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O MESSIAS/REI JESUS E OS MESSIAS CAMPONESES DE SEU TEMPO

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Academic year: 2021

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Joel Antônio Ferreira**

Resumo: os camponeses de Israel não suportavam mais o jugo imperial romano. Dentre

tantos messias, Simão bar Giora foi o que teve mais semelhanças com o Mes-sias Jesus. Ambos vieram dos messianismos populares surgidos com os grupos de Moisés, Josué, Abimelec e Jefté. Ambos foram herdeiros do davidismo popu-lar e não do davidismo monárquico (2 Sm 7,13-16). Os dois se empenharam na libertação dos camponeses/pastores e marginalizados de Israel. Eles tiveram entradas festivas em Jerusalém. Ambos foram assassinados por causa da justi-ça. O que distanciou Jesus de Simão bar Giora foi o projeto final: Jesus recusou o triunfalismo. Ele entrou em Jerusalém, aclamado pela alegria popular, como Rei/Messias pobre. Apresentou o “serviço” como projeto de transformação para a vivência do Reino de Deus.

Palavras-chave: Messianismo popular. Jovem Davi. Servo. Reino de Deus

OS CAMPONESES GALILEUS E A ÂNSIA MESSIÂNICA POPULAR

O

s movimentos messiânicos populares, dos tempos anteriores e posteriores a

Je-sus, partiam do concreto. Os camponeses sentiam, na pele, a dominação estran-geira. Foram reprimidos, duramente, por Herodes, o grande, que, no governo da Palestina, reproduzia Roma e era um governante ilegítimo. As altas taxas de im-postos ou a perda de suas terras fê-los reagir. Tinham de alimentar, cuidar e edu-car os filhos. Não podiam deixar as esposas e a família passarem fome. O peso era massacrante. Desse modo, os camponeses se aglutinaram contra a opressão

O MESSIAS/REI JESUS E OS MESSIAS CAMPONESES DE SEU TEMPO*

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* Recebido em: 15.06.2015. Aprovado em: 22.06.2015.

** Doutor (UMESP). Pós-Doutor (Georgetown University de Washington) em Sagrada

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e se organizaram. Alguns movimentos messiânicos surgiram nessa situação his-tórica. Aqueles que foram explorados e roubados, possivelmente, recordaram-se dos seus referenciais históricos: hebreus livres, Moisés, Josué, Abimelec, Jefté, o jovem pastor/camponês Davi, os profetas Amós, Oséias, Isaias, Miquéias, Za-carias, os líderes camponeses macabeus etc. Muitos assumiram os movimentos messiânicos.

A princípio, destruíam as referências dos dominadores ou retomavam os excedentes de riquezas, frutos da exploração dos trabalhadores camponeses. Na medida em que os movimentos iam descobrindo novos caminhos, vinha-lhes, no imaginá-rio coletivo, a necessidade de um messias/rei. Como no passado, os revoltosos da Palestina reconheciam e aclamavam o novo messias para que todos voltas-sem a ter liberdade. Liderados por este, sentiam que podiam, de novo, serem governados por Yahweh, na fina flor da Aliança dos tempos tribais. Alguns messias/rei, como o pastor Judas filho de Ezequias, Simão criado do rei Hero-des, Atronges e os quatro irmãos, Manaém filho de Judas, o Galileu, Simão bar Giora, e, mais tarde, bar Kokeba conseguiram com os camponeses organiza-dos, administrar ou governar, por algum tempo, os antigos territórios perdidos. É dentro desse contexto, que se buscará a compreensão de um dos messias, Simão bar

Giora. Ele viveu bem nos tempos de Jesus. Estudar-se-á, então, o Messias Jesus, apresentado pelo evangelista Marcos. Ver-se-á que existiram muitas proximi-dades e algumas distâncias entre eles. O que aproximou Jesus da maioria dos outros messias foi o envolvimento/opção pelos camponeses/pastores/pobres. HISTÓRIA CAMPONESA ISRAELITA E O SONHO MESSIÂNICO

Para compreendermos as grandes tensões provenientes das classes campone-sas no século I da nossa era, na região da Palestina, precisamos fazer memória da história do campesinato, desde o tempo dos primeiros hebreus até a grande revolta de 66-70 dC.

A História Oficial Contada por Quem Está no Poder

Em 2 Samuel 7,12-16, ficamos conhecendo a tradição e a teologia real/messiânica, onde

o Profeta Natã anunciou a Davi a permanência da linhagem e o estabelecimento do seu trono para sempre: “A tua casa e a tua realeza subsistirão para sempre

diante de mim, e o teu trono se estabelecerá para sempre” (2 Sm 7,16).

Nor-malmente, por falta de material suficiente, no nível da pesquisa, a questão do Messias é analisada, a partir dos grupos que registraram, por escrito, suas visões e interpretações. Esses estavam ligados a instituições fortes ou envolvidos com o poder: saduceus e sacerdotes, escribas, herodianos, fariseus e suas diversas

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tendên-cias, essênios etc. A partir desses, muito se escreveu e se interpretou. É evidente que a leitura de Natã a David, feita por esses grupos, espelhará os seus universos ideológicos. O referido texto da profecia de Natã passou a ser uma esperança “oficial”, isto é, daqueles que estavam ligados ao poder.

A história oficial de Israel, quase sempre, privilegiou os relatos contados pela minoria, em geral, aqueles que detinham o poder e manipulavam as consciências dos pobres. A História Oral Contada por Quem Estava Fora do Poder

Se a população rural ou camponesa (também a dos pescadores e outras profissões sim-ples), da Galiléia, Peréia e região da Decápole, Samaria e Judéia ultrapassava os 90%, é preciso tentar ver como os “simples” de Israel queriam e esperavam a realização da profecia de Natã. Outra questão: os camponeses de Israel esta-vam preocupados com essa profecia de Natã ao rei Davi ou eles tinham como referência o jovem Davi, pastor e camponês?

Possivelmente, a memória dos camponeses palestinos era para o jovem Davi e não para o rei “oficial” Davi.

É preciso chamar a atenção de que, no nível popular, na forma oral, o povo comum sempre contou suas memórias e seus costumes. Houve, sempre, uma memória cultural camponesa, como de outros segmentos do povo simples. Então, se no I século o povo não escrevera e nem registrara nada, foram as memórias popu-lares que dinamizavam a vida dos simples, na busca da liberdade.

Entre as memórias, esse povo tinha um motor que o movia: após a escravidão e, consequentemente, a libertação, o êxodo tornou-se um ícone para aquela gente que se identificava com Iahweh, o libertador. A experiência com Moisés e Josué fez crescer entre os camponeses hebreus o sentimento vivo de que era uma gente livre. A interessante experiência tribalista dos camponeses livres impulsionou aquela gente a viver em torno da “Aliança” com Yahweh e entre si (GOTTWALD, 1986). A aliança sinaítica, renovada em Siquém, orientou o primitivo Israel a viver em torno de Yahweh, não necessitando de monarcas. Foi uma experiência de justiça social igualitária e de liberdade, nas regiões montanhosas, que perdurou por duzentos anos. A tradição oral contava as ex-periências das lutas camponesas na defesa do projeto da justiça. As narrativas em torno de Abimelec (Jz 9,4) e Jefté (Jz 11,3) foram tão importantes para a classe campesina, que, mais tarde, foram registradas na literatura hebraica. O Jovem Davi e o Monarca Davi

Como um outro líder fugitivo do passado também camponês, chamado Abimelec (Jz 9,4), que tivera ascendência sobre outros camponeses em débito, o Davi jovem

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foi eleito pelo seu grupo. Como Jefté, outro líder camponês (Jz 11,3), também ele conduziu o seu grupo. Num outro momento, foi nomeado por Samuel. Enquanto os irmãos estavam reunidos com Samuel e Jessé (1 Sm 16,6-13), o jovem Davi pastoreava. Ele foi ungido. Tinha habilidade. Na batalha, era corajoso. O livro de Samuel (1Sm 16,18) o define como: músico, guerreiro es-tupendo, tinha boa comunicação verbal, era bonito e Yahweh estava com ele. Davi foi um líder no nível militar. Do seu lado, estavam os descontentes com o monarca Saul. O povo queria uma liderança positiva e otimista diante das tensões. Embora novo, já extravasava uma coragem hercúlea. O povo seguiu Davi. Com origem na insignificante Belém, ocupou a nova capital, Jerusalém. Posteriormente, libertou todo o país (2Sm 2,4; 5,1-7).

O narrador, que produziu o texto muito tempo depois, partiu das narrativas orais. Ele estava querendo falar de um estupendo líder campesino ou queria já falar do Davi, um “rei oficial”? Se o objetivo era este, o redator nos premiou com mui-tas informações que vieram da base.

Davi era, no início, “pastor”. Parecia-se com Yahweh, o pastor do povo (Sl 23 e outros). Ele, como rei, não deveria continuar sendo pastor? Todos os jovens, no final do tribalismo, tinham de fazer a experiência militar, diante das tensões com os po-vos vizinhos. O Davi “rei oficial” não se esqueceu das experiências de pastoreio e continuou tendo o espírito militar, expansionista? Não temos quase nada regis-trado que viesse da esfera camponesa. As informações são aquelas que apare-cem nos evangelhos. Os quatro evangelistas relataram que Jesus contou muitas parábolas provenientes do ambiente campesino e, ele mesmo, principalmente, segundo os sinóticos, andava de vila em vila, sempre ligado ao povo camponês, aos pescadores, aos pastores simples e aos aniquilados pela sociedade. Por uma narrativa aqui, uma referência ali, vamos percebendo, no conjunto dos evange-lhos, a dinamicidade camponesa nas relações com Jesus e, logo depois, com as comunidades que escreveram os evangelhos. Os camponeses, os pescadores e os simples não escreveram, mas influenciaram.

A Monarquia

Com a monarquia, as tribos livres israelitas tornaram-se governadas. As famílias cam-ponesas perderam a liberdade e a experiência de igualdade. Com o primeiro rei, Saul, começaram os endividamentos dos camponeses e o descontenta-mento foi aumentando. O jovem Davi, rural e pastor, tornou-se um ícone dos camponeses. Teve uma interessante ascendência no campesinato, na época da transição (1Sm 22,2). A sua liderança à frente dos descontentes com o primei-ro monarca (Saul) e com o perigo dos filisteus, fez dele, o pprimei-rotótipo de um messianismo popular. Era hábil e querido (1 Sm 16,18). A princípio, líder de

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um enorme grupo de salteadores, em tempos de tensões em todos os níveis, foi sendo apontado como um possível rei popular. Houve, como se vê em 2 Samuel (2,4-5,3) a vontade popular (combatentes, o povo e assembléia dos anciãos ) (TADMOR, 1968, p. 46-68). Tornou-se o “rei pastor”, primeiro em Hebron, depois em Jerusalém. Esta cidade passou a ser chamada de “cidade de Davi” (2 Sm 5,7.12). Parece que foi uma atitude estratégica de Davi. Como Jerusalém ainda não era cidade de Israel, passando a governar dali, ele evitava os ciúmes das diversas tribos.

Quando fez sucesso como segundo monarca, parece, perdeu, aos poucos, a simpatia campesina. Ele se tornara um monarca bem sucedido, bem no nível dos gran-des dominadores de impérios opressores. Foi nesse momento, em que o Davi urbano, governando de Jerusalém, recebeu a promessa da perpetuação da sua dinastia (2 Sm 7,13-16). A promessa de Natã surgia como um ideal das novas classes dominantes israelitas e não dos camponeses que estavam sentindo o peso da manutenção político-econômica da nova monarquia. O monarca Davi experimentou várias crises e rebeliões (2 Sm 13-20).

É preciso ficar claro o seguinte: o jovem Davi que surgiu do meio camponês, estava na linha direta da história dos hebreus que lutaram pela libertação. Os movimen-tos camponeses surgiam contra grupos reacionários ou contra a dominação estrangeira. Já o Davi monarca, com o tempo, foi se impregnando da ideologia “oficial”. No tempo de Jesus, os líderes camponeses olhavam para qual Davi? O jovem carismático pastor-camponês ou o monarca “oficial” de Jerusalém?

Continuidade da monarquia

Com o esbanjador e dissipador Salomão, a opressão foi tão contundente, que o palácio de Jerusalém perdeu os poucos apoios e simpatias campesinas. Com sua mor-te, o reinado se dividiu: os camponeses do norte se separaram. Como observa-ram Horsley e Hanson (1995, p. 26), vários profetas do norte foobserva-ram as vozes dos camponeses (Am 5,10-17; Os 8,1.4.8), bem como os profetas do sul (Mq 3,9-12; Is 3,13-15), que retomaram os princípios da aliança mosaica.

O fato é que a experiência monárquica foi trágica para o povo que vinha das experiências de liberdade e justiça social nos tempos tribais. Com a queda de Jerusalém e do Templo e com o exílio da elite dominante, tem-se poucas informações em torno da crise com a promessa messiânica e, também, das perspectivas do povo simples. O Retorno do Exílio, as Leis e o Povo da Terra

Durante os períodos dos domínios babilônicos, persa e grego até o período dos Maca-beus, pouca coisa foi escrita, sobre essa temática. Porém, nas entrelinhas,

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po-demos ler sobre as resistências camponesas nos textos de Esdras e Neemias, os centralizadores do poder em torno do templo e do sumo sacerdócio. O “povo da terra”, fortemente, de camponeses, testemunhou a resistência, especialmente, contra o peso das “leis” do grupo de Esdras. Essas leis fulminaram os estran-geiros e confinaram as mulheres. O androcentrismo, agora, tomou força. Jeru-salém, com a permissão persa, reconstruiu as muralhas e, a todo custo, buscou a reconstrução do templo. A partir de Esdras, o povo passou a ser povo judeu e as leis do sábado, da circuncisão e do puro/impuro passaram a ser a força ide-ológica do controle do povo. As assimetrias sociais, religiosas e econômicas tornaram-se visíveis.

E os camponeses? Em livros que se canonizaram como o Cântico dos Cânticos e o livro de Rute, vemos a resistência camponesa e a luta pela liberdade. O “povo da terra” não ficou passivo. É evidente que, nesse tempo, foram elaboradas as redações finais de muitas escolas bíblicas (deuterônomica, sacerdotal, crôni-cas dos palácios, literaturas proféticrôni-cas etc). Aí dentro, muitas narrativas orais e tantas sagas populares foram privilegiadas pelos redatores finais. Quer di-zer, a força camponesa e dos pobres, oralmente, contavam e narravam tantas histórias que os escribas tiveram que escutá-las, assimilá-las e transcrevê-las nas redações finais (os atuais livros que conhecemos da bíblia hebraica). É por isso, que se conhecem tantas e tantas sagas, provindas da oralidade dos simples e pequenos.

Já mais próximo ao tempo de Jesus, tiveram-se as experiências dos Macabeus (170-164 a.C.). Embora toda luta surgisse por causa da invasão de Jerusalém e profana-ção do templo, a resistência judaica teve uma forte presença camponesa contra Antíoco IV. Isso devia ser, também, um incentivo aos revolucionários campo-neses. Após a vitória macabáica, os seguidores e aí, muitos camponeses, após purificarem o templo, cortaram ramos de palmeiras e enquanto marchavam, em festa, em torno de Jerusalém, agitavam as palmas, em sinal de vitória. Es-ses ramos tornaram-se símbolos da independência israelita e uma lembrança de vitórias.

A História Escrita Contada por Flávio Josefo

Outra fonte são as narrativas de Flávio Josefo. Ele era um judeu letrado, que escreveu e abordou, a todo o momento, o universo sociopolítico e econômico da socie-dade judaica subordinada a Roma e, aí dentro, a apologia contra os campesi-nos, especialmente as suas lideranças. Isso aparece nas obras Guerra Judaica e Antiguidades Judaicas. Com relação a Josefo há um agravante: ele foi um intelectual judeu que leu os acontecimentos na ótica dos poderosos e da elite judaica. Foi um judeu simpatizado com Roma e identificado com a elite de

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Israel. Ele não olhou a história na ótica dos camponeses e dos pobres. Ele foi preconceituoso contra estes. É preciso lê-lo, olhando as entrelinhas, decodifi-cando suas informações com uma postura de “suspeição”1. No entanto, muitas

informações que temos sobre os messias dos tempos intertestamentários nos foram dadas por Flávio Josefo.

O MESSIAS/REI SIMÃO BAR GIORA: LIBERDADE PARA OS ESCRAVOS

Era de Geraza na Peréia, ou Transjordânia, uma vila ao lado de Gadara. A região, no tempo de Jesus, se chamava Decápolis, ao lado direito da Galiléia. Alí mora-vam muitos galileus e judeus. Jesus estivera nessa região estrangeira ou helê-nica (Mc 5,1-17).

Forma Social e Motivação de Liderança: uma tensa situação histórica

Simão bar Giora veio de um ambiente profundamente conflitual. Desde 63 a.C., com Pompeu, os territórios helenísticos passaram para o domínio romano. A Ga-liléia, a Judéia, a Peréia e a Iduméia caíram nas piores garras que territórios dominados podem imaginar: as altas taxas de “tributos” e pesados “impostos” para os romanos, além das taxas locais para Herodes e para o Templo. Com sua presença na região, os habitantes locais foram tratados brutalmente. Os exércitos romanos incendiaram e destruíram cidades e, ao prenderem e tor-turarem muitos líderes, crucificaram ou escravizaram as populações (HOR-SLEY e HANSON, 1995, p. 44). Josefo (Ant. 14.120, p. 272-75) contou que quando Cássio conquistou Tariquéia, na Galiléia, “escravizou cerca de trinta mil homens” e, depois, (43 a.C) escravizou o povo de importantes cidades regionais (Gofna, Emaús, Lida e Tamna). E ele explicou que a destruição, em um caso, foi feita por causa do não pagamento de impostos extraordinários (G.

J. 1.180, p. 219-220). Josefo ainda disse (Ant. 17. p. 288-289 e 295) que Varo,

quando tomou Séforis, “vendeu seus habitantes como escravos, incendiou a cidade e mandou crucificar os rebeldes” (2.000)2.

Os conterrâneos de bar Giora, os camponeses e pastores, estavam perdendo tudo o que tinham para suprir suas necessidades básicas: as pequenas propriedades, as moradias, os produtos dos seus trabalhos. A pauperização era visível. Como aqueles camponeses, pastores, pescadores, pedreiros, carpinteiros etc podiam viver pacificamente, vendo os seus filhos e filhas e suas esposas morrendo à míngua? Ninguém pode viver com fome. A indignação era geral. A vida dos pequenos foi se tornando catastrófica. Além da liderança local opresso-ra, havia a grande repressão imperial romana. Os poderosos estrangeiros e

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locais exploravam toda a população. A classe média alta, como os Saduceus, conseguia suportar. Ela, como controladora do Templo de Jerusalém, também usurpava as moedas dos pobres e viúvas. A agitação social ocupou a história da Palestina nos tempos anteriores e posteriores a Jesus.

Líderes Camponeses e Messias

Nesse ínterim, antes e depois de Jesus, vários revolucionários, sem pretensões reais se despontaram, expressando a revolta contra os poderes de Herodes e do impé-rio romano: Ezequias, antes de Jesus, foi morto pelo primeiro Herodes. Houve vários embates de guerrilhas nas cavernas galiláicas, feitas pelos descontentes. Certo Eleazar bem Dinai, entre 30-50 d.C liderou vários embates contra as forças dominadoras. No início da década de 40 d.C houve um importante líder chamado Tolomau. Na década de 60 d.C surgiu um lider camponês, chamado Jesus, filho de Safias. Um líder dos revolucionários, dos mais importantes, foi João de Gíscala, que, como chefe de grupos revolucionários, ocupou em 66 a cidade de Jerusalém.

Antes de Simão bar Giora, tivemos outros Messias/Reis como Judas, filho de Ezequias (4 a. C), que havia atacado o palácio de Herodes3. Também, Simão, nesse

mesmo tempo, que era criado de Herodes foi proclamado rei. Ele incendiara o palácio de Herodes, a residência real em Jericó. Por isso, foi decapitado. Outro Messias/Rei foi Atronges, alguns anos depois que, com seus quatro irmãos, atacou os romanos e herodianos. Outro foi Manaém, filho de Judas, o Galileu que pelo ano 66 d. C. entrou em Jerusalém como rei junto com os sicários. A Luta Libertária de Simão Bar Giora

É bom lembrar que a revolução camponesa em Israel foi tão importante, que um dos generais que iniciou a repressão romana foi um futuro imperador romano: Ves-pasiano. A importância continuava sendo tão pontual que o segundo general a comandar a recuperação de Israel para Roma, foi o seu filho Tito, que, depois, tornar-se-á seu sucessor à frente do império romano.

Segundo Roth (1960, p.52-58), como Davi, Simão bar Giora era líder de grupos cam-poneses. Os seus seguidores eram os descontentes e indignados com a opres-são econômica e política. No início, fora um líder militar popular. Tinha uma grande força física e, como Davi, era corajoso e ousado (G.J. p. 4.503-4). Novecentos e cinquenta anos antes, Davi tinha sido uma ameaça a Saul. Bar Giora também o foi para os filhos de Herodes nos anos 60 d.C, em nível inter-no e para os romainter-nos inter-no nível imperial. Em seguida, foi designado “rei” por legiões de pessoas, desde a Galiléia até Jerusalém e de um grande exército.

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Bar Giora tornou-se um verdadeiro líder, em nível de combate, pouco antes da grande revolta (66-70 d.C). No início, nas montanhas, proclamou a “liberdade para os escravos e a recompensa para os livres”. Com isso, aumentou considera-velmente, o número de camponeses que aderiram à revolução. Com uma tropa forte e armada, desceu para as planícies. Já era reconhecido como rei. Já ti-nha o controle da Iduméia e de Acrabatene, onde provia as tropas. Em Naim, construiu uma fortaleza. Em Feretas, ampliou as cavernas para os depósitos de tudo o que conseguiam (cereais, armas) e organizou os acampamentos das tro-pas. Possivelmente, o novo exército revolucionário era treinado e organizado. Nas entrelinhas das informações de Josefo, vê-se que o grupo não era ingênuo e se preparava bem para uma luta libertadora bem ampla. Josefo disse que ele saqueava as casas dos ricos (G.J. 2, p. 652-3). Os objetivos de bar Giora e seus grupos tornaram-se bem claros. Consolidou, em seguida, o controle do sul da Judéia. Tomou Hebron, antiga cidade de Abraão e, ali, supriu as necessidades das tropas com cereais e despojos. Vinha dos tempos de Davi a repartição dos despojos (I Sm 30,20-25) (G. J. 4, p. 529-34).

Segundo Josefo (G. J. 2, p. 521), ele enfrentou e venceu uma parte de uma legião roma-na que se deslocava, em 66 d. C., para Jerusalém, atacando-a pela retaguarda, tomando grande número dos seus animais de carga (STEGEMANN e STEGE-MANN, 2004, p. 212-3). A revolução que partira da Galiléia tornara-se, definitiva-mente, anti-romana. Algo inimaginável até então, foi o fato de, nesse momen-to, bar Giora ser reconhecido pelas autoridades religiosas de Jerusalém, como líder. As autoridades tinham de negociar estratégias políticas, porque, antes de bar Giora, a cidade tinha sido ocupada por João de Gíscala e pelos zelotas. Em nome das autoridades jerosolimitanas, o sacerdote Matias foi até bar Giora. Não queriam ser controlados por Gíscala.

Simão bar Giora entrou, triunfantemente, em Jerusalém. Foi saudado como salvador e protetor de Jerusalém. Gíscala perdeu o controle da cidade e refugiou-se no Templo. Logo em seguida, com uma forte retaguarda de camponeses vence-dores e, agora, em coalizão dos zelotas (69-70 c.C), tornou-se um governante oficial, dentro de Jerusalém, comparado ao rei Davi: guerrilheiro e rei.

Se antes falou-se que ele decretou a liberdade aos escravos, vê-se, claramente, que Simão bar Giora e seus grupos queriam uma verdadeira liberdade para os camponeses, pastores e todos os grupos que foram solapados pelos romanos, herodianos e au-toridades ligadas ao Templo. Os ricos exploraram. Os pobres deviam recuperar o que era deles. A justiça social e econômica devia ser recuperada, a elevação dos humildes devia ser implantada em memória da aliança que vinha dos tempos das tribos, e, também, das utopias de Jeremias (Jr 23,5) e de Isaias (Is 11,4).

Toda ocupação de Jerusalém e o cerco da cidade, pelos romanos, foram narrados por Flávio Josefo nas Guerras Judaicas 4 e 5. É interessante ler como Josefo,

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quase sempre tendencioso com relação aos messias camponeses, descreve a fidelidade e o devotamento dos campesinos a Simão bar Giora.

O JESUS DE MARCOS E A MESSIANIDADE/REALEZA

O objetivo da comunidade marcana, tendo como pano de fundo, os conceitos “Evan-gelho” e “Reino de Deus”, era responder à seguinte questão: “Quem é Jesus”? O Reino de Deus (Mc 1,14-15)

O Reino de Deus é apresentado como comunhão. As primeiras palavras de Jesus foram uma proclamação do Reino.

14 Depois que João foi preso, veio Jesus para a Galiléia proclamando o Evan-gelho de Deus: 15 “Cumpriu-se o tempo e o Reino de Deus está próximo. Arre-pendei-vos e crede no Evangelho”.

Aqui está o âmago do anúncio de Jesus. O v. 14 refere-se a João. Antes, foi dito que ele foi o precursor e que sua missão foi para preparar o povo para receber o “Messias” (Mc 1,2-9). De acordo com as promessas dos profetas, o Messias deveria batizar o povo no Espírito (Mc 1,8), ou seja, haveria a realização de todas as promessas.

As primeiras palavras de Jesus, no Evangelho de Marcos, foram um anúncio da vinda do “Reino de Deus”. Todo o Evangelho, a seguir, foi uma explicitação e um apro-fundamento dessa proclamação. Está claro nos dois versículos que Deus se doa para entrar em comunhão de amor com os seres humanos. O Reino, que é uma grande novidade, é “gratuito”. A pregação de Jesus foi um anúncio da chegada do “Reino de Deus”. Ele não chamou a atenção sobre si mesmo. Anunciou que chegaram o tempo e a oportunidade para a libertação definitiva: um tempo novo que se realiza num lugar novo (BALANCIN, 1991, p. 26). O anúncio é interpe-lativo, transformador e faz tomar uma decisão radical. O encontro definitivo de Deus com as pessoas se dá na decisão, na conversão para o Evangelho.

O Cristo, o Messias (Mc 8,29)

29 “E vós, perguntou ele, quem dizeis que eu sou?” Pedro respondeu: “Tu és o Cristo”.

A questão aqui é a “esperança messiânica”. Jesus questionava a todos. Não cabia nos conceitos tradicionais. Os pobres (camponeses, pescadores, pastores,

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pedrei-ros, operários) reconheciam a novidade de Jesus, porém, por vezes, tinham dificuldades em identificá-lo. Uns achavam que ele era João, outros que era Elias ou alguns dos profetas (Mc 8,27-29). Os parentes (Mc 3,21) e os habi-tantes de Nazaré (6,2-3), também, ficavam confusos. As autoridades pediam um sinal, mas Jesus não dava (Mc 8,11-12). Às vezes, até os discípulos não estavam entendendo o novo (Mc 8,18).

Havia várias expectativas messiânicas. Cada grupo queria encaixar Jesus nos seus pró-prios interesses, de acordo com suas condições sociais ou ideologias. O evan-gelista Marcos, no entanto, compreendeu a verdadeira faceta do Messias. Ele era o Messias “Servidor”, anunciado por Isaías (Is 42,1; 49,3; 52,13). Para Marcos, a esperança messiânica se realizava no “serviço” (MESTERS; LO-PES, 2003, 1ª parte, p.138-9).

Um Texto do Messias Jesus (Mc 11,1-10): Está Chegando o Reino de Deus Marcos ao apresentar a entrada de Jesus em Jerusalém, mostrou que o advento do

Rei-no de Deus estava acontecendo. Estão contempladas, nessa narrativa, as duas perspectivas davídicas: a) Onde o rei Davi foi monarca, em Jerusalém, o novo Messias aí entrou. Só que não entrou montado em um cavalo. Este é agressivo e símbolo da guerra. O novo rei não era criador de cavalos (Dt 17,16) (KO-NINGS, 1994, p. 48). b) Ele não entrou como Messias que foi para o palácio, porém, como o Davi jovem, menor e pastor, ou seja, o Messias-pobre. É inte-ressante lembrar-se do profeta Zacarias (Zc 9,9s; Zc 14,4), depois do exílio, sonhando com a paz, que dissera do uso do jumentinho e se referiu à esperança popular judaica de que o Messias deveria entrar em Jerusalém, vindo do Mon-te das Oliveiras, a fim de instaurar o Mon-tempo da salvação. O jumento é pacienMon-te e simboliza a paz. O novo rei eliminou os carros de Efraim, os cavalos de Jerusalém, anunciou a paz às nações e seu domínio abrange toda a região que uma vez pertenceu à casa de Davi. Ele é o rei da paz. Entrou em Jerusalém4.

O messias pobre

A cena popular da entrada na cidade suscitou nos discípulos o anseio de serem impor-tantes no reino glorioso. No entanto, tudo mudou. O povo estendeu os seus mantos e os ramos pela estrada. Todos cantavam os salmos de peregrinação (Sl 113-118), indo com Jesus até o Templo. Para os judeus do tempo de Jesus, agitar palmas era algo como agitar a bandeira nacional5. Depois disso, os

ra-mos de palmeiras eram um sinal de independência israelita e um memorial da sua vitória revolucionária. Então, quando as multidões saudavam Jesus com as palmas levantadas, eles queriam dizer: “Salve o Filho de Davi, que nos guiará

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para recuperar a nossa liberdade dos romanos, assim como os macabeus lide-raram a revolução contra o tirano sírio!”.

Ele entrou, como pobre, em Jerusalém com o “povo da terra”. Estes formavam uma comunidade não violenta que superava a tentação de dominar a terra com o poder imperial. Ele entrou como rei da paz. Aí estava a descrição do Reino de Deus prometido, isto é, a “comunhão” que Deus prometera, deveria vir pela pobreza de Jesus e a pobreza interior dos seus seguidores (GORGULHO; AN-DERSON, 1975, p. 162-4).

Parece claro que para a comunidade de Marcos, ao cantar ao “Filho de Davi”, que ela tinha a memória do Davi jovem, o menor, o pastor, o homem do campo de Belém. Vê-se que o Davi oficial do palácio, o monarca estava descartado. Marcos mostrou que o messianismo vem da pobreza. O Messias marcano, ao anunciar que seria “entre-gue aos sumos sacerdotes e aos doutores da lei” e que seria “condenado à morte e entregue aos pagãos” (Mc 10,33), estava anunciando a libertação e o amor, que teriam a expressão na sua morte e ressurreição, a meta final do caminho.

Jesus, o Messias/Rei (Mc 15,16-18)

16 Os soldados o levaram ao interior do palácio, isto é, o Pretório, e convo-caram toda a coorte. 17 Em seguida, vestiram-no de púrpura e tecendo uma coroa de espinhos, lha impuseram. 18 E começaram a saudá-lo: “Salve, rei dos judeus!”

Estes versículos estão dentro de uma grande perícope, chamada de “Paixão de Jesus” (Mc 14-15). A narrativa da paixão mostrou que o poder de Roma condenou Je-sus. O v. 15 mostrou o papel do poder romano, na figura de Pilatos. O v. 16 se referiu aos “soldados” (romanos). Contou que foi convocada toda a “coorte”: era a legião (unidade militar) romana (PESH, 1980, p. 689-90, 2ª parte). Junto aos romanos, os chefes religiosos de Israel.

Mc 15,16-17 apresentaram Jesus condenado como alguém que pretendia o poder. Os sol-dados encontraram uma forma de parodiar essa suposta pretensão. Ao fazerem isso, estavam caçoando dos poderes humanos que Jesus rejeitara. Ele não parti-cipara da farsa que os poderes humanos haviam montado, que agora os soldados parodiam. Jesus se tornou rei no momento em que foi despido dos “trajes reais”. Aí se realizou outro texto (Mc 10,42-45) que disse que o “Filho do Homem veio para servir e não para ser servido”. Segundo Balancin (1991, p. 171-2), Jesus se tornou “juiz” no momento em que estava no banco dos réus; tornou-se “rei” quando foi desvestido de trajes reais e condenado pelos que têm poder real. Antes de ser assassinado, houve várias revelações de que ele era “rei”. (Mc 15,2.9.12.18.26.32),

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aceitou, porém deu-lhe um sentido totalmente novo: Ele é “rei” enquanto é o “Ser-vo” silencioso e sofredor (Is 53 e Sl 38,12-14). Ele reina não pela imposição, mas porque dá a vida que vem da obediência e da doação de si aos outros.

PROXIMIDADES DOS DOIS MESSIAS: SIMÃO BAR GIORA E O JESUS DE MARCOS

Pelo que se viu do Messias Jesus narrado por Marcos e pelo que se conhece do Messias Si-mão bar Giora, contado por Josefo, sendo lido na ótica da suspeição, pode-se traçar algumas semelhanças entre eles. É preciso recordar que o Evangelho de Marcos foi escrito bem próximo aos acontecimentos da destruição de Israel, de Jerusalém, do templo e das grandes instituições. Certamente, o grupo de Marcos foi informa-do informa-dos acontecimentos em Jerusalém e, em seguida, da condução de bar Giora a Roma para ser vilipendiado, torturado e assassinado no centro do império.

Ambos foram Messias/Rei. Possivelmente, tiveram o messianismo enraizado na tra-dição do Davi jovem, menor entre os irmãos e pastor. Os três foram ligados ao campo. Por isso, Jesus e bar Giora podiam ser identificados com o messias davídico popular.

Jesus e bar Giora tiveram o princípio da solidariedade com os pobres e camponeses de seu tempo. A situação de repressão interna, por parte dos filhos de Herodes e, além disso, do Templo de Jerusalém e a opressão externa, por parte dos roma-nos fez com que ambos estivessem ligados ao “povo da terra”.

Ambos caminhavam com os marginalizados. O reino deveria pertencer aos pobres, porque o reino é partilha6.

Ambos se preocupavam com o pão em todas as mesas (Marcos falou de duas multi-plicações dos pães e apresentou Jesus instituindo a Eucaristia). Confiavam na partilha. Por isso, Ambos eram queridos pelas multidões.

Ambos romperam com as estruturas econômicas e sociais que criavam as desigualda-des. Por isso, foram subversivos às leis e normas repressoras. Foram críticos e tiveram atitudes contra os poderes judaicos e romanos.

O projeto de ambos era o enfrentamento do mal e da alienação.

Ambos defenderam uma nova sociedade onde haveria a liberdade para todos. Por isso, também eles foram fiéis ao projeto libertador, até o fim.

Ambos sofreram várias tentativas de morte, antes das prisões fatais. Ambos tiveram uma entrada messiânica em Jerusalém, embora diferentes.

Ambos, antes de morrerem, foram vilipendiados nas ruas (Jerusalém e Roma). Nos dois casos, houve uma procissão triunfante: a vitória sobre os Messias/Rei. Ambos receberam o tratamento reservado para o inimigo derrotado pelo império

roma-no. Foram torturados, execrados e mortos. Foram assassinados por causa da justiça, como rei dos judeus.

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ENTENDENDO O DAVIDISMO MARCANO

Assim como Simão bar Giora e outros messias do tempo de Jesus se inspiraram no Davi jovem, o menor e pastor, podemos ver que, também, o Evangelho de Mar-cos se distanciou de I Sm 7,13-16. Essa perícope retratou o Messias monarca Davi, alojado no palácio. O Davi rei não inspirou Marcos. Se se recordam os textos que foram vistos, um pouco atrás, fica claro que o grupo marcano, que escreveu nos inícios dos anos 70 dC, portanto, próximo aos tensos eventos de Israel, entendeu o Messias Jesus como aquele que “serve”.

Marcos foi o evangelista que fugiu de qualquer triunfalismo. Desmistificou qualquer possibilidade de ver no homem de Nazaré, um rei no estilo dos filhos de He-rodes ou do imperador Vespasiano de Roma. O seu Evangelho foi uma crítica a qualquer governante que usufrui do poder para tiranizar os seus habitantes. Nesse sentido, o monarca Davi, também, tivera os seus pecados, porque se distanciara do projeto das experiências das tribos de Israel, ao deslocar-se para Jerusalém e o palácio e mudar suas práticas.

Se se olha bem, o Jesus de Marcos foi um Messias no estilo dos camponeses tribais, desde o grupo de Moisés e Josué, desde Abimelec e Jefté, até o jovem cam-ponês/pastor Davi. Se a prática desses antigos camponeses foram ícones para Marcos, ele buscou, na fundamentação teórica, as reflexões proféticas de no-mes, também, ligados ao campo, como Amós, Oséias, Jeremias, Miquéias e, fortemente, Isaias e Zacarias.

É interessante reparar alguns momentos marcanos. As primeiras palavras do homem Jesus foram “Reino de Deus” e “Evangelho” (Mc 1,14-15). Nestes versículos está o programa messiânico do evangelista. No centro do livro, tem-se a clare-za de onde ele queria chegar: o Messias! À pergunta, “quem dizem os homens que EU SOU?”, Pedro, uma fundamental pessoa no esquema marcano, respon-deu: “Tu és o MESSIAS” (Mc 8,27-29).

A figura do Messias, em todas as partes e, principalmente, na narrativa da entrada em Jerusalém, na intensa aclamação popular, retratou o davidismo popular. Para o Evangelho, o Reino de Deus estava acontecendo. Ele entrou em Jerusalém, a capital. Adveio montado, como o Davi menor dos irmãos, jovem e pastor, realizando a profecia de Zacarias, vindo do monte das oliveiras, montado no animal dos pobres. Desmistificou-se aqui a visão do rei do palácio que deveria governar pela força e pelos exércitos. Os traços autoritários foram eliminados para mostrar que o novo davidismo não vinha das mãos humanas. Cantando os salmos de peregrinação, em direção ao templo, agitando as palmas, a po-pulação simples rememorou sua independência e vitórias no passado. De fato, o Filho de Davi (possivelmente, o Davi jovem pastor, o rapaz dos campos de Belém) era ovacionado, porque todos viam nele a realização da liberdade

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diante do jugo romano. O Messias que entrou na capital era pobre. Sua escolta foram os “pobres da terra”. Foi uma comunidade não violenta que entendeu o novo Messias/Rei como o governante da paz. A comunidade marcana foi o re-trato do povo que entrou com Jesus. Esta comunidade apresentou Jesus, após a cena messiânica até a sua prisão (Mc 11,12-14,43), orientando-a para a paz e para viver o Reino de Deus: deviam viver e anunciar a libertação e o amor, que teriam essa expressão na morte e ressurreição do Messias (Mc 14-16).

CONCLUSÃO: MARCOS SE DISTANCIOU DOS OUTROS MESSIAS Os messianismos tornaram-se agudos na época de Jesus. Era difícil suportar o modo de

produção escravagista romano. Os impostos/tributos esmagavam a população, especialmente, a campesina.

Viu-se, nesta pesquisa, a opção por dois messias: Simão bar Giora e o Jesus de Marcos. O grupo de Marcos escreveu logo após os terríveis acontecimentos em Israel: destruição do país, da capital, Jerusalém e do templo; Eliminação das insti-tuições como a sacerdotal e a levita e partidos/grupos como os saduceus, os escribas, os essênios, os zelotas, os batistas etc; Expulsão da terra dos sobre-viventes judeus. Marcos entendeu que acabou Israel: “não ficará pedra sobre pedra. Tudo será destruído” (Mc 13,2).

Certamente, o seu grupo estava bem informado da luta libertária de Simão bar Giora que chegou a ser o Messias/Rei de Jerusalém (69-70 dC). Diante dessa pos-sibilidade, a redação marcana privilegiou o Messias Jesus como aquele que não buscou o triunfalismo. Este Evangelho foi escrito pelos anos 70. Vendo os grandes conflitos mundiais e locais, Marcos olhou com um olho na realidade trágica daquele momento e, com o outro olho, recordou-se de Jesus. O grupo se perguntava: “se Jesus estivesse vivendo agora aqui, como ele agiria?” “Como o povo responderia ‘quem é Jesus’ dentro desses horrorosos conflitos?”

Ele ia descrevendo Jesus, mostrando que ele foi diferente de Vespasiano (imperador) e de todos os demais governantes. Que ele teve projetos parecidos com Simão bar Giora, porém, os objetivos se tornaram distantes e até antagônicos. Então, a comunidade marcana apresentou o Messias Jesus como aquele que realizou algumas utopias: foi como o Davi pastor/camponês, ou seja, o jovem. O Davi monarca era um ícone falso de messianismo; Jesus realizou a utopia do servo sofredor de Isaías; tornou-se o Messias/Rei entrando em Jerusalém como o Rei-Pobre sem escolta armada, porém, protegido e aclamado pelos simples e humildes. As utopias chegaram ao ápice, quando foi declarado Rei no julga-mento. Jesus aceitou a declaração e deu um sentido inteiramente novo e até paradoxal: Ele é REI enquanto é o SERVO silencioso e sofredor (Is 53; Sl 38,12-14). Ele reina não porque se impõe, mas porque dá a Vida.

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Aqui, Marcos se distanciou do Messias Simão bar Giora e de todos os outros messias, mostrando que o paradoxo chegou à plenitude, na cruz. Jesus “deu um gran-de grito” (v.34 e 37); o oficial do exército... Viu que Jesus gritou e morreu, e disse: “Este homem era de fato o FILHO DE DEUS” (v. 39). Para o grupo de Marcos esta foi a hora de Deus que se aproximou definitivamente dos homens para trazer a salvação. Em seguida, narra-se que Jesus ressuscitou e que ele está vivo e presente à frente dos seus discípulos.

THE MESSIAH/KING JESUS AND THE PEASANTS MESSIAH OF YOUR TIME

Abstract: Israel’s farmers no longer supported the Roman imperial rule. Among many

messiahs, Simon bar Giora was what had more similarities with the Messiah Jesus. Both came from the popular messianic raised by the groups of Moses, Joshua, Abimelech and Jephthah. Both were heirs of the popular davidismo and not the monarchical davidismo (2 Sm 7.13 to 16). The two engaged in the liberation of the peasants / herders and marginalized of Israel. They had festive entries in Jerusalem. Both were assassinated because of righteousness. What distanced Jesus of Simon bar Giora was the final project: Jesus refused triumphalism. He entered Jerusalem, acclaimed by popular joy, as King / poor Messiah. He presented the “service” as transformation project for the expe-rience of God’s Kingdom.

Keywords: Popular Messianic. Young David. Servant. Kingdom Of God. Notas

1 Aqui é preciso estar atentos para a questão hermenêutico-conflitual. Tem-se que confiar nas informações de Josefo. Entretanto, é preciso prestar atenção às suas interpretações. As interpretações de Josefo foram tendenciosas. Os leitores precisam, sempre, ficar atentos. Os líderes camponeses, para ele, cometiam atos indignos. Jamais eram heróis.

2 É importante dar esses dados, porque, por vezes, veem-se comentários em que se relativizam a escravidão e as crucificações nos tempos de Jesus, na Palestina.

3 Esse Herodes, o Grande, conseguiu ser reconhecido como rei dependente de Roma nos terri-tórios judaicos da Palestina. Governou de 37-4 a.C. Com o apoio romano, empreendeu muitas construções, inclusive, reconstruiu o templo judaico. Para as inumeráveis construções e a manutenção da máquina real, cobrou pesadíssimos tributos à população camponesa judaica 4 A entrada de Jesus em Jerusalém estava sendo celebrada no nível da paz. Já Simão bar Giora

entrou triunfalmente na cidade, sendo saudado como salvador e protetor de Jerusalém. Ele tinha uma retaguarda de camponeses vencedores e, em coalizão dos zelotas (69-70 dC), tornou-se rei comparado ao rei Davi.

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sírio Antíoco Epifânio IV (167-164) e limparam o templo, eles cortaram palmas para agitar enquanto faziam a sua marcha da vitória ao redor de Jerusalém.

6 Nessas “proximidades“, devemos ler os dois Messias como libertadores dos escravos e, portanto, buscadores da justiça em todos os níveis. No entanto, as práticas de ambos se diferiram no nível metodológico. Simão bar Giora foi um líder messiânico armado, guerri-lheiro e que via a conquista de Jerusalém como projeto da realização da revolução. Jesus, com os projetos de libertação, não aderiu à luta armada e não tinha o objetivo de se tornar Rei nos moldes humanos.

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