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CARLO RALPH DE MUSIS AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL NO ENSINO SUPERIOR: ASPECTOS

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Academic year: 2019

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CARLO RALPH DE MUSIS

AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL NO ENSINO SUPERIOR: ASPECTOS INSTITUINTES

Programa de estudos pós-graduados em educação: Psicologia da educação

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CARLO RALPH DE MUSIS

AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL NO ENSINO SUPERIOR: ASPECTOS INSTITUINTES

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de Doutor em Educação: Psicologia da Educação sob a orientação da Professora Doutora Bernardete Angelina Gatti.

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Banca Examinadora

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Numquam se plus agere quam nihil com ageret,

nunquam minus solum esse quam cum solus esset.

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Agradecimentos

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Sumário

1 Introdução _______________________________________________________ 1

2 A dinâmica da avaliação institucional _________________________________ 4

2.1 O julgar_________________________________________________________ 10

2.2 Sensus communis e habitus_________________________________________ 14

3 Avaliação de instituições de ensino superior ___________________________ 18

3.1 A educação ______________________________________________________ 22

3.2 Refletindo sobre avaliação _________________________________________ 30

3.3 Avaliação e transformação _________________________________________ 34

4 Avaliação Institucional como espaço de ação __________________________ 43

4.1 A Avaliação como medida _________________________________________ 47

4.2 A Avaliação como Gestão __________________________________________ 48

4.3 A Avaliação como problemática do sentido ___________________________ 50

5 Estratégia metodológica ___________________________________________ 53

5.1 As categorias empíricas ____________________________________________ 56

5.1.1 Docentes ____________________________________________________________ 56 5.1.2 Discentes ___________________________________________________________ 57 5.1.3 Administração________________________________________________________ 57 5.1.4 Arquitetura __________________________________________________________ 58 5.1.5 Contexto socioeconômico_______________________________________________ 58

5.2 A aquisição de dados ______________________________________________ 58

(7)

5.2.2 Entrevistas semi-estruturadas ____________________________________________ 59 5.2.3 Grupos de entrevista coletiva ____________________________________________ 61 5.2.4 Estratégia de amostragem_______________________________________________ 63

5.3 As etapas de coleta de dados ________________________________________ 64

5.4 O processamento dos dados ________________________________________ 65

6 A pesquisa empírica: a avaliação de uma instituição de ensino superior ____ 66

6.1 Notas sobre o locus da pesquisa _____________________________________ 66

6.2 Análise dos resultados da primeira etapa _____________________________ 67

6.2.1 O componente docentes ________________________________________________ 67 6.2.2 O componente discentes ________________________________________________ 77 6.2.3 O componente administração ____________________________________________ 86

6.3 Análise dos resultados da segunda etapa______________________________ 91

6.3.1 Componentes discentes_________________________________________________ 91 6.3.2 Componentes docentes e administrativos__________________________________ 100

6.4 Síntese _________________________________________________________ 120

7 Finalizando, por enquanto... ______________________________________ 128

8 Referências bibliográficas ________________________________________ 131

ANEXO A – Telas e navegação do software Shusaku ______________________ 138

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Resumo

Este trabalho pesquisou e refletiu sobre a possibilidade de desenvolver um processo avaliativo em instituições de ensino superior tendo em vista as significações desenvolvidas pelas suas populações instituintes. Partiu da compreensão de que a construção deste processo implica na interpretação de Instituições de Ensino Superior como um complexo concomitantemente formal, contraditório e dialógico. No plano conceitual, trabalhou o conceito de juízo e esclarecimento na perspectiva de Immanuel Kant e Hannah Arendt, seguido das ponderações feitas por Theodor W. Adorno ao imperativo categórico kantiano. Por fim, utilizou o modelo sociológico desenvolvido por Pierre Bourdieu para apreender o complexo que os indivíduos estudados utilizam para estruturar suas ações, definiu o fio da meada desta avaliação e, conforme as especificidades do locus, exigiu o uso de diferentes

instrumentos, no caso, questionários, observação e entrevistas (individuais e em grupo). As análises de conteúdo feitas tiveram apoio em estatística coesitiva e implicativa, escalonamento multidimensional e correlação não paramétrica. Desse confronto foi possível construir o argumento de que a instituição de ensino superior pesquisada possuía uma prática em que a heteronomia, por um lado, instaura componentes que criam entraves ao processo educativo e difunde discursos orientados a clichês e, por outro, deixa entrever um complexo com potencial para conhecimentos e práticas emancipatórias.

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Abstract

This work researched and reflected about the possibility of developing a process of evaluation in Higher Education Institutions by the meanings developed by the people who belong to them. At first, the construction of this process implies in the interpretation of the Higher Education Institutions as a group that is at the same time formal, contradictory and dialogic. In the conceptual plan, the concept of judgment and enlightenment was developed in Immanuel Kant e Hannah Arendt’s perspective, followed by the reflections done by Theodor W. Adorno to the Kantian categorical imperative. Finally, the sociological model developed by Pierre Bourdieu was used to understand the complex that the individuals that are being studied use to structure their actions, defined the line that would be followed in this evaluation and, according to the specificities of the locus, demanded the use of different instruments, in this case: questionnaires, observation and interviews (individually and in group). Analyses of the content based on associated and implicative figure, multidimensional stagger and non parametric correlation were done. From this comparison a statement was made that the Higher Education Institution used in the research had a behavior in which the heteronomy, on the one hand, establishes components that make the educational process more difficult and spreads discourses guided by the clichés, and on the other hand, shows a complex with potential for the free knowledge and practices.

KEYWORDS: Education. Institutional evaluation. Kant, Immanuel. Homo Academicus.

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Lista de figuras

Figura 1 – Estrutura conceitual do banco de dados do software Shusaku. _____________________________ 61 Figura 2 – Unidade analítica referente a entrevistas, análise de conteúdo e testes de aderência. ____________ 64 Figura 3 – Grafo implicativo, com intensidades de implicações das variáveis temáticas relativas à análise de conteúdo das entrevistas dos discentes da IES obtidas por telefone.__________________________________ 69 Figura 4 – Árvore implicativa e coesitiva referente às variáveis temáticas relativas ao questionário aplicado aos discentes da IES. ______________________________________________________________81 Figura 5 – Grafo implicativo combinado a um escalonamento multidimensional (PROXSCAL) de matrizes referentes ao questionário aplicado aos técnicos da IES. __________________________________________ 88 Figura 6 – Hardware utilizado em conjunto com o Shusaku. ______________________________________ 139 Figura 7 – Tela inicial do Shusaku, com 4 entrevistas de professores. _______________________________ 139 Figura 8 – Formulário inicial do Shusaku. ____________________________________________________ 140 Figura 9 –Trecho de formulário de aquisição de dados do Shusaku, com destaque ao tempo e a síntese. ____ 141 Figura 10 – Trecho de formulário de aquisição de dados do Shusaku relativo a sínteses multivariadas simples. ______________________________________________________________________________________ 141 Figura 11 – Trecho de formulário de aquisição de dados do Shusaku, com destaque para a categoria temática e a valoração (emoticons). ___________________________________________________________________ 142 Figura 12 – Trecho de formulário de aquisição de dados do Shusaku, com destaque para a possibilidade de inserção de desenhos. ____________________________________________________________________ 142 Figura 13 – Diagrama de Venn correspondente a a⇒b. __________________________________________ 145 Figura 14 – Exemplo de estrutura implicativa. _________________________________________________ 146 Figura 15 – Exemplo de arvore coesitiva. _____________________________________________________ 147

Lista de quadros

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1 Introdução

“Você está pensando em alguma coisa, minha cara, e isso a faz esquecer de falar. Neste instante não posso lhe dizer qual é a moral disso, mas vou lembrar daqui a pouquinho.”

“Talvez não tenha nenhuma”, Alice atreveu-se a observar. “Ora criança!” disse a Duquesa. “Tudo tem uma moral, é questão de saber encontrá-la” (CARROLL, 2002, p. 87).

Para compreender as motivações deste trabalho é necessário primeiro entender o campo ao qual o seu objeto de pesquisa pertence. Do fim da década de 80 até os dias de hoje, discussões sobre a avaliação institucional ganharam destaque graças às imposições do Ministério da Educação. Neste contexto, a minha experiência na academia teve uma mescla de sabores. Tive experiências felizes e decepções, nestas últimas o gosto amargo vinha sempre com uma nítida sensação de que, embora muito se falasse da importância da educação para a sociedade, a prática apontava para algo diferente, mais material. Depois, como estudante de cursos stricto sensu e professor universitário, tomei contato com uma academia

que, com muita freqüência, parecia tomar gosto pela auto-adjetivação: autônoma, transcendente, mas que, após o desvelamento de umas poucas camadas, parecia-me habitada por conformismos ainda mais profundos.

Os circuitos de poder que observei e vivenciei eram mantidos por uma lealdade — ou cumplicidade? — profunda. Os jogos e instâncias de reprodução do corpo docente enunciavam acordos que muitas vezes não tinham índices morais, apenas comportavam relatos de experiências com circunstâncias características.

Desse contexto, e a contragosto dele, utilizo os referenciais supracitados com o fim de desenvolver uma articulação epistemológica que possa ser parâmetro a um processo de avaliação institucional. Esse constructo foi objetivado num ambiente com muitas

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à intimidade de uma academia: conheci todos os indivíduos entrevistados pelos nomes, observei seus locais de trabalho, visitei algumas residências, vivenciei suas rotinas e me identifiquei em muitas instâncias com suas maneiras de expor as idéias e encaminhar as ações.

Essa tensão entre contrários, nunca resolvida de forma absoluta em uma síntese, resultou num esforço em transcender interpretações imediatas. A frieza analítica necessária exigiu a construção de um referente reflexivo que me permitisse ir além do senso comum. Para tanto, a estratégia de trabalho utilizada combinou uma atitude eclética e, contudo, seletiva em evitar os monismos metodológicos — no caso, uma articulação entre a ética kantiana, conforme a leitura de H. Arendt, e modelos sociológicos desenvolvidos por T. W. Adorno e P. Bourdieu. Nessa ordem de pensamento, os argumentos foram dispostos da seguinte forma:

O capítulo 2 destaca o ideal de progresso pela auto-experiência a partir dos conceitos de juízo e emancipação e, por fim, fundamenta a superação dessa heteronomia como um discurso dialético negativo.

O terceiro e o quarto capítulos, a partir dos conceitos discutidos nos capítulos iniciais, focam as especificidades de uma Instituição de Ensino Superior perante os imperativos decorrentes do ideal avaliativo.

O quinto capítulo propõe, com base nos referentes desenvolvidos, um modelo empírico calcado no olhar do instituinte.

A exposição da pesquisa empírica e a avaliação de sua experiência como meio potencializador de processos emancipatórios são efetuadas no sexto capítulo.

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2 A dinâmica da avaliação institucional

O Unicórnio lançou para Alice um olhar sonhador e disse: “Fale criança.”

Alice não conseguiu conter um riso ao começar: “Sabe, sempre pensei que os Unicórnios eram monstros fabulosos também! Nunca vi um vivo antes.”

“Bem, agora que nos vimos um ao outro”, disse o Unicórnio, “se acreditar em mim, vou acreditar em você. Feito?” (CARROLL, 2002, p. 220).

Uma das teses básicas de qualquer avaliação institucional é a possibilidade de otimizar as práticas desenvolvidas. É claro que, dado que tratarei de Instituições que têm por fim a educação formal, essa proposição tem por parâmetro motivador a função social da avaliação. Assim sendo, a avaliação de uma instituição de ensino pode ser formalizada como um processo em que se apreendem e criticam as ações desenvolvidas diante de imperativos morais.

Em nosso cotidiano, determinar a valia ou o valor de alguma coisa constitui um processo pelo qual colocamos à prova, contínua e heuristicamente, nossas significações. Esta reelaboração contínua, conforme Gatti, reporta ao fato de que “[...] avaliamos o tempo todo para dar continuidade a nossas ações. Avaliamos antes, durante e depois de nossas ações cotidianas, intuitivamente ou organizadamente, mais ou menos conscientemente” (GATTI, 2000, p. 93).

Isso posto, como podemos formalizar a dinâmica de um processo avaliativo?

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A avaliação da efetividade de uma instituição — ou seja, a forma com que esta se afirma na sociedade — exige, por princípio, que os juízos formulados prescrevam ou recomendem práticas emancipatórias. Os agentes das avaliações institucionais, entretanto, não necessariamente apreendem-na como um instrumento para o esclarecimento. A natureza prescritiva do processo, neste caso, tende a estruturar-se a partir de um padrão muito estável de valores: o sensus communis.

Para o momento utilizo este termo no seu sentido latino: uma faculdade construída socialmente que permite aos indivíduos estabelecer um contato intuitivo e imediato, estruturando suas percepções e, conseqüentemente, orientando o espaço de ação.

As prescrições que aderem fortemente ao sensus communis definem avaliações mais

imediatas. Ou melhor, juízos de valor que convergem à constatação de fatos e, não obstante sua superficialidade, fornecem um semblant de que os conhecimentos originados são

autônomos e imediatos. Apenas por meio das ações derivadas é que o processo avaliativo “conta o que ele é”.

A despeito de qualquer conteúdo empírico ou material, as prescrições que delimitam um processo avaliativo podem ser generalizadas como respostas a questões do tipo “Que devo fazer?” (HARE, 1996). A qualidade dos argumentos construídos depende da capacidade dos avaliadores em produzir conhecimentos com as seguintes características:

• Formal: os conhecimentos articulam-se por meio de relações generalizáveis entre termos em um enunciado a despeito de qualquer conteúdo baseado na experiência e na observação, metódicos ou não.

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• Transcendente: os argumentos devem ultrapassar em abrangência caracterizações descritivas. Assim sendo, os princípios norteadores de uma avaliação devem superar suas motivações imanentes — o modo como ordenam, dispõem, e criticam suas ações —, utilizando-se de imperativos — como o princípio de que a educação é um instrumento para o bem comum — como orientadores efetivos da ação.

Domar a vontade por meio da razão significa admitir que as prescrições possuem uma coerência lógica irresistível. Capaz de elevar o juízo para além do imediato. De fato, as prescrições para valerem a pena de ter-se em conta devem “[...] ter exatamente por isso um valor incondicional, incomparável, cuja avaliação, que qualquer ser racional sobre ele faça, só a palavra respeito pode explicar convenientemente” (KANT, 2000b).

Destarte, dado que as prescrições precisam ser “vistas” para que efetivamente tenham algum sentido prático, a sua assimilação tem por fundamento seu reconhecimento, e este só ocorre quando, de alguma forma, ancora-se ao sensus communis. A capacidade deste em

estruturar os consensos tem implícita a construção de conhecimentos com significações que se coadunem na reprodução de uma estrutura de poder. Esta faculdade, consciente ou não, efetiva-se em predisposições deliberadas que se articulam num habitus que, conforme

Bourdieu,

[...] tem como objeto não somente o sistema das relações objetivas que o modo de conhecimento objetivista constrói, mas também as disposições dialéticas entre essas estruturas e as disposições estruturadas nas quais elas se atualizam e que tendem a reproduzi-las, isto é, o duplo processo de interiorização da exterioridade e exteriorização da interioridade (BOURDIEU, 1983a, p. 47).

Em outras palavras, temos o habitus como um sistema dialógico — dado que navega

entre o íntimo e o social — estruturado a partir de um determinado contexto com o fim de dispor e efetivar ações. A relação direta entre o habitus e as ações nos permite associá-lo a

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ser o mais imediato possível — com um quantum suficiente de força social que permita o

acesso às lutas pelo poder (BOURDIEU, 2004, p. 28-29).

No espaço de significações do sensus communis, as relações simbólicas e materiais só

ganham sentido dentro de regras onde os agentes são afetados ou talvez domesticados pelo

habitus, a fim de serem aceitos pela illusio imanente às relações de poder. Nessa arena um

processo avaliativo só se efetiva se o sensus communis o apreende como útil, senão sua

rejeição pode associar-se a três situações independentes:

1. condições políticas e materiais impedem a sua efetivação;

2. o consenso presente no sensus communis acerca do que é bom não é verdadeiro;

3. as prescrições não estão suficientemente fundamentadas.

A primeira alternativa reporta a insuficiência de infra-estrutura para a efetivação das ações prescritas como necessárias e, sendo assim, converge a uma análise dos seguintes itens:

• a autonomia administrativa; • a autonomia financeira; • a burocracia institucional;

• a especificidade associada a finalidade da instituição (a educação).

O conhecimento associado a estes itens confronta-se com questões éticas que lhe são imanentes, principalmente se avaliado na sua aderência, ou não, ao que KANT (2000b) definiu como imperativo categórico: os indivíduos devem ser tratados com fins em si e nunca como apenas meios.

A acurácia do processo de aquisição desse conhecimento, contudo, degenera-se quando os instituintes têm capital simbólico suficiente para esticar intencionalmente a illusio

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A segunda alternativa, aliada ao utilitarismo restrito, implica necessariamente um reducionismo intencional que conduz, por princípio, a uma instância do sensus communis que

tem comprometida sua capacidade de orientar o indivíduo na identificação do outro.

Isso posto, podemos desenvolver a seguinte conjectura: um certo grau de alienação pode ser necessário para “suportar “ a realidade? Em outras palavras, um sensus communis

degenerado pode, contudo, ser um sentido “melhor adaptado”?

Se aceitarmos que a finalidade dos imperativos categóricos é o bem comum, a resposta será um indubitável não! O preço desse desvio é um provável comprometimento de nossa condição humana, tornar-nos-íamos coisas.

Buscar uma brecha, por menor que seja, a essa coisificação aponta a responder a uma conjectura alternativa: é possível ao sensus communis orientar os indivíduos ao

esclarecimento? Esta questão implica conceituar — vide o quarto item do Capítulo 5 — os termos emancipação e menoridade a fim de fundamentar a crítica ao sensus communis. Nesse

processo, o potencial do modelo avaliativo está diretamente proporcional à capacidade de entender a lógica oculta na efetivação das ações pelos indivíduos de uma instituição: como eles explicitam suas escolhas e julgam suas práticas como corretas ou boas.

O locus da avaliação institucional reporta a um referencial privilegiado: as entranhas

da instituição. A capacidade de apercepção1 define a base argumentativa à qual o avaliador, a partir de uma negação determinada, pode compreender o juízo alheio. Esse movimento de crítica de significações, que não pertence ao avaliador, dá-se pela mediação entre dois parâmetros:

• A potência do avaliador em assimilar o sensus communis alheio.

• A correspondência entre as prescrições desenvolvidas e a realidade.

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O primeiro item corresponde à capacidade de distanciar-se de si mesmo e comparar as próprias significações com as de outros. O último item aponta para a especificidade associada à educação, seus imperativos e sua práxis, e corresponde a um princípio de coerência metodológica: se a prescrição corresponde à verdade, deve, por premissa, corresponder à sua própria causa. Materialmente, o contexto geográfico — com seus atributos físicos e morfológicos — onde as prescrições aplicam-se, situam-nas, delimitando horizontes perceptivos que, por sua vez, configuram a arena onde os indivíduos equilibram suas significações. Afinal, uma “[...] instituição não é somente paredes e estruturas exteriores que cercam, protegem, garantem ou restringem a liberdade de nosso trabalho [os docentes], é também, e já, a estrutura de nossa interpretação” (DERRIDA, 1999, p. 108). Para tanto, a articulação entre potência e correspondência é desenvolvida neste trabalho da seguinte forma:

• Dispõe, no capítulo 3, as articulações entre os conceitos de juízo de gosto, sensus communis e sua significação política.

• Define, no capítulo 4, a relação entre os conceitos de sensuscommunis e habitus.

• Porta, no capítulo 5, um modelo avaliativo para a especificidade de uma instituição de ensino superior.

A terceira alternativa, se as prescrições estão suficientemente fundamentadas, reporta a uma crítica do processo de avaliação em si: seu potencial emancipatório. Esse argumento é desenvolvido nos capítulos supracitados a partir de três eixos, assim ordenados:

• O julgar, conforme o pensamento de Kant e Arendt, como exercício da faculdade do juízo e base para um ato avaliativo.

• A educação, sob uma óptica kantiana, com as restrições aos imperativos categóricos introduzidas por Adorno.

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2.1

O julgar

“Quando eu uso uma palavra”, disse Humpty Dumpty num

tom bastante desdenhoso, “ela significa exatamente o que quero que signifique: nem mais nem menos.”

“A questão é”, disse Alice, “se pode fazer as palavras significarem tantas coisas diferentes.”

“A questão”, disse Humpty Dumpty, “é saber quem vai mandar — só isso” (CARROLL, 2002, p. 205).

A partir do apresentado no capítulo anterior, genericamente, qualquer ato de avaliação tem implícito um juízo de valor. Quando o objeto avaliado está relacionado a pessoas, o juízo ganha atributos políticos e situa-se na tradição da filosofia política.

Nesse sentido, tomei como eixo a filosofia política kantiana, tendo como principal referência Hannah Arendt2. A autora parte da concepção de que “[...] o juízo outra coisa não é senão o modo de reintegrar conhecimentos dados na unidade objetiva da apercepção”.

O julgar, então, “[...] lida com particulares que, ‘como tais, contêm algo contingente em relação ao universal’, que é aquilo com que o pensamento normalmente está lidando” (ARENDT, 2000, p. 370). Nesse diálogo entre pensamento e realidade é tecido um “alargamento do espírito” que, conforme Arendt, é obtido “[...] ao compararmos nosso juízo com o juízo possível dos outros, e não com o seu juízo real; e ao nos colocarmos no lugar de qualquer outro homem”, possui um papel fundamental para a expansão da capacidade reflexiva (ARENDT, 2000, p. 370).

Pelo pensamento podemos “visitar” outros pontos de vista sem, contudo, necessariamente aceitar passivamente estes constructos. Ao contrário, a aquisição de conhecimentos por cópia corresponde a uma apreensão dogmática e, como tal, seria incapaz

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de dar-se conta das próprias percepções. Essa situação, por reductio ad absurdum, é

incompatível com a faculdade de julgar.

A ação de estender o conhecimento advindo de diversos particulares “visitados” para um ponto de vista mais amplo presume que “[...] [quanto] maior a região em que o indivíduo esclarecido é capaz de mover-se, de ponto de vista a ponto de vista, mais ‘geral’ será o seu pensamento” (ARENDT, 2000, p. 371). Essa proposição permite-nos “[...] considerar, assistir, formar nossos juízos, ou, como diz o próprio Kant, em que podemos refletir sobre os assuntos humanos” (ARENDT, 2000, p. 371).

O juízo, a um primeiro momento, é orientado pelas suas características pessoais, os estímulos a que foi submetido. Esse idioleto está associado a propensões privadas, não objetivas e diretas. Este sentido, utilizando a nomenclatura kantiana, é chamado gosto, e o seu efeito, embora de difícil tradução, é privado e imediato. Nosso foco, entretanto, está no potencial político do juízo, e, dado que o juízo é construído no íntimo de cada individuo, surge uma aparente contradição: como podemos ter ciência do gosto alheio?

Conforme Kant, sua apreensão tem implícito que os indivíduos compartilhem uma estrutura material comum, possivelmente sua condição humana, e utilizem a linguagem como apoio a duas faculdades: a imaginação e o senso comum.

A imaginação, entendida como a capacidade de combinar idéias derivadas de imagens de objetos anteriormente percebidos, prepara o terreno para um caminho que vai, com os “olhos do espírito”, da apercepção às significações particulares.

[...] transforma um objeto em algo com o qual não preciso estar diretamente confrontado, mas que de certa maneira internalizei, de modo que eu agora possa ser afetado por ele como se fosse dado por um sentido não-objetivo (ARENDT, 2000, p. 376).

A imaginação permite compor significações internas — influídas pelo gosto — a algo que não necessariamente está presente externamente.

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afastamento, ou o não-envolvimento, ou o desinteresse, requisito para aprovação ou desaprovação, ou para avaliar algo em seu valor apropriado. Removendo o objeto, estabelecemos a condição para a imparcialidade (ARENDT, 2000, p. 376).

Quando fazemos uso da imaginação, o gosto interno manifesta as suas preferências com um “simples ato de aprazer”. Da aprovação ou desaprovação, do imaginado, temos, respectivamente, sentimentos de prazer, ou desprazer. Mas qual o sentido que orienta estas sensações?

Antes de atacar esta questão, preciso esclarecer alguns aspectos associados ao Juízo. Neste, os conhecimentos resultantes, privados por definição, vêm à mostra quando o isolamento do indivíduo é quebrado pela vida em sociedade. Pela linguagem os conhecimentos são traduzidos para o espaço público, e lá entrarão em confronto com outros, influenciando, sendo influenciados e, por fim, compondo tramas dialógicas de significações que transitam entre os particulares e o público. Mais precisamente temos que “[...] o elemento não subjetivo nos sentidos não objetivos é a intersubjetividade. (deve-se estar só para pensar; é preciso companhia para se desfrutar uma refeição)” (ARENDT, 2000, p. 377).

O juízo “[...] continua a ser um particular que na sua própria particularidade revela a generalidade que, de outra forma, não poderia ser definida” (ARENDT, 2000, p. 381). Esse caráter público, ou comunicabilidade, define que o “[...] padrão para decidir sobre ele é o senso comum” (ARENDT, 2000, p. 378). Arendt, citando Kant, diz que:

É verdade que a comunicação dos sentidos é ‘comunicável em geral porque podemos supor que todos têm sentidos semelhantes aos nossos. Mas não se pode pressupor isso em relação a qualquer sensação particular’. Estas sensações são privadas; e também não há juízo envolvido: somos simplesmente passivos, reagimos, não somos espontâneos quando voluntariamente imaginamos algo ou refletimos sobre algo. (ARENDT, 2000, p. 378).

Neste ponto Arendt pergunta: no que difere o “senso comum” de outros sentidos? A autora argumenta que Kant, ao utilizar o termo latino sensus communis, indica uma

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juízos com a “razão coletiva da humanidade”. Esse sentido, junto com a imaginação, permite pensar algo que não é imediato.

A visita ao juízo alheio é pressuposto para entender e ser entendido pela comunidade formada com os outros e, conseqüentemente, define uma arena política. O gosto associado à apercepção de um objeto ou ação, só ganha significação ao tornar-se público. Para a existência desse espaço a liberdade de trânsito de juízos é fundamental: é necessário a capacidade de “[...] olhar o mundo do ponto de vista do outro, a ver o mesmo em aspectos bem diferentes e freqüentemente opostos” (ARENDT, 2002, p. 82)

Com isso em mente, posso associar o sensus communis a um sentido de gosto

compartilhado; um metajuízo que orienta as questões que caracterizam, em seus aspectos convencionais e superficiais, a vida em sociedade. Em miúdos: uma reflexão calcada na comunicabilidade do gosto. Esse sentido, conforme Arendt, está em conformidade com as seguintes máximas:

[...] pensar por si mesmo (a máxima do esclarecimento); colocar-nos no lugar de todos os outros em pensamento (a máxima da mentalidade alargada); e a máxima da consistência (estar de acordo consigo mesmo, mit sich selbst einstimming denken). (ARENDT, 2000, p. 379)

A primeira, “pensar por si mesmo”, remete ao afastar os conhecimentos que podem enevoar a razão. Já a segunda máxima diz respeito ao potencial de comunicabilidade de um juízo.

Não se trata aqui da faculdade de conhecimento, mas do modo de pensar (Denkungsart) que faz dessa faculdade um uso conforme os fins

(zwekmässig), a qual, por pequeno que seja o âmbito e o grau que o dom

natural do homem atinge, mesmo assim denota uma pessoa como modo-de-pensar alargado, que não se importa com condições privadas subjetivas do juízo, dentro das quais outros homens são como se postos entre parêntesis, e reflete sobre seu juízo de um ponto de vista universal (que ele somente pode determinar enquanto se transpõe para o ponto de vista de outros homens) (KANT, 2002a, 158-159)

Ao limitar o trânsito dos juízos, o sensus communis impõe uma norma que, sob a pena

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prática. Neste ponto entramos na terceira máxima: o modo de pensar conseqüente. A esta, conforme Arendt, podemos deduzir algumas conseqüências:

[...] nunca podemos compelir alguém a concordar com os nossos juízos, [...] podemos apenas ‘pretender, cortejar’ o acordo de todos os demais. [...] Quando menos idiossincrático for o seu gosto, melhor poderá ser comunicado; a comunicabilidade, novamente, é a pedra de toque. (ARENDT, 2000, p. 380)

Ao ser influenciado pelo sensus communis, o juízo pressupõe o reconhecimento do

outro e, ao constituir-se, define um conhecimento que, em si, não produz nada, mas possui na possibilidade de originalidade um potencial negativo imanente. O exame das abstrações é o elemento depurador no qual uma prescrição pode ser desafiada e modificada pela exceção. Esse exercício crítico possui potencial emancipatório, à medida que se traduz com o suporte da razão e alça a arena política. Conforme Arendt (1993, p. 53), “[...] sem o ‘teste do exame livre e aberto’, nenhum pensamento, nenhuma formação de opinião são possíveis. A razão não foi feita para isolar-se a si própria, mas para entrar em comunhão com os outros”.

2.2

Sensus communis

e

habitus

“O que eu ia dizer”, disse o Dodô num tom ofendido, “é que a melhor coisa para nos secar seria uma corrida em comitê”. “O que é uma corrida em comitê?” Perguntou Alice; não que quisesse muito saber, mas o Dodô tinha feito uma pausa como se achasse que alguém devia falar, e mais ninguém parecia inclinado a dizer coisa alguma.

“Ora”, disse o Dodô, “a melhor maneira de explicar é fazer”. (CARROLL, 2002, p. 29).

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reportam diretamente ao interesse de um indivíduo ou de um grupo, e como estes desenvolvem suas relações de poder.

Nesse modelo, o sensus communis ganha uma função clara: impor significações como

justificáveis. Nisso está implícito a reprodução da ordem estabelecida como princípio de coesão social. Cada campo possui uma lógica própria que ordena as relações no seu interior orientando os indivíduos a alinharem seus juízos conforme as disposições, conforme os vínculos.

No campo, a distância entre seus agentes está diretamente relacionada à similaridade entre as quantidades e qualidades de capital econômico e cultural detidos. Esse capital social está, por princípio,

[...] [relacionado] à posse de uma rede durável de relações mais ou menos institucionalizadas de interconhecimento e de inter-reconhecimento ou, em outros termos, à vinculação a um grupo, como conjunto de agentes que não somente são dotados de propriedades comuns (passíveis de serem percebidas pelo observador, pelos outros ou por eles mesmos), mas também são unidos por ligações permanentes e úteis (BOURDIEU, 1998, p. 67).

As posições no campo, destarte, são locadas conforme dois princípios: • o volume total do capital social associado a cada posição; e

• a composição desse capital (econômico, social, cultural e simbólico).

Para qualquer campo estudado, a quantidade e a disposição do capital orientam uma hierarquia simbólica que influenciaria as probabilidades de sucesso ou insucesso de determinadas estratégias. Ao longo do tempo, as estratégias mais bem-sucedidas são acolhidas pelo sensus communis — aqui claramente cumprindo a sua função de metajuízo do gosto.

Essa configuração orienta a reprodução de um estado social e, subsidiada pela illusio, exige

dos indivíduos uma senha definida em termos de quantidade e composição de capital para serem aceitos no campo. Essa rede de ligações, dessa forma,

(26)

vizinhança, de trabalho ou mesmo de parentesco, em relações, ao mesmo tempo, necessárias e eletivas, que implicam obrigações duráveis subjetivamente sentidas (sentimentos de reconhecimento, de respeito, de amizade etc.) ou institucionalmente garantidas (direitos) (BOURDIEU, 1998, p. 68).

Diante da inércia da illusio, é exigido dos agentes um princípio de antecipação — o

que aponta novamente ao sensus communis — que demonstre o domínio das normas do

campo que se está submetido: os instrumentos e os ideais da illusio. A repetição, mesmo

inconsciente, de práticas são instrumentos para a manutenção da ordem social. Essa disposição deliberada socialmente constituída é associada por Bourdieu ao conceito de

habitus. Conforme o sociólogo,

[...] [Habitus são] sistemas de disposições duráveis, estruturas estruturadas

predispostas a funcionar como estruturas estruturantes, isto é, como princípio gerador e estruturador das práticas e representações que podem ser objetivamente ‘reguladas’ e ‘regulares’ sem ser o produto da obediência a regras, objetivamente adaptadas a seu fim sem supor a intenção consciente dos fins e o domínio expresso das operações necessárias para atingi-los e coletivamente orquestradas, sem ser o produto da ação organizadora de um regente (BOURDIEU, 1983b, p. 60-61).

O habitus, ou melhor, as predisposições à ação tem em si estratégias que, de forma

sistemática e coerente, orientam e estimulam a manutenção de um sensus communis que,

fechando o laço, retroage orientando o gosto no sentido do habitus. Metaforicamente o sensus communis e o habitus podem ser comparados à visão e ao andar em uma calçada muito

movimentada: a aproximação que o sensus communis tem da realidade está diretamente

relacionada com a eficiência da visão em perceber o melhor caminho e o habitus na tradução

imediata dos movimentos que determinam a trajetória a ser tomada.

No entanto, fenômenos como a alienação, a orientação cega a protocolos, o fetiche pela técnica e o culto aos fatos comprometem o sensus communis; um exemplo extremo desse

(27)

Segundo a cientista política, o contador nazista não aparentava ser um monstro, ao contrário, era educado e cooperativo3 e apresentava-se como um indivíduo extremamente

comum. No entanto possuía uma espantosa facilidade em admitir os seus crimes; sentia-se seguro com a sua consciência, afinal, “[...] bastava a Eichmann relembrar o seu passado para se sentir seguro de não estar mentindo e de não estar se enganando, pois ele e o mundo em que viveu marcharam um dia em perfeita harmonia” (ARENDT, 1999, p. 65). Eichmann era, em muitos sentidos, um indivíduo comum; prestante aos protocolos sociais, o qual se inseria em uma sociedade fundada em princípios criminosos.

Esse exemplo explicita uma instância de um sensus communis definitivamente

comprometido. No entanto, dado à possibilidade supracitada, é possível delinear processos avaliativos que superem sua inevitável ancoragem no sensus communis?

A transcendência está diretamente ligada à natureza prescritiva da avaliação. Máximas, ao nortear ações calcadas em apercepções, orientam “ideais de gosto” que, posso inferir, tornam-se uma especificidade do sensus communis.

Nessa ordem de idéias, temos em Kant e Arendt o destaque para a exceção e o gênio. Por estas duas vias, a originalidade substancia-se pela percepção do novo, “[...] inaugura[ndo] uma nova regra, que não pode ser inferida de quaisquer princípios e exemplos anteriores” (KANT, 2002a, p. 163).

Um processo avaliativo, cuja condução tenha índice com a verdade real, recai na arte de utilizar os recursos disponíveis — determinados pelas posições dos agentes no campo —, de modo a efetivar um juízo de valor às disposições associadas à determinada prática de grupo. Ao avaliador cabe a assimilação do sensus communis associado ao grupo social

estudado e a crítica à forma como este orienta os agentes sociais para a adoção de determinadas estratégias junto à illusio inerente ao campo.

(28)

3

Avaliação de instituições de ensino superior

“Vamos! Vamos!” Gritou a Rainha. “Mais rápido! Mais Rápido!”. E correram tão depressa que por fim pareciam deslizar pelo ar, mal roçando o chão com os pés, até que de repente, bem quando Alice estava ficando completamente exausta, pararam, e ela se viu sentada no chão, esbaforida e tonta.

A Rainha a recostou contra uma árvore e disse gentilmente: “Pode descansar um pouco agora.”

Alice olhou ao redor muito surpresa. “Ora, eu diria que ficamos sob esta árvore o tempo todo! Tudo está exatamente como era!” “Claro que está”, disse a Rainha, “esperava outra coisa?” “Bem, na nossa terra”, disse Alice, ainda arfando um pouco,

“geralmente você chegaria em algum outro lugar... se corresse rápido como o fizemos.”

“Que terra mais pachorrenta!”. Comentou a rainha. “Pois aqui, como vê, você tem que correr o mais que pode para continuar

no mesmo lugar. Se quiser ir a alguma outra parte, tem de correr no mínimo duas vezes mais rápido!”

(CARROLL, 2002, p. 157).

Este capítulo reflete sobre a avaliação de Instituições de Ensino Superior (IES) mediante as categorias analíticas pensamento, juízo e educação. Essa relação foi elaborada através dos escritos de Hannah Arendt, Theodor W. Adorno, Pierre Bourdieu e Emmanuel Kant, que serão referenciados oportunamente no texto.

As IES são responsáveis pela capacitação de bacharéis, licenciados, especialistas, mestres e doutores, constituindo o braço final do nosso sistema educacional. Nessa locação, o vínculo formal carrega o viés secular da tradição, o que insere na concepção de IES uma substância de grande inércia e baixa densidade. Uma massa escura, não percebida diretamente, mas de uma enorme força coercitiva e fundamental para a compreensão da estrutura formal — visível ou não — das IES.

Entre o instituído e instituinte, diferentes graus de proximidade refletem as práxis que, objetivadas pelo sensus communis, situam as instituições de ensino em relação a um todo. A

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(c.490-425 a.C.). Com os dois seres percorrendo um mesmo caminho, na mesma direção e com o mais lento à frente, Zenão supunha que o mais rápido nunca alcançaria o mais vagaroso, dado que este sempre conseguiria uma vantagem em relação ao outro. Em outras palavras, o mais rápido vai demorar um certo tempo até atingir o ponto onde o mais lento estava. Contudo, nesse mesmo tempo, o mais lento se moveu para mais longe, deixando um espaço que o mais rápido novamente deverá percorrer num dado tempo, e assim sucessivamente, ad infinitum. Esse paradoxo visa desacreditar, por reductio ad absurdum, a

possibilidade de “movimento contínuo”. Contudo, sabemos que, embora existam infinitos pontos separando dinamicamente os objetos, o mais rápido, no limite, ultrapassa estes pontos e alcança o mais lento.

Por esse argumento, avaliar uma instituição de ensino — por recair em apreender uma realidade que sabemos ter a possibilidade de relativismo ad infinitum — exige uma estrutura

conceitual que, ao mesmo tempo, circunscreva e transpasse uma realidade complexa e não imediata.

Com esses parâmetros em mente, tenho que a busca da compreensão é empreendida por meio de uma faculdade de apercepção definida não no sentido de explicação, ou investigação, mas como uma arte de interpretação: uma abstração para além do imediato que expresse as relações, de forma a apontar por recursão a possibilidade de transcendência. Esse método implica que, no entanto,

[...] só podemos avaliar um objecto (quer dizer, um estabelecimento, uma organização, um serviço, um dispositivo) já referenciado, definido, circunscrito, que deu lugar a uma descrição das suas finalidades, funções, especificidades, ou seja, um objecto de qualquer forma já conceptualizado (FIGARI, 1996, p. 36).

O traçar desse referencial reporta a um ideal educacional. Um parâmetro que, por sua vez, reporta à responsabilidade social das instituições de ensino.

(30)

contudo, tinham uma certa autonomia junto aos seus processos de formação: prestavam contas unicamente ao governo e a ele se reportava pelos trâmites políticos e burocráticos. Nesse pensamento, Kant desenvolve, com uma certa ironia, a tese de dependência funcional entre governo e instituições de ensino:

Não foi uma inspiração calamitosa a de quem primeiro concebeu o pensamento e o propôs à realização pública de tratar todo o conjunto do saber (em rigor, das cabeças a ele votadas) por assim dizer industrialmente em que, graças à divisão do trabalho, se nomeariam tantos mestres públicos,

professores, quantos os ramos da ciência; seriam eles como os seus

depositários, formariam em conjunto, uma espécie de entidade colectiva erudita, chamada universidade (ou escola superior), que teria sua autonomia

(pois só eruditos podem, enquanto tais, julgar eruditos); por conseguinte, a universidade, graças as suas Faculdades (pequenas sociedades diferentes, segundo a diversidade dos principais ramos da erudição em que se dividem os outros universitários), é autorizada quer a admitir os alunos das escolas inferiores que a ela aspiram, quer fornecer mestres livres (que não constituem membros seus), chamados doutores após exame prévio e por poder próprio, com uma categoria universalmente reconhecida (para lhes conferir um grau), i.e. os criar. (KANT, 2002a, p. 19-20).

Kant destaca o termo criar: a autonomia associada ao poder de criar títulos é delegada

por uma autorização legítima dada por um poder que não é seu. Esta instância não-acadêmica corresponde a um Estado regulador4 que “[...] não ensina, mas ordena somente aos que ensinam (lide-se com a verdade que quiser), porque, ao tomar posse do seu cargo, concordaram com isso mediante um contrato com o governo” (KANT, 2002a, p. 21).

Em meados do século XX, os governos, com um “natural” ajuste à lei do menor esforço, esquivaram-se de responsabilidades e, gradativamente, desviaram-se desta tradição criando outra mais adequada a um modelo econômico mundializado: a doutrina do laissez-faire (GOERGEN, 2000, p. 31-43). Essa tendência configura o presente e motiva princípios

cuja superficialidade facilita o uso nos mais diversos discursos: otimização, competitividade, gerência, just-in-time, reengenharia, entre outros. Com esse ideário na bolsa de ferramentas, o

Estado começa a repensar suas responsabilidades e alça a avaliação da educação ao centro das

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reformas “[...] com a finalidade de alcançar maior competitividade internacional, empreenderam políticas de transformação desse nível educativo” (DIAS SOBRINHO, 2003, p. 54).

Neste ponto convergimos para uma concepção histórico-dialética interessante: por um lado, uma valoração das instituições de ensino calcada na responsabilidade pela capacitação dos profissionais mais estimados pelo mercado; por outro, a objetivação das instituições de ensino como gargalo da cadeia produtiva, pressionando, por meio da indústria cultural, para que o homo academicus5 desça de Königsberg. Diante disso, é factível conciliar as

“influências” do mercado com um posicionamento crítico? A indústria cultural, segundo Dias Sobrinho (2003, p. 160),

[propala] critérios e as palavras de ordem passam a ser: eficiência, produtividade, rentabilidade, competitividade, ‘qualidades’ que constituiriam o conteúdo da modernidade, conforme a racionalidade funcionalista desse fetiche do neoliberalismo, que é o mercado.

No entanto, não discordando da essência do que disse Dias Sobrinho, existem paralelismos entre as instituições de ensino e indústrias convencionais: estruturas organizacionais, possibilidade de controle estatístico dos processos, burocracia e contabilidade. Estas ferramentas de controle e armazenamento de informações constituem procedimentos que, destituídos de um fetiche instrumental, podem potencializar práticas emancipatórias. Contudo, a demanda por resultados imediatos e quantitativos (por sua presumida neutralidade e facilidade de digestão) subsidia uma concepção de educação similar a um processo industrial convencional, com entradas, saídas, módulos e “funções objetivo” a serem otimizadas. Em suma, um modelo que, levado ao extremo, reduz-se a um problema de pesquisa operacional.

Kant, em especial, nos lembra que a educação tem o seu ideal não no “[...] presente estado da espécie humana, mas segundo um estado melhor, possível no futuro, isto é, segundo

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a idéia de humanidade e da sua inteira destinação” (1996, p. 22). Calcadas nesse princípio de sustentabilidade, as instituições de ensino defendem a sua necessidade de isolamento e autonomia perante o cerco do mercado. Um modelo em que as IES insistem em uma autonomia quimérica, semelhante à solução adotada pelo barão de Münchhausen6 que , ao cair com sua montaria num pântano e afundar até o pescoço, agarra os próprios cabelos e “puxa-se” (junto com o cavalo) para fora, salvando-se.

Podemos associar o confronto entre o reducionismo e a autonomia quimérica a uma camada limite entre o imediato e o devir. Diante desses extremos algumas estratégias emancipatórias podem ser dispostas:

• O ajuste perante a cobrança imediata. As IES se esforçam na composição de estratégias avaliativas que satisfaçam a pressão efetuada.

• A crítica à essência da cobrança. Se a responsabilidade da educação engloba as noções de bem comum e perenidade da sociedade, é natural que ocorram discrepâncias diante das demandas imediatas. A essa pressão, a princípio enviesada pela indústria cultural, cabe às instituições de ensino cumprir o papel de instrumento do esclarecimento: resistir pela crítica à heteronomia.

• A auto-avaliação como estratégia de superação da sua inércia institucional como meio para potencializar sua perenidade.

3.1

A educação

Kant idealizou a educação como aperfeiçoamento progressivo da natureza humana; como instrumento da sustentabilidade da sociedade. Nessa objetivação, na tradição de

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Aristóteles, considera que “[...] toda educação é uma arte, hábito prático [habitus7], ação”

(KANT, 1996, p. 22), ou seja:

• Como arte, possui uma estrutura formal imanente, derivada da experiência e direcionada à realização de uma determinada intenção. A educação, nesse sentido,

“[...] não é mecânica senão em certas oportunidades, em que aprendemos por experiência se uma coisa é prejudicial ou útil ao homem. A arte da educação ou pedagogia deve, portanto, ser raciocinada, se ela deve desenvolver a natureza humana de tal modo que esta possa conseguir o seu destino” (KANT, 1996, p. 22).

• Como habitus, ou maneira de ser, requer um compromisso, uma disposição

deliberada, não “[...] natural mas [que] toma o lugar da natureza, e é produzido[a] por imitação e prática assiduamente repetida” (KANT, 2000a, p. 46).

• Como ação. Sendo assim, “[...] se exerce diretamente entre os homens sem a mediação das coisas ou da matéria, corresponde à condição humana da pluralidade, ao fato de que homens, e não o Homem, vivem na terra e habitam o mundo” (ARENDT, 2003, p. 15). Conforme Gatti, “Educação, Engenharia, Medicina, Serviço Social são áreas do agir, elas dizem respeito às intervenções instrucionais/profissionais do homem no mundo” (GATTI, 2002, p. 61-62). Dessa forma, temos a ação educativa compondo uma realidade própria; no seu processo não é possível reduzir a realidade da educação à do sujeito: a existência de um potencial educativo não implica educação, embora não exista sem esta.

Temos na educação um processo de “[...] produção mediante liberdade [autonomia] isto é, mediante um arbítrio que põe a razão como fundamento de suas ações” (KANT, 2002b, p. 149). Na ética kantiana, a educação caracteriza-se por ser formal e autônoma .

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• Formal, quando postula a razão como uma lei universal — imperativos categóricos8 — a ser aplicada a todos os homens, independentemente da sua situação social e do seu conteúdo concreto.

• Autônoma, quando concebe um homem que obedece apenas à sua própria consciência, definindo-o como um ser ativo, criador e livre.

Mas conciliar a razão com a liberdade não é uma tarefa fácil. A liberdade, por princípio, é avessa a limites, e o uso de imperativos categóricos como justificativa para restringir a liberdade pode levar a estruturas autoritárias.

Pelo ideal kantiano, a efetividade de uma ação educacional pode ser avaliada em face de a sua capacidade facilitar o esclarecimento diante da realidade. A educação, contudo, só poderia cumprir essa função em uma arena onde os indivíduos pudessem buscar livremente a emancipação, tomando ciência e tensionando os limites de sua liberdade.

Seriam esses princípios — essencialmente racionais — suficientes?

Kant, conforme Adorno e Horkheimer, associou a “[...] doutrina da incessante e laboriosa progressão do pensamento ao infinito com a insistência em sua insuficiência e eterna limitação” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 38). A construção acima, contudo, pressupõe uma arena que não existe, não é possível buscar livremente a emancipação. Somos totalmente cerceados pela sociedade. Para Adorno, imperativos categóricos podem ser derivados a partir da assimilação crítica do passado. A educação deve ter a não-ocorrência de fenômenos similares a Auschwistz como um de seus objetivos básicos: um parâmetro, para

que absurdos não ocorram novamente. Para entender os desdobramentos dessa óptica, partimos para Auschwistz e, dada a hipótese de que uma referência negativa pode subsidiar

princípios fundantes para a avaliação de processos educativos, temos que a regressão aos

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instintos destrutivos experimentados em Auschwistz reforça a tese Freudiana de que “[...] a

civilização, por seu turno, origina e fortalece progressivamente o que é anticivilizatório” (ADORNO, 1995, p. 119).

A sociedade contemporânea é extremamente organizada e, para se substancializar, busca restrições que controlem a agressividade e tendam a reprimir os instintos destrutivos por meio de protocolos e leis. Todavia, a repressão, por fim, expressa-se por diversas formas, o que a aproxima da barbárie e configura uma espiral que tem como eixo o mal-estar do indivíduo e da civilização. Da energia adquirida neste movimento, surgem fenômenos como a violência que, com sua abrangência, se desdobra em diversos níveis de apercepção: à violência em si, à banalização desta violência e à violência autopunitiva (induzida ao ego por meio de um superego rígido). A extensão deste fenômeno denuncia o quanto ele está imbricado na sociedade, alimentando-se das entranhas da civilização e carregando consigo a semente do retorno à barbárie.

Neste sentido, Adorno chama atenção para a importância do estudo dos indivíduos que deram forma aos aspectos mais terríveis da segunda guerra mundial: os carrascos nazistas. O seu entendimento poderia esclarecer as condições objetivas que geraram o nazismo.

Possivelmente, os carrascos nazistas eram indivíduos incapazes de “visitar” os juízos alheios. No nazismo, para poder-se negar o direito de compartilhar a existência com os Judeus, foi necessário antes negar a possibilidade de identidades dos indivíduos externos ao grupo, foi preciso uma supressão da faculdade do juízo com base em princípios instrumentais. Essa convergência de conveniências pode ser justificada pela manutenção da coesão dos grupos e, conforme Freud, efetua-se na identificação recíproca dos membros por meio da adoção de um mesmo ideal de Eu.

(36)

cometidos pelos nazistas, são ainda mais plausíveis. Elementos como a orientação cega do indivíduo por protocolos de conduta, uma certa “fúria organizacional” e graves limitações no exercício do pensamento crítico eram comuns aos nazistas e ainda são perceptíveis na sociedade moderna.

Em Auschwistz tivemos um mecanismo com uma mescla entre ausência de reflexão e

orientação cega a protocolos. Hoje um movimento semelhante tende a se apresentar de forma mais sutil e eficiente. A observação do desenvolvimento da sociedade atual sugere que os homens e todos os instrumentos derivados da sua condição humana tendem a se assimilar, sem o uso da faculdade do juízo, sem humanidade, coisificados. Tudo que cerca o homem vem se tornando extensão das mercadorias promovidas pela sociedade, interpretando as relações econômicas, enfatizando seus aspectos imediatos em detrimento da arena política.

Conforme Adorno, a fragilidade se instala pela não-consciência de nossos grilhões, não somos livres, temos a nossa autonomia cerceada pelos interesses dos grupos que nos instrumentalizam. Ao negar a reflexão, o culto a esses conhecimentos introduz um viés que inviabiliza a emancipação, leva a um olhar que conduz a um sensus communis comprometido

pelo compartilhar de protocolos e ideologias dominantes. Nessa linha de pensamentos, podemos retomar o seguinte comentário em que Arendt relaciona esse comprometimento e a “alienação em relação ao mundo”:

O único atributo do mundo que nos permite avaliar sua realidade é o fato de ser comum a todos nós; e, se o senso comum tem posição tão alta na hierarquia das qualidades políticas, é que é o único fator que ajusta à realidade global os nossos cinco sentidos estritamente individuais e os dados estritamente particulares que eles registram. Graças ao senso comum, é possível saber que as outras percepções sensoriais mostram a realidade, e não são meras irritações de nossos nervos, nem sensações de reação de nosso corpo. Em qualquer comunidade, portanto, o declínio perceptível do senso comum e o visível recrudescimento da superstição e da credulidade constituem sinais inconfundíveis de alienação em relação ao mundo. (ARENDT, 2003, p. 221).

(37)

cultura de fácil digestão, uma semicultura destinada a divertir e a entreter, que empurra os indivíduos para o esquecimento histórico, massificação do gosto e triunfo do escapismo. Conforme Adorno:

Divertir-se significa estar de acordo. Isso só é possível se isso se isola do processo social em seu todo, se idiotiza e abandona desde o início a pretensão inescapável de toda obra, mesmo da mais insignificante, de refletir em sua limitação o todo. Divertir significa estar sempre: não ter que pensar nisso, esquecer o sofrimento até mesmo onde ele é mostrado. A impotência é sua própria base. É na verdade uma fuga, mas não, como afirma, uma fuga da realidade ruim, mas da última idéia de resistência que essa realidade ainda deixa subsistir. (ADORNO & HORKHEIMER, 1985, p. 135).

A Indústria Cultural na articulação dos seus procedimentos induz desejos ao indivíduo que, embora este, como parte de uma mescla, também a influencie, passa a ser e se ver como parte de algo, de uma amálgama a uma máquina que tem disponível para si técnicas que possibilitam antever e controlar eventos de seu interesse.

O uso metódico destes conhecimentos, associado a uma imagem de neutralidade, “[...] dificulta a percepção das relações de produção capitalistas que aprisionam as forças produtivas” (CROCHIK, 1999, p. iii). A estatística e a programação linear, entre outros ramos da ciência fundados a partir de modelos matemáticos, tornam-se instrumentos de dominação a serem aplicados num “universo de coisas”. Um espaço que a semicultura esforça-se por preencher integralmente, tornando-o virtualmente fechado, amorfo, excluindo o novo, o diferente, o criativo, o relativo à imaginação, à espontaneidade, à atividade intelectual. Um suplício de Tântalo9 onde o que sobra é a acomodação, a adaptação, a domesticação em que trabalho e ócio se coadunam para a reiteração do sistema vigente, para a perda de sua correspondência com a verdade.

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Por fim, o indivíduo sofre um prejuízo na sua formação, compõe “[...] uma determinada forma social da subjetividade socialmente imposta para um determinado modo de produção em todos os planos da vida” (MAAR, 2003, p. 462). Enfim, torna-se um semiformado.

Esse indivíduo, limitado na sua capacidade de apercepção, torna-se um incompleto: um eu fragilizado que satisfaz a sua libido nos grupos que, pelo apelo à sobrevivência do grupo, configuram um narcisismo coletivo, que, por sua vez, pautando-se “[...] pela adequação na continuidade do existente” (MAAR, 2003, p. 469), estimula a demanda por mais semicultura. Uma configuração que lembra a consideração de Freud sobre a impossibilidade da educação:

Quase parece como se a análise fosse a terceira daquelas profissões ‘impossíveis’ quanto às quais de antemão se pode estar seguro de chegar a resultados insatisfatórios. As outras duas, conhecidas há muito mais tempo, são a educação e o governo (FREUD, 1970).

Devemos aceitar a impossibilidade como ponto final? Temos uma recursão, mas como sair dela?

Com esse estado, o movimento de superação da contradição fica emperrado, mas a suspensão da dialética não implica a impossibilidade de apercepção das contradições e, assim sendo, não seria possível o desenvolvimento de uma consciência potencializadora da superação dessa mescla de inércia e encantamento.

O fato de os referentes sociais determinarem o tecido de causas e efeitos que sustentam as acepções do sensus communis acerca do que é educar não implica

necessariamente na heteronomia absoluta da ação. A propagação de traços de cultura é imanente à educação, e a percepção de que um ciclo reprodutor não serve em um determinado momento só ocorre quando um ideal ético penetra no sensus communis e conduz ao “espanto”

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No ensejo de recuperação dessa razão emancipatória, Adorno anuncia a necessidade de uma educação que denuncie os ditames da indústria cultural e, pelo desenvolvimento de um potencial crítico, fortaleça o sujeito para resistir ao cerceamento conduzido pela barbárie e pela semicultura.

Estes limites só podem ser superados por uma faculdade de juízo abrangente e recursiva, um sentido que vá além da qualidade formal e avance para a emancipação do indivíduo. “A educação tem sentido unicamente como educação dirigida a uma auto-reflexão crítica” (ADORNO, 1995, p. 13). O exame dos conhecimentos consiste em uma possibilidade, mesmo que fugaz, de os dominados poderem transpor a inércia inerente à semicultura e, por fim, buscar ações orientadas à sua saída do estado de menoridade.

Uma concepção crítica da educação que pretenda ser emancipatória, e não apenas para a emancipação, deve obrigatoriamente ser autocrítica, deve ter como princípio o compromisso da escola na constituição de um sujeito reflexivo e, pelo desenvolvimento de sua capacidade de juízo, com potencial para o esclarecimento.

Essa concepção de educação formal como um possível refúgio contra a semiformação implica, para ser real e efetiva, a não idealização de uma escola desvinculada da sociedade onde ela está imersa — e à qual inevitavelmente se ajusta. Na arena entre o ajuste e a resistência, a educação se espreme entre a premência em formar o indivíduo para a sociedade e o ideal de desenvolvê-lo para além destas demandas imediatas. A educação assume um caráter dialético onde é de sua responsabilidade inserir elementos depurativos na composição do indivíduo que permitam-no transcender uma sociedade que afeta, direta e indiretamente, como um todo.

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cultural, formando os cidadãos para uma sociedade, mas sem levar à perda da originalidade dos indivíduos.

Por fim, podemos pensar o ato de educar como dialeticamente situado entre a regressão à barbárie e o esclarecimento. Para se educar é necessário ter ciência das limitações desta pretensão: o instrumental é componente da sociedade e, como tal, não pode ser rejeitado. Contudo, o seu culto deriva de um prazer de fetiche, e a esta sedução cabe a educação desenvolver no indivíduo uma operosidade constante, festina lente, que evoque a

necessidade de se aprender com profundidade (KANT, 1996, p. 87).

3.2

Refletindo sobre avaliação

Sendo assim, o processo avaliativo possui um potencial ora depurador ora mantenedor do status quo. Avaliar uma instituição de ensino é estimar, por meio da faculdade do juízo, o

seu caráter perante o sensus communis ou a sua prescritividade: os imperativos categóricos.

Uma instituição de ensino corresponde a um ser social determinado historicamente a atingir um fim: a formação ou a educação. Esse propósito nos remete a princípios que deveriam fluir naturalmente. Contudo, as relações entre as populações envolvidas comportam uma arena de juízos, aos quais, continuamente o sensus communis, molda e é moldado.

Compreender esse sistema aperceptivo corresponde a entender a trama do tecido do sensus communis. Implica ver e abstrair a forma com que os gostos prevalecem e se articulam, de

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(KANT, 1996, p. 94). No caso, o gosto é locado pela referência a princípios que, conforme Kant, estão calcados na possibilidade de um espaço de ações ideal, perfeitamente autônomo.

Esse contructo é fundamental para as definições de finalidades para a educação. A sua condução, conforme Kant, efetiva-se quando potencializa no Homem os seguintes princípios:

1) Ser disciplinado. Disciplinar quer dizer: procurar impedir que a animalidade prejudique o caráter humano, tanto no indivíduo como na sociedade. Portanto, a disciplina consiste em domar a selvageria.

2) Deve o homem tornar-se culto. A cultura abrange a instrução e vários conhecimentos. A cultura é a criação da habilidade e esta é a posse de uma capacidade condizente com todos os fins que almejemos.

3) A educação deve também cuidar que o homem se torne prudente, que ele permaneça em seu lugar na sociedade e que seja querido e tenha influência. A esta espécie de cultura pertence a que se chama apropriadamente civilidade.

4) Deve, por fim, cuidar da moralização. Na verdade, não basta que o homem seja capaz de toda sorte de fins; convém também que ele consiga a disposição de escolher apenas os bons fins. Bons são aqueles fins aprovados necessariamente por todos e que podem ser, ao mesmo tempo, os fins de cada um. (KANT, 1996, p. 95).

Se adequado, então um processo avaliativo que resida num campo educacional define-se no contraste entre esdefine-ses princípios e a prática obdefine-servada? Sob a óptica kantiana, sim! Uma avaliação no campo educacional, por princípio, define-se a partir de sua estratégia de desvelamento da illusio.

Dado que o sensus communis dos instituintes associa-se por um lado aos aspectos

formais do processo educativo desenvolvido e por outro aos critérios que os indivíduos estabelecem para o êxito, o complexo resultante desvela como a instituição define-se como ser social e sua abstração delimita um objeto que pode ser submetido à crítica. Esta, como prática avaliativa, tem a compreensão de uma instituição de ensino com base em sua illusio,

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uma contradição querer-se buscar um critério universal para a verdade do conhecimento quanto à matéria, por ser contraditório em si” (Kant, 2006, p. 67).

A abstração da causa do gostar ou não gostar, seja hegemônica ou não, precisa corresponder à verdade para não entrar em contradição consigo mesma. Para tanto, sua articulação, tanto objetiva quanto subjetivamente, deve ter uma coesão formal cuja lógica, “[...] expondo as regras universais e necessárias do entendimento” (KANT, 2006, p. 67), forneça um parâmetro negativo para a verdade. Este argumento tem por premissa a acepção de que sensus communis é formal e flexível o suficiente para dialogar com juízos opostos às

suas significações. Se aceita, posso inferir que eles podem ser elaborados recursivamente com uma inteligibilidade que vá da sua imanência (concepção genética do conhecimento adquirido) ao seu processo de aquisição (crítica à abstração). Uma heurística que pode ser entendida como a busca de um acordo não necessariamente dialético entre identidades, em face das suas conseqüências práticas na conservação do corpo social.

Entrementes, essa heurística é possível no ambiente onde se desenvolve nosso ensino superior? Ou melhor, é possível pensar em bem comum num ambiente onde a heteronomia é regra?

A visão de que esse princípio pode ser recursivo exige que verifiquemos se o enunciado ontológico associado faz sentido. No caso, a inteligibilidade da proposição transcende a verificação, mas é, não obstante, sustentável no sentido de ser possível, se afortunado, um processo avaliativo que subsidie uma arena crítica, onde, por um meio qualquer, conduza a um bem moral. Conforme os gregos, esse estado pode ser observado na manifestação de perplexidades: um estado de espanto, uma paralisia temporária dos sentidos que, no entanto, está associada ao mais alto grau de crítica às abstrações.

(43)

ações. Esse ataque ao pré-construído representado pelo sensus communis, por princípio e

sobretudo, exige a prática de uma dúvida radical que tem por parâmetro a suspensão, no limite, de todas as estruturas que o condutor do processo avaliativo tem interiorizado até então, transcendendo, inclusive, o seu quantum social. Diante disso, busquei em Bourdieu um

referente a essa postura reflexiva:

[...] é preciso resignar-se a admitir, na tradição tipicamente positivista da crítica da introspecção, que a reflexão mais eficaz é aquela que consiste em objetivar o sujeito da objetivação; com isso quero dizer aquela que, destituindo o sujeito conhecedor do privilégio de que ele se sente investido, se arma de todos os instrumentos de objetivação disponíveis (levantamento estatístico, observação etnográfica, pesquisa histórica etc.) para revelar os pressupostos que ele ostenta por conta de sua inclusão como objeto do conhecimento (BOURDIEU, 2001, p. 20).

Ao avaliador cabe uma crítica sistemática que busque o geral no particular, ou seja, que pretenda a investigação de invariantes e tenha energia suficiente para a concepção de um sistema coerente de relações que, por fim, deve ser posto à prova como tal. Dessa forma, a avaliação de instituições de ensino recai, por princípio, num processo formal, recursivo e heurístico que:

• Inicia-se por meio de uma crítica imanente da instituição de ensino, com a apreensão do sensus communis. Nessa linha de pensamentos, toda sociedade é

repositória de uma rede de conhecimentos, sendo este sistema imanente à sua história. A formação econômica e social desta sociedade não se distingue dos conhecimentos que ela utiliza e ordena, e, por sua vez, estes dão manutenção de certas estruturas sociais que os compartilham.

• Do conhecimento imanente adquirido é desenvolvido, por instrumentos de objetivação e confronto com imperativos categóricos, o exercício de uma crítica transcendente que pode revelar as estruturas postas e estruturantes aninhadas ao

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Figura 1 – Estrutura conceitual do banco de dados do software Shusaku.
Figura 2 – Unidade analítica referente a entrevistas, análise de conteúdo e testes de aderência
Figura 3 – Grafo implicativo, com intensidades de implicações das variáveis temáticas  relativas à análise de conteúdo das entrevistas dos discentes da IES obtidas por  telefone
Figura 4 – Árvore implicativa e coesitiva referente às variáveis temáticas relativas ao questionário aplicado aos discentes da  IES
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Referências

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