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TEATRO, EXPERIMENTAÇÃO E DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA NA EDUCAÇÃO BÁSICA: UMA TRÍADE POSSÍVEL PARA A ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA

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Academic year: 2020

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209 REnCiMa, v. 10, n.1, p. 209-227, 2019

TEATRO, EXPERIMENTAÇÃO E DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA NA

EDUCAÇÃO BÁSICA: UMA TRÍADE POSSÍVEL PARA A

ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA

THEATER, EXPERIMENTATION AND SCIENTIFIC ANNOUNCEMENT IN BASIC EDUCATION: A POSSIBLE TRIAD FOR SCIENTIFIC LITERACY

Nirly Araujo dos Reis

Universidade Federal de Sergipe/Departamento de Química, Campus Professor Alberto Carvalho, nirly-reis@hotmail.com

Leonardo Maciel Moreira

Universidade Federal do Rio de Janeiro/Campus Macaé, leo.qt@hotmail.com

Erivanildo Lopes da Silva

Universidade Federal de Sergipe/Departamento de Química Campus José Aloisio de Campos Rio de Janeiro/Campus Macaé, erivanildolopes@gmail.com

Resumo

Nos últimos anos vem ganhando destaque no ensino de ciências o desenvolvimento de um currículo crítico, que leve em consideração a dimensão sócio tecnológica da ciência e uma aprendizagem significativa. Esse currículo, por sua vez, pode ser estruturado sobre as proposições da alfabetização científica. Nesse âmbito, a presente pesquisa traz uma análise de uma peça de teatro de temática científica elaborada/apresentada por alunos da educação básica, os quais buscaram promover um diálogo entre conhecimento científico, saberes populares e experimentação Química. A pesquisa foi desenvolvida nos moldes da perspectiva qualitativa. O objetivo é explicitar quais aspectos da alfabetização científica foram favorecidos pela atividade realizada e como ela possibilitou um diálogo entre a ciência e a cultura local. Os resultados evidenciaram a presença de alguns dos eixos da alfabetização científica, demonstrando que é possível relacionar teatro e o ensino de Química/Ciências e contribuir para a aprendizagem dos alunos.

Palavras-chave: teatro de temática científica; divulgação científica; alfabetização científica.

Abstract

The development of a critical curriculum that takes into consideration the social, technological dimension of science and a considerable learning has been attracting attention late years. Such curriculum, in its turn, can be structured on propositions of

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210 REnCiMa, v. 10, n.1, p. 209-227, 2019 scientific literacy. In this sense, this research presents an analysis of a play which has as theme a scientific question. The respective play sought to promote a dialogue among science, popular knowledge, and chemical experimentation, giving emphasis to “ripening of bananas”. So, the research was developed based on a qualitative pattern, aiming to explain the aspects of scientific literacy that were stimulated by the respective activity, and how it enabled a dialogue between science and local culture. The results showed the presence of some of the structures of scientific literacy, demonstrating that it is possible to establish ties between theater and the teaching of Chemistry, science.

Keywords: scientific theme; theater; scientific announcement; scientific literacy.

Introdução

Nos últimos anos vem ganhando destaque no ensino de ciências discussões que buscam estimular nos alunos a compreensão do conhecimento científico de maneira que possam interferir sobre o que está a sua volta. Essas discussões estão no bojo da alfabetização científica (AC). Uma educação em ciências na perspectiva da AC tem como finalidade a formação do cidadão, indo além da aprendizagem conceitual (SASSERON; CARVALHO, 2011). Essa proposição vem ganhando ênfase nas discussões de diversos autores (BYBEE, 1995; SANTOS, MORTIMER, 2001; AULER, DELIZOICOV, 2001; AULER, 2003; SASSERON, CARVALHO, 2011). De maneira geral, entende-se que é indispensável a AC diante da atual dinâmica social.

Entretanto, uma breve análise do ensino de Química no Brasil evidencia a consolidação de uma crise educacional, através de contextos marcados por um paradigma mecânico e livresco que permanecem arraigados. Na busca de modificar esse cenário, a escola deve constituir-se como um espaço responsável por auxiliar os estudantes em seu processo alfabetização científica. Contudo, mesmo constatando sua necessidade e importância, em virtude de precárias condições de trabalho, da desvalorização dos profissionais em educação, do currículo fechado, do cumprimento de horários rígidos, dentre outros, essa instituição acaba por se tornar insuficiente. Desse modo, percebe-se uma relevância e crescimento do ensino baseado em uma educação não formal (GASPAR, 1992; CAZELLI, GOUVÊA e FRANCO, 2001; JACOBUCCI, 2008). Essa modalidade atrelada à escola pode contribuir para a divulgação da ciência e para alfabetização da população.

O teatro tem se mostrado como uma possibilidade para o desenvolvimento da alfabetização científica e uma das características da abordagem teatral é a discussão da ciência em seus aspectos conceituais, mas também em suas relações sociais, culturais e éticas (SÁ, VINCENTIN, CARVALHO, 2010; NETO PINHEIRO, ROQUE, 2013; MOREIRA, MARANDINO, 2015; MOREIRA, LOPES Jr; 2015).

Partindo dessas premissas, o objetivo central desta pesquisa é explicitar aspectos da alfabetização científica que podem ser favorecidos em uma atividade teatral. Além disso, buscou-se investigar em que medida as ações desenvolvidas possibilitaram um diálogo entre a ciência e a cultura local. Aqui, se entende a cultura na perspectiva de Romão (2004), segundo o qual cultura é tudo aquilo que resulta do pensar e do agir

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211 REnCiMa, v. 10, n.1, p. 209-227, 2019 humano sobre a natureza, com vistas à obtenção de bens e serviços necessários à sobrevivência e à reprodução da espécie.

Tendo em vista o contexto educacional do ensino de Química, a relevância desta pesquisa está em exemplificar uma possibilidade de desenvolvimento do teatro de temática científica (MOREIRA e MARANDINO, 2015), na modalidade teatro de fantoches, e em produzir conhecimentos acadêmicos sobre essa prática. Isto fornecerá subsídios para professores e pesquisadores dos mais distintos contextos e realidades educacionais desenvolverem práticas e investigações sobre este tema.

Aportes Teóricos

Na literatura, encontram-se variadas definições para a alfabetização científica (AC). Por exemplo, entre as perspectivas que a discutem no contexto escolar, Bybee (1995) propõe as dimensões AC funcional (aquisição de um vocabulário científico apropriado e adequado), a AC conceitual e processual (os educandos atribuem significados próprios aos conceitos científicos, relacionando ciência e tecnologia) e a AC multidimensional (aplicação dos conhecimentos científicos à solução de problemas do dia-a-dia).

Nesta pesquisa, a entendemos a partir de uma perspectiva freireana, na qual a alfabetização subtende o desenvolvimento de uma consciência crítica a fim de superar concepções ingênuas sobre o mundo. Isto é, a alfabetização não se apoia simplesmente na dimensão técnica dos conceitos, mas sim em uma inter-relação destes com os diversos aspectos da sociedade. Paulo Freire (1980) define que a consciência crítica se refere ao desenvolvimento de entendimentos críticos sobre o mundo em que se vive e o reconhecimento enquanto sujeitos históricos. Dever-se-ia educar para a tomada de decisão e para o agir social e politicamente.

Nessa perspectiva, a alfabetização científica aponta um conjunto de propósitos em comum com a busca pela melhoria no ensino de ciências a partir dos seus objetivos culturais. Sendo assim, a AC também pode ser compreendida com base nas ideias de Auler e Delizoicov (2001). Para esses autores, a ideia da AC é ampliada com base no princípio de que a sociedade sofre de um analfabetismo científico e tecnológico, o que impulsiona a necessidade de democratizar o conhecimento. Logo, a AC permitiria o desenvolvimento de uma criticidade na leitura de mundo com o intuito de transformá-lo, a partir das suas inter-relações entre ciência e tecnologia. Moreira (2013) aponta que em várias definições de alfabetização científica há a busca pelo conhecimento de conceitos científicos básicos, da natureza da ciência e de sua relação com a sociedade, bem como a diferenciação com a tecnologia.

No ensino de ciências há uma assimilação desse discurso, em favor de um currículo crítico, que leve em consideração a dimensão sócio tecnológica da ciência de maneira relevante e significativa para o aluno. A partir do que discutem Sasseron e Carvalho (2011), esse currículo poderia ser estruturado sobre três eixos: o entendimento básico de conhecimentos e conceitos científicos fundamentais; a compreensão da natureza da ciência e dos fatores éticos e políticos que circundam sua prática; as relações entre ciência, tecnologia, sociedade e meio ambiente. Não se trata de conhecer o conhecimento científico de maneira puramente conceitual, mas de perceber o que

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212 REnCiMa, v. 10, n.1, p. 209-227, 2019 estrutura esse conhecimento. As pesquisadoras supracitadas entendem como parte do processo de AC um ensino permeado por atividades problematizadoras, que estejam relacionadas com temáticas abrangentes e que possa interagir com diversas áreas e com concepções preexistentes dos estudantes.

A linguagem teatral tem sido um importante meio para a popularização da ciência, visando à alfabetização científica. Moreira e Marandino (2015) enfatizam o teatro de temática científica (TTC) como uma maneira de favorecer a AC, para isso fundamentam-se no aspecto pedagógico do próprio teatro, por meio do qual fundamentam-se pode abordar a ciência e a tecnologia através de espetáculos. Essas ações se propõem a discutir conceitos científicos, muitas vezes complexos e difíceis, de forma divertida e lúdica, estimulando sua ampliação em debates posteriores em sala de aula. Assim, o TTC pode atuar como apoio didático, explorando diversas possibilidades e contribuindo para uma maior aproximação da ciência e da tecnologia com o público (MOREIRA; MARANDINO, 2015; ROQUE, 2007). Ao assistir um espetáculo teatral o público pode obter conhecimentos para sua vida, no intuito de permitir uma mudança de comportamento, promoção de liberdade intelectual e estímulo do senso crítico, a partir de uma reflexão que pode ocorrer também em quem participa da encenação (MOREIRA, 2013; NETO, PINHEIRO, ROQUE, 2013). É nessa perspectiva que o TTC favorece a divulgação científica e, sobretudo, pode incentivar na alfabetização científica dos atuantes da dramatização e da plateia.

No ensino de Química há trabalhos com foco no TTC, sejam eles com vista à divulgação científica ou à sala de aula. Sá, Vicentin e Carvalho (2010) relatam uma atividade teatral desenvolvida com alunos do primeiro ano Ensino Médio, em que a partir da mediação dos professores de Química, de História e de Artes e da pesquisa em livros e na internet os alunos puderam criar uma peça teatral que abordou acontecimentos históricos da vida dos cientistas Robert Boyle, Antoine Laurent Lavoisier, Michael Faraday, John Dalton, Marie S. Curie, Joseh Louis Proust, Ernest Rutherford, Linus Pauling e Jöns Jacob Berzelius. Na ótica dos autores, ao final das atividades, os alunos haviam desenvolvido competências e habilidades como: autonomia, trabalho em equipe, resolução de problemas de ordem prática, capacidade de comunicação, articulação de diferentes conhecimentos, compreensão sobre o sentido histórico da ciência e a influência da tecnologia nas mais diferentes situações, leitura e interpretação de textos histórico-científicos, seleção de material de pesquisa, estabelecimento de estratégias de trabalho, comunicação e socialização de conhecimentos.

Neto, Pinheiro e Roque (2013) relatam uma metodologia utilizada com alunos do primeiro ano do ensino médio fundamentando-se na psicologia de Vygostky e nos jogos teatrais de Viola Spolin foram desenvolvidas improvisações teatrais com a finalidade de motivar os estudantes e de explicitar suas concepções sobre a Química. De acordo com os autores, ao final das improvisações os alunos participantes demostraram o entendimento de que a Química é uma ciência que estuda a matéria. Além disso, as atividades possibilitaram ao professor problematizar compreensões equivocadas de conceitos da Química. Ao final, os alunos responderam um questionário e as respostas apontaram que a atividade foi motivadora.

Em Nunes et al. (2014a) e Nunes et al. (2014b) se discute a prática do teatro de fantoches (mamulengo) em articulação com conceitos de Química, visando a associação de culturas locais com conceitos científicos de maneira a divulgar a ciência. Ambos

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213 REnCiMa, v. 10, n.1, p. 209-227, 2019 relatam ações desenvolvidas pelo projeto “Química também é Cultura: Show da Química com Teatro”. No primeiro foram construídas quatro historietas que abordavam temas ou situações do cotidiano. Em cada uma delas eram apresentados experimentos simples que poderiam permitir ao público compreender os conceitos científicos envolvidos nas situações cotidianas. Bonecos de mamulengo foram produzidos a partir de materiais simples. As historietas foram apresentadas para estudantes do Ensino Fundamental e Médio de escolas da Rede Pública de ensino do estado de Sergipe. Os autores relatam que na interação com a plateia, durante a realização dos experimentos no espetáculo, as explicações dos espectadores são marcadas pelo senso comum, pelos costumes e crenças, apesar de algumas delas se aproximarem de noções científicas. O segundo aborda os resultados com a historieta “A Química presente na água”. Para esta, foi realizado um levantamento local sobre os saberes populares referentes ao tratamento à água para consumo e limpeza de alimentos. Depois, foi elaborada uma narrativa procurando articular conhecimentos populares e conhecimentos científicos, de modo a favorecer a reflexão sobre o tema. Para verificar a impressão do público sobre o espetáculo foram coletados dados por meio de entrevista e de questionário. Os autores relatam que foi possível fazer reflexões relacionando saberes populares e saberes científicos, a fim de contribuir para a discussão sobre um problema social.

Moreira e Marandino (2013) por sua vez, desenvolvem uma pesquisa no intuito de analisar em que medida um texto teatral de temática científica pode possibilitar o alcance da alfabetização científica. Inicialmente foram construídas categorias teóricas, quais sejam, natureza da ciência e da tecnologia, conhecimentos e conceitos básicos da ciência e da tecnologia e relação entre ciência, tecnologia, sociedade e meio ambiente. Depois, o texto teatral “A Estrela da Manhã” foi analisado quanto à contemplação dessas categorias. Os resultados demonstraram que a escrita contemplou todas as três categorias, possibilitando o desenvolvimento da alfabetização científica.

Assim, a presente pesquisa guarda relação com as anteriormente citadas, porém em uma organização que pode permitir o surgimento de novos conhecimentos sobre o TTC. Sá, Vicentin e Carvalho (2010) e Neto, Pinheiro e Roque (2013) relatam práticas no contexto da educação formal, aqui focalizaremos uma atividade de educação não formal. Os sujeitos desta pesquisa são estudantes da educação básica, entretanto, de maneira distinta dos trabalhos de Nunes et al. (2014a) e Nunes et al. (2014b), os sujeitos participaram ativamente como criadores e apresentadores de uma historieta. Finalmente, em nossa abordagem, diferente de Moreira e Marandino (2013), diversos momentos e aspectos oriundos das etapas de produção e apresentação da historieta foram analisados a fim de possibilitar a descrição das relações estabelecidas entre ciência e cultura, bem como da possibilidade de alfabetização científica ao longo do processo. Assim, a pesquisa em tela pode trazer novas perspectivas sobre a temática analisada.

Metodologia

Esta pesquisa foi desenvolvida sob o viés qualitativo (BODGAN; BINKLEN, 1994). A preocupação foi desvelar em que medida o teatro de temática científica, na modalidade teatro de fantoches, pode contribuir para a alfabetização científica em Química. Para isso, os dados foram analisados com base em categorias teóricas previamente estabelecidas.

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214 REnCiMa, v. 10, n.1, p. 209-227, 2019 É importante reforçar que a atividade analisada neste trabalho foi uma ação do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Extensão (PIBIX) da Universidade Federal de Sergipe, Campus interior, localizado em Itabaiana – SE. Os sujeitos dessa pesquisa foram os alunos da educação básica que participaram da elaboração/apresentação da peça teatral. Na Figura 1 é apresentado um esquema descritivo das etapas da atividade.

Figura 1: esquema descritivo do desenvolvimento da atividade.

O início da atividade ocorreu com a formação de um grupo de estudantes da educação básica constituído por seis participantes voluntários, cinco da primeira série do ensino médio e um do nono ano do ensino fundamental, oriundos de um colégio da rede estadual da região agreste de Sergipe. Posteriormente, foi realizada uma problematização e discussão sobre o amadurecimento de bananas, com a finalidade de se discutir as transformações químicas envolvidas no processo. O processo de amadurecimento de bananas foi escolhido como tema devido ao contexto da região, marcado pela prática de adicionar carbeto de cálcio (vulgo carbureto) para a aceleração do amadurecimento das bananas, e, sobretudo, pelo comércio desta fruta na comunidade local.

Após a problematização realizou-se uma etapa experimental com o grupo, na qual se utilizou duas amostras de bananas e carbeto de cálcio previamente umedecido para acelerar a maturação em uma delas, enquanto outras bananas faziam parte do grupo de controle sem o carbeto de cálcio. Após a realização do experimento houve uma discussão conceitual com os estudantes, objetivando-se organizar as ideias iniciais explicitadas.

Por fim, os alunos realizaram o processo de escrita da narrativa, que veio a se r chamada historieta (NUNES et al., 2014a) e iniciaram o processo de construção dos bonecos fantoches, que foram confeccionados com materiais alternativos, tais como meias, papelão, retalhos de tecidos, lã e olhos de bonecas (Figura 2). Todo esse processo foi mediado por dois monitores do PIBIX em um período de dois meses.

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215 REnCiMa, v. 10, n.1, p. 209-227, 2019 Os espectadores da encenação foram os alunos do ensino fundamental e médio, cerca de 150 pessoas, que participavam de uma feira de conhecimentos realizada na própria escola em que o projeto foi desenvolvido. O cenário, montado com uma cortina, tinha a finalidade de deixar os manipuladores dos fantoches fora dos olhares do público (Figura 3).

Figura 3: Cenário em que ocorreram as apresentações.

Os dados foram coletados por meio de gravação de áudio durante as etapas de problematização experimental e de construção da historieta. Além disso, a encenação da peça foi registrada em áudio e vídeo. Durante a apresentação houve um momento em que a plateia interagiu com os atores da peça (alunos participantes das ações) dialogando com as discussões apresentadas por meio da dramatização, tais informações também foram registradas e analisadas.

Todo o material coletado na forma de áudio e/ou vídeo foi transcrito, sendo posteriormente tratado utilizando o método de análise de conteúdo (BARDIN, 2000). Foi realizada uma pré-análise do material, seguido de sua exploração e por fim, o seu tratamento, por meio da inferência e interpretação dos dados, os quais foram codificados em unidades de registro e categorizados. No caso deste trabalho as categorias foram estabelecidas a priori (categorias teóricas). Os trechos das falas foram divididos em turnos (termos e expressões) seguindo uma identificação temática, posteriormente, os turnos de cada tema foram agrupados e identificados com as categorias teóricas estabelecidas.

As categorias teóricas adotadas foram originadas dos estudos de Sasseron e Carvalho (2011), tendo sido adaptadas por Moreira e Marandino (2013), quais sejam: natureza da ciência e da tecnologia, a qual envolve o conhecimento científico e tecnológico enquanto produção humana, resultante dos esforços de pessoas na busca de resolver problemas; conhecimentos e conceitos básicos da ciência e da tecnologia, envolve a compreensão básica dos conceitos e científicos e tecnológicos, a fim de fazer uma releitura de mundo; relação entre ciência, tecnologia, sociedade e meio ambiente, engloba os impactos relacionados a ciência, tecnologia, sociedade e ambiente e as interferências dos fatores políticos, sociais, econômicos. No Quadro 1 está exemplificado o procedimento de categorização.

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Turno1 Trecho da Peça Unidade de

Significado

Categoria

22 [...] Bananeia:

voinha, mas tem outra coisa, não

pode usar carbureto demais

não, por que ele pode prejudicar a saúde em grande

quantidade.

Não pode usar carbureto demais

não, por que ele pode prejudicar a saúde em grande quantidade. Relação entre Ciência, Tecnologia, Sociedade e Meio Ambiente

Durante a apresentação dos dados os nomes dos envolvidos serão suprimidos, sendo utilizadas as abreviações A para os alunos participantes da pesquisa (A1, A2, A3, A4, A5 e A6), M para os monitores e P para o público espectador (P1, P2, P3 e P4). Na análise, serão apresentadas e explicitadas a presença das categorias teóricas, inferindo-se implicações para o ensino de Química.

Resultados e Discussões A Peça, a Ciência e a Cultura

A primeira parte deste texto está voltada para a descrição da narrativa escrita pelos alunos participantes do projeto e como a escrita possibilitou estabelecer relação entre a ciência e cultura. A narrativa (peça) é o resultado do experimento realizado, o qual permitiu a socialização do conhecimento com os espectadores tanto do ponto de vista cultural como questões de alfabetização científica.

No que remete ao diálogo entre a narrativa da peça construída, a ciência e a cultura local, o texto explicita uma relação entre essas três dimensões. A narrativa apresenta elos entre a cultura e o ensino de ciências. A peça construída pelos alunos é marcada por uma linguagem informal que carrega o sotaque nordestino e algumas expressões do interior, onde ocorrem os acontecimentos da dramatização. A escrita é baseada na própria região que vivem os alunos, com ênfase nos costumes e termos linguísticos da cidade. O enredo da narrativa é iniciado no dia do padroeiro da cidadezinha. No nordeste, muitos municípios possuem padroeiros, santos católicos que “abençoam a cidade”, e festividades católicas que costumam reunir grande parte da comunidade. No caso da região investigada o padroeiro da cidade é São José.

Há também, menção à forma de criação da avó Expedita e a vontade em querer que sua neta seja uma menina “prendada”,isto é, que aprenda a fazer as tarefas de casa, tais como: costurar, cozinhar e ser uma cuidadora do lar. Importante ressaltar que o nome Expedita também é posto em virtude da grande devoção ao santo Expedito, protetor das

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A expressão ‘turno’ refere-se a divisão por números de trechos da narrativa que constituem unidades significativas com o intuito de facilitar a apresentação/discussão dos dados.

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217 REnCiMa, v. 10, n.1, p. 209-227, 2019 causas impossíveis. Dona Expedita é uma católica fervorosa que reza o terço todos os dias e que gostaria muito que sua neta seguisse seus passos de “mulherzinha”, pois não lhe agrada nada a sua nora que adora fazer compras na cidade vizinha (costume da região). Seu filho, por sua vez, é um comerciante de bananas, representando a realidade de tantas pessoas da cidade, os quais são sustentados pela cadeia produtiva dessa fruta.

Uma espécie de confronto entre a ciência e a cultura local surge no momento em que a avó Expedita necessita amadurecer bananas, com o intuito de fazer uma vitamina para o café da manhã. Nesse momento, percebe que as bananas estão verdes e ela está certa que terá de esperar aproximadamente uma semana para amadurecê-las. Surge então, a neta Bananeia com a ideia de que o professor de Química poderá ajudar a solucionar o problema através do uso de um produto químico. De imediato, a avó confronta sua neta com base em seus saberes da cultura popular e não acredita que a ciência e nem o professor de Química poderão ajudá-las. Dona Expedita e sua descrença na ciência dão voz aos diversos sujeitos presentes no contexto social local, que entendem a ciência como algo distante das questões corriqueiras e cotidianas, sendo esta restrita apenas a escola e aos cientistas. Já a neta, dá voz há um personagem investigativo, que incentivada pelo seu professor busca resolver problemas e relacionar a ciência com as questões de casa, por isso, sua insistência leva a utilizar o carbeto de cálcio como um produto a fim de acelerar a maturação da fruta. Ocorre também, a discussão científica do uso de sacos plásticos ou recipiente fechados como mais uma alternativa para o aumento da rapidez do amadurecimento das bananas, ou seja, o conhecimento científico dialogando com a cultural local, nesse caso, relacionado à maturação das bananas. Por fim, o contexto tecnológico é representado pela aplicação do produto químico carbureto, utilizado em favor dos cidadãos.

Algumas expressões da cultura local, dentre diversas presentes no texto, podem ser destacadas, como o emprego da palavra madoce, que assim como a expressão caborete é bastante mencionada desta maneira pelas pessoas da região, principalmente os moradores mais antigos. Essas palavras relacionam-se com o sotaque nordestino e contribuem, de maneira lúdica e divertida, para o diálogo entre a ciência e a cultura, como uma forma de contextualizar a narrativa, algo semelhante à proposta de ações teatrais apresentada por Reis et al. (2015).

Aspectos da Alfabetização Científica Explicitados nas Ações Desenvolvidas

A segunda parte deste texto está voltada para as etapas ocorridas no desenvolvimento do projeto e os aspectos de AC presentes em cada uma delas. A discussão dos resultados ocorre em quatro momentos, são eles: início do projeto que consiste no debate inicial do fenômeno de maturação das bananas com os alunos participantes; discussão conceitual do experimento realizado ainda com esses mesmos alunos; investigação do texto da peça; e por último, há uma análise da explicação do experimento realizada pelos alunos durante a encenação, assim como o diálogo ocorrido com alguns espectadores presentes.

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218 REnCiMa, v. 10, n.1, p. 209-227, 2019 No primeiro momento analisado (debate inicial do fenômeno) não houve evidências da categoria Natureza da Ciência e da Tecnologia. Isso pode ser decorrente do fato de que essa etapa está pautada nas concepções prévias dos estudantes a respeito do fenômeno a ser estudado. Foram encontrados 2 turnos (5 e 6) referentes à categoria Conhecimentos e Conceitos Básicos da Ciência e da Tecnologia. Os trechos destacados que evidenciam essa categoria possuem termos, conceitos ou definições científicas. A discussão se inicia com muitas das ideias dos estudantes atreladas ao senso comum e certa confusão na compreensão das transformações ocorridas no processo natural e artificial sobre o amadurecimento das bananas. As ideias apresentadas sugeriam que transformações químicas e a química ocorriam somente na maturação da banana induzida pelo carbureto, tendo em vista a presença de um produto químico.

A1: “Ah, o caborete deve ter alguma Química que amadurece as bananas”.

[Discussão Inicial, turno 5].

A4: “Deve ser um processo químico quando tem carbureto e o natural quando é sem”.

[Discussão Inicial, turno 6].

Os grifos postos acima se referem às unidades de significado identificadas que evidenciam indícios da categoria a qual esses trechos fazem parte. Nesse recorte, é preciso enfatizar também o emprego da palavra “caborete”, advindo da vivência local, em que muitos na região a mencionam desta maneira. As falas acima caracterizam as ideias prévias dos estudantes acerca do fenômeno. Aqui, se percebe um movimento dos estudantes para a apropriação dos termos, mesmo que com características de regionalismos como no caso do carbeto de cálcio. O regionalismo presente nas falas dos personagens aproxima-se com a proposta desenvolvida por Nunes et al. (2014b) que se utilizou de aspectos populares com o objetivo de divulgar conhecimento científico.

A terceira categoria é encontrada, Relação entre Ciência, Tecnologia, Sociedade e Meio Ambiente aparece nos turnos 1 e 3, por meio do interesse dos estudantes na temática próxima do seu cotidiano e no entusiasmo em poder levar conhecimento para suas casas, ou seja, trata-se da interferência da ciência na sociedade, a ciência como uma forma de contribuir para aspectos sociais.

A1: [...] “Esse tema vai ajudar bastante a gente, já que é algo do nosso cotidiano, fica mais fácil de aprender”.

A3: “Como a banana é algo que está muito presente no nosso dia a dia, principalmente por que aqui o pessoal coloca caborete para amadurecer, vai ser muito legal aprender como amadurece”.

[Discussão Inicial, turno 3].

Esse tipo de ação quando elaborada com base em temas de sentido local/social e reflexões com o modo de vida da comunidade, como descritos por Sasseron (2008) podem ampliar uma visão de ciência, bem como discutir problemas através de fenômenos naturais. Conquanto ainda se esteja no momento inicial de discussão, os estudantes

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219 REnCiMa, v. 10, n.1, p. 209-227, 2019 reconhecem que os conhecimentos a serem construídos durante a atividade possibilitarão a articulação entre Química e cultura local. Gondim e Mól (2009) relatam que a inserção de aspectos populares/locais na escola pode atender aos objetivos de um ensino com base em uma perspectiva Ciência/Tecnologia/Sociedade o que contribui para uma interlocução entre os saberes.

No segundo momento (etapa de discussão do experimento), percebeu-se a busca dos alunos participantes do projeto em compreender o amadurecimento da fruta pela indução com carbeto de cálcio. A atividade experimental estava diretamente voltada para a investigação conceitual do amadurecimento das frutas pelo uso do carbureto e o amadurecimento natural. Dos turnos encontrados, dois correspondem à categoria Natureza da Ciência e da Tecnologia. Essa categoria contempla momentos em que são evocados aspectos ou informações sobre as estruturas da ciência e da tecnologia e os fatores humanos que influenciam as práticas de ambas (MOREIRA e MARANDINO, 2013). O que veio à tona durante a busca dos estudantes por uma explicação científica para os fenômenos, tendo em vista as observações empíricas, seu pensamento e o processo de coleta de dados. Por isso, as falas transcritas a seguir fazem parte dela.

A2: “Um gás está sendo liberado?

A4: “[...] o gás foi liberado assim que o carbureto topou na água”. A3: Interessante.

[Etapa Experimental, turno 7].

A4: “É, as bananas ficaram maduras, enquanto que as que a gente não colocou carbureto, ainda estão verdes. Ou seja, parece que o processo químico como falaram antes só acontece quando coloca o carbureto mesmo”.

[Etapa Experimental, turno 9].

A4: “Peraí, primeiro que teve aquele gás liberado, lá no primeiro dia, depois a banana era verde e dura e tá amarelada e macia”.

[Etapa Experimental, turno 10].

Nas falas em destaque é importante ressaltar a concepção do aluno A4 com respeito ao entendimento do que seria um processo químico. A partir do turno 9 depreende-se que para esse estudante o processo químico só ocorre quando se adiciona a substância química carbureto de cálcio. Essa fala explicita uma concepção frequente no senso comum, segundo a qual a Química corresponde ao que é produzido pelo homem. Logo, na natureza não haveria Química ou substâncias químicas. Essa perspectiva foi sendo depurada ao longo das atividades pela construção de relações entre conhecimentos prévios e conhecimentos científicos, favorecendo a aprendizagem do conhecimento científico. Esses trechos reafirmam o TTC também como prática em que os estudantes podem se conscientizar e refletir sobre seu próprio nível de compreensão sobre os temas químicos, corroborando os resultados encontrados por Roque (2007).

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220 REnCiMa, v. 10, n.1, p. 209-227, 2019 A categoria Conhecimentos e Conceitos Básicos da Ciência e da Tecnologia contempla de maneira mais abrangente os turnos que explicitam os conceitos científicos explorados com base no fenômeno. No decorrer das atividades experimentais os estudantes visualizam a liberação do gás acetileno (C2H2) no momento em que o carbeto

de cálcio entra em contato com a água. A partir observações do fenômeno os alunos começam a organizar suas ideias e conhecimentos e posteriormente chegam a comparar com a etapa final da maturação da fruta (amarelada e macia), relacionando também com o resultado do experimento sem o uso do carbureto.

A1: “ahhhhh, sem o carbureto, a gente não vê o gás na banana, mas também está presente, não é isso?”

[Etapa Experimental, turno 11].

A fala acima do estudante A1 aparenta refutar a hipótese inicial de que as transformações químicas só ocorriam com o uso do carbureto pelo fato deste ser um produto químico. Os trechos sublinhados e em negrito referem-se às unidades de significado correspondente a categoria Conhecimentos e Conceitos Básicos da Ciência e da Tecnologia. Desse modo, o aluno percebe que acontecem transformações químicas na fruta nos dois processos (artificial/natural), ou seja, não enxergam a presença do gás no amadurecimento natural, mas isso não quer dizer que este não está presente. Logo, acabam por explanar a presença de gases que provocam o amadurecimento das bananas e correlacionam com a indução do amadurecimento natural do fruto. Esse trecho exemplifica momentos em que os estudantes puderam construir novos conhecimentos a partir da compreensão e utilização dos conceitos químicos, sendo indício de AC conforme as perspectivas de Bybee (1995) e de Sasseron e Carvalho (2011).

A terceira categoria Relação entre Ciência, Tecnologia, Sociedade e Meio Ambiente aparece em um turno, como uma ponte entre o conhecimento científico e o conhecimento do senso comum. No caso, a busca por uma compreensão das ideias empíricas advindas da experiência cotidiana, como o fato de uma fruta podre acelerar o amadurecimento de outra. Essa ideia é posta em questão/dúvida pelos alunos durante as discussões conceituais, por isso é esclarecida com a fala da monitora.

A2: “Ah, eu fiquei com um pouco de dúvida na explicação de uma banana podre apodrecer outra”.

M: “No caso da banana, a alta concentração do gás irá acelerar a maturação da outra fruta, mas ela não pula etapa, ou seja, se ela tiver verde irá amadurecer mais rápido, mas não passará de verde para podre imediatamente [...]”.

[Etapa Experimental, turno 13].

Essa ideia também foi percebida no trabalho desenvolvido por Silva, Ponzoni e Sousa-Pereira (2016) que também buscou resgatar saberes corriqueiros da comunidade escolar do processo de amadurecimento das bananas. A junção dessas duas perspectivas pode contribuir para a discussão da ciência de maneira atrelada aos saberes populares, o que permite um debate mais rico e efetivo sobre o conhecimento, corroborando o encontrado por Nunes et al., (2014b).

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221 REnCiMa, v. 10, n.1, p. 209-227, 2019 O terceiro momento da análise consiste na investigação do texto da peça construída pelos estudantes. A categoria Natureza da Ciência e da Tecnologia não é contemplada no texto da peça, pois não foram identificados trechos de falas entre os personagens que apresentam aspectos em torno da ciência, como suas características, definições, formas como o conhecimento científico ou tecnológico foi produzido e os fatores que influenciam a prática científica. A categoria Conhecimento e Conceitos Básicos da Ciência e da Tecnologia também não aparece explicitamente no texto da peça.

Já a categoria sobre a Relação entre Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente (CTSA) foi encontrada em 4 turnos e está inclusa de maneira mais direta novamente com a relação entre a ciência e a cultura local. Esse eixo é abordado no enredo da história por meio do conhecimento científico influenciando ou sendo relacionado com os fatores socioculturais. Alguns aspectos subtendidos podem ser destacados em falas dos personagens da peça.

Bananeia: “[...] Voinha, a Química tá presente em tudo na nossa vida e

eu vou me arrumar pra ir à escola e vou perguntar que produto ele [professor de Química] usou e como ele fez. A senhora vai ver.”

Expedita: “[...] Se tivesse na minha época eu te dava uma surra agora,

quem já se viu uma neta desrespeitar a avó”.

[Texto da Peça, turno 19].

Bananeia: Voinha, [...] não pode usar carbureto demais não, porque ele

pode prejudicar a saúde em grande quantidade.

[Texto da Peça, turno 24].

Seguindo a discussão dos trechos destacados, a senhora Expedita reconhece a contribuição do carbureto no amadurecimento das bananas e decide utilizá-lo para maturação das frutas em casa, sempre que houver necessidade (turno 24). Contudo, como resposta a essa fala e que também faz parte da categoria CTSA, a menina Bananeia ressalta a respeito de possíveis implicações à saúde pelo uso excessivo do carbureto. O que evidencia desta forma, a problematização dos possíveis impactos da ciência/tecnologia para a vida das pessoas ou do meio ambiente. Com base nessa ideia, pode-se dizer que há uma relação de causa e efeito, ou seja, o aluno pode se apropriar desses debates e assim, modificar sua própria relação com o conhecimento científico e tecnológico.

Na análise do texto foram encontrados resultados semelhantes à pesquisa de Moreira e Marandino (2013). Conquanto o texto aqui analisado deixou de apresentar apenas uma das categorias teóricas elencadas, logo, ele se mostrou como potente catalisador das discussões pertinentes à alfabetização científica. O texto aqui analisado é resultante de produção de alunos da educação básica no desenvolvimento de uma atividade de divulgação científica, já o texto analisado por Moreira e Marandino (2013) surge da pesquisa de um grupo de teatro profissional que trabalha com divulgação científica. Isto é, o segundo texto foi produzido com a intenção de se favorecer a

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222 REnCiMa, v. 10, n.1, p. 209-227, 2019 alfabetização científica em seus diversos aspectos, o que evidencia a diferença entre eles.

A última parte desta discussão apresenta resultados referentes ao último momento analisado, a explicação do fenômeno fornecida pelos alunos da educação básica participantes do projeto à plateia ao final da encenação. A categoria Natureza da Ciência e da Tecnologia não apareceu na discussão conceitual levada pelos estudantes à plateia, isso pode ser resultante do fato desse momento estar direcionado a explicação dos conceitos científicos utilizados pelos estudantes a fim de levar a plateia a compreender o experimento realizado. Ainda assim, nesse caso, é possível observar que tanto os alunos participantes do projeto como os espectadores se beneficiarem do conhecimento científico envolvido no experimento com as bananas. Tendo isso em vista, a categoria Conhecimentos e Conceitos Básicos da Ciência e da Tecnologia apareceram em 8 turnos. Alguns deles foram:

A1: [...] a banana amadurece por que ela contém um hormônio que é

chamado quimicamente de etileno. O etileno é presente em toda a

estrutura da banana, desde a casca até o interior, na banana acontece diversas transformações químicas naturais, também de forma natural é liberado o etileno [...].

[Explicação do fenômeno, turno 28].

A1: [...] a banana libera o etileno naturalmente, no processo natural,

sem carbureto, sem nada. E o que acontece quando você fecha ela numa bolsa ou num recipiente? O etileno gasoso ele se acumula e é

ele que faz com que a banana amadureça. [Explicação do fenômeno, turno 30].

A1: [...] Se você colocar uma banana verde e uma banana podre [...] ela vai amadurecer mais rápido, por que a fruta podre libera mais etileno, ou

seja, acelera mais o processo.

P1: Sabia que era verdade, agora entendi por que uma banana podre

apodrece outras logo, é o gás formado, interessante.

[Explicação do fenômeno, turno 31].

O turno 28 traz a explicação conceitual acerca do amadurecimento natural da banana, em que o etileno gasoso (C2H4), diferente do gás acetileno produzido na reação

do carbeto de cálcio com a água, é o responsável pela maturação das bananas (NOGUEIRA, 2005). Nesse turno (turno 28), o estudante A1 continua sua fala discutindo sobre boa parte das transformações naturais que ocorrem em todo o fruto e no decorrer da discussão conceitual, seu colega apresenta os conceitos relacionados à maturação pelo uso do carbureto.

Para essa mesma categoria, há também trechos que buscam unir o conhecimento científico aos saberes cotidianos, como expresso no turno 30. Nesse turno os grifos em negritos explicitam o conhecimento científico referente ao uso de sacos plásticos ou recipiente fechado com o intuito de acelerar a maturação das frutas. Ainda na ideia de um possível diálogo entre ciência e cultural local, aborda-se a prática de inserir as bananas

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223 REnCiMa, v. 10, n.1, p. 209-227, 2019 em sacos a fim de acelerar sua maturação, que já faz parte do cotidiano das pessoas. Percebe-se assim que houve uma ligação entre o conhecimento científico e os fenômenos corriqueiros da comunidade em estudo. O mesmo ocorreu na conclusão a que chega um integrante da plateia a partir da explicação científica fornecida pelos alunos (turno 31). Essamesma dinâmica de interação entre espetáculo e plateia foi descrita por Nunes et al. (2014a) e Nunes et al. (2014b). Esses trechos indicam que o TTC possibilita momentos profícuos para sistematizar os saberes culturais e correlacioná-los com o conhecimento científico, reforçando também o que foi encontrado por Gondim e Mól (2009). Ainda com relação ao turno 31, é importante ressaltar que ele expressa o novo olhar do espectador para um fenômeno bastante conhecido na comunidade. Pode-se inferir, então, que a apresentação auxiliou na alfabetização científica também do espectador. Este resultado está em acordo ao que é problematizado por Moreira e Marandino (2013) a respeito do processo de AC da plateia.

A categoria Relação Ciência, Tecnologia, Sociedade e Meio Ambiente também está presente no texto teatral produzido:

P2: Mas eu acho que a banana com o carbureto não deve ser muito

saudável não, a banana com o carbureto trava, as vezes é amarga, eu

acho que deve ser por que pulou a etapa de amadurecimento né? [Explicação do fenômeno, turno 33].

M: Quanto à saúde, o carbureto pode causar azia e outros problemas

intestinais quando em excesso, sem falar no cuidado com o seu

manuseio, pois ele é extremamente reativo. [Explicação do fenômeno, turno 36].

O turno 33 retoma os impactos da ciência e tecnologia para a vida das pessoas, dessa vez destacado por uma pessoa da plateia (P2), considerando seus saberes empíricos e culturais. Para esse espectador (turno 33) a banana amadurecida não possui o mesmo sabor que a natural e por isso, deve fazer mal à saúde. Reforça-se assim, sobre a ideia de que partindo dos saberes do senso comum, pode levar esse conhecimento ao questionamento e reflexão, para que se estabeleçam relações com os conceitos químicos, pois antes mesmo de aprender Ciências/Química, o aluno já se relaciona com outra forma de entendimento e possui significação específica a esse contexto (SILVA, 2014).

Já o turno 36 refere-se à fala de um dos monitores (M) como complemento a explicação apresentada pelos alunos no momento da encenação, que também corresponde as possíveis implicações do uso do carbeto de cálcio a saúde humana, bem como cuidados com seu manuseio, algo já brevemente comentado em um pequeno trecho da escrita da narrativa.

Por fim, em concordância com os indícios de alfabetização científica apresentados até o momento, destaca-se ainda a fala de um dos alunos participantes de todo o processo:

“O projeto me ajudou, tipo assim, eu já sei que se eu quiser amadurecer uma fruta mais rápido eu posso colocar uma bolsa sobre ela e fechar,

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224 REnCiMa, v. 10, n.1, p. 209-227, 2019 posso usar carbureto e entendi um pouco da química disso e também sei que o carbureto em excesso pode prejudicar a saúde” [A1].

A fala acima anuncia uma mudança, que passou pela aprendizagem de conceitos científicos, à mobilização destes para resolução de situações cotidianas e o conhecimento de seus impactos sobre a própria vida. Isso denota um reconhecimento pelo aluno acerca da aquisição de uma nova lente para ler o mundo, a lente da ciência, conforme propõe a alfabetização científica.

Conclusões

A presente pesquisa teve como objetivo investigar os aspectos da alfabetização científica favorecidos por meio do teatro de temática científica, na modalidade teatro de fantoches. Para isso, ela foi desenvolvida na perspectiva qualitativa, utilizando-se a análise de conteúdo para o tratamento dos dados e tendo como público-alvo estudantes da educação básica.

A partir dos dados encontrados, verificou-se que nos diferentes momentos analisados (debate inicial, etapa experimental, texto da peça teatral e apresentação) houve discussões e trocas de conhecimentos que favoreceram a alfabetização científica tanto dos alunos que participaram ativamente da criação e apresentação da peça quanto da plateia. E parece que o nível de alfabetização científica alcançado pelos alunos/atores é mais significativo do que dos alunos/plateia, apesar de não focalizar esta investigação exatamente nesse ponto. Essa última asserção, embora intuitiva, se mostra como uma potencial hipótese de trabalho para futuras pesquisas (Como é o impacto de uma peça de teatro de temática científica? O que acontece na recepção desse tipo de espetáculo?).

Os aspectos da alfabetização científica mais favorecidos no conjunto de etapas da produção e apresentação da peça teatral foram os referentes às categorias Conhecimentos e Conceitos Básicos da Ciência e da Tecnologia e Relação entre Ciência, Sociedade, Tecnologia e Meio Ambiente. A primeira apareceu com mais ênfase, principalmente nas explicações científicas dos fenômenos durante a realização dos experimentos tanto entre o grupo participante da pesquisa como para o público espectador. A categoria Natureza da Ciência e da Tecnologia foi a que menos apareceu, talvez pelo fato de que a atividade foi organizada direcionando-se às questões em torno dos aspectos conceituais e da articulação entre ciência e os saberes populares (cultura local). Assim, a ação realizada demonstrou a possibilidade de um contexto que pode ser utilizado como estímulo à aprendizagem em Química dos estudantes da educação básica de um modo geral, além de uma aproximação com questões regionais.

De maneira geral, na discussão dos dados foi verificado a corroboração de resultados encontrados em outras pesquisas. Assim, uma primeira contribuição desta pesquisa para a educação em ciências e para a pesquisa em educação em ciências é demonstrar que a proficuidade e as potencialidades do teatro de temática científica se

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225 REnCiMa, v. 10, n.1, p. 209-227, 2019 estendem ao recorte pesquisado, qual seja, estudantes da educação básica que produziram e apresentaram um teatro de fantoches. Outra importante contribuição é a explicitação de uma prática do teatro de temática científica, bem como do diálogo entre ciência e cultura que dela advém e a necessidade de se garantir espaço para que os diferentes saberes tenham lugar garantido. Por fim, acredita-se que a metodologia aqui apresentada – foco em diferentes momentos da produção e da apresentação da peça – pode ser utilizada por outros pesquisadores, de maneira a testá-la em outros contextos, resultando em seu aprimoramento.

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Figura 2: Fantoches confeccionados pelos estudantes.
Figura 3: Cenário em que ocorreram as apresentações.

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