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INTERSECÇÕES ENTRE O MERCADO TURÍSTICO E O MERCADO DO SEXO EM SALVADOR, BAHIA, BRASIL

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Academic year: 2020

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INTERSECÇÕES ENTRE O MERCADO TURÍSTICO E O

MERCADO DO SEXO EM SALVADOR, BAHIA, BRASIL

INTERSECTIONS BETWEEN TOURISM MARKET AND

MARKETING OF SEX IN SALVADOR, BAHIA, BRAZIL

LAS INTERSECCIONES ENTRE EL MERCADO DE TURISMO Y

LA COMERCIALIZACIÓN DE SEXO EN EL SALVADOR, BAHIA,

BRASIL

Cassiana Gabrielli1

Resumo: O presente artigo pretende trazer à discussão algumas questões sobre o relacionamento entre o mercado turístico e o comércio sexual na cidade de Salvador, capital do Estado da Bahia, situada na Região Nordeste do Brasil, focando, com especial atenção, a questão das relações sociais de gênero. Considerando o turismo um importante mediador social, propõe-se, a partir de algumas observações levantadas em entrevistas realizadas com dez profissionais do sexo atuantes em pontos turísticos dessa cidade, dialogar, com outros pesquisadores dessa temática, sobre as relações sociais e culturais entre turistas e autóctones, que podem refletir elementos de uma realidade mais ampla e, através da interpretação das formas pelas quais as relações entre os envolvidos em tal contexto se desenvolvem, sobre o turismo e, particularmente, sobre o seu viés conhecido como turismo sexual. É válido salientar que, nas discussões aqui apresentadas, aborda-se, apenas, a prostituição feminina heterossexual.

Palavras chave: Turismo sexual. Salvador (Bahia). Relações sociais de gênero. Interações culturais.

Abstract: This essay presents some issues for discussion about the relationship between the tourist market and the sex trade in the city of Salvador, capital of Bahia State, situated in northeastern Brazil, focusing particular attention to the issue of gender relationships. Whereas tourism an important social mediator, it is proposed,

1 Doutoranda em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo (PPGNEIM) pela Universidade Federal da Bahia (UFBA); Mestre em Cultura e Turismo pela Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC); Bacharel em Turismo pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Email: cassiana.gabrielli@gmail.com

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based on some observations made in interviews with ten sex workers working in this city sights, dialoguing with other researchers of this theme, on the social and cultural relations between tourists and native, which may reflect elements of a broader reality, and through the interpretation of the ways in which the relationships between those involved in such a context are developed on the tourism and especially about his bias known as sexual tourism. It's worth noting that in the discussions presented here, we discuss only the female heterosexual prostitution.

Keywords: Sex tourism. Salvador (Bahia). Gender relationships. Cultural interactions.

Resumen: Este ensayo presenta algunas cuestiones para el debate sobre la relación entre el mercado turístico y el comercio sexual en la ciudad de Salvador, capital del estado de Bahía, situada en el noreste de Brasil, prestando particular atención a la cuestión de las relaciones sociales de género. Considerando el turismo un importante mediador social, se propone, sobre la base de algunas observaciones hechas en las entrevistas con diez profesionales del sexo que trabajan en lugares de interés turístico de la ciudad, conversar con otros investigadores de este tema, sobre las relaciones sociales y culturales entre los turistas y nativos, lo que puede reflejar los elementos de una realidad más amplia, y a través de la interpretación de las formas en que las relaciones entre las personas involucradas en este contexto se desarrollan en el turismo y, especialmente, sobre su sesgo conocido como el turismo sexual. Vale la pena señalar que en los debates que aquí se presenta, se discute sólo la prostitución femenina heterosexual.

Palabras clave: Turismo sexual. Salvador (Bahía). Las relaciones sociales de género. Las interacciones culturales.

Introdução

Em um mundo cada vez mais globalizado, alicerçado em um tráfego de informações intenso e abrangente e, em conjunto com a abertura do mercado nacional para importações e investimentos estrangeiros, o turismo se estabeleceu como prática usual no país. Há quase duas décadas o barateamento do transporte aéreo, a melhoria e a diversificação dos meios de hospedagem, a disponibilidade de produtos e serviços “mundializados”, além da segmentação do mercado são tendências observadas em nível global e que se fazem presentes, também, no Brasil, propiciando a inserção do país no mercado turístico internacional.

No cenário de desigualdades sociais e históricas claramente percebidas entre as diversas nações do mundo, o turismo se apresenta como um fenômeno sócio-econômico-cultural que permite a interação entre indivíduos

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138 de diferentes origens, de contextos históricos e sociais diversos, de países ricos e pobres e os próprios imaginários construídos entre países colonizadores e colonizados. Essa prática interativa torna a atividade turística um importante elemento para a interpretação, através das formações discursivas, das relações sociais e de como e porque elas se dão entre as mais diversas culturas, na atualidade.

Sendo o turismo um dos meios que podem propiciar relacionamentos interpessoais entre membros de culturas distintas, a prática de viagens sexualmente motivadas se torna um interessante objeto de estudo para a compreensão dos elementos culturais e simbólicos que entram/estão em jogo. O imaginário sobre as terras estrangeiras fomenta a aproximação de dois corpos que não se veem, mas se leem pelos imaginários desenvolvidos ao longo de séculos de informações letradas.

Analogamente, verifica-se que as posições e as condições das mulheres, variam enormemente de uma cultura para outra, embora, de modo geral, essas se apresentem subalternas aos homens. Entretanto, as formas de dominação se diferenciam, de acordo com os contextos locais, sendo que, em alguns países, as mulheres já conseguiram a sua emancipação em várias esferas, enquanto que em outros, muito especificamente pelo imaginário internalizado, ainda são totalmente dependentes dos homens.

Nesse contexto de diferentes vivências das relações sociais de gênero, e justamente por julgarem as mulheres de seus países de origem emancipadas e pouco submissas às suas vontades, que muitos homens recorrem a relacionamentos com parceiras de culturas diferentes das suas e que se encontram em situação de sujeição nas sociedades em que estão inseridas, seja por questões de classe, raça/etnia, seja, ainda, por questões de gênero.

Sônia Corrêa define essa situação da seguinte forma:

Historicamente, nas mais diversas culturas, as mulheres se dividiam entre as boas e as más (as mães/esposas e as prostitutas). No momento atual, homens de uma cultura buscam em outros contextos culturais as boas mulheres, já que suas compatriotas se recusam a

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aceitar padrões de relação caracterizados pela violência e pela coerção. Isto vale para os europeus que procuram asiáticas e brasileiras, assim como para árabes que buscam indonésias, ou mexicanos que vão em busca de companheiras na Guatemala. O deslocamento de um vasto contingente de mulheres através do planeta é mediado pela sexualidade, e instrumentaliza desigualdades culturais e econômicas, possivelmente para manter funcionando um sistema global e desigual de gênero (Corrêa, 1996, p.157).

No entanto, tendo como viés, nesta análise, a temática do turismo sexual, percebe-se que não são apenas as relações sociais de gênero que, vivenciadas diferentemente em cada cultura, motivam o fluxo de turistas interessados em sexo para o Brasil. Construções culturais em que a "corporificação" exacerbada da "mulher brasileira" atrela-a, constantemente, à sensualidade são constantes desde o "descobrimento" oficial do país. Porém, para entender a colocação das mulheres brasileiras no mercado sexual globalizado, mais do que análises de gênero, é necessário que se observe os discursos recorrentes sobre a dita "sensualidade nativa" mostrando-se essencial, também, levar em conta considerações sobre a categoria analítica relacionada à raça/etnia.

A Sensualidade Nativa

Embora se saiba que as etnias indígenas são parte fundamental do processo miscigenador no Brasil, enfatiza-se as relações entre negros(as) e brancas(os) por serem essas as mais representativas nos discursos atuais acerca do povo brasileiro, assim como porque foi dessas relações que se originaram os(as) "mulatos(as)", que são retratados(as) como “originais” do país e, especialmente, a mulher "mulata" que, na marcação por gênero, é constantemente evocada em narrativas sobre a sexualidade das brasileiras.

A miscigenação entre brancos(as) e negras(os) no Brasil adquiriu nuanças particulares e têm sido o mote central de debates acirrados entre pesquisadores(as) das mais diversas áreas e é, justamente, nesse processo que as categorias analíticas gênero e raça se apresentam intimamente

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140 imbricadas, pois, as primeiras e, por muito tempo, preponderantes, relações heterocrômicas aqui percebidas aconteciam entre mulheres negras ou mestiças e homens brancos (ver Moutinho, 2004). John Norvell (2001) pontua que, em autores clássicos da historiografia brasileira, é notória a ausência de homens negros e mestiços na constituição de pares miscigenadores.

Essas aproximações entre negras, mestiças, índias e homens brancos se deram no contexto dos processos de povoamento da colônia e de contatos primordiais entre homens e mulheres de origem europeia e o outro diferente. Vários fatores contribuíram para que tais relações se dessem dessa forma (branco  negra/mestiça/índia), assim como, também, os discursos sobre esse tipo de cruzamento inter-racial foram bastante diversos.

O sexo realizado principalmente entre senhores brancos e escravas negras e/ou pardas era, em muitos casos, resultado de interesse direto do senhor na proliferação de seu quinhão de escravos. Engravidando as escravas, o fruto dessas relações viria a fazer parte da população cativa a ele pertencente. Desse modo, mais do que prazer carnal, esse ato representava um investimento a longo prazo. Além disso, os padrões morais vigentes eram, de alguma maneira, “negociados”, ou seja, apesar das duras críticas de conservadores e, principalmente, da Igreja Católica, nesse caso, não foram tomadas medidas drásticas para evitar os relacionamentos sexuais com propósitos capitalistas entre colonizadores e nativas, mesmo nativas escravizadas.

Outra componente que não pode ser ignorada nesse sistema é aquela que, na literatura oficial, é tida como “atração pelo exótico”, que se explica pelo fato de que algumas das características das culturas africanas em relação à sexualidade pareceriam aos olhos da europeia como sinais de volúpia, principalmente, por serem menos influenciadas pelos rígidos e conservadores preceitos da Igreja Católica. No entanto, a falta de noção da relatividade cultural fez com que se propagassem diversos discursos sobre a lubricidade das pessoas oriundas de etnias africanas, um discurso que foi, e ainda é, muito propalado, ao longo dos mais de quinhentos anos de desenvolvimento da

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141 cultura brasileira. Sem dúvida, é um dos elementos presentes na construção

do imaginário sobre e, também, das mulheres brasileiras na

contemporaneidade, já que essas são correntemente identificadas com “a mulata” que representa, justamente, a mistura de brancos(as) e negros(as), a elas sendo atribuídas características particulares às afrodescendentes.

É importante destacar a peculiaridade dos(as) mestiços(as) ou, mais especificamente, dos(as) “mulatos(as)” no Brasil que, frutos, principalmente, de relações entre brancos e negras, de certo modo, se tornaram representantes da “brasilidade”. Embora o(a) índio(a) tenha sido eleito(a) símbolo nacional, muito por conta da lógica do romantismo nacionalista dos anos mil e oitocentos, são os(as) mulatos(as) que são considerados o “produto” genuinamente brasileiro.

Um dos fatores que colaboraram para que a sexualidade das mulheres negras tenha sido mais enfatizada que a dos homens das mesmas etnias e culturas diz respeito à questão da diferença de status entre homens brancos e negros no sistema patriarcal que vigorava na época (Moutinho, 2004). Sendo os brancos os dominadores, detinham privilégios nas aproximações tanto com as negras e mestiças, quanto com as brancas que, tidas como guardiãs da virtude, não deveriam se entregar aos prazeres da carne. Daí, a ausência, já comentada, de narrativas envolvendo mestiços oriundos de relacionamentos entre mulheres brancas e negros, no processo de miscigenação.

As relações dos afrodescendentes do sexo masculino, em sua grande maioria, eram intrarraciais, enquanto as mulheres eram alvo de "abordagens" tanto de brancos quanto de negros. Assim, o que se destaca nos discursos sobre as mulheres negras no Brasil, é o imaginário sobre a sexualidade de negras e mulatas que, ainda hoje, aparece atrelado a formações discursivas coloniais que consideram essas mulheres como essencialmente erotizadas. O turismo e o Sexo

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142 Relacionando os desdobramentos da formação do imaginário sobre o povo brasileiro ao mercado turístico internacional, observa-se que a atividade turística é amplamente pautada nas imagens construídas sobre o país e sua população, visto que é o conhecimento adquirido através dos mais variados meios que possibilita o interesse, ou não, por determinada localidade.

Em avaliações recentes, o país aparece como o qüinquagésimo segundo Estado, entre os cento e trinta e nove avaliados pela quarta edição do Relatório de Competitividade em Viagens & Turismo, divulgado pelo Fórum Econômico Mundial, em Genebra, na Suíça e o primeiro da América do Sul (WORLD..., 2011). Entre os principais visitantes estrangeiros que se destinam ao país, destacam-se os argentinos, norte-americanos, italianos, uruguaios, alemães, chilenos, franceses, paraguaios, portugueses, espanhóis e ingleses2, segundo os dados oficiais divulgados pelo Ministério do Turismo3

.

Interligando o mercado turístico ao mercado do sexo e do prazer, verifica-se que o turismo sexual tem se desenvolvido em diversas áreas do país, especialmente na Região Nordeste, o que, embora esteja intimamente relacionado a questões de imagem e estereótipos criados acerca do povo brasileiro, revela que as causas e implicações socioeconômicas e culturais são tão importantes, para uma análise desse tipo específico de prática turística, quanto aquelas relacionadas a imagens.

Na década de noventa do século passado, período de implementação do Real como moeda corrente e “estável”, no país, verificou-se o aumento significativo da chegada de voos internacionais às principais capitais nordestinas e, naquele momento, o Brasil passou a figurar entre os principais destinos de turismo sexual do mundo. (Piscitelli, 1996). Nesse contexto, a

2 Vale lembrar que, exceto os paraguaios, todas as demais etnias foram citadas na pesquisa realizada junto às prostitutas atuantes em pontos turísticos de Salvador, quando questionadas sobre as nacionalidades de seus clientes.

3 Segundo o Ministério do Turismo (MTur), as chegadas de turistas internacionais ao Brasil, em 2010 (valores expressos em milhares) se referem a: Argentina (1.399,592); EUA (641.377); Itália (245.491); Uruguai (228.545); Alemanha (226.630); Chile (200.724); França (199.719); Paraguai (194.340); Portugal (189.065); Espanha (179.340); Inglaterra (167.355). (BRASIL, 2011).

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143 prostituição voltada para o atendimento de estrangeiros passou a receber mais atenção, levando a uma série de debates e investigações sobre os demais assuntos articulados ao mercado sexual transnacional como, por exemplo, a prostituição infantil, o tráfico de mulheres e o lenocínio internacional, dentre outros.

É importante destacar que, ainda que as atividades relacionadas ao contexto do mercado transnacional do sexo sejam, de certo modo, depreciativas para muitas pessoas envolvidas, o cuidado na apreciação da temática é fundamental para evitar julgamentos moralistas ou que coloquem as(os) envolvidas(os) em posição de vítima, negando-lhes qualquer característica de agência própria, como adverte Piscitelli:

As práticas de prostituição tais como outras formas de mercantilização e consumo, devem ser lidas de maneiras mais complexas que apenas uma confirmação da dominação masculina: em certas circunstâncias, elas podem ser espaços de resistência e de subversão cultural. Por este motivo, estas linhas consideram que a posição da prostituta não pode ser reduzida à de um objeto passivo utilizado na prática sexual masculina, mas como um espaço de agência no qual se faz um uso ativo da ordem sexual existente (Piscitelli, 2005, p.14).

O turismo sexual é apenas um viés dentro de uma variada gama de atividades desprestigiosas que se articulam ao desenvolvimento do turismo, já que muitas vezes, ao lado do crescimento promovido pela atividade turística sem planejamento adequado, aparecem conseqüências como aumento da criminalidade, tráfico de drogas, dentre outras. Entretanto, essa modalidade relacionada ao mercado sexual, que não é ilegal, desde que praticada com pessoas que já atingiram a maioridade, é vinculado, pelo senso comum, ao rol de práticas vis, justamente por entremear atividades moralmente desprezadas, como a prostituição.

Voltando à relação desse mercado (sexual) com o trade turístico, nota-se que a sua intersecção, representada aqui pelo turismo sexual, se alicerça, antes de mais nada, em relações desiguais e tem, como fatores intervenientes dessa complexa prática, matrizes discursivas ligadas ao início da colonização e

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144 a ações publicitárias equivocadas, capazes de envolver seres humanos, suas culturas e a prestação de serviços advinda de uma economia em escala global.

Vale ressaltar que, para fins de planejamento, a atividade turística é comumente segmentada com base na identificação de características comuns a determinados grupos, que têm como finalidade a criação de produtos adequados a demandas específicas. Logo, há destinos que se estruturam com vistas ao dito turismo cultural, ao turismo de negócios, ao de lazer e a tantas outras modalidades existentes. Contudo, tal segmentação é feita com vistas ao planejamento receptivo, sendo inviável a divisão dos viajantes em categorias estanques.

Por isso, apesar de utilizarmos a denominação turismo sexual, sabemos que nenhuma localidade, ao menos oficialmente, tem seu planejamento voltado para esse “tipo” de turismo e, assim como a identidade social não pode ser lida como singular, as motivações pessoais para a prática turística também não podem ser enquadradas em uma ou outra modalidade turística. O uso dessa terminologia se deve, exclusivamente, ao interesse em dialogar sobre tal questão, utilizando uma nomenclatura já estabelecida e amplamente conhecida.

Assim, visando compreender o que é considerado turismo sexual, buscamos, junto à Organização Mundial de Turismo (OMT)  World Tourism

Organization (WTO) , a definição “oficial”: “Viagens organizadas dentro do

setor do turismo, ou fora deste, usando suas estruturas e redes de contato, com a intenção principal de efetivar relações sexuais comerciais entre turistas e nativos”.

Porém, como vimos detalhando acima, acreditamos não ser possível determinar motivações principais, mas, mesmo que essas existam, o fato de envolvimentos sexuais não serem a prioridade para o deslocamento não faz com que as interações e suas consequências se tornem menos importantes. As questões envolvidas na prática do turismo sexual se fazem presentes tanto quando há relações sexuais comerciais com nativas como quando as relações sexuais não estão diretamente inseridas num contexto mercadológico, pois o

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145 imaginário sobre a mulher brasileira, assim como as assimetrias de gênero, se faz presente em um e outro caso.

Nesse sentido, é interessante a contribuição de Oppermann acerca dos múltiplos desígnios envolvidos na prática turística:

Este caráter multi-proposital do turismo aliado às múltiplas atividades que o compõe, aponta para o fato de que o turista não precisa viajar somente em busca de sexo, ou que numa situação de turismo sexual, as pessoas envolvidas tenham somente sexo em mente. [...] Muitos turistas experimentam encontros sexuais simplesmente porque a oportunidade aparece ou porque eles conhecem indivíduos atraentes. Em outros casos, eles simplesmente sentem-se sozinhos e sexualmente privados, e usam a oportunidade de ser um „estranho desconhecido‟ para comprar serviços sexuais (1999, p.256, tradução livre).

É, porém, importante frisar, mais uma vez, que as construções imaginárias permeiam todas essas situações, sem que sejam oportunamente evidenciadas. Sendo assim, consideramos a apreciação de Adriana Piscitelli mais abrangente, quando define o turismo sexual como “qualquer experiência de viagem na qual a utilização de serviços sexuais prestados pela população local, em troca de recompensas monetárias e não-monetárias, é um elemento crucial para o sucesso da viagem”. (Piscitelli, 2001, p.3, tradução livre).

Essa argumentação abarca os turistas que não viajam com a intenção primordial de ter relações sexuais, mas que as consideram fundamentais para a satisfação na viagem, como também aqueles que não pagam diretamente por serviços sexuais, mas deles acabam usufruindo através de trocas, que podem envolver diferentes formas de pagamento, que não, explicitamente, dinheiro. Desse modo, pretende-se esclarecer que o turismo sexual é entendido, aqui, como a prática de viagens que envolve relacionamentos sexuais pautados em diferenças socioculturais (em especial, pelo viés articulado às relações sociais de gênero e raça/etnia), aliados a recompensas materiais e/ou imateriais.

É válido salientar que, mais do que dinheiro e/ou presentes, muitas vezes, os interesses de uma parcela da população autóctone no envolvimento com turistas giram em torno de acesso a lugares que ela habitualmente não

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146 frequenta seja por conta dos altos custos, seja por conta do preconceito da sociedade. Além disso, a possibilidade de ascensão social, em especial, aquela atrelada à oportunidade de migração, em caso de um relacionamento mais duradouro, é outra componente de destaque no interesse de mulheres nativas por estrangeiros.

Desse modo, pode-se perceber a constituição de uma rede de fatores que convergem para a prática do turismo sexual. Além do posicionamento econômico do Brasil no mercado global, as mazelas sociais aqui presentes são cruciais para despertar o interesse de turistas em busca de sexo de virem ao Brasil já que, conhecedores das condições relacionadas não apenas às classes sociais como, também, às relações sociais de gênero e à raça/etnia, imaginam, ou sabem, que o simples fato de serem representantes de uma cultura diferente já os torna atraentes para muitas mulheres.

Na pesquisa empreendida por Thaddeus Blachette e Ana Paula da Silva sobre algumas peculiaridades do turismo sexual em Copacabana (RJ), eles apontam três idealizações acerca dos/as brasileiros/as, correntemente presentes nos discursos de seus entrevistados estrangeiros, que, de certo modo, apontam para esse sentimento de “superioridade” frente às nativas por parte dos “gringos” que vêm ao país em busca de sexo. São elas:

A idéia de que os brasileiros – e particularmente as brasileiras – são dotadas de uma sexualidade “natural” acentuada. A idéia de que as relações sociais expostas na cidade – particularmente as relações familiares e o papel da mulher na família – são típicas de um outro tempo, o passado dos países de origem dos gringos em questão. A visão da cidade como “perdedora” (também do país como “perdedor”)– um espaço sócio-econômico que não provê adequadamente a maioria de seus habitantes, particularmente as mulheres (2005, p. 256).

Ou seja, pode-se perceber que articulado ao imaginário disseminado sobre o país e seu povo, há também referências às experiências sócio-culturais dos turistas. Pois, muitos homens julgam que as mulheres perderam características de sua feminilidade, ao competirem com eles no mercado de trabalho, ao optarem por se dedicar à carreira profissional em detrimento do

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147 lar, ao usarem o poder de escolha se querem ou não ter filhos, e mesmo se querem ou não se casar. Essa independência feminina faz com que muitos indivíduos, que ainda procuram mulheres submissas e dependentes, viajem a lugares, onde elas têm menos oportunidades e culturas diferenciadas, o que facilita a submissão e dependência perante eles.

Porém, é importante destacarmos que nem todos os turistas que se envolvem com brasileiras têm tais premissas em mente. Há uma grande heterogeneidade quanto às formas e intenções de relacionamentos. Silva e Blachette identificaram dois tipos predominantes de turistas sexuais na boate

Help, onde realizaram seu estudo. O turista sexual acidental, “pois ele atribui

sua presença na boate à força das circunstâncias e não a considera fruto de um plano ou o objetivo final de sua viagem” (id, p. 263). E o segundo tipo, que de acordo os autores, constituem um grupo pouco numeroso, “os auto-rotulados mongers, turistas sexuais assumidos e que gastam enormes quantidades de tempo e de dinheiro à procura de novas aventuras sexuais” (id, p. 264). Num contexto mais amplo, a esses ainda se somam aqueles “que acreditam estarem envolvidos em relações sexuais e emocionais autênticas e recíprocas, que não consideram prostitutas as mulheres que com eles se envolvem e que não se pensam como „clientes‟” (Piscitelli, 2004, p. 303).

Assim como é evidente alguma heterogeneidade entre as formas de envolvimento e as intenções dos turistas que fazem parte do cenário do comércio sexual interseccionado com o mercado turístico, as mulheres que nele se inserem também o fazem por diferentes interesses, pois, não somente o pagamento diferenciado torna os viajantes estrangeiros mais atraentes; ideais de educação e beleza presentes no imaginário das envolvidas também colaboram para que esses sejam preferidos aos brasileiros.

Podemos observar que, entre essas mulheres, existem aquelas que, assim como os homens que não se consideram clientes, também não se identificam como prostitutas. São, em muitos casos, trabalhadoras do mercado formal e informal, sub-remuneradas, que veem na aproximação com turistas a possibilidade de frequentar bons hotéis e restaurantes, de realizar pequenas

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148 viagens para destinos próximos da cidade, que elas poucas vezes visitam, ou, ainda, de ganhar presentes que, com o baixo salário que recebem, são considerados supérfluos, como perfumes, joias, celulares mais modernos, dentre tantos outros.

Porém, há também as profissionais do sexo que almejam ter acesso a lugares diferentes dos que habitualmente visitam e, igualmente, angariam presentes junto a seus clientes; mas, nesse caso, o pagamento não é dispensado: ele é negociado logo no início do programa e pode se referir a apenas um encontro com práticas e tempo definido ou pode se estender por dias ou semanas. É comum, ainda, que, apesar de não ter negociado o programa por longos períodos, o visitante recorra, quase que diariamente, à mesma parceira.

Uma última questão que merece ser mencionada acerca das aproximações entre o mercado do sexo e do turismo em Salvador, se refere a ação de facilitadores inseridos na cadeia turística que propiciam os encontros. De acordo com Antonio Jonas Dias Filho, antropólogo que analisou o circuito do turismo sexual em Salvador, há, no bairro da Barra (seu campo de pesquisa)4,

taxistas, porteiros de prédios e funcionários de hotéis, guias turísticos, donos de casas noturnas, bares e restaurantes, além de outros facilitadores e agenciadores, com atividades paralelas não identificadas, que propiciam aos turistas o acesso às mulheres nas dependências desses estabelecimentos, através de uma rede de contatos muito bem estruturada (DIAS FILHO, 2001, p.87).

Ou seja, o turista tem a possibilidade de contatar alguém que está inserido na cadeia turística e, portanto, tem acesso direto a ele, para que tal elemento facilite a aproximação entre o visitante e alguma mulher que lhe agrade. É importante esclarecer que essa intermediação não é gratuita: é sempre cobrado da mulher, do turista ou de ambos algum tipo de gratificação,

4 O referido autor realizou sua pesquisa no final da década de noventa para a composição de sua dissertação de mestrado "Fulôs, Ritas, Gabrielas, Gringólogas e Garotas de Programa: Falas, práticas, textos e imagens em torno de negras e mestiças, que apontam para a construção da identidade nacional, a partir da sensualidade atribuída à mulher brasileira".

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149 sendo que, muitas vezes, o pagamento realizado pelas mulheres envolvidas nesse mercado é realizado por meio de serviços sexuais, no caso de agenciadores ou facilitadores homens.

As “Garotas” de Salvador

Foi particularmente com o grupo de mulheres que se envolvem com turistas num contexto profissional, ou seja, o de prostitutas atuantes em pontos turísticos da capital baiana, que foi realizada uma pesquisa com o objetivo de investigar o seu imaginário sobre os viajantes estrangeiros. A Bahia, particularmente a cidade de Salvador, se destaca no cenário turístico nacional. A "Terra da Felicidade", para os mais atentos aos apelos publicitários do trade turístico, é um dos principais centros de recepção de visitantes do país, o que faz com que os contatos interculturais componham parte da dinâmica social de grande parte da população soteropolitana, e como não poderia deixar de ser, as prostitutas também participam do mercado turístico comercializando seus serviços.

A definição acerca do lugar a ser pesquisado se deu após análises de materiais existentes no Centro Humanitário de Apoio à Mulher (CHAME), uma organização não governamental (ONG) que atua em projetos voltados à prevenção ao tráfico internacional de mulheres e ao turismo sexual. Existente há quase quinze anos, o Centro conta com um rico acervo de dados obtidos durante a realização de projetos, assim como, com uma grande quantidade de materiais jornalísticos sobre o tema, veiculados ao longo de mais de uma década. Deste modo, após o acesso a tais informações, discutidas também com a representante da instituição Jaqueline Leite, pudemos delinear alguns caminhos a serem seguidos na parte prática da pesquisa de campo.

Assim, de posse dessas informações prévias, planejamos o desenvolvimento das entrevistas para que fossem realizadas na própria praça (da Sé) onde elas “fazem ponto”, nos seus horários de trabalho, entre às

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150 dezoito e as vinte e duas horas. A opção por entrevistá-las no local e horário em que estavam trabalhando se deu por conta da facilidade de acesso a elas, pois, algumas não teriam disponibilidade para que nos encontrássemos em outros lugares e períodos já que utilizam tal tempo para afazeres domésticos, ou tem outros empregos. Há que se considerar também que, muitas prostitutas escondem suas atividades de familiares, o que tornaria a alternativa de procurá-las fora do seu local de trabalho inviável. Havia ainda a questão financeira, já que pagar a passagem de ônibus exclusivamente para participar da pesquisa não pareceu ser uma alternativa atraente, ainda que pudéssemos oferecer tal benefício.

Deste modo, nossa pesquisa se desenvolveu na Praça da Sé por mais de um motivo. O primeiro deles é por ser um reconhecido ponto de prostituição dentro da área do Pelourinho, que sem dúvidas é um destacado ponto turístico da cidade, atingindo nosso objetivo de termos acesso às profissionais que transitam nesse meio. Além disso, existiram razões práticas, pois foi através dos encontros na APROSBA (Associação das Prostitutas da Bahia) que nos inserimos no grupo, sendo possível acompanhá-las após as reuniões, o que facilitou nosso relacionamento e consequentemente a operacionalização das entrevistas.

O contato inicial com nossas entrevistadas seu deu por intermédio da coordenadora da APROSBA, Fátima Medeiros. Através dela conseguimos estabelecer relação com algumas profissionais que nos levaram a outras, e assim realizamos entrevistas, semi-estrturadas, com dez prostitutas que habitualmente se envolvem com estrangeiros. Inclusive entre essas há algumas que já moraram no exterior. A amostra foi delimitada considerando as trabalhadoras assíduas no local, que se dispuseram a participar da pesquisa, e que afirmaram ter clientes estrangeiros, pois algumas profissionais que lá atuam, se envolvem somente com brasileiros.

É válido destacar que a Associação das Prostitutas da Bahia é uma organização existente há onze anos, localizada nas imediações do Pelourinho,

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151 um dos principais atrativos da cidade. É interessante notar que essa Associação foi criada justamente quando ocorreu uma grande reforma para a revitalização dessa região, inserida no conhecido Centro Histórico de Salvador cujo propósito era o de transformar o espaço, então degradado, porém rico em atrativos, de forma a permitir a exploração turística. Na ocasião, a ordem era "limpar" a área, uma ação, de certo modo, comum nas formatações de produtos para o turismo que, frequentemente, têm suas mazelas sociais mascaradas. Nesse sentido, foram realizadas diversas incursões policiais que abusavam da violência para expulsar as prostitutas das ruas. Indignadas com a situação, as profissionais que lá trabalhavam se mobilizaram criando a Associação para lutar por seus direitos. E em sua primeira ação obtiveram sucesso, já que muitas delas "batalham" no "Pelô" até os dias atuais.

Não só o Centro Histórico é palco da discussão sobre a presença das prostitutas no meio turístico: também a praia do Porto da Barra é um lugar bastante frequentado por turistas e profissionais do sexo. Nesse local, a adversidade maior está nos moradores que, através da sua associação buscam meios para inibir os encontros e a convivência entre visitantes e as mulheres que comercializam seus corpos, pois, muitos deles veem a sua esfera social de classe média ser penetrada por mulheres negras ou morenas das classes populares que, por sua profissão, contrariam a moral por eles aceita. Nos relatos coletados nessa pesquisa, percebe-se que uma das principais motivações para a preferência das prostitutas por homens estrangeiros é, justamente, a tentativa de subversão desse estigma.

Embora as relações se deem em um contexto comercial, o fato de os turistas estarem distanciados de seu meio social habitual permite que eles desfrutem de alguma autonomia e lhes oferece a oportunidade de viver relações pessoais de formas alternativas. Assim as profissionais, através do respaldo dado pela companhia masculina, que não está sujeita a classificações depreciativas, conseguem acesso a lugares que usualmente lhes são negados. Ainda que, em alguns casos, continuem a sofrer discriminação nesses espaços,

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152 elas veem sua simples presença ali como um posicionamento independente em relação à tendência dominante.

Como descreve uma das entrevistadas, Nina, nome fictício criado por ela para ser utilizado na pesquisa:

 O estrangeiro pensa mais no futuro da mulher; quando eles gostam, tentam fazer algo por elas [...] não tem aquela mulher como se fosse... uma mulher que ele ia pagar, [es]tá entenden[d]o? Trata de outra maneira. Não tem vergonha de sair com a mulher, entra em ambientes que pode ter até o Presidente; ele entra com aquela mulher, não tem diferença... porque o médico aqui só casa com a pessoa que tem a formação igual a dele, né [não é] verdade? E lá em outro país não... um médico casa com uma doméstica. [Es]Tá me entenden[d]o?

Percebe-se, no entanto, que nenhuma das entrevistadas demonstrou ser crítica quanto ao fato de os turistas poderem assumir comportamentos diferenciados por estarem fora de seu círculo social. De modo geral, elas julgam que eles são mais educados, carinhosos e atenciosos, por causa das construções culturais características de seus países de origem e, mesmo considerando o idioma uma barreira, uma análise mais aprofundada sobre a falta de vocabulário em comum não lhes parece pertinente.

Diz Roseane: “ O brasileiro é muito vulgar na forma que se fala, já fala com você, já torna... torna aquela situação meio vulgar. E os estrangeiros não, ele [es]tá ali, parece um namorado... eles não perguntam nada, não quer[em]

saber quem é você [...]”. Paulínia tem uma opinião bastante semelhante: " O

brasileiro é podre: Hei gostosa!... entendeu? Eles [os estrangeiros] não. Eles olham, admiram, mandam beijo, manda[m] flores, manda[m] uísque, manda[m] cerveja, depende de cada um, entendeu?".

A ausência de reflexão sobre a condição dos homens brasileiros que contratam serviços sexuais é facilmente percebida. Não são feitas considerações sobre a possibilidade e o receio que eles têm, de serem “flagrados” por pessoas conhecidas, sobre as suas condições econômicas (visto que não têm o benefício das moedas valorizadas que os turistas trazem) ou mesmo sobre o domínio que eles têm da língua portuguesa, das gírias e

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153 hábitos correntes. Logo, é interessante ponderar sobre o déficit de expressão dos estrangeiros, o que, em determinadas circunstâncias, pode ser favorável, pois, nem sempre suas idéias e intenções são totalmente compreendidas. Assim, as profissionais que com eles se envolvem ficam livres para interpretá-los de acordo com seus imaginários. Isso se reflete, por exemplo, na constatação de que cerca de sete dentre as dez entrevistadas citarem a expectativa de encontrar um futuro companheiro entre os clientes estrangeiros para, com isso, poder migrar com ele para lugares, segundo as suas perspectivas, mais civilizados e desenvolvidos que o Brasil.

Outro ponto que merece atenção quanto às relações entre prostitutas e turistas diz respeito à prioridade dada por elas aos encontros com estrangeiros. Tal preferência pode ser vista em parte, como um modo de negociação frente às relações vigentes, já que elas procuram aqueles que, ao menos nas suas opiniões, tendem a tratá-las de maneira mais digna, e menos objetificada:  “O gringo quer romance”  afirma Gabriela; “ Eles tratam a

gente como rainha”  diz Wal.

Apesar de haver alguma distinção nas formas de envolvimento e nos lucros auferidos entre as prostitutas e as não-profissionais, em ambos os grupos se encontram mulheres dispostas a manter relacionamentos, muitas vezes sem envolvimento emocional autêntico, a fim de desfrutar as oportunidades que um possível casamento com um estrangeiro, principalmente quando oriundo de países europeus, pode lhes proporcionar.

Conclusão

Assim, na inter-relação de sociedades, pode-se perceber uma atualização do modelo colonial regida pelas normas capitalistas contemporâneas em que o turismo se apresenta como atividade essencial. A busca incessante pelo

diferente, aliada à evidência do prazer, características da

“contemporaneidade”, faz com que, cada vez mais, os fluxos em direção a destinos periféricos se intensifiquem, já que esses ainda podem apresentar

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154 atrativos exóticos para os turistas detentores de conhecimento e poder de compra.

A relação entre países “centrais” e “periféricos” é expressa através do turismo sexual no sentido de que esse é, caracteristicamente marcado pela procura não apenas de sexo mas, também, de relações sexuais com mulheres que vivenciam situações de pobreza e baixo nível educacional, em geral, "racializadas". Já essas mulheres procuram, no contato com estrangeiros, a oportunidade de melhorar suas condições de vida, seja através do dinheiro pago pelos serviços sexuais, seja pela procura de relações estáveis, visando sempre à mobilidade social, que pode estar diretamente relacionada a padrões culturais bastante diversos daqueles de origem das brasileiras. Assim, somente através do casamento com um europeu, é que vão poder vivenciar a realidade da “vida na Europa”, uma experiência que, muitas vezes, as decepciona, justamente por conta do confronto entre o imaginário sobre o lugar e a realidade vivida.

Com o desenvolvimento das sociedades modernas, até o atual estágio, em que se encontram, percebe-se uma clara assimetria de relacionamento, entre as diferentes culturas, possibilitando uma larga disparidade entre centro e periferia, e dos produtos advindos de cada um desses pólos. Essa diferenciação leva inevitavelmente ao confronto entre identidade e alteridade, lembrando que a consciência do Ocidente foi formada não só com base em suas diferenças em relação a outros povos, ou num processo interno, mas também, pelo modo como a Europa foi representada em relação a esses outros povos.

Essa oposição entre o “ser” e o “outro” é vivenciada empiricamente durante a experiência turística, que, assim como os demais elementos da cultura contemporânea, é baseada também nas representações feitas pelo “outro” e sobre o “outro”. Sendo assim, o turismo é um meio pelo qual se pode colocar em contato, não apenas indivíduos, mas valores e imaginários depreendidos das culturas de origem dos (e sobre os) viajantes. Dessa forma, a atualização e manutenção de ideais e estereótipos criados em diversos

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155 contextos é possível na medida em que sua validade é ratificada por integrantes e “divulgadores” de determinados grupos, como por exemplo, as prostitutas aqui apresentadas.

Através do olhar turístico, o “outro” aparece como personificação individual do grupo nacional do qual origina, sendo que seu comportamento e suas ações servem de base para definição da conduta social atribuída a todo conjunto étnico do qual descende. Assim, o todo é exprimido através dos indivíduos, e a nação figura como invólucro, dentro do qual, para o “outro”, todos são “iguais”. Dessa forma, a disseminação de estereótipos e clichês nacionais, como os associados às brasileiras, por exemplo, é facilitada.

A experiência turística possibilita ainda contrastar o diferente e o “normal”, sendo que, através dessa “oposição”, é possível apreender as dinâmicas dos grupos sociais, mesmo fora do âmbito turístico. Pois, através das trocas entre visitantes e visitados, evidenciam-se aspectos de práticas “normais”, que podem passar despercebidas quando inseridas no seu contexto de origem. Sendo assim, a percepção das relações estabelecidas entre os turistas e as profissionais do sexo brasileiras que se envolvem com estes, reflete, muito mais do que simples interações turísticas, mediadas por intenções de cunho sexual, valores vigentes nas sociedades contemporâneas, que são reproduzidos através da prática turística.

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Artigo recebido em março de 2011.

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