades entre classes sociais. O que marca os anos

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mais recentes destas áreas ditas minoritárias é o fato de elas terem chegado a ser reconhecidas também como “políticas”, a partir de uma visão da sociedade que enxerga o poder não apenas no Estado, mas também na rua, no escritório, no hospital, dentro de casa e na cama [...]. É justamente nesta época que Michel Foucault compete com os velhos heróis para o primeiro lugar das bibliografias dos cursos de ciências humanas nas universidades (FRY; MACRAE, 1983:117).

Em 1980, com a epidemia do HIV/AIDS, por muitos estigmatizada como a “peste gay” e que, até os dias de hoje, muitos pensam ser uma questão de patologia exclusiva do público homossexual, ocorreu uma desmobilização do movimento homossexual. Aos poucos, na primeira metade de 1990, há um reflorescimento do movimento homossexual brasileiro fortalecido por diferentes atores sociais locais, nacionais e internacionais, vinculados a universidades, políticas públicas, partidos políticos, associações científicas ou profissionais. Em 1995, fundou-se a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros-ABGLT, com o objetivo de implementar políticas de direitos homossexuais em todo o país.

A Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais – ABGLT, foi criada em 31 de janeiro de 1995, com 31 grupos fundadores.

A missão da ABGLT é promover ações que garantam a cidadania e os direitos humanos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, contribuindo para a construção de uma sociedade democrática, na qual nenhuma pessoa seja submetida a quaisquer formas de discriminação, coerção e violência, em razão de suas orientações sexuais e identidades de gênero (Segundo o site http://www.abglt.org.br).

Atualmente as linhas prioritárias de atuação da ABGLT incluem:

• O monitoramento da implementação das decisões da I Conferência Nacional LGBTTT; • O monitoramento do Programa Brasil Sem Homofobia;

• O combate à homofobia nas escolas;

• O combate à Aids e outras doenças sexualmente transmissíveis;

• O reconhecimento de Orientação Sexual e Identidade de Gênero como • Direitos Humanos no âmbito do Mercosul;

• Advocacy no Legislativo, no Executivo e no Judiciário;

• A capacitação de lideranças lésbicas em direitos humanos e advocacy; • A promoção de oportunidades de trabalho e previdência para travestis; • A capacitação em projetos culturais LGBTTT.

Em 2004, no âmbito governamental, ocorre um avanço nas conquistas dos direitos LGBTTT com a criação, a partir de uma parceria entre Estado e sociedade civil organizada, do Programa Brasil sem Homofobia. Tal programa propõe cinquenta e três ações a serem desenvolvidas pela Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, juntamente com os demais ministérios, políticas públicas e atores sociais mobilizados nessa causa. O questionamento sobre as diferenças e a tolerância perante aquele que é fora do “padrão” (multiculturalidade) são um dos marcos do programa, tendo também a preocupação no âmbito escolar, colaborando para a modificação do comportamento de profissionais, sendo eles, gestores da educação, dirigentes, secretários, professores, diretores das instituições públicas e privadas e toda equipe envolvida no trabalho escolar (inspetores de alunos, cozinheiras, merendeiras), pois o espaço escolar não se delimita em uma sala de aula, e sim, em todo seu arredor.

Uma visão respeitosa da multiculturalidade exige dos profissionais da educação novos métodos a serem trabalhados na escola, tais como a formação na área da sexualidade (pós-graduação ou cursos de extensão), direitos dos cidadãos, liberdade de escolha para haver uma aceitação dos demais grupos sociais, onde se possa levar a educação para todos os alunos, retirando as amarras ou entraves diante das diferenças entre gêneros).

No Brasil, entre janeiro e dezembro de 2011, foram denunciadas 6.809 violações aos direitos humanos contra a população LGBTTT, envolvendo 1.713 vítimas e 2.275 suspeitos. A média de violações diárias no período foi de 18,6. A maioria dos agressores (61,9%) são conhecidos da vítima. O perfil das vítimas é de 34% do gênero masculino, 34,5% do gênero

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feminino, 10,6% travestis, 2,1% de transexuais e 18,9% não informado.

Para combater a violência e violação dos direitos desse grupo, o País aprovou, em 2011, o Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (PNLGBTTT6). O Plano é o resultado dos esforços conjuntos do governo federal e da Sociedade Civil e foi elaborado por uma Comissão Técnica Interministerial formada por representantes de 18 pastas. São 51 diretrizes e 180 ações, baseadas nas propostas da Iª Conferência Nacional LGBTTT, que deverão ser implementadas pelo Poder Público para garantir a igualdade de direitos e exercício pleno da cidadania do segmento LGBTTT da população Brasileira, dentre essas ações, destacam-se:

• Inserir nos livros didáticos a temática das famílias compostas por lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, considerando recortes de raça/etnia, orientação sexual, identidade de gênero e socioeconômica, os novos modelos de famílias homoafetivas, com ênfase nos recortes de raça/etnia, orientação sexual e identidade de gênero;

• Incluir as temáticas relativas à promoção do reconhecimento da diversidade sexual nas ações de Educação Integral;

• Promover capacitação contínua, para combater o estigma e a discriminação de gênero, orientação sexual e racial junto às equipes técnicas e gestoras que atuam especialmente no cotidiano das instituições onde a política nacional de assistência social é implementada: centros municipais, estaduais e distrital de atendimento social, abrigos públicos e para crianças, adolescentes, adultos e idosos, adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas, e entidades conveniadas;

• Produzir, apoiar e divulgar pesquisas que analisem concepções pedagógicas, currículos, rotinas, atitudes e práticas adotadas no ambiente escolar diante da diversidade de orientação sexual e de identidade de gênero, para contribuir para a implementação de políticas educacionais voltadas para a superação do preconceito, da discriminação e da violência sexista e homofóbica;

• o Articular uma rede nacional de combate à lesbofobia, homofobia e transfobia, formada pela administração direta ou indireta pública nos três níveis de poder, em parceria com a sociedade civil organizada, promovendo a transversalidade da temática dos Direitos Humanos.

Em relação à criação de leis que criminalizem a homofobia, o PL (Projeto de Lei) 122/06, apresentada pela deputada Iara Bernardi (PT), repudia as mais diversas formas de discriminação, contudo a polêmica do projeto gira em torno da proteção concedida ao grupo LGBTTT, onde o mesmo aguarda aprovação na Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal do Brasil. Dados alarmantes mostram que entre 2007 e 2012, o número de assassinatos de homossexuais quase triplicou no Brasil, segundo relatório divulgado pelo Grupo Gay da Bahia (GGB), onde nos dados vemos que o número saltou de 122 para 336 casos em apenas cinco anos.

Dessa forma, grupos de parlamentares (ligados à movimentos dos Direitos Humanos e LGBTTT) lutam para a apreciação da PL 122/06 e sua aprovação, mas é combatido por outros grupos de parlamentares (ligados por exemplo à bancada evangélica) que contrários ao projeto, argumentam que no texto da lei há uma violação à liberdade religiosa e de expressão e do princípio da isonomia, além da indefinição do termo “orientação sexual”.

Observa-se uma fase de mudança quantitativa e qualitativa caracterizada pelo aumento e agravamento dos episódios de violência que acabam por influenciar na organização social. O poder público tenta amenizar essas questões difundindo novas ideias e formulando projetos que possam solucionar estas questões. Vivenciamos um momento de crise no processo civilizatório, onde impera a lei do mais forte, numa tragédia fáustica que exige esforços consideráveis, no sentido de atenuar e sublimar os efeitos desse mal. O não suportar do “novo” em uma sociedade, gera a falta da possibilidade de convivência com o “desconhecido”, formulando uma rede de ódio e de agressividade, que perpassa por ofensas verbais, psicológicas e físicas.

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Os objetivos deste artigo se dividem em objetivo geral e objetivos específicos, conforme listados abaixo.

Objetivo geral

Conhecer a realidade vivida (dificuldades, aceitação social, homofobia) pelos alunos e professores na escola E-JOVEM e as possíveis transformações vividas tanto no âmbito pessoal (aprendizagem, liberdade, entre outros) quanto no âmbito coletivo, relativo ao combate à homofobia.

Objetivos específicos

• Compreender as representações e as vivências dos alunos da Escola E-Jovem; • Investigar as dificuldades familiares que os participantes viveram ou ainda vivem por

conta da homossexualidade;

• Conhecer os mecanismos individuais e institucionais da E-JOVEM no combate à homofobia e na luta pelos direitos.

• Levantar e analisar avanços e supostos impasses, de diversas ordens, vividos e assumidos pela experiência da E-JOVEM, relacionando-os às políticas públicas que a originaram e seus objetivos;

Metodologia

Abordagem Teórico-Metodológica

Foi adotada a etnografia e o trabalho de campo, segundo métodos que Herskovits (1963), consistem em dirigir-se ao povo que se pretende estudar, escutar as conversas, visitar os lares, assistir aos ritos; observar o comportamento habitual, interrogar sobre as tradições para obter, mediante o conhecimento direto dos modos de vida, uma visão de conjunto da cultura ou analisar algo especial da mesma. Os dados obtidos deram luz sobre os problemas essenciais da natureza e funcionamento da cultura e do comportamento social humano. Em um trabalho do tipo etnográfico destacam-se: (a) o papel da teoria na construção das categorias; (b) a necessidade de se respeitar princípios da etnografia, como a relativização (centrar-se na perspectiva do outro) e o estranhamento (esforço deliberado de análise do familiar como se fosse estranho); (c) o desenvolvimento do trabalho de campo com apoio em observação planejada, e em instrumentos e registros bem elaborados. Aponta-se a importância de que o relatório apresente vinhetas descritivas, citações literais de falas e de documentos que comprovem as interpretações feitas e que sejam explicitadas as justificativas de escolhas teóricas e metodológicas do pesquisador em cada momento e para cada finalidade. Temos ressaltado ainda a necessidade de articulação entre o particular e o geral, entre o micro e o macrossocial (ANDRÉ, 1995)

Nosso estudo desenvolveu-se junto ao grupo docente e discente da E-JOVEM, situada na cidade de Campinas, interior de São Paulo.

Portanto, nosso espaço de observação correspondeu, ao espaço escolar da E-JOVEM, que consta de trinta alunos matriculados em seus diversos cursos, e com cinco docentes. Desses trinta alunos, cinco foram selecionados para responderem às entrevistas. Aqui nossa preocupação foi “menos com a generalização e mais com o aprofundamento e abrangência da compreensão”... Um critério, portanto não numérico. A amostra ideal sendo “aquela capaz de refletir a totalidade nas suas múltiplas dimensões” (MYNAIO, 1992: 102).

Participantes

Participaram da pesquisa cinco alunos e cinco professores da escola E-JOVEM, situada em Campinas, totalizando dez entrevistados.

Estratégias de coleta de dados

A coleta de dados aconteceu em duas etapas, descritas a seguir:

A) Fase exploratória ou descritiva, realizada por meio de Observação Participante. Nesta fase o pesquisador realizou visitas à Escola E-JOVEM, com objetivo de observar o cotidiano vivido pelas pessoas neste local (ambiente escolar: direção, professores e alunos). Os dados obtidos pelas observações e conversas informais com os atores sociais foram registrados sistematicamente em diário de campo.

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os alunos selecionados na etapa anterior. Alunos estes, selecionados por conta do tempo de participação na E-JOVEM, em sua maioria, presentes deste a abertura da mesma. As entrevistas foram feitas e transcritas na íntegra para posterior análise, onde se deu início nas perguntas realizadas aos entrevistados, onde há posições onde o mesmo se situa, diante do que vê e sente.

Com relação à história de vida de cada entrevistado (HV), para as finalidades a que se propõe esta pesquisa, abordarmos as entrevistas em profundidade na qual o pesquisador constantemente interage com o informante. Sua principal função é retratar as experiências vivenciadas pelos alunos e professores da E -JOVEM.

A História de vida tem como ponto principal permitir que o informante retome sua vivência de forma retrospectiva. Muitas vezes durante as entrevistas, aconteceu a liberação de pensamentos reprimidos que chegam ao entrevistador em tom de confidência. Esses relatos forneceram um material extremamente rico para análise. Neles se encontram o reflexo da dimensão coletiva a partir da visão individual (MINAYO, 1993).

Aspectos Éticos

O Projeto desta pesquisa, por envolver seres humanos, foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário de Franca (COMEP/Uni-FACEF), em conformidade com a Resolução nº. 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. A aprovação foi obtida pelo Parecer Consubstanciado nº. 27.552 de 21 de maio de 2013 (Anexo I), credenciando o prosseguimento da pesquisa de campo.

Além disso, todo o trabalho foi feito mediante consentimento dos pesquisados, mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Resultados e Discussão

Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com cinco alunos e cinco professores da E-JOVEM.

Quadro1- Grupo de discentes entrevistados

Caracterização dos Entrevistados

Discentes

PARTICIPANTES IDADE ESCOLARIDADE/TEMPO NA

E-JOVEM

A.R 16 anos Ensino Médio Incompleto-Cursando- 6 meses na E-JOVEM L.V 17 anos Ensino Médio Completo 1 ano na

E-JOVEM

D.S 17 anos Ensino Médio Completo 8 meses na E-JOVEM

Will Vulgo 21 anos Ensino Médio Completo 7 meses na E-JOVEM

E.F 17 anos Ensino Médio- Completo 1 ano e meio na E-JOVEM

Quadro 2 - Grupo de docentes entrevistados

Docentes

PARTICIPANTES IDADE ESCOLARIDADE FUNÇÃO E TEMPO NA

E-JOVEM

D.C 38 anos Graduado e mestre

Unicamp Diretor da E-JOVEM- Professor de expressão ciência

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C.M/L.B 36 anos Graduada- Educador

Social Fundadora e Professora Expressão Artística- Drag Queen

B.A.S.Q. 28 anos Graduado em Comunicação/ Pós Graduado- Unicamp

Professor de Fanzine- Expressão Multimídia L.R 25 anos Graduanda em Ciências

Sociais Professora de Sociologia da Homossexualidade

F.S 27 anos Graduado em

Comunicação- Pós Graduado

Professor de WebTv

Sobre ser Gay

Dificuldades em se aceitar

Três entrevistados falaram da dificuldade em se aceitar como homossexual, um deles destacando o aspecto do cuidado para não parecer gay, e os outros dois relataram a luta e o desejo de, se possível, não serem homossexuais, destacando o quanto o mundo social ao redor os rejeita. Seus relatos podem ser observados a seguir:

D.S. (Discente) (...) Sempre fui tímido, nunca fui de falar em público e tudo mais. Sou um gay mais fechado, não costumo ficar falando fino, nem tiro a sobrancelha, nada que me marque como gay. (...)

B.A.S.Q. (Docente) Tenho consciência de que sou gay desde muito pequeno, por volta dos cinco anos, e ficava assustado quando eu via o ódio que as pessoas tinham de gays e a quantidade de piadas que existiam. Eu ficava me perguntando: “será que eles vão me odiar tanto assim quando descobrirem que sou gay?” E isso era uma tortura.

A.R. (Discente) (...) Se fosse para escolher, ia pedir para Deus me fazer “normal”, para dar netos para meus pais, para não ser julgado diariamente. (...)Sabe, rezo para Deus me tirar isso, todos os dias, rezo mesmo, peço para ele tirar esses pensamentos, vontades e tudo. Vou para a igreja e fico lá pensando e pensando, queria é mais que o mundo me visse como um cara legal, um menino do bem.

Tal como relata BASQ, questionar sobre sentir atração por pessoas do mesmo sexo é algo inevitável para um homossexual no decorrer do seu desenvolvimento, às vezes desde muito cedo. É comum aparecerem pensamentos e tentativas de mudança, que podem ser dolorosos e marcantes. É difícil conseguir que o grupo social e familiar de um homossexual tenha o entendimento de vê-lo como “diferente” e não “anormal”, pois os julgamentos estão ligados a quadros de referência hegemônicos presentes na sociedade. E no caso da homossexualidade, observa-se que nos últimos séculos ela foi vista pelo mundo ocidental como aberração moral ou doença (JODELET, 2001).

No entanto, por mais que se busque mudar, a homossexualidade é simplesmente uma parte de seu ser, sendo a pressão externa e interna pela mudança, uma violência gerada pela dificuldade de não pertencer ao formato humano “adequado”, e de tornar-se um fator perturbador no próprio ambiente. Em muitos casos, acontecem tentativas sociais maciças de mudar sua orientação sexual, na família, na escola, nas igrejas. Às vezes acontecem, namoros e casamentos forjados em prol do que os outros possam falar. Um (a) gay pode ser censurado (a) quando deixa aflorar seus sentimentos, sendo esmagado diariamente por sua consciência, sentindo que não pode ser quem é, tendo que usar máscaras...

Observa-se nos relatos de A.R. que o que a família vai dizer sobre o se assumir tem um peso muito grande. Observa-se um medo de ser deixado à margem, desvinculado de pessoas importantes do seu convívio. B.A.S.Q. em sua fala destaca ainda o ódio que percebia no meio social quanto aos homossexuais, revelando a dificuldade de se perceber objeto de tal ódio, somente por conta da sua inclinação sexual.

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revelada por três participantes da pesquisa.

A sexualidade, ao longo da história da humanidade (e até os dias de hoje) vem sendo interpretada e transmitida pelas igrejas, escolas e pela sociedade, na maioria das vezes, ainda de maneira reducionista e repressiva, em muitos casos levada à população como um modelador de vidas, posicionando “verdades” e dando formas a imaginação diante do que é certo ou errado. Tendo a noção e a percepção de sua sexualidade, formula-se a “identidade de gênero”, que se dá independente do sexo, onde um ser humano pode ter a identidade de gênero de mulher, de homem ou ainda outras identidades de gênero possíveis, lembrando que a identidade de gênero é uma construção social, e não um signo físico ou biológico como nos aponta

É necessário frisar também, que a sexualidade é um fator historicamente construído pela humanidade, como salienta Foucault (1982, p. 12):

A sexualidade é um “dispositivo histórico”, visto que, é uma invenção social, uma vez que se constitui, historicamente, a partir de múltiplos discursos sobre sexo: discursos que regulam que normatizam que instauram saberes, que produzem “verdades”. Sua definição e dispositivo sugerem a direção e abrangência de nosso olhar.

Na resposta de A.R. sobre a auto percepção como “gay”, nota-se que se existisse a escolha de ser ou não homossexual, a heterossexualidade seria a opção desejada, pois estando em uma sociedade que ainda vê a homossexualidade, em muitos casos, como doença ou falta religiosa, é natural o desejo de estar em um grupo visto como “normal”. Em uma sociedade onde impera o preconceito e as divisões sociais, raciais e de gênero, a noção predominante sobre sexualidade é a da heteronormatividade, ou seja, só é considerada aceitável a relação sexual entre um homem e uma mulher, sendo a procriação da espécie seu único sentido.

O comportamento sexual fora do padrão heteronormatizado, há pelo menos 20 a 30 anos atrás era visto como desviado e anormal aos padrões sociais vigentes. No entanto, o que não era analisado é que as pessoas buscam sua identidade de acordo com a cultura e valores que ela se atribui ao longo do seu processo de formação e aquisição de conhecimento.

Até o início da década de 1990, a condução para uma identidade sexual que não era heterossexual era denominada opção sexual. Entretanto, optar por uma identidade sexual se mostra racional, pois subentende-se que e pessoa pensou e escolheu uma sexualidade que a sociedade discrimina. Todavia estudos posteriores puderam observar que uma pessoa não escolhe ser heterossexual ou homossexual.

(...) o termo utilizado pelo movimento em defesa da diversidade sexual era opção sexual. Atualmente, o movimento LGBTTT não considera esta terminologia adequada por compreender que não se trata de “opção”, tendo em vista que a opção pressupõe uma racionalidade antecipada, que a vivência dos desejos afetivo-sexuais não acata, pois as práticas afetivo-sexuais se encontram no plano do sentir. Com base nesse entendimento (...) considerando que orientamos nosso desejo a partir do que sentimos e a expressão deste desejo pode se dar através da vivência da homossexualidade, da heterossexualidade ou da bissexualidade (CRESS-RJ, 2006, p. 08).

A não aceitação da homossexualidade pode nos ressaltar sobre a homofobia. Em sentido amplo, à homofobia atinge gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais e por incrível que se pareça, os heterossexuais (considerados agressores) também são alvos deste tipo de discriminação, como pontua Costa (2012, p. 86) “Se um menino não gostar de jogar futebol ou não adotar algum comportamento esperado [de alguém do sexo masculino], vai ser chamado de “bicha” pelos colegas mesmo que seja heterossexual”. Isso ocorre também com as meninas, que preferem jogar futebol ao invés de brincar com boneca.

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marcado por interpelações da sociedade civil organizada em manifestar-se mediante movimentos sociais e desenvolvimento de trabalhos voltados ao campo do combate a todos os tipos de preconceito e de atendimento ao cidadão discriminado. Ela também se insere em uma conjuntura complexa de valores, culturas, leis e concepções críticas científicas ou do senso comum. Esse crescimento nas discussões frente à diversidade sexual e a maior visibilidade destes frente à sociedade, que ainda se mostra conservadora e muitas vezes ignorantes relaciona-se às transformações sociais, influenciadas pelo sistema capitalista atraente aos olhos dos que criam modelos de comportamento e de entretenimento a todas as classes e gêneros e pela globalização das relações sociais entre as nações, pois países mais desenvolvidos possuem uma visão ampliada e modernizada da multiplicidade de gêneros e das redes de atendimento comercial, assistencial e de saúde que a ela são oferecidas, influenciando assim os países em desenvolvimento. Porém, mesmo com esse desenvolvimento, observa-se no Brasil o esconder das sexualidades não padronizadas.

Dessa forma, “estar no armário” (termo utilizado para pessoas não assumidas) é um espaço de gerenciamento de estigmas, de um segredo, de uma informação que tem um peso social muito forte. Aceitar-se, no caso, parece ser o resultado do enfrentamento de um momento de tensão, quase como um ritual de passagem. Reflete-se, assim, que desenvolver novas capacidades de auto aceitação, o que muitas vezes é difícil para um homossexual, é fundamental para que haja qualidade de vida. Porém é impossível sem que aconteçam mudanças na forma de conceber a vida, sem que haja uma desalienação, um confronto com as normas e padrões dominantes. Até mesmo dentro do âmbito homossexual, o afeminado pode ser deixado de lado ou rechaçado, como afirma o entrevistado D.S e, o fato de ter trejeitos masculinizados, no caso de homossexuais masculinos, garante muitas vezes crédito na busca de novas amizades, empregos, entre outros.

Visão social sobre a homossexualidade

Dois entrevistados relataram como a homossexualidade é vista na sociedade. Um deles aborda o estigma da homossexualidade e o HIV/AIDS. O outro aborda a visão de pecado que algumas religiões impõem diante dos gays.

D.S (Discente) (...) Paro pra pensar toda hora, povo acha que só GAY pode ter AIDS, parece que sou um objeto de doenças - CUIDADO, NÃO ME TOQUE! -risadas.

A.R. (Discente) Fiz parte de uma igreja que via a homossexualidade como algo do Diabo. Muitas vezes saia de lá tonto, de tanto que era jogado para um lado e para outro, aquilo me feria. Deus tinha que me amar como sou poxa! Não gosto de mulher, mas, sou seu filho também, penso dessa forma! (...)

D.S em sua fala nos mostra sobre o que o mesmo vivencia na questão de ser homossexual e de conviver com o estigma e, por ter essa orientação sexual ser taxado como portador do vírus HIV/AIDS. O advento da AIDS nos anos 80 serviu de motivo para o recrudescimento de preconceitos contra os homossexuais, e a própria homossexualidade masculina se transformou num sinônimo de AIDS. No início, a associação chegou a tal ponto que a doença, recém-descoberta, chegou a ser chamada de GRID (Gay Related Immunedeficiency) nos meios científicos e de câncer gay, peste gay ou peste rosa pela imprensa e pela opinião pública.

O impacto da AIDS sobre homossexuais chegou a assumir dimensões catastróficas nos países ocidentais, já que estão entre os mais atingidos. Por outro lado, os homossexuais, sejam através de lideranças ou organizações gays, estão entre aqueles que, ainda nos anos 80, “primeiro e mais diretamente se mobilizaram para enfrentar os desafios impostos pela epidemia, não só sobre a população homossexual, como sobre outras populações específicas e sobre a população como um todo (TERTO JR. 2002)”.

O estigma e a discriminação são processos de desvalorização dos sujeitos, que produzem iniquidades sociais e reforçam aquelas já existentes. Viver livre do estigma e de qualquer tipo de discriminação é um direito humano básico e que deve ser respeitado. Ser portador do HIV/ AIDS não pode e não deve ser motivo para desrespeitar esse direito, seja ele heterossexual, homossexual, bissexual, travesti, etc, pois a garantia de direitos é estabelecida a todos e não somente a um grupo específico.

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Deus e da homossexualidade. Culpar-se diante de se ter nascido “diferente” dos demais é corriqueiro para o público LGBTTT, pois ao ver-se fora dos padrões já estabelecidos pela sociedade, o questionamento pode ser muitas vezes um motivo de fuga ou esconderijo social. Em primeiro lugar precisamos entender que a sexualidade não é uma questão simplesmente de “querer”, ou seja, inerente a sua vontade, assim como ninguém escolhe quem são seus pais biológicos, ou sua altura, o tom da sua pele, ou a cor dos seus olhos, ninguém escolhe ou “opta” pela sua condição sexual. O indivíduo tem esta característica intrínseca, faz parte da sua natureza, simplesmente nasceu assim, do contrário, quem é que “optaria” por passar por tanto preconceito, marginalização, exclusão social e familiar, bullying, violência, incompreensão, intolerância religiosa e tantos outros sofrimentos.

A não aceitação da família e da sociedade

Quatro entrevistados abordam sobre a não aceitação de suas orientações sexuais perante suas famílias e pela sociedade que o cercam. Um deles relata momentos de humilhação e desprezo, por ser visto como diferente dos outros. Outro entrevistado relata sobre a preocupação de seus pais diante de doenças sexualmente transmissíveis no momento em que o mesmo se encontrava namorando, deixando claro ainda a estigmatização da AIDS diante do público LGBTTT. Em outro caso, de tanto ser rechaçado diante da sociedade, o entrevistado se diz não mais ligar para o que os outros falam sobre sua vida.

WILL VULGO (Discente) (...) Foi muito complicado meu processo de aceitação por minha família, tive que dar passos de forma a sempre ter comigo: um dia eles vão entender e se não entenderem, ai seguirei meu caminho, mas antes disso plantarei todas as minhas sementes: a pessoa que sou, meu caráter, minha honestidade e principalmente sagrar o ser que eu sou. Cada historia tem o seu tempo, a minha levou cerca de ... bom, dos meus 16 aos 20 mais ou menos, alias hoje com 21 minha luta ainda continua.

L.V. (Discente) (...) fora, somos humilhados. Penso que seria diferente se o mundo fosse também diferente, pois não quero ser visto como um gay, e sim, como um rapaz normal.

D.S.: (Discente) Quando eu namorava, meu namorado ia à minha casa, ficava comigo no quarto (meus pais não gostavam de olhar, mas diziam sempre - Se cuidem! - pensando em camisinha).

E.F.: (Discente) (...) Hoje em dia, quem sabe sobre, aceita, mas não faço muita questão que

eles saibam de muita coisa de minha vida.

Analisando a fala de Will Vulgo é possível destacar a importância que o homem contemporâneo atribui à construção de caráter, de uma identidade própria, carreira profissional e de questões que permitirão a este uma vivência harmônica em sociedade. As pessoas, historicamente, associam a formação pessoal ao contexto de sociabilidade, preocupando-se com a velha questão: O que será que as pessoas pensam sobre mim?

Quanto à aceitação pela família, cabe destacar a importância que a pessoa que assumirá uma identidade não heteronormativa em compreender questões socioculturais que contemplam o raciocínio, a personalidade, os costumes e os hábitos de suas famílias.

Porchat (2008) afirma a dificuldade de assumir uma identidade e assim, apresentá-la ao meio sociofamiliar quando esta apresenta aspectos de rejeição. O autor revela que este conflito social em assumir uma sexualidade em um contexto conservador acarreta no indivíduo fragilidades emocionais que podem levar à prática de atos contra a própria vida ou mesmo o adoecimento mental. Ele aponta o sofrimento vivenciado em “ter de ser de um sexo definido” (PORCHAT, 2008, p. 48) ou mesmo de sofrer a imposição de uma linguagem sexual heteronormativa (BUTLER, 2003)

O pensamento social conservador ainda é tão forte, que a homossexualidade, transexualidade ou a travestilidade ainda sofrem com a visão da anormalidade, e o mais preocupante é que pessoas que expressam estas sexualidades tão rotuladas e estereotipadas também se consideram anormais, como revela o entrevistado L. V. Sua angustia e percepção de si remete para as implicações que a visão conservadora transmite à sociedade e seus rebatimentos frente ao público LGBTTT, que para alguns, vivem uma anormalidade.

Assim, o pensamento conservador observa a sexualidade não heteronormativa como “uma afronta à moral e aos bons costumes, a homossexualidade permanece como alvo

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da rejeição social, sendo rotulada como anormalidade, gerando um sistema de exclusão impulsionado pelo preconceito” (SANTOS, 2007, p. 01).

Por outro lado, há aqueles que vivem em um contexto familiar mais esclarecido, com uma mentalidade expandida frente às diversidades do mundo moderno. D. S. deixa claro que sua família, mesmo sentindo uma contrariedade frente à sua relação homoafetiva, não impedia que esta fosse vivenciada.

Atualmente, pensa-se que o papel das tecnologias de comunicação e informação e principalmente o papel da educação como protagonista da educação sexual é muito importante no sentido de esclarecer questões de ordem relacionadas à dimensão da sexualidade humana, que transcende o fator biológico para o campo sociocultural, socioafetivo, cognitivo e histórico.

Mott (2002) analisa a sexualidade humana “como uma construção social e uma expressão cultural” (p. 09), devendo ser trabalhada com as famílias e jovens, sejam crianças e adolescentes, no sentido de trabalhar a educação enquanto respeito, tolerância, formas de lidar com familiares que vivem as múltiplas sexualidades, cuidados com a saúde, rompendo estigmas e preconceitos que acentuam a violência urbana frente os LGBTTT’s.

Vida Social

Um entrevistado relata sobre seu ciclo de amizades e sobre os locais onde frequenta, mostrando também sobre a falta de confiabilidade de seus pais diante de suas ações.

E.F.: (Discente) Vou para a casa de meus amigos, para as baladas (fervos), bebo (muitas vezes até cair - risadas) e também beijo (quando dá - risadas). Como meus pais me acham ainda “criança”, só consigo sair quando combino horários para voltar (um saco), mas isso já é alguma coisa.

Geralmente o círculo social dos homossexuais contemplam pessoas que também vivem as mesmas expressões sociais, sendo o grupo de amizades somado, em alguns casos, por homens e mulheres heterossexuais, sendo o grupo feminino, o mais presente.

Segundo pesquisa de Silva (2009), 88% dos LGBTTT’s entrevistados constituem seus círculos de sociabilidade com outros LGBTTTs. Os demais 12% verbalizaram possuir amizades com homens e mulheres heterossexuais, destacando não ver problema nesta relação.

Muitos sentem receio pelo fato da discriminação, temem ser alvos de chacota, de brincadeiras sem graça, de ofensas mais graves, principalmente entre o público heterossexual masculino. Esse público apresenta uma parcela que ainda cultua o machismo, tornando-se intolerantes frente à diversidade tornando-sexual. Existem mulheres que tornando-se enquadram no perfil citado, entretanto é importante destacar a aceitação de heterossexuais em possuir amizades com homossexuais, rompendo com concepções de “se ando com gay, posso ser considerado gay também”.

É interessante refletir que ninguém influência outro a mudar a orientação sexual. Cada um possui uma identidade que vai sendo desenvolvida ao longo do processo de formação da pessoa humana. Hoje é comum observar círculos sociais de amigos que apresentam uma multiplicidade de identidades sexuais. Essa realidade felizmente mostra que é possível existir mudanças no tocante ao fim da intolerância e instalação da paz e da aceitação de LGBTTT’s na sociedade contemporânea.

Quanto ao posicionamento de E. F., este afirma possuir vida social com amigos nas suas moradias e em baladas. Deixou claro o uso de bebida alcoólica e mencionou que nem sempre se relaciona com alguém nos entretenimentos que pratica.

Cabe mencionar que culturalmente, o homossexual é visto como uma pessoa promiscua e libertina, todavia, é importante deixar esclarecido que questões de fetiches sexuais ou nas palavras de Foucault (2007) fazer uso dos seus prazeres através do contato corporal, com liberdade e autonomia não está formatada apenas no desejo dos LGBTTT’s, o público heterossexual também é construtor de desejos e fetiches que, muitas vezes, pela dinâmica social conservadora em que vivem não são vivenciadas ou saciadas, caindo assim, na frustração, acentuando as formas de julgar e apontar críticas frente àqueles que manifestam seus desejos .

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Agressões vividas

Dois entrevistados relataram que não sofrerem nenhum tipo de agressão por serem homossexuais. Um deles diz que nunca sofreu por ser muito discreto e o outro por ser muito diplomático quanto este assunto desde sua infância.

D.S.: (Discente) Nunca sofri nenhum tipo de agressão por ser muito discreto, nem dou muita pinta.

B.A.S.Q.: (Docente) Desde pequeno tento ser diplomático. Fui daquelas crianças “velhas” que são mais respeitadas do que muitos adultos. Participava dos grêmios nas escolas, sempre tive ótimos relacionamentos na escola e outros círculos sociais, bullying e bullying homofóbico eram quase nulos. Ouvia piadinhas sobre meu nariz grande, usar óculos, usar gel no cabelo... Mas não tinha uma criança que não era zoada de alguma maneira. Porém, ouvir as palavras “bicha”, “viado”, ou outras do gênero, mexiam bastante comigo e mexem até hoje, mesmo que nunca ninguém tenha me chamado diretamente de “sua bichinha”. Acho que as pessoas têm/ tinham um pouco de medo de mim, não sou ingênuo de dizer que eles fizessem isso por respeito apenas. Muita gente não acredita quando eu digo que “Um ‘viado’ dito hoje, mata um gay amanhã” (...)

Para D.S. sua discrição refere-se a não viver livremente sua expressão sexual. Neste caso, dar a pinta seria viver uma sexualidade assumida. Entende -se que o entrevistado prefere manter sua sexualidade “no armário” e seguir sua dinâmica sem maiores preocupações. Cabe registrar que muitos LGBTTTs que omitem para a sociedade e as vezes para si mesmo suas sexualidades, fatores emocionais podem se comprometer, considerando as dificuldades em assumir duas identidades, a que a sociedade considera correta e aquela que a pessoa vive, porém na sua restrita intimidade.

Outras pessoas, como argumenta B.A.S.Q. decidem viver intensamente, dedicando-se ao crescimento pessoal para fortalecer a autoestima, contribuindo assim, no enfretamento dos preconceitos. O crescimento pessoal através do sucesso profissional, acadêmico e busca por maiores rendimentos econômicos caracterizam os homossexuais contemporâneos.

Um entrevistado relatou uma agressão sexual vivenciada aos treze anos, onde um rapaz de vinte e quatro mostrava o órgão genital para o mesmo visualizar.

L.V (Discente) (...) No primeiro emprego com 13 anos, um rapaz de 24 anos ficava me mostrando o pênis e tentando me molestar. (...)

Dois entrevistados relataram momentos de agressões nas escolas onde estudaram. Um deles foi diversas vezes chamado por nomes pejorativos e até mesmo teve problemas na adolescência por esses fatos. O outro escutava de colegas, brincadeiras de mau gosto e até mesmo relata tentativas do diretor da escola onde estudava para o afastar dos outros alunos.

Will Vulgo:(Discente) Sim, várias vezes eu fui chamado com nomes pejorativos, já tacaram pedras em mim na escola, já recebi um chute na perna por ser gay, e por isso tive muito problemas principalmente na adolescência, eu deixei de ir em alguns lugares e quase não saia de casa por causa disso.

L.V.(Discente) Já ouvi: bicha, viado, boiola, frutinha, isso era normal na escola. Muitos até falavam: vem de saia hoje! vem de salto! Mariquinha! Chegava em casa chorando, nossa! (...) No terceiro ano do Ensino Médio o diretor do colégio me fez separar os assentos dos meus colegas que me aceitavam na estratégia de me afastar daqueles “que estavam me influenciando”.

As falas dos entrevistados deixam claro que família e escola não estão preparadas para trabalhar a sexualidade humana com a juventude, como ilustraram os entrevistados, que foram vítimas das mais variadas violências, sendo as principais: física (pedradas e chutes), psicológica (viadinho, vem de saia hoje) e até mesmo violência moral (a atitude do professor que não contribuiu com a defesa e o respeito do aluno).

Quatro entrevistados relataram sobre agressões vivenciadas em locais públicos. Os quatro sofreram algum tipo de agressão em diferentes locais, como escolas, igrejas, bares, restaurantes, etc.

L.R.: (Docente) Sim. Na escola, no trabalho, na igreja, na família, na rua.

E.F.:(Discente) Sim. Estava em uma festa da faculdade e acabei ficando com uma menina, na frente muita gente. Quando ficamos, muitos homens que estavam perto da gente

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começaram a gritar e a tirar fotos com o celular, e chegavam perto de mim e da menina que eu estava, pedindo pra entrar no meio de nos duas.

Eu no começo ri um pouco da situação, mas depois deixou de ter graça, quando eles não paravam de tirar fotos, mesmo quando eu só estava conversando com a menina (...)

D.C: (Docente) Sim, preconceito de garçons e donos de estabelecimentos que impediram que eu demonstrasse afeto com meu companheiro...

WILL VULGO. (Discente) (...) Eu tinha 15 e o cara 30 anos. Ele havia me visto na rua, me adicionou na internet e começou a conversar. Através de um perfil “fake” ele descobriu que eu não havia ficado com homem, mas que tinha vontade, que eu achava que era gay. A partir dai ele começou a me ameaçar de morte, me seguia quando eu saia da escola para que eu transasse com ele. Eu estava com muito medo, eu era muito imaturo e ingênuo, ainda brincava com carrinho, fui criado com primos menores de idade sempre fui muito “mulecão”... Resultado, eu tive que contar para meus pais para não ter que sair com o cara. Ele dizia que ou eu saia com ele, ou ele transformaria minha vida num inferno. Assim como ele, existem muitos pedófilos por ai, ele ainda está livre, nunca foi preso e fiquei sabendo que não fui o único que ele ameaçou e que ele é traficante. (...)

Em concordância com Mott (2002) sobre o processo histórico do preconceito, há séculos, os homossexuais são discriminados e sofrem com práticas violentas que perpassaram os séculos só modificando as formas de ação e não abolindo-as de uma vez por todas. Nos séculos referentes à Idade Média existiam as torturas e a Inquisição do Santo Ofício com a incineração de homossexuais em praças públicas através da fogueira. Hoje, existem armas de fogo, a força física, armas brancas, dentre outras que estendem ainda mais o preconceito histórico enraizado na sociedade ocidental moderna.

Os insultos, o mau atendimento e a indiferença também são formas de violência contra LGBTTT’s, pois viola-se os direitos de liberdade de expressão, bem como direitos do consumidor como o de ser bem atendido em estabelecimentos comerciais.

Para A.R. todas as Instituições Sociais o privaram de viver sua sexualidade com respeito; para E.F. manifestar seu afeto por outra pessoa do mesmo sexo se tornou espetáculo em uma festa universitária; D.C. destaca indiretamente o despreparo de profissionais em lidar com a diversidade sexual, misturando princípios morais particulares no ambiente de trabalho; e Will Vulgo menciona os riscos que sofrera por recusar uma relação sexual com uma pessoa mais velha. A violência física é uma das mais preocupantes na problemática da homofobia, pois com esta prática, a vítima perde direitos como de liberdade de expressão, de ir e vir, de viver em paz em sua comunidade, de ser respeitada independente de qualquer característica, sexualidade, raça, etnia, religião que essa pessoa venha a ter, dentre outras.

Uma entrevistada relata sobre uma brincadeira vivenciada em seu trabalho na questão de estarem questionando sobre sua sexualidade, mostrando o preconceito existente contra o público LGBTT no mercado de trabalho.

E.F. (Discente) No trabalho, quando uma amiga brincou dizendo que eu era lésbica, e minha ex-chefe disse: Deus me livre, custei me livrar de uma, não me arrumem outra!

Os ambientes de trabalho refletem o preconceito social, pois há nos empregadores uma resistência em aceitar ou reconhecer as múltiplas expressões sexualidades na contemporaneidade e compreender que estas não interferem na qualidade do trabalho, tampouco na idoneidade, caráter e ética das pessoas.

A fala de E.F. deixa clara a postura hostil da empregadora ao dar graças pela saída de uma lésbica da empresa. Atitudes como esta florescem mais a intolerância e as distorções frente à sexualidade.

Preparação para a luta contra a homofobia

Três entrevistados abordaram sobre o preparo diante da luta contra a homofobia. Um deles acredita estar preparado, pois se pauta diante do amor e respeito pela humanidade. O outro diz que por trabalhar com diversos homossexuais, consegue enxergar a ignorância daqueles que não aceitam ou não respeitam as diferenças. Outro diz que não aceita nem de colegas de trabalho, brincadeiras que possam denegrir o outro, uma forma de combater o

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