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Recensão de "Estudos Agustinianos"

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Academic year: 2021

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(1)como referenciar esta recensão: ESTRADA, Rui ; CASTELO BRANCO, Maria do Carmo ; BARROSO, Eduardo Paz - Recensão de Estudos agustinianos, org. Isabel Ponce de Leão. Revista da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais. Porto : Edições Universidade Fernando Pessoa. ISSN 1646-0502. 6 (2009) 265-272.. “VÁRIOS OLHARES” ESTUDOS AGUSTINIANOS Isabel Ponce de Leão (Org.) Isabel Ponce de Leão coordenou uma obra, Estudos Agustinianos (Edições da UFP, 2009), a partir de um encontro sobre os 60 anos da produção literária de Agustina Bessa–Luís, realizado na Universidade Fernando Pessoa em 2008. Estes Estudos são prefaciados por José Carlos Seabra Pereira e, agora, recenseados por Maria do Carmo Castelo Branco e Eduardo Paz Barroso. É curioso notar que estes dois últimos ensaístas referem nas suas recensões o prefácio. Temos então a obra literária de Agustina, os estudos sobre essa obra, a organização desses estudos nos Estudos, o prefácio e duas recensões. Ou seja, temos um continuum de textos sem uma origem demarcada e sem destino definido: se é certo que o ponto inicial é a criação literária de Agustina, não é menos certo que também essa produção fala de outros textos (e esses de outros) e também que aquilo que sobre essa produção é escrito contempla o que sobre ela se foi escrevendo. É o prodígio da escrita; não só da literária, mas de toda. Neste caso particular, é também o fascínio da leitura: todos os textos referidos (até onde pudermos ir) merecem ser lidos.. Rui Estrada 1. O trabalho do recenseador numa obra com estas dimensões e espessura tornar-se-ia naturalmente difícil não fosse o caso do excelente prefácio de José Carlos Seabra Pereira (autêntico “Anjo da Anunciação” diria João Barrento, na sua linguagem novitestamentária) – prefácio que, para além de oferecer um campo teórico - metodológico estruturante, abrangendo os principais nomes que se debruçaram sobre a obra de Agustina, é também um entrelaçado sintético das metodologias críticas utilizadas pelos congressistas nos dois momentos que cumpriram este complexo conjunto de estudos. Ao novo recenseador (cuja tarefa não se adivinha, apesar de tudo, mais fácil) resta descobrir um outro caminho (uma. 265.

(2) 266. outra directriz) que penetre em alguns pontos não abarcados e que cumpra o papel de complemento – de detalhe em relação às considerações gerais, ou de pequeno espelho dos interstícios entre ensaios – esses pequenos “buracos” que separam (permitindo a iluminação de um olhar vário) as pedras de um incomensurável muro que, em dois momentos, separados por dez anos, procuraram abarcar o não abarcável: sessenta anos de trabalho de criação literária da grande escritora Agustina Bessa-Luís. 2. As comunicações foram conjugadas por separadores da responsabilidade da Coordenadora do último Encontro que, organizando o grande e duplo texto, procurou arrumá-lo em sequências que não fossem só o deslizar cronológico das falas, mas as interpenetrassem estruturadamente em sequências tipologicamente textuais, fechadas (sem clausura) numa espécie de círculo nobre, pelo prefácio que já referenciei, por palavras reiteradas de Agustina, em jeito metafórico de “botinha de bronze” (“não efémera, mas resistente ao tempo e à memória”) e pelos dois discursos finais do Reitor da Universidade. No centro, o verbum implícito da escritora que fez derivar (deslizar) a fala crítica. No fim, uma espécie de regresso remissivo (cuja remissão concreta só a errata veio aclarar) às obras que serviram de mote para os textos ensaísticos dos diferentes autores que estiveram presentes na homenagem, ou que, como diria Salvato Trigo, harmonizaram a melopeia. Fixemo-nos no centro: A divisão que o índice assumia era encimada por designações que apontavam, simultaneamente, para o trabalho do crítico e para uma classificação genológica da obra da autora que, dialogicamente, produziam um efeito interessante de rotação conotada (“Estudos sobre a Ficção” / “Notas sobre teatro” / “Notas sobre crónicas, biografias, memórias, ensaios...” “Notas sobre adaptações cinematográficas” / Notas sobre a mulher / escritora e a memória futura”). Porém, a mesma errata, subtilmente escondida nas costas do retrato da autora de A Sibila, varreu as notas e com elas a duplicidade da toada musical, assumindo o canto como um todo monótono, reduzido ao tom soturno /académico que o título aglutinador irradiava ou, se quiséssemos brincar sinestesicamente com as palavras, deixou-o restringido a uma agustia. Se as notas, em termos paratextuais, são geralmente enunciados curtos, quase acessórios, a verdade é que dentro do grande título (apagado) do 2º congresso, as notas seriam parte integrante (saudavelmente variada) de uma melopeia de afectos, mas também de olhares intelectuais, lúcidos e novos, como se veio a verificar (basta pensar na importância do olhar sobre o teatro e sobre a parte ensaística da autora). 3. A recensão, porém, não pode ser só um olhar periférico. Deve penetrar na interioridade do(s) texto(s), mesmo que em pequeno e reduzido apontamento como este que iremos tecer em curtos fragmentos de uma peça a que se poderá chamar, de forma derivada, uma Poética Agustiniana subjacente aos estudos que constituem estas Actas. Traduziremos essa Poética em dois grandes blocos, a saber: 3.1. A extraordinária combinatória de relações estéticas, textuais e genológicas que permitiu ouvir vozes cruzadas de diferentes ângulos do saber, dando razão a Bakhtine (via Todorov), quando afirma, sem paradoxo, que “o verdadeiro teórico da literatura deve reflectir noutra coisa que não seja a literatura”, mas, por outro lado, afirmando também que “o interesse pela literatura é indispensável ao especialista de Ciências Humanas” (a que se poderia acrescentar ainda) e “aos especialistas em Ciências Sociais” (se podermos hoje separar estes dois ângulos), como se verifica no interessante trabalho de Teresa Toldy e Cláudia Toriz Ramos, a propósito de “A Joia de Família”..

(3) Ecos dessa combinatória: • Uma conseguida e subtil interligação das artes, tecida por transposições intersemióticas verificadas em obras, como A Ronda da Noite ou O Concerto dos Flamengos e, noutro campo e envolvendo mais actores, em a A Mãe de um Rio, Party e Vale Abraão. • A inter-penetração e o entrelaçamento da ficção com o ensaio, naquele contínuo desenvolvimento que podemos considerar, com Genette, a “função ideológica do narrador” (tanto mais forte quanto forte e soberana é a voz autoral), estudada, com mais ou menos centralidade, em obras como O Mosteiro ou A Quinta Essência; • A relação entre a ficção e a (auto)biografia, estabelecendo linhas quase inconsúteis entre a vida e a escrita, a propósito de O Livro de Agustina. • As relações, diria, familiares, entre ficção e História (por exemplo, em A Sibila ou Adivinhas de Pedro e Inês), • A problemática da construção intertextual (nas suas várias configurações, de superfície ou de profundidade, atingindo processos de mise en abyme ou de “escrita como réplica” (escrita dupla), retomando a clássica sátira menipeia, como a estendeu Bakhetine para a modernidade, e, através dele, Júlia Kristeva. Fanny Owen, Doidos e Amantes, A Quinta Essência, O Mosteiro são alguns dos exemplos explorados, neste(s) sentido(s), com particular acuidade no último. • A problemática da escrita feminina ou no feminino, em obras como A Sibila, Eugénia e Silvina, A Mãe de Um Rio, Um cão que sonha ou Memórias Laurentinas. 3.2. A mecânica e tessitura específicas da narrativa de Agustina, a sua tendência para uma certa obscuridade, muitas vezes derivada dos aspectos anteriormente focados, mas também gerada pelas expectativas que cria e, simultaneamente, vai quebrando; por aquele inacabado de que falam Álvaro Manuel Machado e Silvina Rodrigues Lopes – inacabado de que a própria autora nos dá conta: “Uma história nunca principia (…), na realidade, vive mais nas hipóteses do que na sua realização concreta”. Falta de limites estruturais (de delimitação, diria Iuri Lotman), mas também de um efeito de descontinuidade interna que o tratamento do tempo no discurso acentua, através de uma prolífera acronia, da duração iterativa, da circularidade do percurso – aspectos aqui focados em relação a obras como O Princípio da Incerteza, O Mosteiro, Um cão que sonha ou A 5ª Essência. Terminemos por onde é costume começar: pela epígrafe: esse sinal que dá instruções aos leitores, que resume, condensa e encaminha a leitura. Em Estudos Agustinianos encontramos duas que parecem inverter-se e interrogar-se: Uma prévia e anunciadora, colocada no prolongamento do magnífico desenho de Francisco Simões, como que saindo directamente da própria fala aforística da autora: “ O silêncio é a conspiração da ira”. Outra, encontrámo-la a páginas 325, no estudo de Silvina Rodrigues Lopes. É de Nietzshe e parece responder ou interrogar a primeira, dirigindo-se à autora, à sua fala: “As grandes coisas, é preciso calá-las, ou falar delas com grandeza, quer dizer com cinismo e inocência”. Mas podemos estender essa voz às notas ou estudos que, em homenagem a Agustina, se entoaram, em dois momentos, na UFP: com a grandeza que se deve à altura da escritora.. Maria do Carmo Castelo Branco A obra literária de Agustina Bessa-Luís sempre ocupou um lugar inconfundível no panorama literário de língua portuguesa. De entre as várias iniciativas que têm sido dedicadas à escritora é justo destacar aquelas que tiveram lugar na Universidade Fernando Pessoa a propósito dos 50 anos de vida literária da autora de “A Sibila” (1988) e mais recentemente, sobre os 60. 267.

(4) 268. anos de produção literária desta romancista (2008). Organizar homenagens é relativamente fácil. Basta ter sentido de oportunidade, dispor de um lugar adequado e exibir boas intenções. Mas não é, naturalmente, disso que se trata aqui. Para além do mais, estamos perante um volume de cerca de 600 páginas, organizado por Isabel Ponce de Leão. O livro reúne um diversificado e qualificado conjunto de textos científicos, alguns deles dos mais qualificados (e até, porque não dizê-lo obcecados) estudiosos da obra de Agustina. Concebido com critério, exigência e de acordo com uma planificação temática que envolve uma quase cartografia da obra da escritora, o volume tem um prefácio de José Carlos Seabra Pereira, onde se demarcam os territórios nos estudos agustinianos e se faz um ponto da situação. Por isso, não é demais realçar o alcance da produção científica agora publicada, e da intuição que revela quanto à necessidade de regressar, uma e outra vez, aos textos, sempre geniais e complexos da Senhora do Gólgota. Este expressivo conjunto de textos resulta de um congresso internacional (organizado pelo então Departamento de Ciências da Comunicação da UFP) e de um colóquio, mais recente, este último comissariado por Isabel Ponce de Leão, que é também uma das autoras deste livro e uma académica de referência nos estudos literários. Deve ainda ser-lhe creditado o mérito (e não é pequeno) de ter sabido mobilizar personalidades para estas iniciativas que, com muito trabalho e talento contribuíram, e contribuem, para aprofundar o conhecimento das várias vertentes da obra agustiniana, esse espelho tantas vezes cruel, mas de excepcional lucidez, onde todos nós, como portugueses, nos revisitamos com a perplexidade de quem encontra uma imagem diferente daquela que imaginava como sendo a sua. E raramente sabe o que fazer com esse legado. O Professor Salvato Trigo, reitor da Universidade que acolheu as duas iniciativas, sublinhou em 1998 que realizações como esta não se fazem para que “se fale de nós”, mas de Agustina. E em 2008 evocou O Deserto de Pombal para sublinhar uma das grandes lições da obra de Agustina Bessa-Luís: não nos deixarmos tolher por esperas míticas (ou místicas), e assim evitaremos que “outras poeiras politicas” - mas podíamos também ler, culturais, académicas, sociais - enevoem “ a nossa visão colectiva” . É pois do desejo de ver claro nos interstícios do texto agustiniano que trata este livro. Acrescente-se por fim a esta empresa a marca discreta, mas consistente, que a organizadora deste livro soube imprimir ao colóquio Melopeia de Afectos. Um e outro modos de fazer da instituição universitária, e da UFP em concreto, um lugar aberto e em processo. Há alturas, como escreveu Nuno Júdice em é urgente “escutar o silêncio das palavras”, o que Agustina sempre fez, sem querer (nem precisar) de agradar. No prefácio de José Carlos Seabra Pereira assistimos a uma panorâmica da crítica sobre a obra da escritora, sob a égide de uma citação de Eduardo Lourenço, fina ironia acerca da misteriosa dialéctica entre o “genial” e o “ilegível”. As fidelidades e infidelidades disfarçadas à obra de Agustina ocupam o ensaio (pois é de um ensaio que se trata, muito mais do que de um prefácio) de J.C Seabra Pereira: “talvez se devesse hoje retomar a questão de saber se há efectivamente razões, em sede de análise intrínseca da constituição temático-formal da obra agustiniana, para subscrever, ou para derrogar o parecer de Régio de A. Quadros sobre a sua índole identitariamente portuguesa” (p.17). Um exemplo que traduz bem a preocupação científica em traçar o mapa de diálogos e dissidências que a trajectória critica e ensaística sobre Agustina tem desenhado, de Eduardo Lourenço a Maria Alzira Seixo, de Óscar Lopes a Eduardo do Prado Coelho (“um dos mais fieis e inteligentes admiradores do génio que distinguem Agustina Bessa-Luís”), ou a reflexão dos críticos de inspiração católica.

(5) (que encontrou no Padre Manuel Antunes, “como hoje facilmente se confirma, o olhar mais persistente”). Não são esquecidas as hermenêuticas que correspondem à contínua evolução e poder criativo da escritora (sendo neste caso Álvaro Manuel Machado um dos exemplos apontados). É nesta sequência e de acordo com esta linhagem heterodoxa que surge o livro agora publicado pelas Edições da Universidade Fernando Pessoa. Na manifesta impossibilidade de dar aqui testemunho da riqueza e variedade dos textos que constituem o volume, opta-se por evidenciar apenas alguns registos e perspectivas (seguindo a ordem da paginação e assumindo coincidências de interesses ou curiosidades do autor desta recensão). O primeiro dos textos de Álvaro Manuel Machado confronta-se com a palavra em Agustina, observando como esta pode resvalar entre o amor e o uso, se for tomado em consideração o que une e separa a escrita e a ressonância religiosa. Uma “sagração da palavra” onde se cruzam as leituras da própria Agustina de Dostoievski, Thomas Mann e uma infinidade de leituras que a partir da sua diversificada obra nos propõem “jogar o jogo da releitura”. O segundo texto deste mesmo académico aprofunda algumas ideias suscitadas pelos grandes escritores através dos quais Agustina se reinventa e diferencia, ao mesmo tempo que se revelam partes do itinerário pessoal de Álvaro M. Machado que, a concluir, nos propõem, reconhecer uma alteridade cultural, algures entre a “repetição” e a “ambiguidade”. É possível descortinar aqui uma inclusão de Agustina no Cânone (e no que me diz directamente respeito, paira neste registo a sombra crítica de H. Bloom). É novamente José Carlos Seabra Pereira, motivado por O Princípio da Incerteza que nos leva a compreender a “seriedade brincada”, onde autora e narradora se interligam. E como faz sentido viajar com Agustina, em algumas das suas páginas ao Coração das Trevas, Conrad e a sua experiência do horror parecem atravessar a “fascinação do abominável que existe em nós” (palavras de Agustina). E deste modo J. C. Seabra Pereira devolve-nos um outro apelo à vertigem. Uma vertigem onde o abismo, neste caso cinematográfico podia perfeitamente ter um nome, Apocalypse Now (F.F. Coppola), uma vez que através dele Marlon Brando se fez herói de Conrad... José Esteves Rei assina dois textos. No primeiro interroga-se sobre a literatura e articula um núcleo de referências que o trabalham intelectualmente, num exercício de erudição fundado em elementos da cultura clássica. Agustina surge neste percurso como personalidade com o “carácter clássico da escrita e da educação”. Esteves Rei suscita, a partir de A Sibila, a questão relativa à consciência que Agustina tem da “missão garrettiana e queirosiana do poeta escritor” (178). Conclui com um quadro relativo às finalidades do ensino da literatura, suporte ao argumento que desenvolveu: “ajudar os estudantes (do ensino secundário nomeadamente) a lerem a literatura mais efectivamente, é ajudá-los a crescerem como indivíduos” (181). No seu segundo texto Esteves Rei chama sobretudo a atenção para uma faceta praticamente por estudar nesta obra e propõem-se ler a jornalista que Agustina também foi, nomeadamente enquanto directora do diário portuense O Primeiro de Janeiro. Uma sugestão no mínimo curiosa, mas perfeitamente coerente, para quem, como é o caso, se tem dedicado à problemática da argumentação, que encontra no texto jornalístico uma das suas expressões mais destacadas. Maria do Carmo Castelo Branco revela-se no primeiro texto uma leitora particularmente empática de Fanny Owen no seu desejo de entender e ampliar a pergunta da escritora sobre. 269.

(6) 270. o processo segundo o qual se “escrevem romances”. E é isso mesmo que tenta dilucidar ao traçar um paralelismo entre o imaginário camiliano e a sua transcrição/recriação no livro de Agustina. Daí a “concordância discordante” (220), o gozo de uma ambiguidade da qual faz parte a “importância dada a uma figura com a qual estabelece uma espécie de duelo autoral pelo domínio dos acontecimentos: a figura de Camilo Castelo Branco” (220). Conclui após ter desbravado sucessivas camadas de sedimentação dos textos de Camilo e Agustina, para nos dizer que “ a autora revela o mistério de uma desordem que está para alem do texto”(224). Uma desordem para a qual nos cativa e desse modo nos devolve o carácter “falível” de todas as leituras poéticas. O segundo texto de Maria do Carmo Castelo Branco trabalha os estudos de Barthes e de Michel Riffaterre, e desloca no “espaço literário “ (Blanchot) A Quinta Essência. Estamos assim perante as “derivas da construção textual do autor que podemos designar, com Umberto Eco, como modelo” (227). As densas sugestões deste texto, e sobretudo aquilo que nele deliberadamente se arrisca, isto é, “os limites e a liberdade leitura”. Tema por excelência acalentado por Eco, assume neste caso uma verdadeira procura de “saídas narrativas”, tecidas de fragmentos que seguem um fio de Ariadne. Conclui propondo entender na 5ª Essência de que nos fala como “errância que se reflecte no discurso (aparentemente) narrativo (...) uma espécie de trémula e esquiva respiração da literatura (...) (233). Já Silvina Rodrigues Lopes situa a obra de Agustina a partir de uma divergência anárquica legitimada por Proust e Virgínia Wolf para decifrar “ o estremecimento do mundo” que se desprende no texto da autora de O Mosteiro. Um livro onde aquilo que faz sentido “não pode ser medido nem pela verosimilhança da narrativa, nem pelas propostas de interpretação” (327). Obra a um tempo “clara” e “obscura”, a de Agustina encerra, de acordo com a estudiosa da UNL, na sua “estruturação divergente”, manifestações de “júbilo” e de “terror”. Esta comunicação tem a virtude de contribuir com grande fôlego crítico para a demonstração do facto de Agustina Bessa-Luís ter “o dom de se tornar imprescindível” (330). Um texto em co-autoria da responsabilidade de Teresa Martinho Toldy e Cláudia Toriz Ramos, situa-se numa tradição de estudos de género e enfrenta de algum modo o tema do matriarcado na obra de Agustina, dialogando com personagens masculinas e femininas que povoam o romance A Jóia de Família. A título de exemplo, uma das personagens analisadas é Celsa Adelaide, qualificada pela romancista como “irónica, fria, sentenciosa, hipócrita” , uma típica mulher agustiniana, com inevitáveis ressonâncias psicanalíticas. Para as autoras do ensaio, nela se “encarnam muitos estereótipos do feminino” (340). Outra, é António Clara, figura masculina que conhece, entre teias romanescas, a rejeição feminina “foge à regra da masculinidade convencionada” (341). Os “poderes das mulheres” evidenciam-se aqui como um apaixonante e obscuro tema que é fundamental investigar para se aceder ao núcleo da ficção agustiniana. Lugares e podres, resignações e adulações, a “família como escola de reprodução”, tudo isto é tratado por Teresa Toldy e Cláudia Ramos, convictas de que “os feminismos da diferença têm procurado burilar simplismos” (343). Saber que histórias de mulheres escreve Agustina é uma das interrogações inculcadas nesta indagação, que também se apoia em Virgínia Woolf , e na partilha da convicção por ela alimentada acerca daquilo que “queremos dizer com feminino” (345). Um aspecto particularmente interessante na esteira da conclusão remete para a dimensão autobiográfica (que foi analisada num outro ensaio deste volume). Concluir, neste caso, é citar Agustina “As mulheres têm um poder incalculável”. Porventura a quem assistiu à apresentação desta.

(7) comunicação não terá passado desapercebido o prazer com que as autoras proferiram tal afirmação. Afinal, Agustina é também isso: a simplicidade de um gozo que se faz escrita... Algures (ou talvez não) “entre expressão e inacabemento” Paulo Tunhas serve-se sobretudo de Contemplação Carinhosa da Angústia, para definir uma posição filosófica, exterior aos estudos literários. Uma tripla questionação subordinada à seguinte pergunta: “será possível estabelecer uma tipologia dos modos como os romancistas falam uns dos outros?” (469). Numa trajectória que não é fácil recensear no presente contexto, Paulo Tunhas detém-se sobre o inacabamento “que vale às mil maravilhas como descrição dos seus romances e dos seus próprios personagens” (de Agustina, entenda-se) (471). Discute depois o conceito tal como nos surge em Agustina na base de uma formulação de Northrop Frye relativa à “reactivação da teoria poética dos géneros”. Paulo Tunhas quer, por exemplo, saber em que medida é detectável em Agustina o “género anatómico” (numa aplicação da teoria de Frye) (473). O romântico alemão Jean Paul e o seu programa estético permitem-lhe avançar com a questão do “cómico”, e apesar de P. Tunhas não querer aplicar o termo à obra de Agustina, sublinha que “o género anatómico de Frye inclui aspectos do cómico”. O que nos leva a rever alguns consensos relativos à autora. Este texto prossegue com mais dois comentários ao “programa” de Jean Paul para depois concluir a importância de que se reveste a intencionalidade de Agustina com os outros autores. O inacabamento e o amor do fragmentário, uma questão pela qual Paulo Tunhas sempre se interessou e que, segundo creio, molda a sua personalidade de filósofo, leva-o desta vez a concluir que “ a poética de Agustina é muito mais devedora à tradição romântica alemã do que eventualmente tem sido notado” (477). Uma nota de rodapé onde cita Friedrich Schlegel (“ a maior parte dos pensamentos não são senão perfis de pensamentos”), serve-lhe na perfeição para desafiar alguma da crítica literária dedicada à romancista. Isabel Ponce de Leão tem-se dedicado a estudar o fenómeno da adaptação de Agustina ao cinema segundo Manoel de Oliveira. O seu trabalho tem por isso contribuído para o universo dos estudos fílmicos na medida em que acaba por se ocupar de uma questão chave na obra de Oliveira: o que é filmar a literatura? No seu primeiro texto parece subliminarmente partilhar da surpresa da romancista quando uma vez afirmou numa entrevista que ficava espantada quando lhe diziam que gostavam dela. Esta citação significa desde logo a dificuldade do universo da escritora e consequentemente a complexidade do diálogo estabelecido com e através do cinema de Oliveira. As relações intersemióticas recorrentes ao tema e a transformação cinematográfica do objecto literário permitem a Isabel Ponce de Leão interpretar o filme Inquietude. Sublinha o seu inicial tom “amargo de tragicomédia” (491) e detecta as linhas narrativas e imagéticas segundo as quais “a inquietação mais não é que a demanda da felicidade na passagem do tempo” (491). Sem esquecer análises decisivas como as de Jean Louis Shefer, a autora do ensaio, considera que “texto fílmico e literário complementam-se no mistério de uma escrita feminina” (493) e conclui sobre o alcance da repetição. O mesmo livro, ou o mesmo filme, disfarçados ao longo de uma produção artística que nos remete para a magna questão de Bazin: há obras, ou há autores? O segundo texto de Isabel Ponce de Leão é sobre Party, motivo para nos remeter para as “relações pouco pacíficas” entre cinema e literatura (497). Trata-se aliás de uma questão tão pouco pacífica que é nela, em parte, que Truffaut centra o seu célebre texto sobre A Política dos Autores, onde se define todo um programa para a Nouvelle Vague.. 271.

(8) 272. A Definição da Arte, de Eco proporciona-lhe uma reflexão sobre o problema do estilo na realização cinematográfica. Os diálogos do filme de Oliveira, Party, “controversos” e “pouco convincentes”, permitem a interacção de estilos que, em Oliveira implicam uma teia de citações em imagem de outros textos. O estilo de Oliveira é, neste filme, caracterizado por uma espécie de “cântico extratextual”. Uma bela alusão, se aceitarmos que no conjunto da obra de Oliveira (tal como a conhecemos até à data) repousa um Cântico dos Cânticos. O exame dos símbolos, entre imagens e palavras, apontam para a sua migração em direcção a um espaço interior, visível de resto nesta citação de Agustina que nos é proposta por Isabel Ponce de Leão: “no mistério do sangue estão as siglas dos amores mais devastadores” (501). Melopeia, canto, o fulgor vulcânico de uma interioridade devastadora, são alguns dos elementos de sentido com que lida o presente ensaio cuja conclusão aponta, e bem, para a liberdade de um encontro, dotado de uma força cultural exemplar: Agustina e Oliveira. Um encontro “cujos critérios de autenticidade suportam a arte verdadeira” (505). Muitíssimo mais haveria para dizer sobre este livro. Interessante sem dúvida é o modo como abre pistas para a problematização do jornalismo (Mário Pinto), a crónica, designadamente a chamada de atenção para realizadores sobre os quais Agustina escreveu (Daniel-Henri Pageaux), testemunho do encontro Agustina-Oliveira (João Marques), e até a hipótese de um “Museu Agustina Bessa Luís” (Sérgio Lira), uma possível resposta ao abandonado projecto de um Museu da Literatura (que chegou a funcionar na portuense Casa de Ramalde, com o empenho e dedicação de Mário Cláudio). O autor desta recensão contribuiu para estes Estudos Agustinianos com um texto sobre a dimensão autobiográfica na escritora e o modo como esta se cruza com a problemática psicanalítica (lembrando por exemplo que a romancista reivindica a leitura de Freud). Mónica Baldaque (museóloga e artista plástica) acompanhou muito de perto as comunicações do último destes colóquios. A sua presença actualizou a ideia que a própria Agustina trouxe em 1998 à Universidade Fernando Pessoa:”todos os meus livros são um exercício de confissão” (12). Este livro pode ser lido como uma forma de devolver à romancista aquilo que também afirmou na mesma ocasião: “a gratidão é o que há de menos efémero na nossa vida”.. Eduardo Paz Barroso.

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