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TERRITÓRIOS EM CONFLITO NO ALTO SERTÃO SERGIPANO

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Academic year: 2019

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THERESA CRISTINA ZAVARIS TANEZINI

TERRITÓRIOS EM CONFLITO

NO ALTO SERTÃO SERGIPANO

Marcha dos camponeses na Fazenda Cuiabá para a ocupação final do conjunto de edifícios que formam a sede da propriedade. Sergipe, 1996 (Terra, Sebastião Salgado, São Paulo, Companhia das Letras, 1997, p. 134 e 135). Marco da territorialização do MST no Alto Sertão Sergipano.

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THERESA CRISTINA ZAVARIS TANEZINI

TERRITÓRIOS EM CONFLITO

NO ALTO SERTÃO SERGIPANO

Orientadora: Prof.ª. Dr.ª Alexandrina Luz Conceição.

São Cristovão-SE

2014

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THERESA CRISTINA ZAVARIS TANEZINI

TERRITÓRIOS EM CONFLITO NO ALTO SERTÃO SERGIPANO

Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia, Universidade Federal de Sergipe, como exigência parcial para obtenção do título de doutora em Geografia, sob a orientação da Prof.ª. Dr.ª Alexandrina Luz Conceição.

Data da aprovação: ____/____/_____

________________________________________________________________ Prof.ª. Dr.ª Alexandrina Luz Conceição (Orientadora).

Departamento de Geografia/Universidade Federal da Sergipe.

________________________________________________________________ Profª Drª Vera Lúcia Alves França

Departamento de Geografia/Universidade Federal da Sergipe.

________________________________________________________________ Prof. Dr. Ciro Bezerra

Universidade Federal de Alagoas

________________________________________________________________ Prof. Dr. Marco Mitidiero

Universidade Federal da Paraiba.

________________________________________________________________ Profª. Drª. Maria da Conceição Vasconcelos Gonçalves

Departamento de Serviço Social/DSS/UFS

________________________________________________________________ Profª Marleide Ségio dos Santos (suplente)

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RESUMO

A Tese intitulada “Territórios em conflito” tem como objeto de estudo a reflexão crítica, de dois processos sócio espaciais distintos e conflitivos, fundados na apropriação da terra: de um lado, a territorialização e a monopolização do território pelo capital, hegemônica e vinculada ao processo de acumulação do capital em escala nacional e internacional, compreendido como desigual e combinado/ contraditório; e, de outro lado, a resistência e recriação camponesa como territorialização alternativa; analisando o papel contraditório do Estado em face das territorialidades conflitantes, que traduzem espacialmente a luta de classes no campo. Ao se adotar a Geografia Crítica como referencial teórico-metodológico, compreende-se o espaço social, como “lócus das relações sociais de produção”, resultante de um processo de produção do espaço pela prática social e política das classes em confronto, por meio de seus movimentos sociais (olhar sociológico), ou movimentos sócios territoriais (olhar geográfico) em uma abordagem relacional da concepção de território, que enfatiza os processos geográficos de T-D-R; enquanto lutas sociais, como a versão geográfica da questão agrária. Objetivou-se analisar os processos empíricosque se desenrolaram historicamente naprodução e transformação do espaço agrário do Alto Sertão Sergipano, sobretudo nas três últimas décadas. Defende-se nesta Tese duas ideias centrais: A conquista da terra por vários movimentos sócios territoriais, sobretudo o MST e a redistribuição fundiária massiva que marca a experiência de reforma agrária neste espaço geográfico, representou um ponto de inflexão na disputa territorial, revertendo o avanço do capital e propiciou a recampenização dos trabalhadores rurais sem terra, que constroem uma “área reformada”; e esta constitui o núcleo que cria a possibilidade de gestação de um abrangente e politicamente significativo território camponês na medida em que o MST promove alianças e esta política pública articula o campesinato tradicional com os novos assentados, possibilitando a esses segmentos sociais exigirem seu reconhecimento enquanto agentes econômicos e sujeitos políticos, que lutam pela redistribuição de riqueza, renda e poder na região.

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RESUMO NA LINGUA ESTRANGEIRA

The thesis entitled “Territories in conflict” proposes a critical reflection as the study objective, of two distinct and conflictive social-spatial processes, based in land appropriation: on one hand, the territory expansion and monopolization by capital, hegemonic and linked to the process of capital accumulation in a national and international scale, understood as unequal and combined/contradictory; and, on the other hand, the resistance and landing recreation as the alternative expansion; analyzing the State’s contradictory role regarding the conflictive territoriality, which spatially demonstrate the conflicts between classes in the fields. Adopting Critical Geography as theoretical and methodological reference, the social space is understood as the place where production social relationships happen, which is a result of the production process of the space by social and political practices of the classes in the conflict, supported by its social movements (sociologic prospect), or social and territorial movements (geographical prospect) in a relative approach of the understanding of the concept of territory, which emphasizes the T-D-R geographical processes; furthermore the social conflicts are seen as the geographical version of the agrarian matter. This study aimed to analyze the empirical processes that were historically developed in the production and transformation of the agrarian landscape in Sergipe’s arid area, above all in the last three decades. The thesis defends two main ideas: The land acquisition by several social and territorial movements, mainly the MST (acronym for Landless Workers Movement) and the massive agrarian redistribution which highlights the experience of agrarian reform in this geographical space, represented a point of inflection in the territorial dispute, reverting the capital advance and enabling the reconstitution of landless workers, which build a reformed area; and this one constitutes the focus that creates the possibility of developing a broad and politically relevant agrarian territory whereas the MST promotes alliances and this public policy integrates the traditional agrarian workers class with the new settlers, enabling this social segments to demand their acknowledgment as economic agents and political subjects, who fight for wealth, income and power redistribution in the region.

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Lista de tabelas

Tabela 01 – Distribuição da Terra Agrícola no mundo: índice de desigualdade de Gini em ordem crescente – primeira metade do século XX...306

Tabela 02– Superfície Agrícola Média de Países Europeus – 1972...310

Tabela 03 – Dimensão dos Estabelecimentos Agrícolas no mundo, conforme teto ou piso da última classe de área - 1996-2005 – FAO (África)...314

Tabela 04 – Dimensão dos Estabelecimentos Agrícolas no mundo, conforme teto ou piso da última classe de área - 1996-2005 – FAO (América)...314

Tabela 05 – Dimensão dos Estabelecimentos Agrícolas no mundo, conforme teto ou piso da última classe de área - 1996-2005 – FAO (Ásia)...315

Tabela 06 - Dimensão dos Estabelecimentos Agrícolas no mundo, conforme teto ou piso da última classe de área - 1996-2005 – FAO (Europa)...316

Tabela 07 – Dimensão dos Estabelecimentos Agrícolas no mundo, conforme teto ou piso da última classe de área - 1996-2005 – FAO (Oceania)...317

Tabela 08– Área Total e Número dos Estabelecimentos, por Estrato de Área - Brasil – 1995/1996 e 2006 – IBGE...319

Tabela 09 – Reforma Agrária “da Espada” na América Latina no século XX...320

Tabela 10 – Países que estabeleceram limites para a propriedade no século XX. ...321

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Tabela 12 – Número de Famílias Assentadas por Ano – Brasil – 1995 – 2013...331

Tabela 13 – Evolução do Índice de Gini dos estabelecimentos rurais, segundo a Unidade da Federação – 1985/2006 – IBGE...337

Tabela 14 Distribuição dos Imóveis Rurais conforme índice de Gini – Brasil e Sergipe – 2003 e 2011. ...337

Tabela 15 – Maiores propriedades/posses de cada estado – INCRA – 1985...339

Tabela 16– Classificação dos Imóveis Rurais pela Área Total – Brasil - 1992 e 2003...339

Tabela 17– Classificação de Imóveis Rurais – Brasil – 1993...342

Tabela 18 – Evolução da Concentração da Propriedade de Terra no Brasil – 2003-2010...344

Tabela 19 – Assentamentos Rurais – Nordeste, Sergipe e Brasil - 1979 – 2009...348

Tabela 20– Maiores propriedades do Alto Sertao Sergipano – 1990...381

Tabela 21 – Primeiras conquistas da luta pela terra no Alto Sertão Sergipano 1986 – 1996...383

Tabela 22 – Quadro Famílias acampadas e assentadas – 2006...397

Tabela 23 – O Complexo Jacaré-Curituba em ordem cronológica de criação – 1997 a 2002...408

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Tabela 25 – Número de acampamentos no Alto Sertão Sergipano...414

Tabela 26 – Imóveis Rurais segundo Categorias do Estatuto da Terra na Microrregião Homogênea Sertão Sergipano do São Francisco - 1972...438

Tabela 27 – Estrutura Fundiária da MRH Sertão Sergipano do São Francisco – 1972...440

Tabela 28 – Territorialização dos Movimentos Sócio-territoriais no Alto Sertão Sergipano - Primeira fase - 1979 a 1993...455

Tabela 29 – O Alto Sertão Sergipano no I Censo Nacional da Reforma Agrária – out/1996...458

Tabela 30 – O Alto Sertão Sergipano no I Censo Nacional da Reforma Agrária – out/1996 ...459

Tabela 31 - Territorialização dos Movimentos Sócio-Territoriais no Alto Sertão Sergipano em ordem cronológica – Conquistas da primeira fase da luta - 1979 a outubro de 1996...460

Tabela 32 - Territorialização dos Movimentos Socio-territoriais do Alto Sertão Sergipano por Município e em ordem cronológica - 1979 – outubro de 1996...461

Tabela 33 – Impacto da Redistribuição Fundiária por município no Alto Sertão Sergipano – 1979 a 1996 em relação ao ponto zero de 1972...463

Tabela 34 - Relação dos imóveis desapropriados pelo INCRA no PA Jacaré-Curituba até 1999...468

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Tabela 36 – Imóveis não desapropriáveis pelo INCRA...470

Tabela 37 – Imóveis a vistoriar...470

Tabela 38 – Assentamentos de reforma agrária do Alto Sertão Sergipano – nov. 1996 –dez. 2006...472

Tabela 39 – Territorialização dos Movimentos Sócio-territoriais no Alto Sertão Sergipano – out. 1986 – dez. 2006...473

Tabela 40 – Redistribuição Fundiária no Alto Sertão Sergipano – 1979 a 2006...475

Tabela 41 – Número de Imóveis Rurais e Área Total, segundo Condição de Domínio e por Estratos de Área Total, Território do Alto Sertão Sergipano – Agosto 2003...480

Tabela 42 – Distribuição do Número e Área Total segundo a Categoria de Imóvel Rural, por Município do Alto Sertão Sergipano em Ordem Decrescente por Área das Grandes Propriedades dezembro 2005...483

Tabela 43 – Nº e Área de Grandes e Médios Imóveis do Alto Sertão Sergipano – INCRA - Dezembro 2005...485

Tabela 44– Comparação Nº e Área dos Latifúndios por Exploração (1972) com Grandes e Médias Propriedades (dez. 2005) no Alto Sertão Sergipano...486

Tabela 45 – Assentamentos pelo Crédito Fundiário no Alto Sertão Sergipano – 2003-2006...488

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Tabela 47 – Assentamentos de Reforma Agrária Alto Sertão Sergipano – 1986 a jan.2014...00

Tabela 48 – Comparação Nº e Área dos Latifúndios por Exploração (1972) com Assentamentos/Desapropriações no Alto Sertão Sergipano - entre 1979 e fevereiro 2014...499

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...16 CAPÍTULO 01: ESPAÇO E TERRITÓRIO NO DEBATE GEOGRÁFICO E

SUAS PARTICULARIDADES NA GEOGRAFIA

AGRÁRIA...37 1.1 A categoria Espaço como conceito chave no debate

geográfico...38

1.1.1 A ressignificação do espaço no Debate da

Geografia...47 1.2 Um Breve Debate sobre Abordagem do território ...65

1.2.1 Abordagem relacional do território na Geografia Crítica...76

CAPÍTULO 02: ESPACIALIZAÇÃO/TERRITORIALIZAÇÃO DAS CLASSES SOCIAIS E O PAPEL DO ESTADO NO PROCESSO DE PRODUÇÃO DO ESPAÇO...86 2.1 O Capital/a Burguesia/ o Estado na produção do espaço:

desenvolvimento desigual e combinado/contraditório ...89 2.2 Os processos geográficos primários (T-D-R) representam lutas sociais ...116

2.2.1 A territorialização do capital e do Estado homogeneíza o espaço: a produção do espaço abstrato, espaço liso e território usado à custa da desterritorialização de outros grupos sociais...120 2.2.2 Espaços diferenciais e contraditórios e a abordagem marxista de território...130 2.2.2.2 Aglomerados de exclusão / territórios alternativos/ contra espaços/ constrangimentos ao espaço hegemônico na geografia humanista e cultural renovada...140 CAPÍTULO 03: A PERDA DO DIREITO NATURAL DE PROPRIEDADE

PRIVADA DA TERRA DO CAMPONÊS NA GÊNESE DA QUESTÃO AGRÁRIA...150 3.1 A propriedade privada da terra condicionada pelo trabalho como

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CAPÍTULO 04: O DIREITO À PROPRIEDADE DA TERRA: A TERRA COMO FUNÇÃO SOCIAL...196 4.1 A inversão do significado da propriedade privada da terra na virada

conservadora da concepção política do liberalismo econômico...215 4.2 A crise do Estado Liberal, a ascensão do Estado Social e do sentido

social do direito de propriedade a partir do século XX...234 CAPITULO 05: TERRITÓRIOS EM CONFLITO: A VERSÃO GEOGRÁFICA

DA QUESTÃO AGRÁRIA COMO EXPRESSÃO DA LUTA DE CLASSES NO CAMPO...247

5.1 Os dois processos de avanço capitalista na

agricultura...249 5.1.1 A territorialização do capital...249 5.1.2 A monopolização do território pelo capital...254 5.2 A Resistência camponesa e a construção de territórios alternativos ao

espaço hegemônico do capital...266 5.3 Movimentos sociais do campo e movimentos territoriais e sócio-espaciais...277 5.4 A formação de movimentos sócio-territoriais, com destaque para o MST ...289 CAPITULO 06: A REFORMA AGRÁRIA COMO POLÍTICA

REDISTRIBUTIVA...301 6.1 Um olhar sobre a distribuição da terra e as experiências de reforma

agraria no mundo ...302 6.2 O Brasil na contramão da democratização da terra...327 CAPITULO 07: Territórios em conflito no Alto Sertão Sergipano: a

territorialização dos movimentos camponeses e a

construção de uma “área reformada”...351 7.1 A diversidade de lutas e a união das forças de diferentes movimentos

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7.1.1.1 A luta dos Xocó de reconquista do seu território...361 7.1.1.2 Mocambo e Serra da Guia – duas comunidades de remanescentes quilombolas no Alto Sertão Sergipano...369 7.1. 2 – A união de forças dos movimentos sociais do campo – STRs, Igreja

e nascente MST conquista a Barra da Onça e deslancha a reforma agrária no Alto Sertão Sergipano - 1986 – 1996...378 7.1.3 - A territorialização do MST no Alto Sertão Sergipano– 1996-2006...385 7.1.3.1 O avanço na conquista da terra no sentido da construção de uma “área reformada”...396 7.1.3.2 A disputa da Agua no Alto Sertão Sergipano: a reversão do grande projeto empresarial de irrigação Jacaré Curituba para a reforma agrária (1998)...399 7.1.4 - A terceira e atual fase da luta pela terra e pela água no Alto

Sertão Sergipano - 2007 a 2013 ...412 7.1.4.1 A busca de alternativas num contexto de crise...413 7.1.4.2 - A disputa de concepções dos projetos de irrigação ...417 7.1.4.2.1 A conclusão das obras de irrigação do Jacaré Curituba e a definição dos rumos produtivos...417 7.1.4.2.2 Nova Califórnia X Manuel Dionízio...421 CAPÍTULO 8: IMPACTOS DAS LUTAS TERRITORIAIS E DA AÇÃO DO

INCRA NA TRANSFORMAÇÃO DA ESTRUTURA

FUNDIÁRIA DO ALTO SERTÃO SERGIPANO...430 8.1 O espaço agrário do Alto Sertão Sergipano antes da luta pela terra (“o ponto zero”) ...433 8.2 A transformação da estrutura fundiária decorrente da territorialização dos movimentos sócio-territoriais de luta pela terra e das ações de redistribuição fundiária ...443

8.2.1 A transformação da estrutura fundiária entre 1979 – 1996...444 8.2.2 A transformação da estrutura fundiária decorrente do processo de territorialização do MST no Alto Sertão

Sergipano – 1996 –

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8.2.3 A terceira fase da luta pela terra e pela água: resultados da busca por alternativas num contexto de esfriamento da desapropriação por interesse social da reforma agrária - jan.

2007 a jan. 2014 ...489

CONCLUSÕES ...509

REFERÊNCIAS...532

APÊNDICE A TABELAS, QUADROS E MAPAS... 550

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A expressão “Territórios em conflito” compreende o objeto de estudo desta Tese que tem como reflexão: dois processos sócioespaciais distintos e conflitivos que vem historicamente produzindo o espaço agrário do Alto Sertão Sergipano, seja, pela territorialização do capital, ou pela territorialização do campesinato.

A territorialização do capital tem sido historicamente hegemônica no Alto Sertão Sergipano, em função de projetos de desenvolvimento econômico, apoiados pelo Estado. Na atualidade envolve diversas frações burguesas integradas no chamado agronegócio direta ou indiretamente vinculadas ao processo de acumulação do capital em escala nacional e internacional. Sua permanência, transformando esse espaço agrário, está condicionada pela lucratividade, portanto é instável e pode ser transitória. Por outro lado, a produção camponesa do espaço manifesta um modo de produzir e viver de habitantes do Alto Sertão, sendo um projeto de gerações dos camponeses tradicionais, que vem resistindo aos processos de expropriação e anseiam por autonomia na sua reprodução social. Essa territorialização alternativa ao espaço hegemônico vem sendo reforçada pela recente recriação do campesinato no bojo da reforma agrária.

Esse conflito na atualidade é representado pela disputa de modelos entre o agronegócio e a chamada agricultura familiar. O governo vem assumindo esta distinção em vários estudos, como o do INCRA/FAO que subsidiou a criação da Política Nacional de Apoio à Agricultura Familiar – PRONAF, em 1995, mas ela foi pela primeira vez retratada e mensurada oficialmente no Censo Agropecuário de 2006, que fez o corte metodológico entre estabelecimentos rurais familiares e não familiares (IBGE, 2009).

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desconhecendo a cláusula constitucional que exige o cumprimento da “função social da terra” (BRASIL, 1946, 1967, 1988) detalhada nas respectivas regulamentações (Estatuto da Terra, 1964 e Lei Agrária de 1993).

Por outro lado, a agricultura familiar é uma designação muito ampla e flexível que abrange médios e pequenos produtores rurais com diferenciados níveis de capitalização e diferentes formas de organização política, sendo a mais antiga dessas, o movimento sindical de trabalhadores rurais que congrega Sindicatos de Trabalhadores Rurais – STRs, nos municípios, federações estaduais, a exemplo da FETASE – Federação dos Trabalhadores da Agricultura de Sergipe e a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura – CONTAG; o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST e outras dezenas de movimentos de luta pela terra (MLT, MLC, CARAS etc); o Movimento dos Pequenos Agricultores Familiares – MPA; a Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar – FETRAF/Sul transformada em FETRAF/Brasil (2004). Os agricultores familiares também são disputadas pela própria CNA.

A unificação de todos os produtores que utilizam prioritariamente a mão de obra familiar, sob esta denominação, diferenciando-os dos produtores não familiares que utilizam trabalhadores assalariados, foi problematizada por Sueli Couto Rosa (s/d). A autora chamou a atenção para o fato de que, no bojo da discussão dos critérios do PRONAF, em 19951, a CONTAG perdeu para a CNA a própria definição desse conceito: para a primeira só deveriam ser assim considerados os pequenos produtores rurais que utilizassem exclusivamente mão de obra familiar de forma permanente, aceitando apenas o assalariamento temporário nos momentos de “pico” do processo produtivo. Venceu a proposta da CNA que admitia até dois assalariados permanentes, além dos temporários.

Há distintas relações de agricultores familiares com a agricultura empresarial, tanto econômica, quanto de representação política. Grande parte dos médios e até dos pequenos produtores integram complexos agroindustriais (CAIs) na condição de fornecedores de matéria prima agrícola ou pecuária e fazem parte da base social do movimento cooperativista, comandado nacionalmente pela Organização das Cooperativas do Brasil –

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OCB e da própria CNA. Outros agricultores familiares, embora sejam parceiros econômicos do empresariado rural em diversas cadeias produtivas, procuram organizar-se politicamente de forma independente, na CONTAG e na FETRAF/Sul ou FETRAF/Brasil (2004); todas elas vinculadas à Central Única dos Trabalhadores - CUT.

Todavia do ponto de vista econômico a grande maioria dos agricultores familiares não integra as cadeias produtivas do agronegócio. Politicamente uma parte dos trabalhadores rurais expropriados, os “sem terra”, que lutaram para voltar à condição de produtores diretos, reconquistando a terra, compõem a base social das dezenas de movimentos de luta pela terra, com destaque para o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST criado em 1984, que continuam na luta, mesmo quando se transformam em assentados. Outra parte buscou uma organização autônoma, buscando afirmar a identidade camponesa diferenciada da agricultura familiar, no Movimento dos Pequenos Agricultores Familiares – MPA, criado em 1995.

A maioria absoluta dos agricultores familiares continua isolada em suas unidades de produção em pequena escala, dispersas pelo campo e não se organiza em nenhum movimento social do campo. Por essas considerações a expressão “agricultura familiar” não ajuda a compreender a verdadeira polarização que ocorre no campo brasileiro entre os dois modelos da agricultura – a “terra de negócio”, isto é, a grande exploração capitalista ou “agricultura empresarial latifundiária” (com a qual muitos agricultores familiares estão integrados) e a “terra de trabalho”, ou seja, a agricultura camponesa, como diferenciou José de Souza Martins em seu livro “Expropriação e

Violência: a questão política no campo” (1980. p. 45)2.

No Brasil, os latifundiários concentram a terra (riqueza), a renda e o poder no campo, buscando submeter os milhões de camponeses, na grande maioria minifundiários (posseiros/ocupantes ou pequenos proprietários) das franjas das grandes propriedades rurais, e os que vivem e trabalham dentro das mesmas (moradores, parceiros ou arrendatários), aos diversos mecanismos de sujeição e dependência, mantidos na extrema pobreza. Esta situação que expressa a questão agrária no país ganhou visibilidade a partir

2 MARTINS, José de Souza. Expropriação e Violência: A questão política no campo. São

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das lutas das Ligas Camponesas que representavam os anseios desse segmento social amplamente majoritário e espacialmente disseminado da população rural. Desde então, o conceito de camponês ganhou um significado específico no país – tendo como significante os camponeses pobres, com forte conotação política.

A manutenção e/ou retomada do conceito de camponês por diversos movimentos sociais do campo de caráter popular (que integram a Via Campesina – MST, MPA, CPT, PJR, MMC etc)3 se dá concomitantemente à

sustentação teórica da atualidade do mesmo por parte de alguns intelectuais4

no debate acadêmico: antropológico, sociológico, econômico e geográfico. Ariovaldo Umbelino Oliveira, Alexandrina Luz Conceição, Bernardo Mançano Fernandes, Eliane Tomiasi Paulino, Marta Inez Medeiros Marques, Valéria de Marco, entre outros geógrafos críticos marxistas têm sustentado a importância e atualidade do conceito de camponês.

O conceito de campesinato na atualidade no Brasil refere-se diretamente ao modo de vida do amplo contingente de pequenos lavradores ou produtores rurais (referência ao pequeno tamanho da terra) dedicados à “agricultura de subsistência” (Guilherme Costa Delgado), ou melhor, agricultura voltada para o auto-consumo e a venda de excedentes, que representam os “pobres do campo” (referência ao nível de renda, conforme o II Plano Nacional de Reforma Agrária-PNRA), descapitalizados, que têm sido historicamente excluídos das políticas públicas de desenvolvimento rural (crédito, assistência técnica, políticas sociais). Em passado recente, em resposta às suas lutas sociais, estes vêm acessando programas governamentais no contexto do combate a pobreza rural, alguns dos quais por meio da política de reforma agraria.

Dada a formação da autora, desta Tese, em outras áreas de conhecimento das Ciências Sociais - Serviço Social (graduação) e Sociologia Rural (mestrado) perseguiu-se uma aproximação competente com o debate

3 Além dos já citados MST e MPA passaram a integrar a Via Campesina a Comissão Pastoral

da Terra - CPT, a Pastoral da Juventude Rural – PJR, ambos ligados à Igreja Católica, o Movimento das Mulheres Camponesas – MMC, entre outros.

4 Desde a última década do século XX Horácio Martins de Carvalho Ex Presidente da

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teórico-metodológico travado no interior da ciência geográfica, de certa forma facilitada pelo fato de que, desde seu movimento de renovação, ele tem sido permeado pela interdisciplinaridade, dialogando com as demais ciências sociais o “pensar e agir no espaço”.

A Geografia, como ciência social tem como objeto de estudo a sociedade que é objetivada via cinco conceitos-chave que se referem à ação humana modelando a superfície terrestre: espaço, paisagem, região, território e lugar. Há diferentes concepções de cada conceito-chave que estão vinculadas a uma das correntes do pensamento geográfico: a Geografia tradicional (em suas distintas correntes), a abordagem teorético-quantitativa, a visão marxista e a cultural e humanista, as três últimas participantes do mencionado movimento de renovação do pensamentogeográfico a partir de meados doséculo XX.

Na perspectiva da abordagem crítica marxista identificam-se duas categorias analíticas para a construção do objeto desta Tese: espaço e território. A teoria do espaço foi esboçada em várias obras do filósofo francês Henri Lefebvre e desenvolvida e aprofundada no livro “La Production de L’Espace”, em 1974 (2006). O conceito “produção do espaço” refere-se ao espaço entendido não como uma localidade, e sim como espaço social, vivido, concebido e percebido em estreita correlação com a prática social; o espaço social como materialização da existência humana.

Bernardo Mançano Fernandes (2005)5 retoma a afirmação de Lefebvre

de 1974 e destaca que, os homens em suas relações sociais produzem diversos tipos de espaços sociais concretos, materiais e imateriais. O filósofo marxista relacionou a produção do espaço com a prática social, como campo de ações de um indivíduo ou grupo social. Considera Fernandes (2005) que as relações sociais se movimentam e se fixam sobre o espaço geográfico; produzem e transformam continuamente o espaço social, contido no espaço geográfico. A materialização da existência humana conforma o espaço social, destacando a centralidade do trabalho nas relações homem-natureza e homem – homem. Por isso enfatiza-se a produção do espaço pela prática social dos grupos humanos construindo paisagens culturais. Mas isso não quer dizer que

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o espaço seja apenas produto da sociedade; é também espaço objetivado funcional.

Fernandes (2005) define o espaço geográfico como aquele que contém os elementos da natureza e os espaços sociais. Criado originalmente pela Natureza, produzido e transformado pelo movimento das forças naturais e da vida, construindo paisagens naturais. O espaço é, portanto, espaço natural e social, introduzindo-se na sua compreensão o movimento, o tempo histórico, os processos que definem a produção do espaço. Dessa forma busca sintetizar a concepção lefebvriana, retomando o diálogo da superação da dicotomia entre a tradição da Geografia Física e da Geografia Humana.

Rogério Haesbaert (2002) reconhece que a geografia criíica marca a reaproximação com as ciências sociais em relação às bases filosóficas que norteiam o processo de elaboração do conhecimento6. Alexandrina Luz Conceição (1991, p.85)7 já tinha ressaltado que a utilização do método marxiano-engelsiano de interpretação da realidade social favoreceu a interdisciplinaridade. Menciona a autora que, já em 1978 Milton Santos, referiu-se ao marxismo como “uma abordagem interdisciplinar”.8

Roberto Lobato Corrêa (2005)9 ressalta que nos artigos da Revista Americana “Antipode”, em 1977, Milton Santos elabora o conceito de formação sócio espacial, como elemento central da teoria e método de uma “geografia nova”, expressão que se contrapõe à “nova geografia” apregoada pela corrente teorético-quantitativa, desde meados da década de 1950.

Nos seus escritos Milton Santos reflete sobre a produção do espaço pelo capital. No capítulo “Espaço e Dominação: Uma Abordagem Marxista” (2003),10 o autor afirma que no espaço organizado pelo homem, se identificam as formas, os fixos e também as interações espaciais, os fluxos. Decorrentes da modernização diferenciadora, relações entre espaço, técnica e tempo são introduzidas pelo capital definindo a dominação. O referente autor reflete ainda

6 Haesbaert, Rogério. 2002.

7 Conceição, Alexandrina Luz. 1991.

8 Conceição (1991, p. 116) afirma ser de grande valia ler o capitulo IX “Uma abordagem

Interdisciplinar” do livro de Milton Santos “Por uma Geografia Nova” (1978), no qual o autor

sintetiza muito bem a questão da interdisciplinaridade na geografia.

9 Correa, Roberto Lobato et al (org) 2005.

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sobre o movimento do capital na contemporaneidade que ele denomina de “a totalidade do diabo”, discutindo como essas formas geográficas que difundem o capital mudam as estruturas espaciais, tanto no mundo rural, quanto no mundo urbano.

O materialismo dialético humanista de Lefebvre projeta a subjetividade individual na coletiva, valorizando o papel ativo do sujeito coletivo, ou seja, das classes sociais na história diante do sistema econômico e político (Estado).

No trabalho “O Estado, o poder e o socialismo” em 1978 Nicos Poulantzas (na sua fase gramsciana, superando o estruturalismo althusseriano) assume uma perspectiva de luta de classes, vislumbrando o papel dos sujeitos políticos, classes e frações de classe que influenciam o Estado de fora para dentro ou por dentro dos seus aparelhos, isto é a relação orgânica entre o Estado e a base econômica, na qual os movimentos sociais como representação desses interesses ganham importância. Dessa forma o autor compreende que o Estado (que corresponde ao modo de produção capitalista) não constitui um bloco monolítico; é perpassado pela luta de classes que se dá no âmbito da sociedade civil. Entretanto o fortalecimento do Estado não elimina a possibilidade de sua superação. “Para Lefebvre não existe Estado sem contra-Estado, não existe poder sem contrapoder que o ameace realmente” (Kosminsky e Andrade, 1996).11

Para Lefebvre (2008, p. 57)12 as contradições do espaço advêm de sua forma racional, do conteúdo prático e social. O espaço da sociedade capitalista é contraditório dissimulado ou mascarado, embora pareça lógico. Na prática é comercializado, despedaçado, vendido em parcelas.

Para analisar as contradições no espaço: os conflitos é assumida a categoria território. O conceito de território dentro da opção teórico-metodológica desta Tese supera a noção estatista referente ao território de uma Nação, e abraça a abordagem relacional do território resultante da prática social das classes, articuladas de forma multiescalar. O conceito de território permite compreender as formas com que a sociedade modela e organiza o espaço no qual se reproduz, particularmente o capital e os grupos populares.

11 Kosminsky, Ethel V; Andrade, Margarida M. de. O Estado e as classes sociais. In: Henri

Lefebvre e o retorno à Dialética. São Paulo: Hucitec, 1996, p. 51 – 70.

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O conceito de território na abordagem relacional da Geografia Crítica é tributário da retomada da centralidade do conceito de espaço na análise geográfica, e sua ressignificação, como espaço social. Essa abordagem da Geografia crítica enfatiza os processos de produção dos espaços sociais e dos territórios. Nos anos oitenta do século XX, Claude Raffestin (1993) introduziu a problemática relacional que envolve diferentes atores sociais, em diferentes escalas. Distintas relações sociais ao se constituírem numa forma de poder produzem um espaço social específico – o território.

Raffestin (1993) e Santos (1996) definem os territórios como sistemas de ações e sistemas de objetos, similitude ressaltada por Fernandes (2005, p. 63). Ambos entendiam que espaço geográfico e território ainda que diferentes, são o mesmo. Todo território é um espaço (nem sempre geográfico, pode ser social, político, cultural cibernético etc), embora nem sempre e nem todo espaço seja um território.

Para Fernandes (2005), retomando a definição de Milton Santos, do território como totalidade, a abordagem do território feita pela geografia critica considera que, mesmo constituindo-se em frações de outros espaços materiais (territórios concretos) ou imateriais, o território é multidimencional, isto é, considera o território como espaço político, econômico e cultural, portanto, só é compreendido em todas as dimensões que o compõem com as qualidades multidimensionais, composicionais e completivas dos espaços.

O espaço é ressignificado como “o lócus da reprodução das relações sociais de produção”. As pessoas produzem espaçosno movimento da vida, da natureza e da artificialidade e produção de conhecimento, ao se relacionarem diversamente e são fruto da multidimensionalidade (FERNANDES, 2005).

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por diferentes escalas (um espaço pluriescalar ou multiescalar) e dimensões (de uma nação e no interior da mesma).

Como foi dito, o conceito de território permite compreender as formas com que a sociedade modela e organiza o espaço no qual se reproduz, particularmente o capital e os grupos populares. Os grupos sociais populares criam espaços ou “territórios alternativos”, em relação ao espaço unilateralmente produzido pela lógica econômica do grande capital articulado com a lógica político-econômica do Estado (respectivamente nas escalas internacional e nacional), criticando esses espaços hegemônicos.

Nesta Tese a expressão conceitual “Territórios em conflito” é entendida no processo de apropriação da terra e envolve outros conceitos como “territorialização do capital monopolista”, “monopolização do território pelo capital”, que são compreendidos a partir da discussão do papel do “Estado burguês”, bem como “resistência e recriação camponesa como territorialização alternativa”, “movimentos sócioterritoriais e sócioespaciais” e “reforma agrária”. Entende-se que os processos geográficos de espacialização e de territorialização, e seus desdobramentos na desterritorialização e reterritorialização na escala subnacional são direta ou indiretamente vinculados ao processo de acumulação do capital em escala nacional e internacional, movimento esse compreendido como desigual e combinado, a partir dos clássicos marxistas, retomados por geógrafos como Neil Smith (1988)13 ou como Ariovaldo U. Oliveira (1988; 1991)14.

A perspectiva geográfica assumida nesta Tese enfoca as territorializações conflitantes que traduzem espacialmente a luta de classes no campo. A produção do espaço se dá pela prática social das classes em confronto – o capital e o campesinato, por meio de seus movimentos sociais (olhar sociológico) ou movimentos sócioterritoriais (olhar geográfico), segundo Fernandes (2005).

Quando sujeitos diferentes disputam a apropriação do espaço, tendo como ponto de partida aapropriação da terra, meio de produção fundamental e sua expressão jurídica: a propriedade ocorre a territorialização do vencedor e a

13 SMITH, Neil. Desenvolvimento Desigual. Natureza, Capital e a Produção de Espaço. Rio de

Janeiro, Bertrand Brasil, 1988.

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desterritorialização do perdedor, enquanto movimentos sócio-territoriais simultâneos, complementares, mas ao mesmo tempo, desiguais, contraditórios e conflitivos (FERNANDES, 2005).

O objetivo geral dessa tese foi analisar as transformações do espaço agrário do Alto Sertão Sergipano, ocorridas a partir dos processos geográficos distintos e conflitivos que representam as lutas sociais (territorialização das classes): a territorialização do capital e a do campesinato. Investigou-se as mudanças fundiárias decorrentes dos referidos processos geográficos e as consequentes transformações das relações sociais de produção que conformam a estrutura agrária no Alto Sertão Sergipano, enfocando, sobretudo, a recente territorialização dos movimentos de luta pela reforma agrária.

Especificamente buscou-se, de um lado, refletir sobre as relações sociais e de poder que produzem o espaço agrário a partir do confronto de classes na luta pela terra, configurado por territórios distintos, mas envolvidos em relações de complementaridade e de conflitualidade. De outro lado, buscou-se analisar opapel do Estado, avaliando em que suas ações, por meio de políticas públicas: de desenvolvimento regional, fundiárias, agrárias, agrícolas e sociais,reforçam contraditoriamente as territorialidades em disputa. O ponto de partida foi a hipótese de que a experiência da reforma agrária reforça o processo de recampenização dos trabalhadores rurais sem terra e, ao mesmo tempo, de forma inédita no estado de Sergipe, abre a possibilidade de gestação de um abrangente e politicamente significativo território camponês,em parte recriado pela reforma agrária, na medida em que os movimentos ligados à luta pela terra, particularmente o MST reforçam econômica e politicamente o campesinato tradicional, e os movimentos sociais que os representam, pelos processos de aliança que protagonizam.

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Na menor escala de análise15 - os assentamentos -, cada um deles sendo institucionalmente criados pelo INCRA considerados uma área reformada enquanto sinônimo de projeto de assentamento de reforma agrária, sobretudo onde há contiguidade ou proximidade espacial de vários deles, podem influenciar seu entorno pela experiência de luta coletiva, desde a fase de acampamento, que continua na fase de assentamento pelas melhorias das condições de trabalho e de vida: como estrada, posto de saúde, escola etc.

Tomando-se o conjunto dos municípios do Alto Sertão, a “área reformada”, ou seja, o novo espaço agrário que vem sendo produzido pelos sem terra, pode constituir-se no núcleo político que articula e consolida o território camponês, na medida em que os Sem Terra16, quando conquistam a terra e recriam a condição social camponesa se articulam com o campesinato tradicional a partir dos movimentos sociais/socioterritoriais que os representam.

Esses movimentos também se apresentam como perspectiva de luta para camponeses isolados ou apenas organizados em associações nas várias localidades, sem articulação horizontal entre si e com forte integração verticalizada com o Estado, muitas vezes envolvidos pelos mecanismos clientelistas da relação política tradicional com a população rural (LISBOA, 2007).

Pelo protagonismo político desses sujeitos coletivos, a partir da resistência organizada enquanto movimentos socioterritoriais, em suas lutas específicas e conjuntas, na disputa da terra, da água e dos rumos das políticas públicas o Alto Sertão Sergipano abriga não apenas um significativo contingente numérico camponês, mas um território “de vida, de luta e de construção da justiça social”17 alternativo ao espaço hegemônico do capital.

Defende-se nesta Tese que os territórios alternativos não apenas questionam, mas também interferem nos fluxos dos espaços hegemônicos, como espaço liso homogeneizante impostos pela ordem social e política

15A expressão “menor escala” refere-se a determinado nível de aproximação da realidade, à

menor unidade de análise, conforme a autora (2005). Essa expressão está invertida em

relação à linguagem cartográfica que seria “maior escala”.

16 Lideranças do MST chamam a atenção para a diferença importante entre as expressões

“sem terra” e “Sem Terra”, ressaltando que a segunda implica necessariamente na

referência da ação coletiva organizada enquanto base social desse movimento social em particular.

17 Referência direta ao subtítulo do livro: OLIVEIRA, A.U; MARQUES, M.I.M (Orgs.) O Campo

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dominante, criando neles suas “rugosidades”, representadas pela influência da ordem espacial no direcionamento dos processos sociais.

A relevância desta temática se evidencia pelo fato de que, em geral os planos de desenvolvimento do Estado brasileiro em suas diversas escalas espaciais (nacional, macro, meso e microrregionais ou ainda locais) foram e são voltados, prioritária, senão exclusivamente para reforçar o avanço do capital no campo, o que no semi-arido nordestino se traduz em propostas modernizantes de implantação de grandes perímetros irrigados, tendo como marco no Vale do São Francisco o polo – Juazeiro - Petrolina.

A reforma agrária permitiu que tal situação se invertesse, por meio de um processo socioespacial que posiciona os camponeses de maneira ímpar para prosseguir na disputa dos recursos naturais – terra e água - das políticas públicas do Estado que definem os rumos do desenvolvimento regional com as forças econômicas do grande capital nacional e transnacional aliada do latifundiário local: projetos de irrigação e agroindustrialização, com base na cooperação agrícola e na defesa de uma nova matriz produtiva fundada na transição agroecológica. Dessa forma lutam pela redistribuição de riqueza, renda e poder na região.

Neste sentido, a problemática dos territórios em conflito é delimitada ao enfocar o processo de produção do espaço em correlação com a prática social das classes em confronto, que funda a análise dos processos empíricosque se desenrolaram historicamente na produção e transformação espaço agrário do Alto Sertão Sergipano.

É enfatizada a forma específica do processo de enfrentamento da questão agrária, que aponta para um ponto de inflexão na disputa territorial, isto é, na tendência histórica da apropriação da terra, que vem ocorrendo há aproximadamente três décadas, singularizando o espaço geográfico do Alto Sertão sergipano: o processo de territorialização dos movimentos sociais do campo pela reforma agrária, especialmente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST. Como afirma Conceição “Só a luta pela reforma agrária garante a apropriação do território pelos movimentos sociais do campo de caráter popular” (CONCEIÇÃO, 2009)18.

18 Alexandrina Luz Conceição, maio de 2009. Comentários da Professora em aula de Teoria

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A acumulação de forças desses movimentos sócioterritoriais e sócioespaciais vem se dando na relação direta com o processo gradual, mas cumulativo, de redistribuição fundiária de forma massiva em relação à superfície territorial dos seis municípios que formam o território institucional do Alto Sertão Sergipano, conforme estabelecido em 2003 pela Superintendência Regional do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA/SR 23 e Secretaria de desenvolvimento Territorial - SDT do Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA: Canindé do São Francisco, Poço Redondo, Monte Alegre de Sergipe, Porto da Folha, Nossa Senhora da Glória e Gararu.

A institucionalização deste território do Alto Sertão Sergipano pelo INCRA/SDT apenas reconheceu um processo de construção deste território de luta pelos movimentos sócio-territoriais; o mesmo sentido e a mesma delimitação fizeram convergir o território institucional e o território real de que trata esta tese.

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A escolha deste objeto se deve ao caráter inédito no Estado de Sergipe da possibilidade de gestação de um abrangente e politicamente significativo território camponês, em parte recriado pela reforma agrária.

O Movimento Sindical de Trabalhadores Rurais - MSTR e pastorais sociais da Igreja Católica (Diocese de Propriá) foram responsáveis pela primeira luta vitoriosa no Alto Sertão, em 1979 – o território indígena Xocó, única tribo existente neste estado (FUNAI). Sete anos depois o MSTR e o MST, juntos, com apoio das pastorais sociais fizeram a primeira ocupação/acampamento que resultou no primeiro assentamento de reforma agrária do INCRA no Alto Sertão – Barra da Onça no Alto Sertão, em 1986. A partir de então esses movimentos isoladamente seguiram na conquista da terra, com destaque para o MST, a partir de 1996.

Como resultado da reforma agrária em quase três décadas, existem atualmente, em fevereiro de 2014, no Alto Sertão Sergipano 97 assentamentos de reforma agrária, nos quais vivem 5.302 famílias. O MST e, sobretudo o MSTRT, lançaram mão de outros mecanismos de reordenamento fundiário, para assentar, no primeiro caso 60 famílias (Banco da Terra) e, no segundo, 311 famílias, em 15 assentamentos rurais (Crédito Fundiário), com intermediação do governo do estado de Sergipe, totalizando o acesso de 371 familias a mais de 4.030,37 hectares, em 16 assentamentos rurais.

Três povos tradicionais se lançaram na luta pela terra reconquistando seus territórios seculares, e, portanto se reterritorializando: as 108 famílias da tribo Xocó, reconquistaram a ilha de São Pedro em 1979 e a fazenda Caiçara em 1992, formando um território de 4.317 hectares em Porto da Folha. Neste mesmo município as 114 famílias da comunidade Mocambo foram reconhecidas como remanescentes quilombolas, em 2000, apropriando-se do território de 2.100 hectares. Por fim, as 197 famílias da comunidade quilombola de Serra da Guia, em Poço Redondo, tiveram reconhecimento legal do seu território de 9.013,16 hectares, em 2012.

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Este amplo reordenamento fundiário (mais de 100.581, 91 hectares) confere ao Alto Sertão Sergipano o caráter de uma “área reformada” em construção, conceito resgatado de José Gomes da Silva (1971). Para o autor, quando se conjugam determinadas condições como: uma sólida organização e ação radical dos movimentos sociais do campo, com uma redistribuição fundiária massiva (relativa a determinado espaço geográfico) e a sinergia de entidades governamentais e não governamentais – três elementos constitutivos de uma “área reformada”, a política de reforma agrária possibilita a segmentos sociais excluídos e jamais consultados, exigirem seu reconhecimento enquanto agentes econômicos e sujeitos políticos.

Esse universo camponês que reconquistou o direito de propriedade da terra consiste num universo dinâmico que será acrescido a cada vitória das 1575 famílias acampadas em 48 ocupações e pela regularização fundiária do significativo contingente de pequenos posseiros, o que evidencia o significativo peso numérico dos vários segmentos do campesinato no Alto Sertão Sergipano.

A postura ética política assumida pela pesquisadora se afirma engajada com o ponto de vista dos camponeses, dando visibilidade à sua luta. Essa investigação geográfica sustentada no método do materialismo histórico dialético e foi analisada com a utilização combinada de diversas técnicas e instrumentos quali-quantitativos.

Entre as fontes secundárias, a pesquisa bibliográfica resgatou a discussão teórico-conceitual, e procurou dialogar particularmente com a produção do próprio NPGEO, sobretudo com os estudos sobre o Alto Sertão Sergipano.

A pesquisa de dados censitáriosem fontes oficiais, sobretudo do INCRA (estatísticas cadastrais), permitiu a caracterização da estrutura fundiária em alguns momentos – 1972, 1993, 2003, dez. 2005, 2013, para permitira a análise das transformações fundiárias desse espaço agrário.

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representam interesses da elite e dos trabalhadores sem terra, além dos órgãos federais e estaduais foram pesquisados.

Dentre as fontes primárias, a pesquisa documental procurou analisar os movimentos sociais e o papel do Estado, nos protocolos de intenção assinados entre eles, nos atos oficiais publicados. Os dois tipos de listagens de assentamentos (24/02/2014) e a listagem de acampamentos (de 31/01/2014) foram fontes primárias nessa investigação (são listas operacionais para o órgão não publicadas), base para as sistematizações da evolução da reforma agrária no Alto Sertão Sergipano.

O trabalho de campo in loco caracterizou-se por duas técnicas combinadas: a observação participante assistemática (perspectiva diacrônica), refletindo a inserção da pesquisadora no Alto Sertão, desde 1995, em atividades de ensino, pesquisa e extensão universitária, que oportunizaram observar “por dentro” alguns dos processos analisados, inclusive enquanto membro do Colegiado de Desenvolvimento Sustentável do Território do Alto Sertão, desde 2003, representando a Universidade Federal de Sergipe, juntamente com Alcidéia Silva. Em muitos desses momentos foram realizadas entrevistas não estruturas com lideranças ou base dos movimentos sócio-territoriais e sócioespaciais.

Entrevistas semi-estruturadas individuais ou grupais realizadas com gestores, técnicos governamentais e de ATES, lideranças de movimentos sociais, assentados e acampados foram realizadas entre 2006 e 2013, na busca das informações acerca dos projetos empresariais/governamentais e dos projetos de reforma agrária.

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retardando sua conclusão, representa a possibilidade concreta de continuidade da investigação sobre a reforma agrária no Alto Sertão Sergipano.

Esta Tese está estruturada em oito capítulos, além desta Introdução e das Conclusões. O primeiro capítulo enfatiza a retomada do espaço como conceito chave da geografia pelos geógrafos críticos, sobretudo seu núcleo radical calcado no materialismo dialético, com nova significação enquanto espaço social e o papel das classes e do Estado na produção desse espaço que expressa o desenvolvimento capitalista desigual e combinado. Resgata na trajetória do pensamento geográfico a mudança da definição de território enquanto superfície de uma Nação que se constitui no espaço vital para o Estado, a uma abordagem relacional, em diversas escalas e envolvendo diversos atores (institucionais) e sujeitos políticos. Especificamente aponta a partir de quando e com que significado surge na trajetória do debate teórico da geografia agrária, o conceito de território, e como o desenvolvimento capitalista no campo e a resistência do campesinato começam a ser tratados de forma articulada enquanto “territórios em conflito”.

O segundo capítulo retoma o debate sobre os processos geográficos primários de espacialização, territorialização-desterritorialização-reterritorialização (TDR), reforçando a perspectiva que os trata enquanto expressões espaciais da luta de classes. Aborda por um lado a produção do espaço pelo capital/burguesia e Estado, que se torna dominante e, de outro lado, a espacialização/territorialização dos grupos populares, que procura manter ou (re)construir territórios alternativos ao espaço hegemônico.

O terceiro capítulo entra na discussão do direito fundamental que está em jogo nos territórios em conflito – o direito de propriedade da terra. Retoma as origens do debate na filosofia social e no jusnaturalismo que condicionavam a propriedade da terra ao trabalho como direito natural (humano fundamental). E situa as lutas sociais camponesas, suas (raras) vitorias em momentos históricos anteriores, que demonstraram a correlação direta entre distribuição mais igualitária da propriedade da terra e democracia social e politica, situando a questão agrária, e a inversão desse direito na discussão global do Modo de produção capitalista.

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direito como um direito civil individual e absoluto da burguesia com o desenvolvimento da sociedade e do Estado liberal. Somente com a crise econômica, social e política desse Estado, a partir do inegável protagonismo das forças socialistas no acirramento da luta de classes foram gestadas experiências de construção de formas de Estado Social (socialistas revolucionários e produto do pacto social democrata – Welfare State) que possibilitou a retomada do sentido social do direito de propriedade expresso na função social da terra.

O quinto capítulo retoma o clássico debate sobre o desenvolvimento do capitalismo no campo, por meio dos dois processos de avanço do capital – territorialização e monopolização do território pelo capital; e a espacialização/territorialização camponesa, que procura manter ou (re)construir territórios alternativos ao espaço hegemônico. Nesse sentido territórios em conflito é analisado como a versão geográfica da questão agraria, por isso a análise é centrada nos movimentos sócioterritoriais e socioespaciais, colocando a apropriação do espaço e os processos de TRD no centro da luta das classes, com destaque, no Brasil para o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST.

O capítulo seis aborda o enfrentamento efetivo da questão agraria por meio da política redistributiva de terras. Estende o olhar sobre a situação da distribuição da terra e experiências de reforma agrária no mundo, que apontam num sentido geral para uma política estratégica de Estado ao delimitar o tamanho máximo para a propriedade da terra em diversos países, enquanto o Brasil aparece na contramão da democratização da terra, na medida em que vem concentrando sua estrutura fundiária.

O sétimo e o oitavo capítulos dialogam entre si, se complementam para mostrar os territórios em conflito no Alto Sertão Sergipano, estando o sétimo centrado na luta pela terra; e o oitavo nos resultados dessas lutas – a redistribuição fundiária.

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fevereiro de 2014. Os territórios em conflito referem-se à disputa da terra, mas também da água, focando nas vitórias dos sem terra e povos tradicionais.

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CAPÍTULO 01

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Iná Elias de Castro (2005); Paulo César da Costa Gomes (2005) e Roberto Lobato Corrêa (2005) apresentam a Geografia, como ciência social, que tem como objeto de estudo a sociedade, objetivada via cinco conceitos-chave espaço, paisagem, região, lugar e território.

Há diferentes concepções de cada conceito-chave da Geografia vinculadas às correntes do pensamento geográfico, conforme as matrizes filosóficas que as fundamentam, como foram situadas no capítulo 1: a geografia tradicional (em suas distintas correntes de raízes positivista, historicista e idealista dialética/anarquista) e as correntes do mencionado movimento de renovação do pensamento geográfico, a partir de meados do século XX: a abordagem teorético-quantitativa (neopositivista), a Geografia crítica (de raiz materialista dialética/ marxista) e a geografia humanista e cultural renovada (neo-historicista e fenomenológica).

Este segundo capítulo resgata os conceitos de espaço e território na trajetória do pensamento geográfico. O que é importante registrar, de início, é que a estrutura lógica do capítulo expressa uma reflexão baseada na inter-relação entre os dois conceitos, que se busca, e refere-se à coerência da concepção de território, em relação à concepção de espaço, dentro do referencial teórico-metodológico nos quais se inscrevem. Também será mencionado quando o espaço e/ou o território aparecem enquanto sinônimos implícitos ou interligados aos demais conceitos geográficos fundamentais.

1.1 A categoria Espaço como conceito chave no debate geográfico

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Da mesma forma, nos estudos territoriais a definição clássica de território não foi superada, tendo havido uma diversificação do significado desse conceito. Houve rebatimentos das novas significações dos dois conceitos nos estudos sobre o campo, como parte da renovação teórico-metodológica do pensamento geográfico que se espraiou para todos os ramos do conhecimento geográfico.

Segundo Gomes (2005) etimologicamente espaço do latim spatium é visto como contínuo ou como intervalo no qual os corpos estão dispostos conforme certa ordem. A noção de espaço para Iná Elias de Castro (2005) e Roberto Lobato Corrêa (2005) é utilizada pelo senso comum e em diversas ciências sociais, como referência geral de localização e extensão (delimitando características diferenciadoras das áreas). Castro (2005), Gomes (2005) e Corrêa (2005) identificam na ciência geográfica moderna cinco conceitos-chaves que expressam a ação humana modelando a superfície terrestre: espaço, paisagem, região, território e lugar.

Rogério Haesbaert (2002, p.142) não apresenta o espaço entre os “[...] conceitos básicos da geografia: uma proposta de sistematização.” 19. Todavia o

espaço está presente implicitamente de duas maneiras: primeiramente como uma categoria geral “por trás” de todos os demais conceitos que privilegiam determinadas dimensões do mesmo e em segundo lugar, relaciona-se com o conceito de meio ambiente20, sobre o qual o autor explicita sua importância na Geografia Física em várias correntes e também na Geografia Cultural, de Berque.

Dentre os conceitos geográficos-chave, Corrêa (2005) enfocou em seu artigo o significado do conceito de espaço atribuído pelas diversas correntes geográficas e um conjunto de práticas espaciais (conceitos operacionais para o estudo do espaço geográfico). Na Geografia, como afirma Corrêa (2005) o espaço geográfico foi entendido como porção específica da superfície da Terra.

19 Os conceitos listados por Haesbaert (2002) diferenciam-se da classificação de Castro (2005),

Gomes (2005) e Corrêa (2005), por aparentemente suprimir o conceito de espaço e acrescentar em relação aquela os conceitos de meio ambiente e redes, o primeiro relaciona-se com os conceitos de espaço e paisagem e este último com os conceitos de região e território.

20 O meio ambiente, segundo Haesbaert (2002), possui caráter predominantemente objetivo; a

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Na Geografia Clássica, entre 1870 e 1950, o espaço não era considerado o objeto da Geografia, estando o conteúdo desta noção embutido em outros conceitos.

Os estudos de geografia física, conforme Gomes (2005) tiveram como antecedentes no século XVIII, os trabalhos de Buache (de 1752) sobre as bacias hidrográficas como demarcadores naturais das regiões naturais e, em meados do século XIX, os trabalhos dos geólogos Lyell (Inglaterra) e Beaumont (França), com base no conceito de meio21. Nos dois casos referiam-se a uma

noçãoobjetiva do espaço,embutida nesses conceitos.

No último quartel do século XIX, a geografia institucionalizou-se como ciência, nas universidades europeias, particularmente na Alemanha a partir das contribuições de Alexander Humboldt e Karl Ritter. Esses autores inicialmente não separavam a ciência natural e a ciência humana, espaço e tempo, geografia e história em suas formulações. Os dois autores não trabalhavam diretamente com o conceito de espaço, mas o conteúdo da noção de espaço depreende-se dos outros conceitos por eles elaborados.

Para Alexander Humboldt, na obra “Quadros da Natureza” (ANO) a categoria definidora do espaço era a natureza, na sua dimensão máxima do universo, enquanto cosmovisão, isto é, de tudo o que está fora do limite do homem. Humboldt sofreu influência da Zoologia e da Zootécnica (disciplinas da Biologia). Para elea paisagem surgia a partir do bucólico (desde o século XVIII a vida natural e do campo era retratada artisticamente), mas o olhar do geógrafo devia ir além da paisagem, voltado à interpretação do que via.

Num caminho oposto ao de Humboldt (ANO), Karl Ritter (ANO) inaugurou o método científico de leitura minuciosa e detalhada da geografia, a partir da delimitação de escalas menores para se enxergar as particularidades, introduzindo o conceito de lugar, enquanto porção, localidade enquanto sinônimo de região22, que permitiu maior precisão e aprofundamento dos estudos geográficos. Ritter (ANO) levou em conta em sua teorização a história como tempo linear, cronológico, quando afirmava que a localidade tem em sua

21 Meio era sinônimo de região.

22 Conforme Conceição em explanação em sala de aula (ACRESCENTAR DADOS)no Tópico

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existência uma singularidade. Para este autor o homem é visível, mas não faz parte da natureza, continua fora da paisagem.

Outro autor clássico da Geografia moderna foi Friedrich Ratzel, em cujas obras: Geografia Política (de 1880), Antropogeografia; Solo, a Sociedade e o Estado no século XIX, o espaço aparece como base indispensável da vida do homem. No centro de sua teorização está o conceito de espaço vital, compreendido a partir da Geografia Física, da influência do clima e da vegetação sobre a vida humana; como solo, meio, tal qual Lyell, acima referido. E, como Humboldt, sofre influência organicista e evolucionista da Biologia. O meio é o espaço que propicia as condições de vida, alimento e moradia23, encerrando condições de trabalho, naturais ou socialmente produzidas.

Na abordagem anarquista Elisee Reclus (ANO) na leitura sobre as relações entre o Homem e a Natureza, enfatiza que “[...] os humanos são um componente integral da Natureza [...]”, formada de elementos físicos (o relevo, o clima etc.), ecológicos (os vegetais e os animais) e humanos com a qual mantém laços de interdependência (BOINO, 2010, p. 31-32). Reclus era partidário da unidade da geografia, ou seja, estudava as interrelações entre os fatores naturais e humanos. Questionando os que acusam a obra reclusiana como meramente descritiva, ou os que a retomam de forma fragmentada, Boino afirma que o referente geógrafo;

[...] desenvolveu um pensamento geográfico global e coerente [...] Seus trabalhos cobrem o conjunto do campo da geografia, tanto em geografia humana, quanto em geografia física [...] pois Reclus defendia a unicidade da geografia. (BOINO, 2010, p.28).

Nos dois textos de Elisee Reclus analisados, dentre seus inúmeros trabalhos geográficos, escritos entre 1864 e 1905 - “Da Ação Humana sobre a Geografia Física” (de 1864) e em “Geografia Comparada no Espaço e no Tempo” (de 1894) - ele raramente utiliza o termo espaço e quando o faz em geral é para qualificar uma medida de tamanho, uma extensão: “espaço insuficiente”, “espaços de grandes extensões” (RECLUS, 2010a, p.58-68);

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“espaço restrito”, “a astronomia contempla o espaço sem fim”, “espaço mais vasto” (RECLUS, 2010b, p. 72-88).

Nesses dois trabalhos Reclus utiliza diferentes conceitos de espaço, destacando a escala planetária. O conceito mais utilizado tanto em 1864, quanto em 1894 é a terra ou a Terra, com algumas variações - superfície da (nossa) terra, aspectos geográficos da terra, formas terrestres, por exemplo: “A terra é o corpo da humanidade e o homem é a alma da terra [.] Essas obras úteis (drenagens, irrigação etc.) constituem autênticas revoluções geográficas e que mudam o aspecto da terra sobre espaços de grande extensão.” (RECLUS, 2010a, p.52-68).

A Terra e suas formas precisas que constituem individualidades é o objeto de estudo da geografia comparada para Reclus, em 1894:

[...] é a história da Terra e aquela da humanidade em suas ações e reações contínuas desde as origens conhecidas até os tempos que se preparam [...] buscaremos seguir a evolução da humanidade em relação às formas terrestres e a evolução das formas terrestres em relação à humanidade. (RECLUS, 2010b, p.78-79).

Na mesma escala máxima refere-se nos dois trabalhos: planeta, globo, mundo, mapa mundi; superfície do planeta, dos continentes/continental, dos desertos; regiões vitais do planeta, inumeráveis fenômenos da vida planetária.

Em menor escala (nacional) refere-se, apenas em 1894, a país e grande pátria (num sentido objetivo – “próprio país” e subjetivo – “país da felicidade”). Em escala indefinida utiliza nas duas obras: regiões a serem comparadas e nomeadas; natureza, terra (cultivada) ou solo, e referindo-se a localizações – nomes de locais, lugares, zonas, distritos, províncias com nome próprio característico. Nestes trabalhos raramente mencionou meio ambiente, meio(s) ou paisagem.

Ao analisar as relações entre homem e natureza, em 1864 seu foco recaiu na reflexão sobre a ação destrutiva do homem sobre a Terra, dialogando com G. P. Marsh. A questão da preservação do equilíbrio natural não se colocava para Reclus como respeito a uma ordem exterior imutável.

Referências

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