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Dignidade social : direitos fundamentais e as fronteias da atividade prestacional do estado

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Academic year: 2021

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A

AGGRRAADDEECCIMIMEENNTTOOSS

Ao Exmo. Sr. Prof. Dr. Marcelo Rebelo de Sousa, pelo incentivo, atenção e apoio constantes ao projeto de doutoramento por mim apresentado e pelas inestimáveis lições de sabedoria e humildade demonstradas em suas aulas e orientações.

Ao Tribunal Regional Federal da 5ª Região, pelo suporte durante o período pesquisas e de elaboração desta tese e pela compreensão que o engrandecimento intelectual e acadêmico dos juízes é também o engrandecimento da instituição.

Aos juízes e juízas federais da Seção Judiciária do Ceará, grupo de excelência jurídica e moral, pela sempre frutífera troca de experiências profissionais e também acadêmicas.

Aos servidores e servidoras da 18ª Vara Federal em Sobral/CE, representados na pessoa de seu diretor Dr. Eliseu de Matos Batista, pelo profissionalismo e eficiência sem os quais não seria possível o cumprimento do duplo desafio acadêmico e profissional.

Ao Exmo. Sr. Prof. Dr. Nestor Eduardo Araruna Santiago, da Universidade Federal do Ceará, cunhado e amigo, pelo tempo roubado dos momentos de lazer para a leitura crítica desta tese.

À família Portela Diniz, pela disponibilização do ambiente necessário para as muitas horas de estudo e trabalho dedicados à tese.

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VOZES DA SECA

Seu doutô os nordestino têm muita gratidão Pelo auxílio dos sulista nessa seca do sertão Mas doutô uma esmola a um homem qui é são Ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão É por isso que pidimo proteção a vosmicê Home pur nóis escuído para as rédias do pudê Pois doutô dos vinte estado temos oito sem chovê Veja bem, quase a metade do Brasil tá sem cumê Dê serviço a nosso povo, encha os rio de barrage Dê cumida a preço bom, não esqueça a açudage Livre assim nóis da ismola, que no fim dessa estiage Lhe pagamo inté os juru sem gastar nossa corage... Luiz Gonzaga e Zé Dantas (1953)

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R

REESSUUMMOO

O presente estudo trata do papel da dignidade da pessoa humana como princípio normativo que serve de elemento de justificativa para existência de direitos fundamentais prestacionais e para a imposição de limites a esses mesmos direitos no contexto geral da atividade prestacional do Estado. Parte da noção filosófica de dignidade da pessoa humana, fixando uma idéia de dignidade que abrange a dignidade inerente do indivíduo a dignidade social do sujeito em sua vida em comunidade. Estabelece a dignidade como norma principiológica jurídico-positiva que serve de premissa de validade e legitimidade do ordenamento jurídico, cuja concretização deve seguir método hermenêutico-concretista racional. No âmbito de uma relação jurídica entre o particular e o Estado, discute o papel da dignidade da pessoa humana na teoria dos direitos fundamentais e observa a repercussão de suas perspectivas subjetiva e objetiva na atividade prestacional do Estado. Adota uma classificação funcional dos direitos fundamentais para tratar dos direitos fundamentais prestacionais em relação com o perfil ideológico do Estado, distanciando-se da suposta dicotomia entre direitos de liberdade e direitos sociais para considerá-los no domínio dos direitos fundamentais como um todo, sem olvidar de suas características peculiares de efetivação. Examina a questão dos limites da atividade prestacional do Estado à luz da teoria dos limites dos direitos fundamentais e em face de considerações ligadas à escassez, aos custos dos direitos, à reserva do possível e à eficiência econômica. Debate a atividade prestacional em vista da noção de justiça distributiva, delineando a dignidade como seu parâmetro deontológico diante das idéias de conteúdo essencial, mínimo para existência e ponderação de direitos. Relaciona a dignidade social e atividade prestacional com base numa necessária preocupação comunitária, no contexto de igualdade e liberdade marcada pela auto-responsabilidade e por deveres de solidariedade. Discute, por fim, a atividade prestacional em sua interpretação jurisprudencial comparada, abordando a questão da judiciabilidade dos direitos prestacionais diante da casuística de cortes constitucionais de países selecionados, bem como o papel do Poder Judiciário na fixação dos limites da atividade prestacional à luz da dignidade da pessoa humana.

P Palalaavvrraass--cchhaavvee:: ddigignniiddaadde e dada pepessssooaa huhummaannaa;; didirreeiittooss fufunnddaammeennttaaiiss;; atatiivviiddaadde e p prreessttaacciioonnaall dodo EsEsttaaddoo;; didirreeiittosos fufundndaammeennttaaiiss pprreessttacaciioonnaaiiss;; lliimmiitteess ddee ddiirreeiittooss;; jujussttiiççaa d diissttrriibbututiivvaa..

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A

ABBSTSTRRAACCTT

The present thesis deals with the role of human dignity as a normative principle which serves as element of justification for the existence of positive fundamental rights and as limitation to those rights in the general context of the State welfare action. It starts from the philosophical notion of human dignity, securing an idea of dignity that encompasses the inherent dignity of the individual and his social dignity in their community life. It establishes human dignity as a positive constitutional principle that serves as a premise for validity and legitimacy of the entire legal system, whose implementation should follow a concretist and rational hermeneutical method. Within the framework of a legal relationship between the individual and the State, it discusses the role of human dignity in the theory of fundamental rights and observes the repercussion of their subjective and objective perspectives on the State welfare action. It adopts a functional classification of fundamental rights to treat positive fundamental rights in relation to the ideological profile of the State, denying the alleged dichotomy between freedom rights and social rights to consider positive fundamental rights in the field of fundamental rights as a whole, but remembering its peculiar characteristics of execution. It examines the question of the limits of the State welfare action in the light of the theory of limits of fundamental rights and in the face of scarcity-related considerations, the cost of rights, and the ideas of “proviso of the possible” and economic efficiency. It debates the State welfare action in its relation to the notion of distributive justice, outlining human dignity as its deontological parameter under the ideas of essential content, minimum for existence and weighting of rights. It relates social dignity and welfare action based on a required community concern and in a context of equality and freedom marked by self-responsibility and duties of solidarity. Finally, it discusses the State welfare action by the uso of the case method, addressing the issue of justiciability of positive fundamental rights based on precedents of constitutional courts of selected countries, as well as the role of the judiciary in the setting of boundaries for State welfare action in the light of human dignity .

K

Keyeywwoorrddss:: hhuummanan didiggnniittyy;; ffuundndaammenenttaall rriigghhttss;; SSttaattee wewellffaarree aaccttioionn; ;popossiittiivvee fufundndaammenenttaall r

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R

REESSUUMMEENN

El presente estudio aborda el papel de la dignidad humana como un principio normativo que sirve como elemento de justificación de la existencia de características de los derechos fundamentales y de las limitaciones a los derechos en el contexto general de la actividad prestacional del Estado. Parte de la noción filosófica de la dignidad humana, asegurando una idea de la dignidad que abarca la dignidad inherente del individuo y la dignidad social del sujeto en su vida comunitaria. La dignidad se establece como norma positiva principiológica que sirve como una premisa para la validez y legitimidad del sistema jurídico, cuya aplicación debe seguir el método hermenéutico-concretista racional. En el marco de una relación jurídica entre el individuo y el Estado, se analiza el papel de la dignidad humana en la teoría de los derechos fundamentales y se observa la repercusión de sus perspectivas subjetiva y objetiva sobre la actividad prestacional en el Estado. Adopta una clasificación funcional de los derechos fundamentales para el tratamiento de las características de los derechos fundamentals prestacionales en relación con el perfil ideológico del Estado, distanciándose de la supuesta dicotomía entre los derechos de libertad y derechos sociales para examinarlos en el campo de los derechos fundamentales como un todo, sin olvidar sus peculiares características de ejecución. Examina la cuestión de los límites de la actividad prestacional del Estado a la luz de la teoría de los límites de los derechos fundamentales y frente a consideraciones relacionadas con la escasez, a los costos, la reserve de lo posible y la eficiencia económica. Debate la actividade prestacional del Estado teniendo en cuenta la noción de justicia distributiva, contorneando la dignidad como su parámetro deontologico bajo las ideas de contenido esencial, mínimo para la existencia y ponderación de derechos. Relaciona la actividad prestacional y la dignidad social con base en una preocupación con los requisitos de la comunidad, en el contexto de igualdad y libertad marcada por la responsabilidad y deberes de solidaridad. Por último, analiza la actividad prestacional del Estado en su interpretación judicial comparada y discute el tema de la judiciabilidad de los derechos fundamentals prestacionales a la luz de la jurisprudencia de los tribunales constitucionales de países seleccionados, así como el papel del poder judicial en el marco de los límites de la actividad prestacional a la luz de la dignidad de la persona humana.

P Palalaabbrraass clclaavvee:: didiggnniiddaadd dede llaa peperrssoonnaa huhummaannaa;; ddeerreecchhosos fufunnddaammenenttaalleess;; acacttiivviiddaadd p prreessttaacciioonnaall ddelel EsEsttaaddoo;; dederreecchhooss fufundndaammenenttaalleess pprreessttaacciioonnaalleess;; lílímmiitteess dede loloss ddeerreecchhooss;; j juussttiicciiaa ddiissttriribbuuttiivvaa..

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L

LIISSTTAADDEEAABBRREEVVIIAATTUURRAASSEESSIIGGLLAASS

ADI - Ação Direta de Inconstitucionalidade

Ag – Agravo de instrumento AgPt – Agravo de Petição AgRg – Agravo Regimental AgRt – Agravo Retido

BVerfG – Bundesverfassungsgericht (Tribunal Constitucional Federal da Alemanha)

BVerfGE – Entscheidungen des Bundesverfassungsgerichts (Decisões do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha)

Cap. – capítulo

CF/88 – Constituição Federal do Brasil de 1988 CRP – Constituição da República Portuguesa de 1976 cf. – conforme

cit. – citado; citação

CF/88 – Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 CRP – Constituição da República Portuguesa de 1976.

HC – habeas corpus

GG – Grundgesetz - (Lei Fundamental da República Federal Alemã de 1949)

j. – julgado em MI – Mandado de Injunção Min. – Ministro MS – Mandado de Segurança n. – número p. ou pg. – página Recl. – Reclamação RE – Recurso Extraordinário ss. – seguintes

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SUMÁRIO

VOLUME I

INTRODUÇÃO...14

TÍTULO I – DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA I DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E A FILOSOFIA...24

1 DIGNIDADE INERENTE DA PESSOA HUMANA...26

1.1 Dignidade inerente em Kant...34

1.2 Dignidade inerente e autonomia...39

2. DIGNIDADE SOCIAL DA PESSOA HUMANA...41

2.1 Dignidade social em Hegel...44

2.2 Dignidade social e heteronomia...52

2.3 Dignidade social e reconhecimento...56

2.4 Dignidade social e bem-estar material...61

II DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E O DIREITO...65

1 DIMENSÃO AXIOLÓGICA DO ORDENAMENTO JURÍDICO...67

2 DIMENSÃO NORMATIVA DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA...71

3 CONTEÚDO NORMATIVO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA...78

3.1 Dignidade da Pessoa Humana como conceito jurídico indeterminado...79

3.2 Hermenêutica da Dignidade da Pessoa Humana...82

4 O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA...90

TÍTULO II – RELAÇÃO JURÍDICA E DIREITOS FUNDAMENTAIS I A RELAÇÃO ENTRE O PARTICULAR E O ESTADO...99

1 TEORIA DOS “STATUS”...101

2 A RELAÇÃO JURÍDICA...105

2.1 A estrutura da relação jurídica...107

(12)

II DIREITO SUBJETIVO...115

1 CONCEITO INSTRUMENTAL DE DIREITO SUBJETIVO...118

2 OS DIREITOS PÚBLICOS SUBJETIVOS...121

III A FUNDAMENTALIDADE DE DIREITOS...127

1 FUNDAMENTALIDADE FORMAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS...130

2 FUNDAMENTALIDADE MATERIAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS...133

2.1 Dignidade da pessoa humana como fonte histórica dos direitos fundamentais...136

2.2 Dignidade da pessoa humana como fonte de dedução de direitos fundamentais...139

2.3 Dignidade da pessoa humana como fonte fundacional dos direitos fundamentais...142

IV PERSPECTIVA SUBJETIVA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS...147

1 DIREITOS FUNDAMENTAIS SUBJETIVOS EM SENTIDO AMPLO...147

2 DIREITOS FUNDAMENTAIS SUBJETIVOS EM SENTIDO ESTRITO...151

V PERSPECTIVA OBJETIVA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS...154

1 DIREITOS FUNDAMENTAIS OBJETIVOS E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA...156

2 DIREITOS FUNDAMENTAIS OBJETIVOS COMO SISTEMA DE VALORES...159

3 DIREITOS FUNDAMENTAIS OBJETIVOS E DEVERES DO ESTADO...162

TÍTULO III - DIREITOS FUNDAMENTAIS PRESTACIONAIS I DIREITOS FUNDAMENTAIS E ATIVIDADE PRESTACIONAL DO ESTADO...170

1 DIREITOS FUNDAMENTAIS E ESTADO LIBERAL...173

2 DIREITOS FUNDAMENTAIS E ESTADO SOCIAL...176

3 DIREITOS FUNDAMENTAIS E ESTADO NEOLIBERAL...185

4 DIREITOS FUNDAMENTAIS E ESTADO CONTEMPORÂNEO...190

II CLASSIFICAÇÃO DOGMÁTICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS...198

1 DIREITOS “DE LIBERDADE” VS. DIREITOS “SOCIAIS”...200

2 CLASSIFICAÇÃO FUNCIONAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS...206

3 DIREITOS FUNDAMENTAIS COMO UM TODO...210

III DIREITOS FUNDAMENTAIS PRESTACIONAIS...217

1 FUNDAMENTALIDADE DOS DIREITOS PRESTACIONAIS...220

2 SUBJETIVAÇÃO DE DIREITOS PRESTACIONAIS...225

(13)

I LIMITES IMANENTES E PONDERAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

PRESTACIONAIS...237

1 TEORIA INTERNA E LIMITES IMANENTES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS...239

2 TEORIA EXTERNA E PONDERAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS...243

3 OS LIMITES DOS DIREITOS PRESTACIONAIS...246

II DIREITOS PRESTACIONAIS E ESCASSEZ...256

1 OS CUSTOS FINANCEIROS DOS DIREITOS PRESTACIONAIS...258

2 DIREITOS PRESTACIONAIS, ESCASSEZ E ESCOLHAS...263

3 A “RESERVA DO POSSÍVEL”...267

III ECONOMIA E LIMITES DOS DIREITOS PRESTACIONAIS...273

1 ANÁLISE ECONÔMICA DOS DIREITOS PRESTACIONAIS...276

2 A EFICIÊNCIA DA ATIVIDADE PRESTACIONAL...278

2.1 Critérios de mensuração de eficiência econômica...282

2.2 A eficiência econômica como limite da atividade prestacional...284

VOLUME II TÍTULO V – DEONTOLOGIA DA ATIVIDADE PRESTACIONAL DO ESTADO I ATIVIDADE PRESTACIONAL E JUSTIÇA...297

1 A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E A JUSTIÇA...298

2 JUSTIÇA DISTRIBUTIVA E ATIVIDADE PRESTACIONAL...303

2.1 Justiça distributiva e maximização do bem-estar...305

2.2 Justiça distributiva, valor e direitos fundamentais...312

II DIGNIDADE COMO PARÂMETRO DEONTOLÓGICO DA ATIVIDADE PRESTACIONAL...316

1 DIGNIDADE E CONTEÚDO ESSENCIAL DOS DIREITOS PRESTACIONAIS...318

2 DIGNIDADE E “MÍNIMO PARA EXISTÊNCIA”...321

3 DIGNIDADE COMO PADRÃO DE PONDERAÇÃO DE DIREITOS PRESTACIONAIS ....325

III ATIVIDADE PRESTACIONAL, INDIVÍDUO E PESSOA HUMANA...330

1 DIREITOS PRESTACIONAIS COMO “TRUNFOS” INDIVIDUAIS...333

(14)

3 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NO CONTEXTO COLETIVO...345

TÍTULO VI - DIGNIDADE SOCIAL E ATIVIDADE PRESTACIONAL DO ES-TADO I ATIVIDADE PRESTACIONAL E COMUNIDADE...350

1 ATIVIDADE PRESTACIONAL E ESCOLHA SOCIAL...353

2 DIGNIDADE SOCIAL COMO VALOR COMUNITÁRIO...356

II DIGNIDADE SOCIAL E IGUALDADE...364

1 O PROBLEMA DA DESIGUALDADE...365

2 A IGUALDADE COMO ELEMENTO DA DIGNIDADE SOCIAL...369

3 A IGUALDADE COMO PARÂMETRO DE JUSTIÇA DISTRIBUTIVA...375

3.1 Concepções de igualdade distributiva...378

3.2 Igualdade de oportunidades...382

3.3 Metas de igualdade distributiva...385

III DIGNIDADE SOCIAL E LIBERDADE...390

1 A LIBERDADE COMO ELEMENTO DA DIGNIDADE SOCIAL...393

2 LIBERDADE, DIGNIDADE E HETERONOMIA...396

3 A LIBERDADE COMO PARÂMETRO DE JUSTIÇA DISTRIBUTIVA...402

IV DIGNIDADE SOCIAL E JUSTIÇA DISTRIBUTIVA...409

1 DEVERES FUNDAMENTAIS E SOLIDARIEDADE...412

2 DIGNIDADE E AUTO-RESPONSABILIDADE...418

3 ATIVIDADE PRESTACIONAL E PATERNALISMO...421

TÍTULO VII - ATIVIDADE PRESTACIONAL NA VISÃO DOS TRIBUNAIS I A INTERPRETAÇÃO JURISPRUDENCIAL DOS DIREITOS PRESTACIONAIS...430

1 SUBJETIVAÇÃO DE DIREITOS PRESTACIONAIS E JUDICIABILIDADE...431

2 O ESTUDO DE CASO NA PERSPECTIVA COMPARADA...435

II A ATIVIDADE PRESTACIONAL NO PANORAMA JURISPRUDENCIAL COMPARADO...444

1 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA...447

(15)

3 PORTUGAL...474

4 BRASIL...488

5 O PODER JUDICIÁRIO E A ATIVIDADE PRESTACIONAL DO ESTADO...505

CONCLUSÕES...527

(16)

INTRODUÇÃO

A Constituição Federal do Brasil, advinda de um contexto de redemocratização depois de um longo período de ditadura militar1, traz em seu texto a previsão expressa da

dignidade da pessoa humana como fundamento e elemento estrutural do Estado Democrático de Direito (art. 1º, III, CF/88). Além disso, prevê em seu segundo título um extenso rol de direitos fundamentais, que abrange não somente as tradicionais liberdades em face do Estado (liberdade de locomoção, de expressão, de crença, de exercício profissional, de propriedade, etc.), mas igualmente uma gama de direitos de prestações materiais por parte do Estado (referentes a direitos de educação, saúde, moradia, água, trabalho, lazer, seguridade social, dentre outros).

Apesar de inegavelmente marcar um programa político de comprometimento com uma atividade prestacional do Estado, essa conjuntura constitucional positiva não teve o condão de garantir aos direitos fundamentais a efetividade social necessária para promover alterações na realidade sócio-econômica brasileira, marcada pelo baixo nível de amparo social para a população menos favorecida. Conquanto isso possa parecer natural dentro de uma visão de que os “direitos sociais têm mais natureza de expectativas que de verdadeiros direitos”2 e servem como meras veiculações simbólicas de intenções do Estado, há de se

notar que a Constituição brasileira não faz qualquer distinção quanto à eficácia dos direitos fundamentais, afirmando, na verdade, que todas as normas definidoras de direitos fundamentais têm aplicabilidade imediata (art. 5º, § 1º, CF/88).

Partindo-se dessa premissa, e considerando ainda que ordem constitucional brasileira prevê como direito fundamental autônomo um amplo acesso aos tribunais ao fixar que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (art. 5º, XXXV, CF/88), a disparidade entre as previsões constitucionais e a realidade concreta motiva o ingresso cada vez mais freqüente de ações judiciais cujos pedidos relacionam-se com exigências de prestações materiais do Estado, pedidos esses fundamentados diretamente nas normas constitucionais de direitos fundamentais ou mesmo na garantia geral de proteção e promoção da dignidade da pessoa humana.

1 Sobre o contexto histórico de surgimento da Constituição de 1988, cf. VILLA, Marco Antônio. A história das Constituições brasileiras. São Paulo: Leya, 2011.

2 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Tomo IV. 3. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2000, p. 245.

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A identificação empírica do acréscimo de demandas judiciais voltadas para esse fim no cotidiano forense brasileiro é acompanhada de uma impressão de que os juízes brasileiros, dentro de uma lógica bem intencionada de concretizar as normas de direito fundamental, tendem a conceder a grande maioria dos pleitos, baseando-se em uma argumentação muitas vezes genérica acerca da importância da proteção da dignidade da pessoa humana e em um raciocínio que desconsidera a natureza principiológica das normas de direitos fundamentais e todas as complexidades daí decorrentes para sua aplicação. Ora - pensam muitos - se “a saúde é direito de todos e dever do Estado” (art. 196, CF/88), nada mais restaria senão deferir a quem precisa todo e qualquer medicamento ou tratamento, determinando seu custeio pelo Estado sem necessidade de ulteriores considerações.

A realidade, porém, é bem mais complicada. Além das múltiplas e difíceis questões propriamente jurídicas - referentes a uma compreensão geral das normas de direito fundamental e de suas repercussões na relação entre o particular e o Estado - um enfrentamento responsável de casos dessa natureza depende de considerações multidisciplinares. Perpassa por indagações filosóficas voltadas à conceituação de dignidade da pessoa humana e à fixação de critérios de justiça distributiva; por questionamentos econômicos, referentes aos limites materiais inerentes à atividade prestacional e à eficiência de escolhas alocativas; e por problemas políticos referentes ao perfil ideológico do Estado e o papel do Poder Judiciário na estipulação e controle de políticas públicas. Ademais disso, surgem sérios dilemas de ordem ético-moral, pois muitas vezes o caso concreto determina ao responsável pelas escolhas alocativas uma decisão que considere os interesses gerais da comunidade em detrimento dos interesses de um indivíduo concreto e presente, cujas necessidades não são irreais ou levianas.3

Ante o exposto, a presente tese busca discutir a concepção de dignidade social da pessoa humana e seu papel como elemento de justificativa e delimitação da atividade prestacional do Estado regida por direitos fundamentais.

Esse tema suscita vários questionamentos. Como a dignidade da pessoa humana deve ser considerada no contexto do ordenamento constitucional? Qual a sua função na

3 Assiste razão a Luis Roberto Barroso quando afirma, ao examinar o tema das prestações de saúde, que “alguém poderia supor, a um primeiro lance de vista, que se está diante de uma colisão de valores ou de interesses que contrapõe, de um lado, o direito à vida e à saúde e, de outro, a separação de Poderes, os princípios orçamentários e a reserva do possível. A realidade, contudo, é mais dramática. O que está em jogo, na complexa ponderação aqui analisada, é o direito à vida e à saúde de uns versus o direito à vida e à saúde de outros. Não há solução juridicamente fácil nem moralmente simples nessa questão.” BARROSO, Luís R. A falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial Revista Jurídica UNIJUS. V.11, n. 15, Nov/2008, p. 15.

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relação entre o particular e o Estado e no reconhecimento e garantia de direitos fundamentais? Como tais fatores influenciam ou devem influenciar na existência de uma atividade prestacional do Estado e quais os limites de tal atividade? De que forma a dignidade da pessoa humana influencia na compreensão do indivíduo e da comunidade em um contexto de justiça distributiva? Qual a interpretação judicial sobre tais temas e qual deve ser o papel do Poder Judiciário na concretização de direitos fundamentais prestacionais? Essas são as perguntas, dentre outras, que motivam a presente investigação.

A busca de soluções para tais problemas é, sem dúvidas, uma tarefa ambiciosa e, conseqüentemente, repleta de desafios. Para cumprí-los, é indispensável a construção de bases teóricas tendencialmente completas para uma devida demarcação conceitual e contextualização do assunto de um modo não óbvio e inovador. Não se pode esquecer, porém, da necessária correspondência entre a teoria e a prática, em face da essencial importância dos temas a serem abordados não somente no cotidiano forense, mas também na vida real das pessoas mais carentes de recursos. Mostra-se inevitável também o enfretamento de questões para os quais as soluções estritamente jurídicas não são suficientes, sendo imprescindível o recurso a elementos filosóficos, políticos e econômicos para a devida percepção dos dilemas postos.

Diante de tais tarefas, cumpre frisar, de início, algumas questões de natureza metodológica para a compreensão do desenvolvimento e da delimitação da presente investigação.

No esforço dogmático de construção de uma teoria original e útil para o avanço do saber em tão relevante área, intenta-se uma abordagem tridimensional que, epistemologicamente, intenta observar necessariamente as dimensões empírica, normativa e analítica do objeto de estudo.4 A dimensão analítica preocupa-se com a elucidação dos

conceitos básicos e indispensáveis à investigação, num trabalho voltado a garantir a clareza da teoria por meio da distinção entre diversas figuras e institutos jurídicos.5 A dimensão

normativa considera as questões sob o prisma essencialmente deontológico, com análise

4 Trata-se de metodologia análoga à desenvolvida por Robert Alexy, com base nas idéias originais de Ralf Dreier, para a elaboração de uma teoria geral dos direitos fundamentais. Nesse sentido, cf. DREIER, Horst. Dimensionen der Grundrechte. Hannover: Hennies & Zinkeisen, 1993; ALEXY, Robert. A theory of constitucional rights. Oxford: Oxford University Press, 2004, p. 7 e ss.

5 Lembra Alexy que a “clareza conceitual, consistência e coerência são pré-condições para a racionalidade de qualquer campo de conhecimento. Os muitos problemas conceituais e sistemáticos na área dos direitos constitucionais mostram o quão significante é o papel que a dimensão analítica tem de desempenhar em qualquer ciência prática dos direitos constitucionais que deseje cumprir sua função numa maneira racional.” ALEXY, Robert A theory of constitucional rights, p. 10.

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crítica e axiológica dos pontos abordados. A dimensão empírica, por sua vez, leva em conta os aspectos práticos da aplicação dos temas, especialmente à luz da perspectiva jurisprudencial. Embora não se deixe de ter o devido cuidado analítico no esclarecimento dos pontos abordados, o exame da temática proposta foca-se numa abordagem eminentemente empírico-normativa, no intuito fixar e justificar - a partir de juízos axiológicos e críticos baseados na dignidade da pessoa humana e em direitos fundamentais - a extensão concreta do papel da atividade prestacional do Estado, sem olvidar ainda da preocupação institucional com o papel do Poder Judiciário nessa delimitação.

Desincumbir-se dessa tarefa impõe a delimitação do objeto de estudo, uma vez que, no contexto em que se propõe esta investigação, mostra-se necessário tocar em diversos pontos que, por sua importância, poderiam certamente ensejar vários estudos autônomos de igual extensão e profundidade. Ao mesmo tempo, a abrangência e complexidade da temática permitem diversas abordagens para seu desenvolvimento.

Essa conjuntura determina a realização de uma severa clivagem epistemológica, a fim de reduzir as dificuldades inerentes ao tema e permitir seu tratamento científico. Logo, aplica-se neste estudo o princípio da parcimônia - traduzido no conhecido postulado da Navalha de Occam - pelo qual tudo que não seja absolutamente essencial para o objeto da investigação é deixado de lado em prol da explicação mais simples possível para tese defendida.6 Nesses termos, as forçosas escolhas temáticas adotadas dentro do universo de

possibilidades são expostas ao longo do texto, de modo a estabelecer uma delimitação negativa da investigação. Isso não afasta, todavia, a importância de outros objetos de estudo correlatos, cujas conexões com os assuntos tratados são oportunamente identificadas e acompanhadas de indicação bibliográfica para eventual aprofundamento teórico.

Ainda sob o ponto de vista metodológico, vale destacar que a presente investigação pauta-se por uma pesquisa qualitativa e aplicada, voltada não somente a descrever o atual estado da arte sobre o tema e esclarecer eventuais obscuridades conceituais, mas também a sustentar os caminhos a serem seguidos, dentro de uma visão prescritiva e pragmática.

Nessa intenção, este estudo é fundado em pesquisa exploratória de cunho bibliográfico, pela qual as obras, artigos e periódicos servem de instrumentos para a familiarização com os problemas e como apoios argumentativos para as hipóteses levantadas,

6 Sobre o princípio da parcimônia ou da simplicidade, cf. BAKER, Alan. Simplicity. In: ZALTA, Edward N. (ed). The Stanford encyclopedia of philosophy. Disponível em: http://plato.stanford.edu.

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dentro de um raciocínio dedutivo. As fontes são devidamente identificadas, na medida em que são utilizadas, nas notas de rodapé, onde também se faz esclarecimentos adicionais ou remessa a outros autores que apóiam ou discordam da opinião apresentada. Trechos das obras são transcritos no bojo do texto apenas quando essenciais ao desenvolvimento da argumentação, sendo os excertos de autores de língua estrangeira objetos de tradução livre quando não disponíveis obras em língua portuguesa. Prioriza-se também a utilização de fontes primárias, sendo eventualmente encontrada a menção de autores mediante a referência de outros autores quando se mostrou inviável a obtenção da obra original.

O pragmatismo inerente ao tema, por sua vez, impõe que se ultrapasse a realização de meras teorizações abstratas a partir de diferentes axiomas para buscar uma contextualização dos temas apresentados à luz das situações sociais cotidianas relacionadas à atividade prestacional do Estado. Por isso, a problematização do assunto é realizada por meio do recurso a dados jurisprudenciais que, em vez serem utilizados em seu habitual viés ilustrativo, aparecem dentro de uma lógica da metodologia de estudo de casos na perspectiva comparada. A partir de casos enfrentados por tribunais constitucionais de países selecionados, objetiva-se exercitar ou avaliar a aplicabilidade das teses apresentadas dedutivamente a partir de um raciocínio indutivo, no qual a generalização deriva de observações de casos concretos.

Vale deixar consignado ainda que, embora baseado em doutrina internacional e em uma análise comparativa, é a problemática brasileira que aparece subjacente a todo o debate, o que se denota a partir das constantes referências doutrinárias de autores brasileiros e, sobretudo, das diversas exemplificações baseadas em experiências brasileiras. Isso deriva não somente da nacionalidade do autor e de sua experiência profissional na magistratura federal, mas, sobretudo, da peculiar conjuntura política, econômica e constitucional brasileira, que torna a questão da atividade prestacional do Estado ainda mais complexa e candente. No desenvolvimento do tema, há ainda fartas referências à doutrina portuguesa, naturalmente derivada da vinculação acadêmica desta tese de doutoramento com a Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Ressalte-se também que essa vinculação da investigação é o fator essencial para escolha dos países considerados para a comparação jurisprudencial. Assim, além das opções óbvias pelos tribunais constitucionais do Brasil e de Portugal, as experiências jurisprudenciais dos Estados Unidos da América e da Alemanha são observadas em face da influência histórica de sua doutrina constitucional e do uso recorrente de seus precedentes no contexto luso-brasileiro.

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Finalizada as imprescindíveis considerações acerca da metodologia e abordagem propostas, faz-se possível, então, identificar os objetivos gerais e específicos da investigação, de modo a permitir um desenvolvimento lógico dos argumentos essenciais ao seu objeto sem prejuízo de uma imperativa profundidade teórica.

Nesses termos, cumpre destacar que este estudo tem como objetivo geral tratar do papel do Estado na concretização de direitos fundamentais prestacionais, a partir do exame da aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana na efetivação subjetiva e comunitária de tais direitos. A fim de identificar parâmetros teóricos de justiça distributiva que sirvam como guia para a realização das escolhas alocativas inerentes a políticas prestacionais, traçam-se os objetivos específicos desta tese, cada qual discutido em um de seus títulos, a seguir explicitados consoante sua ordem de exposição.

O Título I tem como escopo o tratamento da temática da dignidade da pessoa humana, premissa básica e inicial para o debate do tema desta pesquisa. No sentido de garantir uma compreensão instrumental e responsável da dignidade da pessoa humana - cuja freqüência de uso é inversamente proporcional à sua delimitação conceitual - inicia-se o primeiro capítulo pela percepção filosófica do conceito, com a identificação de seu aspecto inerente, ligado à autonomia individual, e, especialmente, de seu correlato aspecto social, referente ao ser humano no contexto comunitário e vinculado a noções de limites do indivíduo, de seu reconhecimento no âmbito relacional e da promoção de condições materiais que lhe possibilitem uma contribuição ativa na comunidade. O segundo capítulo trata da construção da noção jurídica de dignidade da pessoa humana, qualificando-a, no contexto da dimensão axiológica do ordenamento, como norma jurídica de natureza principiológica de conteúdo tangível por meios hermenêuticos concretistas. Trata ainda da dignidade como princípio constitucional, a partir do exame de sua positivação expressa em diversos sistemas jurídicos e das conseqüências práticas daí advindas.

O Título II destina-se à afirmação de outras premissas elementares da investigação, concernente às idéias de relação jurídica, direitos subjetivos e direitos fundamentais. No primeiro capítulo, trata-se da verificação das diversas posições ocupadas pelo particular em relação ao Estado e sua qualificação como relação jurídica. Com isso, busca-se estabelecer o reconhecimento de um vínculo intersubjetivo de igualdade a priori que estabelece conseqüências para ambas as partes, em especial a existência de direitos subjetivos do particular em face do Estado aptos a exigir comportamentos e produzir efeitos jurídicos autônomos, tema do capítulo subseqüente. Segue-se então para a verificação das condições

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de fundamentalidade de direitos em face do Estado, não somente pelo ponto de vista formal, mas especialmente sob o ponto de vista de sua ligação axiológica material com a dignidade da pessoa humana. Nos dois capítulos finais, aborda-se a perspectiva subjetiva e objetiva dos direitos fundamentais. No primeiro, objetiva-se fixar uma classificação analítica dos direitos fundamentais subjetivos, com ênfase nos chamados “direitos a algo”, que traduzem posições jurídicas cujo objeto é vinculado a um bem material ou imaterial protegido por um direito fundamental. No segundo, busca-se destacar a efetividade dos direitos fundamentais mesmo quando não subjetiváveis, na medida em que servem como conjunto objetivo de valores comunitários e parâmetros para a imposição de deveres de conduta estatal.

Firmadas as premissas elementares, passa-se, no Título III, ao exame dos direitos fundamentais prestacionais. Nesse escopo, inicia-se pela contextualização dos direitos fundamentais no âmbito histórico, político e econômico, a fim de investigar a associação entre as diferentes funções que tais direitos podem desempenhar para garantia da dignidade humana e o perfil político-ideológico adotado pelo Estado. A seguir, delineia-se a discussão acerca de uma classificação dogmática dos direitos fundamentais. Sem descuidar da preocupação com o objetivo geral da investigação, tal discussão limita-se ao indispensável para o enquadramento dos direitos prestacionais no campo dos direitos fundamentais, notadamente daqueles que traduzem ações positivas de ordem material. Para isso, os temas versados guardam a intenção de rejeitar a redução dos direitos prestacionais a uma categoria de “direitos sociais” para considerá-los dentro de uma classificação funcional que parte da noção de direitos fundamentais como um todo. Desse modo, permite-se a discussão específica, no capítulo final, acerca da fundamentalidade e das dimensões subjetiva e objetiva dos direitos prestacionais.

Uma vez configuradas as teses acerca dos direitos fundamentais prestacionais, o

Título IV procura alinhavar os limites de tais direitos, uma vez que a defesa da natureza

jusfundamental dos direitos prestacionais não implica que os mesmos tenham natureza absoluta nem afasta as inerentes dificuldades para sua efetivação. Assim sendo, o primeiro capítulo trata da teoria dos limites dos direitos fundamentais, adotando entendimento de sua fixação dentro de um juízo de ponderação por via de proporcionalidade que considere não somente os limites prévios previstos na própria norma, mas também outros direitos opostos e as externalidades presentes no contexto real. O segundo capítulo busca esclarecer o contexto de escassez inerente que marca a atividade prestacional do Estado, tratando de explicitar, em primeiro momento, o problema dos custos financeiros que, embora presentes

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na concretização de quaisquer direitos fundamentais, são particularmente visíveis nos direitos prestacionais. Continua na argumentação quanto à necessidade de realizar escolhas alocativas nesse quadro de escassez, dentro do que o indivíduo pode racionalmente esperar da comunidade que integra, para adentrar no exame do conceito de “reserva do possível” sob essa ótica. A discussão sobre os limites dos direitos fundamentais prestacionais não poderia deixar de lado ainda sua análise sob o ponto de vista econômico, de modo que o terceiro capítulo é voltado a averiguar justamente de que forma o instrumental econômico pode servir para auxiliar na fixação de critérios de alocação e distribuição de bens e serviços escassos de forma eficiente.

Em virtude da inviabilidade de uma pretensa neutralidade axiológica no exame de escolhas alocativas, o Título V destina-se a estudar a deontologia da atividade prestacional do Estado. Busca-se investigar, de início, a relação entre a atividade prestacional e modelos de justiça distributiva, para então apresentar a defesa do papel da dignidade da pessoa humana como padrão deontológico dessa atividade. Nesse sentido, intenciona-se averiguar que parte a dignidade desempenha na identificação do conteúdo essencial dos direitos prestacionais, bem como sua vinculação com as idéias de mínimo para existência e ponderação de direitos por meio do princípio da proporcionalidade. Arremata-se o tópico acerca da deontologia da atividade prestacional com considerações acerca do individualismo no contexto prestacional à luz da noção de direitos como trunfos e da teoria dos jogos, a fim de avaliar os componentes cooperativos e comunitários da dignidade da pessoa humana.

A fim de aprofundar a concepção deontológica da atividade prestacional do Estado no contexto dos diretos fundamentais, o Título VI propõe a retomada do conceito inicial de dignidade social, destacando a dignidade da pessoa humana como valor e propósito comunitário essencial que parametriza as condutas estatais. Trata então de averiguar a compatibilização das idéias de dignidade como elemento justificador e limitador de direitos individuais prestacionais dentro da concepção de pessoa e de sua participação democrática nas opções axiológicas da comunidade. Nesse sentido, discute-se a temática sobre o aspecto de igualdade contida na dignidade social da pessoa humana, aferindo os problemas decorrentes da desigualdade e ainda de que forma a igualdade, como elemento da dignidade, deve operar como referência de justiça distributiva. No mesmo ensejo, contempla-se a relação entre dignidade social e liberdade, no intuito de harmonizar a liberdade com as possibilidades heteronômicas de restrições derivadas da dignidade social por meio de um conceito de liberdade positiva. Busca traçar ainda uma justificação de políticas distributivas

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com base na idéia de liberdade, dentro de uma percepção de que a autonomia individual depende da capacidade material de realizar escolhas. A temática é ultimada pela busca de uma síntese da vinculação entre as noções de dignidade social e de justiça distributiva, a partir da consideração de questões relacionadas às ideías de solidariedade comunitária e de auto-responsabilidade pessoal, bem como ao esclarecimento do conceito de paternalismo estatal no âmbito prestacional.

O Título VII aparece, conforme já ressaltado, com o propósito pragmático de esclarecer a delimitação concreta do conteúdo, extensão e alcance da atividade prestacional, usando, para esse fim, o enfoque do estudo de casos na perspectiva comparada. Em sede proemial, busca-se discutir a associação entre a subjetivação de direitos fundamentais prestacionais e sua judiciabilidade, para então justificar a importância do estudo de casos na perspectiva comparada como elemento empírico vital para a avaliação da efetividade de tais direitos. À vista disso, propõe-se o exame crítico de casos emblemáticos da jurisprudência constitucional dos Estados Unidos da América, da Alemanha, de Portugal e do Brasil à luz da argumentação aduzida ao longo da investigação, para então se encerrar com uma reflexão destinada a averiguar o devido papel do Poder Judiciário na efetivação de prestações materiais estatais voltadas à garantia e promoção de direitos fundamentais.

Finalmente, apresenta-se uma síntese das diversas conclusões desenvolvidas ao longo deste estudo, enumerando-as de forma sintética de modo a sistematizar as teses apresentadas e dar a elas um sentido geral, voltado à garantia de uma atividade prestacional que assegure a existência física e participação do indivíduo na vida social, cultural e política, cuja abrangência seja definida a partir das condições materiais e econômicas presentes na comunidade e da preocupação em estimular a autonomia e o senso de responsabilidade do indivíduo perante suas próprias escolhas de vida e perante a sociedade, dentro de uma noção de ajuda para auto-ajuda.

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TÍTULO I

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I DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E A FILOSOFIA

A idéia de dignidade da pessoa humana é sempre presente, inserida, explícita ou implicitamente, nos discursos e nos escritos jurídicos, bem como nos textos legais e constitucionais. Ao mesmo tempo, permanece, em grande parte, como terra incognita, pois a complexidade do tema enseja uma gama diferenciada de abordagens, sentidos e contextos - derivada de sua aplicabilidade tanto no âmbito jurídico como também no ético e filosófico - o que resulta em grandes dificuldades de investigação científica. 7

Embora não se deixe de ter uma noção ou mesmo sensação do que seja dignidade da pessoa humana, ela segue como “conceito de contornos vagos e imprecisos, caracterizado por sua ‘ambigüidade e porosidade’ assim por sua natureza necessariamente polissêmica”8.

Logo, apesar dos esforços da Filosofia do Direito, o conceito ontológico de dignidade da pessoa humana permanece com um dos mais vagos e indeterminados da ordem jurídica.

Há quem defenda que, por sua importância, a dignidade da pessoa humana seria “algo que não precisa ser demonstrado, mas apenas afirmado”9, de modo que se chega ao

ponto de resumir a questão na simples afirmação de que a dignidade é inerente à essência humana, ou mesmo que “o ser humano é digno por que é”.10

Por outro lado, o ceticismo sobre a noção de dignidade11 é traduzido sob o ponto de

vista relativista, uma vez que “se existe algo que pode ser chamado natureza humana, dela não é possível inferir qualquer juízo moral sobre a dignidade ou a igualdade entre os homens.” 12 Em razão do conteúdo da dignidade ter sido deixada “à compreensão intuitiva”,

7 O termo “dignidade da pessoa humana”, como veremos adiante, é polissêmico, variando de conteúdo conforme concepções ideológicas, temporais e espaciais, e mesmo conforme os interlocutores. Daí derivam as dificuldades, pois, conforme observa Wittgenstein, “o que nos confunde é a aparência uniforme das palavras quando as ouvimos ou as encontramos escritas ou impressas. Pois sua aplicação não nos é apresentada de forma tão clara. Especialmente quando estamos fazendo filosofia.” WITTGENSTEIN, L. Philosophical investigations. 3. ed. Oxford: Blackwell, 2001, §11 .

8 SARLET, Ingo W. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 41-42. No mesmo sentido, observa Michel Renaud: “não obstante todos tenhamos uma compreensão espontânea e implícita da dignidade da pessoa humana, ainda assim, em sendo o caso de explicar no que consiste esta dignidade, teríamos grandes dificuldades”. RENAUD, Michel. A dignidade do ser humano como fundamentação ética dos direitos do homem. Brotéria. Cultura e Informação. - Vol. 148, nº. 2 (Fev. 1999), p. 135-154.

9 ANDORNO, Roberto. The paradoxical notion of human dignity. Revista Persona, n. 9, set. 2002.

10 NUNES, Luiz Antonio Rizzato. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 49.

11 Ceticismo esse que se traduz na “crença difundida de que não existem métodos racionais para determinar a validade de juízos valorativos ou morais”. NINO, Carlos Santiago. Ética y derechos humanos: un ensayo de fundamentación. 2. ed. Buenos Aires: Astrea, 2007, p. 50.

12 RABENHORST, Eduardo Ramalho. Dignidade humana e moralidade democrática. Brasília: Brasília Jurídica, 2001, p. 43. Segundo o autor, a natureza do homem, assim como a de qualquer organismo vivo,

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não se faz possível derivar facilmente da dignidade “nenhuma implicação específica para conduta relevante.”13 Por isso, segundo Arthur Schopenhauer, a noção de dignidade da

pessoa humana nada mais seria senão um jargão de moralistas que buscam esconder sua falta de idéias e de orientação moral por trás de tal conceito. 14

Embora não se possa negar a vagueza ontológica prévia do conceito de dignidade da pessoa humana, “não devemos ter isso como razão para abandonar essa idéia, mas em vez disso, um motivo para mantê-la em alta estima e enfrentar o desafio clarificar os seus contornos.” 15.

Destaca acertadamente Ronald Dworkin que os argumentos filosóficos apresentam-se inevitáveis quando apresentam-se discutem questões constitucionais altamente polêmicas para a qual inexistem doutrina ou precedentes satisfatórios. Embora as finalidades dos juristas e dos filósofos sejam diferentes – esses buscam pensar sobre o próprio pensamento e aqueles a utilização de uma teoria para a solução de dilemas jurídicos – ambos conjugam esforços para esclarecer conceitos fundamentais presentes no ordenamento jurídico16 .

Considerando ainda que a dignidade da pessoa humana, para além de um conceito jurídico-político, é, primeiramente, um conceito ético-filosófico17, mostra-se necessário

estabelecer um diálogo entre o Direito e a Filosofia18, a fim de verificar as diferentes

abordagens filosóficas acerca do tema.

Este estudo, na perspectiva filosófica, não busca um simples relato do que grandes filósofos disseram sobre o tema da dignidade, mas sim uma análise crítica voltada à utilização

“apenas estabelece as estratégias que visam a assegurar a continuidade da nossa história evolutiva, ou seja, a sobrevivência e a multiplicação dos nossos genes”. Loc. Cit.

13 SCHACHTER, Oscar. Human Dignity as a Normative Concept apud WALDRON, Jeremy, Is dignity the foundation of human rights? Public Law Research Paper No. 12-73, NYU School of Law, jan/2013. Disponível em http://ssrn.com/abstract=2196074 .

14 Apud MAHLMANN, Matthias. The Basic Law at 60 – Human Dignity and the Culture of Republicanism. German Law Journal. Vol. 11 No. 01, January 2010, p. 12 .

15 ANDORNO, Roberto. La notion de dignité humaine est-elle superflue en bioéthique. Contrepoint Philosophique, Março 2005. Disponível em: www.contrepointphilosophique.ch .

16 Evidentemente, embora se busque esclarecer essa noção, acompanhamos o mesmo autor na afirmação de que o objetivo não é estabelecer estruturação de uma teoria geral sobre a dignidade e sim na utilização desta para auxiliar em dilemas jurídico a serem enfrentados ao longo da obra. DWORKIN, Ronald. Must Our Judges Be Philosophers? Can They Be Philosophers? Scholar of the Year Lecture. New York: New York Council for the Humanities, 2000.

17 BAECHLER, J. Individualité, personnalité et identité. In: CAROSELLA, E. D. (dir.), L’identité? Soi et non-soi, individu et personne. Paris:PUF, 2006, p. 89.

18 Conforme destaca Giussepe Zaccaria, nas três ou quatro décadas que se passaram houve um grande processo de especialização e diferenciação no direito, em que muitos temas que pertenciam à filosofia do direito foram inseridos na teoria do direito. Embora a modernidade tenha sido marcada com a ampla especialização das ciências, disso surge um paradoxo: a necessidade de redescobrir as conexões entre essas disciplinas e também a imprescindibilidade de criar uma teoria capaz de envolver a teoria do direito e a filosofia. ZACCARIA, Giussepe. Razón jurídica e interpretación. Madrid: Civitas, 2004, p 18/21.

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dos recursos filosóficos como instrumento para a compreensão do porquê do generalizado recurso à noção de dignidade da pessoa humana no debate constitucional das democracias ocidentais19 e, principalmente, para o enfrentamento das complexas questões e discussões

jurídicas práticas que envolvem a dignidade da pessoa humana.20

Mantendo em vista os objetivos e limites desta obra, vale ressaltar que não há sequer a pretensão de realizar o exame exauriente ou mesmo completo da noção de dignidade da pessoa humana, restando desde já claro a inviabilidade de se esboçar um conceito que abarque todas as variantes argumentativas conducentes a essa idéia.

1 DIGNIDADE INERENTE DA PESSOA HUMANA

A visão predominante acerca da dignidade da pessoa humana reporta-se à idéia universal e aberta do valor intrínseco de cada indivíduo em virtude unicamente de sua natureza humana. A partir dessa perspectiva, toda pessoa, independentemente de sua situação social, econômica, política, religiosa ou conjuntural, possui uma dignidade que não depende de seu proceder e sim de seu ser, de sua excelência tanto na ordem intelectual quanto na ordem volitiva.

A noção de dignidade inerente tem origem atribuída à Escola Sofística21, ao

introduzir o ser humano como ponto de partida do pensamento filosófico. 22 Tal afirmação é

19 Optamos por buscar na cultura e filosofia ocidentais os fundamentos da noção de dignidade da pessoa humana, sem negar, entretanto, a relevância e influência de outras culturas sobre o tema. É importante observar, consoante Boaventura de Souza Santos, que a noção de dignidade humana é comum em todas as culturas, embora nem sempre ligada à ideia de direitos humanos. Por isso, seria necessária uma “hermenêutica diatópica” para a máxima ampliação possível do conceito, dentro de uma perspectiva multiculturalista. Cf. SANTOS, Boaventura de Souza. Por uma concepção multicultural de direitos humanos. Revista crítica de ciências sociais, n. 48, 1997, p. 18 e ss. Sobre a dignidade da pessoa humana na filosofia oriental e islâmica, por exemplo, cf., respectivamente, ZHANG, Q. The idea of human dignity in classical chinese philosophy: a reconstruction of confucianism. Journal of Chinese Philosophy, 27 (2000), p.299–323; ABDUL, Aziz Said. Human rights in iIslamic perspectives Apud POLLIS, A., SCHWAB, P. (eds.), Human rights: cultural and ideological perspectives, New York: Praeger. 1979.

20 Nesse escopo, seguimos o pensamento de que “há de procurar formular, sem receio as perguntas necessárias e adequadas. É-lhe muito mais importante ser capaz de perguntar, do que de obter, apressadamente, respostas. A preponderância das perguntas sobre as respostas faz parte da atitude zetética inerente ao ato de filosofar, independentemente de qual seja o objeto de tal filosofia. Isso vale também para a filosofia do direito.” GOMES, Sergio Alves. Hermenêutica constitucional: um contributo à constituição do Estado Democrático de Direito. Curitiba: Juruá, 2008, p. 45.

21 A Sofística é a corrente filosófica preconizada pelos sofistas, mestres de retórica e cultura geral que exerceram forte influência sobre o clima intelectual grego entre os sécs. V e IV a.C. Os grandes filósofos sofistas como Protágoras e Górgias sustentavam que o interesse filosófico concentra-se no homem e em seus problemas e que o conhecimento reduz-se à opinião e o bem, à utilidade, reconhecendo assim a relatividade da verdade e dos valores morais que mudariam segundo o lugar e o tempo. Cf. ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. 5. ed., São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 918.

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bem ilustrada nas idéias do sofista Protágoras, para quem “o homem é a medida de todas as coisas, das que são, enquanto são, e das que não são, enquanto não são”. 23

Coube ao Estoicismo24, especificamente a Marcus Tullius Cícero, a introdução da

idéia de dignidade como um conceito mais amplo25. Por essa acepção, a dignitas seria inerente

a todos os homens, independentemente de qualquer condição adicional. Esse universalismo da noção de dignidade implica o reconhecimento de um valor inerente e igual de cada ser humano. 26 Deve-se distinguir o homem, no plano ontológico, de todos os outros seres, em

posição específica de superioridade sobre os animais. Para o filósofo estóico, a natureza humana prevalece pelo fato de sermos individualmente dotados de razão. A dignidade, por sua vez, diz respeito à persona, comum a todos os seres humanos; todos os homens, simplesmente pelo fato de serem homens, são dotados de dignidade. 27

22 Para o filósofo Manfredo Oliveira, o aparecimento da escola sofística “significou, na cultura grega, uma verdadeira ‘revolução’, porque de repente o homem, e o homem como indivíduo, tornou-se a fonte de determinação de sentido de tudo o que é.” OLIVEIRA, Manfredo, Ética e sociabilidade. São Paulo: Loyola, 1993.p. 32.

23 PROTÁGORAS apud VASCONCELOS, Arnaldo. Direito Humanismo e Democracia. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 91.

24 O Estoicismo é considerada uma das grandes escolas filosóficas, tendo sido fundada por volta dos anos 300 A.C., por Zenão de Cicio. Entre seus fundamentos, destaca-se a idéia de que o homem é guiado infalivelmente pela razão; a condenação total de todas as emoções; e cosmopolitismo, ou seja, doutrina de que o homem não é cidadão de um país, mas do mundo. Cf. ABBAGNANO, Nicola. Op.cit., p. 375.

25 Embora Cícero ainda utilizasse com maior freqüência o termo dignitas no sentido original de hierarquia e prestígio individual. Cf. CANCIK, Hubert. Dignity of Man’ and ‘Persona’ in Stoic Anthropology: Some Remarks on Cicero, De Officiis I, in KRETZMER, David; KLEIN, Eckart (ed.) The concept of human dignity in human rights discourse. Leiden: Martinus Nijhoff, 2002, p. 105-107.

26 É bem verdade que a noção de que a dignidade há de ser reconhecida a todos, independentemente de seu status ou posição social, já era destacada pelo filósofo sofista Antifone, contemporâneo de Protágoras, em sua crítica aberta à afirmada superioridade grega sobre os ditos “bárbaros”: “os que descendem de ancestrais ilustres, nós os honramos e veneramos; mas os que não descendem de uma família ilustre, não honramos nem veneramos. Nisto, somos bárbaros, tal como os outros, uma vez que, pela natureza, bárbaros e gregos somos todos iguais. Convém considerar as necessidades que a natureza impõe a todos os homens; todos conseguem prover a essas necessidades nas mesmas condições; no entanto, no que concerne a todas essas necessidades, nenhum de nós é diferente, seja ele bárbaro ou grego: respiramos o mesmo ar com a boca e o nariz, todos nós comemos com o auxilio de nossas mãos”. Apud COMPARATO, Fábio K.A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 14.

27 CICERO, Marcus Tullius. De Officiis. Boston: Little, Brown, and Co., 1887. Disponível em: http://oll.libertyfund.org/title/542/83344. . Cícero, não obstante adotasse uma visão mais abrangente de dignidade, estabelecia diferentes graus de capacidade individual, derivado não somente do mérito, mas também da origem social determinada pelo nascimento. Em razão disso, há autores que defendem a natureza restritiva da dignidade estóica. Nesse sentido, vale trazer as observações de Thomas Mitchell: “Dignitas não seria compatível com o mundo dos pobres e humildemente empregados. (..) pertencia ao ambientes mais sofisticado daqueles cuja riqueza os liberada da necessidade..”A dignidade, pois, “derivava tanto do genus como do valor pessoal”. Cf. MITHELL, Thomas. Cicero: the senior stateman. Yale University Press, 1991, p. 48-50 . No mesmo sentido, destaca Joern Eckert a crítica de Cícero à democracia justamente pelo fato “de não respeitar as necessárias diferenciações de dignidade de acordo com a posição social”. Cf. ECKERT, Joern. Legal Roots of Human Dignity in German Law, in in KRETZMER, David; KLEIN, Eckart (ed.), op. cit., p. 43

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Embora na filosofia estóica possam-se encontrar os principais elementos pelos quais se desenvolveria o pensamento ocidental acerca do tema28, é na tradição judaico-cristã e em

sua marcante influência no desenvolvimento dos valores seculares da cultura ocidental que se identificam as bases filosóficas para a construção da noção de dignidade inerente da pessoa humana29.

O Livro do Gênesis reconhece uma posição específica de valor do homem, pois teria ele sido concebido à imagem e semelhança de Deus para reinar sobre toda a terra.30 A

concepção de Deus como único e absoluto31 reflete na dignidade do ser humano, pois a

dignidade divina se predica também ao gênero humano por derivação, em razão de sua semelhança com seu Criador. Como bem salienta Cléber F. Alves, “a idéia mais fundamental e profunda sobre o homem, contida na Bíblia, é seu caráter de imagem e semelhança de Deus, de onde procederiam sua dignidade e inviolabilidade e, ainda, seu lugar na história e na sociedade”. 32

Segundo Hannah Arendt, o Judaísmo sempre reconheceu a natureza sagrada da vida e a supremacia do homem sobre a terra.33 O Cristianismo, por sua vez, vem retomar e

aprofundar a noção judaica e clássica ao reconhecer um valor espiritual absoluto a todos os

28 Segundo Peces-Barba Martínez, Cícero “delineia algumas das idéias que com a recepção do pensamento estóico servirão no Renascimento para o lançamento da idéia moderna de dignidade”, partindo “da superioridade da natureza humana sobre a dos demais animais, que está na raiz da idéia do homem como centro do mundo”. MARTÍNEZ, Gregorio Peces-Barba. La dignidad de la persona desde la filosofía del derecho. 2 ed, Madrid: Dykinson, 2003, p.25

29Ingo W. Sarlet observa com acerto a importância da filosofia cristã na construção do conceito jurídico da dignidade da pessoa humana, ao mencionar que ela serviu para fixar uma concepção de ser humano que “até hoje tem servido como pressuposto espiritual para reconhecimento e construção de um conceito e de uma garantia jurídico-constitucional da dignidade da pessoa”. SARLET, Ingo W. Dignidade da pessoa humana.., p. 30, nota 11. Embora se tenha recorrido no texto a escolas filosóficas ligadas à Igreja Católica – em face de sua reconhecida excelência no trato da questão da dignidade da pessoa humana – cumpre reconhecer que o conceito de dignidade não é exclusivo da doutrina católica ou mesmo cristã. A dignidade da pessoa humana é tema central de outras religiões monoteístas como o Judaísmo e o Islamismo; o Budismo e o Hinduísmo também dispõem de conceitos de espírito, desenvolvimento pessoal e respeito pelo semelhante que remetem à noção intrínseca de dignidade. Cf. CHALMERS, Don. On the international legal aspects of human dignity. In: MALPAS, Jeff; LICKISS, Norelle (eds.). Perspectives on human dignity: a conversation. Dordrech: Springer, 2007, p. 159.

30 BÍBLIA. Bíblia Sagrada. Tradução: Monges de Baredsous (Bélgica.). 148. ed., São Paulo: Ave Maria, 2002.Livro do Gênesis, (Gn 1, 26-27).

31 Para Fábio K. Comparato, “A justificativa religiosa da preeminência do ser humano no mundo surgiu com a afirmação da fé monoteísta. A grande contribuição do povo da Bíblia à humanidade, uma das maiores, aliás, de toda a História, foi a idéia da criação do mundo por um Deus único e transcendente”. COMPARATO, Fábio K., A afirmação histórica dos direitos humanos, p. 1.

32 ALVES, Cléber F. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: o enfoque da doutrina social da igreja. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 18.

33 Apud LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannan Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 119.

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seres humanos, independente de suas diferenças sociais e individuais, pois todos seriam dotados de dignidade pessoal e chamados à salvação. 34

Em verdade, o pensamento judaico-cristão acaba por introduzir o antropocentrismo no pensamento filosófico de forma mais ampla.35 Embora a Bíblia não traga propriamente

um conceito do que seja a dignidade da pessoa humana36, há diversas passagens do Antigo e

do Novo Testamento que o ser humano, por ter sido criado à imagem e semelhança de Deus, tem um valor intrínseco.

Além da referida passagem do Livro do Gênesis, a indistinção da dignidade humana é bem representada nas palavras de Paulo na Epístola aos Gálatas: “já não há judeu nem grego, nem escravo nem livre, nem homem nem mulher, pois todos vós sois um em Cristo Jesus”.37 Da universalidade dessa premissa, nota-se que a concepção de dignidade cristã

funda-se na valorização do ser humano, nobre ou humilde, estrangeiro ou escravo, pois a salvação prometida pelo Cristo não impunha qualificações pessoais.

Para a Patrística38, especialmente representada por Agostinho de Hippona, o ser

humano seria essencialmente uno em corpo e espírito e busca uma finalidade extrínseca, correspondente ao encontro com Deus.39 A temática da dignidade da pessoa humana na

filosofia cristã, porém, tem na Escolástica40 e, especificamente, em Tomás de Aquino sua

34 Idem, loc. cit. No mesmo sentido, cf. COMPARATO, Fábio K., A afirmação histórica dos direitos humanos, p. 18.

35 Como bem lembram Giovanni Reale e Dário Antiseri, “por maiores que possam ter sido os reconhecimentos da dignidade e da grandeza do homem pelos gregos, eles se inscrevem sempre em um horizonte cosmocêntrico global. (..) Na Bíblia, ao contrário, mais do que como um momento do cosmos, (..) o homem é visto como criatura privilegiada de Deus, feita “à imagem” do próprio Deus e, portanto, dono e senhor de todas as outras coisas criadas por ele. (..) E é exatamente essa capacidade de fazer livremente a vontade de Deus que coloca o homem acima de todas as coisas.” REALE, Giovanni; ANTISERI, Dário. História da filosofia: Patrística e Escolástica. 2 ed. Vol. II São Paulo: Paulus, 2005, p.13.

36 Embora se tenha a impressão geral da essência religiosa da ideia de dignidade da pessoa humana no pensamento ocidental, é interessante notar a ausência da expressão “dignidade” tanto nas escrituras judaicas quanto nas cristãs. Anota Daniel P. Sulmasy que “a palavra hebraica traduzida como ‘dignidade’ (gedula) ocorre raramente nas escrituras hebraicas e significa algo como nobreza de caráter ou papel pessoal na comunidade. A palavra grega correspondente (semnotes) ocorre somente três vezes nas escrituras cristãs e provavelmente é melhor traduzida como ‘seriedade’. A palavra grega que melhor traduz a atual ideia de dignidade (aksioprepeia) não aparece sequer uma vez no Novo Testamento.” Cf. SULMASY, Daniel P. Human dignity and human worth. In: MALPAS, Jeff; LICKISS, Norelle (eds.). Perspectives on human dignity: a conversation. Dordrech: Springer, 2007, p. 10

37 BÍBLIA. Epístola aos Gálatas (Gl, 3, 28).

38 A Patrística corresponde ao período inicial da elaboração doutrinária do cristianismo, em sua origem. Caracteriza-se pela identificação entre a filosofia e a religião, pois a verdade, imperfeita e parcial dos filósofos pagãos, teria sido plenamente revelada em Cristo. Cf. ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia,. p. 746.

39 ALVES, Cléber F. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, p. 22.

40 A Escolástica é a filosofia cristã da Idade Média, Segundo Nicola Abbagnano, “o problema fundamental da Escolástica é levar o homem a compreender a verdade revelada. É o exercício da atividade racional (..) com

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