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Recital Memorial: gênero, sexualidade e música na história moderna / Recital memorial: genre, sexuality, and music in modern history

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Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 5, n. 11, p. 23971-23981 nov. 2019 ISSN 2525-8761

Recital Memorial: gênero, sexualidade e música na história moderna

Recital Memorial: Genre, Sexuality, and Music in Modern History

DOI:10.34117/bjdv5n11-091

Recebimento dos originais: 14/10/2019 Aceitação para publicação: 08/11/2019

Giácomo de Carli da Silva

Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (Uergs) Curso de Graduação em Música: Licenciatura

Montenegro – Rio Grande do Sul

Grupo de Pesquisa “Educação Musical: Diferentes Tempos e Espaços” (CNPq/Uergs) E-mail: professorgiacomodecarlidasilva@gmail.com

Cristina Rolim Wolffenbüttel

Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (Uergs) Curso de Graduação em Música: Licenciatura

Montenegro – Rio Grande do Sul

Grupo de Pesquisa “Educação Musical: Diferentes Tempos e Espaços” (CNPq/Uergs)

RESUMO

O presente artigo interage com a história da minha família apresentada em um recital musical de piano, entrelassando-se à história da música. Para tanto, o trabalho que teve como objetivo de tratar de sexualidade e o processo de construção e identificação; traz em seu contexto parte da história da homossexualidade como forma de explicar como surgiu o termo “homossexual” e o impacto na história humana, sobretudo na história moderna. Com a música foi possível encontrar uma forma mais elegante e, ao meu ver, apropriada, para tratar do tema, não apenas com as pessoas do convívio social, mas, especialmente, da própria família.

Palavras-Chave: Educação Musical; Gênero; Sexualidade; História moderna; Família. ABSTRACT

This article interacts with my family's story presented at a piano musical recital, intertwining the history of music. Therefore, the work that aimed to talk about my sexuality and its process of construction and identification, brings in its context, part of the history of homosexuality as a way to explain how the term "homosexual" came about and its impact on human history, especially in modern history. With music, it was possible for me to find a thinner, more elegant and, in my view, appropriate way to address the theme, not only with people in my social life, but especially in my own family.

Keywords: Musical education; Genre; Sexuality; Modern history; Family. 1. CONTEXTUALIZANDO

Em muitas situações, locais e épocas da história humana, a homosexualidade tem sido condenada e tratada como imoral. Fernando Bruquetas de Castro, em seu livro intitulado “Reis

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Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 5, n. 11, p. 23971-23981 nov. 2019 ISSN 2525-8761 que amaram como Rainhas” publicado pela primeira vez em Lisboa (Portugal), no ano de 2010, com o título original “Reyes que amaron como Rainas”, relata que um dos critérios utilizados para repudiar a homosexualidade, é que a mesma poderia causar a extinção da humanidade devido à falta de relações que propiciassem a reprodução humana, no caso as relações heterossexuais (CASTRO, 2010). No mesmo livro, o autor explica que essa teoria é refutada e o que aconteceria se grande parte da população humana ou até mesmo toda fosse homossexual, seria uma redução no número de humanos sobre a terra, uma vez que as pessoas homossexuais não padecem de nenhuma enfermidade que não permitam sua reprodução (CASTRO, 2010).

Castro (2010), em sua obra mencionada anteriormente, relata vários casos de comportamentos homossexuais de figuras impotentes da história humana. Ao mesmo tempo, descreve que esse aspecto da vida dessas pessoas não era tratado abertamente, com a desculpa de que não era relevante na evolução da história (CASTRO, 2010, p. 11).

A devoção em crenças religiosas, em muitas ocasiões, foram e podem ser confundidas com repressão ao público homossexual. Contudo, Boswell (1980, apud CASTRO, 2010), refuta essa teoria com a seguinte explicação:

A crença em que a hostilidade das Sagradas Escrituras em relação à homossexualidade foi a causa de que a sociedade ocidental fosse intolerante com ela é refutada sem demasiada elaboração: os mesmos livros que se pensa que condenam os actos homossexuais também condenam a hipocrisia nos termos mais enérgicos e, entretanto, a sociedade ocidental não criou nenhum tabu contra ela, nem afrimou que os hipócritas fossem <antinaturais>, não os segregou numa minoria oprimida, nem provocou leis para castigar o seu pecado com a castração ou a morte. Nós acrescentamos que a hipocrisia foi institucionalizada, como dissemos no princípio, para consolidar o sistema social, tanto quando foi utilizada para justificar um Império Romano oficialmente cristão, como quando se persistiu na mesma prática durante a Idade Média e no nascimento dos Estados modernos (BOSWELL, 1980, apud CASTRO, 2010, p. 21).

Boswell (apud CASTRO, 2010) também indaga em sua tese que não fora na dita Idade das Trevas (Idade Média), em que as minorias sofreram mais perseguições, mas sim, no período que compreende o Renascimento e, mais ainda, durante as perseguições sofridas por grupos tidos como marginais, como por exemplo os ciganos e os judeus, durante o Século XX (BOSWELL, 1980, apud CASTRO, 2010, p. 20).

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Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 5, n. 11, p. 23971-23981 nov. 2019 ISSN 2525-8761 Foi durante a década de 1980 que a AIDS, doença causada pelo vírus do HIV, se tornou conhecida como uma doença dos gays, pelo fato de, até então, a doença ter sido diagnosticada, na maior parte dos casos, em pessoas que se relacionavam com pessoas do mesmo sexo. Naquela época, durante os anos 1980, o público homossexual novamente voltou a se tornar um motivo de rejeição com mais ênfase como nos períodos da Renascença e do Holocausto nazista, pois se acreditava que a doença era transmitida pelo simples contato de um aperto de mão com a pessoa contaminada pelo vírus do HIV.

Marcelo Whately Paiva, em seu livro “AIDS: O que é? Como evitar?” descreve que a AIDS surgiu nos Estados Unidos da América no ano de 1978, quando cinco jovens masculinos e homossexuais chegaram aos hospitais na cidade de Los Angeles, Califórnia, apresentando uma rara infecção (PAIVA, 1987, p. 5). O médico Jonatham Mann, ao mesmo tempo, explica que a AIDS se manifestava (em 1987) em sua maior parte dos casos em pessoas homossexuais, bissexuais e viciados em drogas, pelo fato de essas estarem inseridas em ambientes promíscuos, onde a troca de parceiros era constante (PAIVA, 1987). Da mesma forma, o autor explica que o fato dos ambientes altamente promíscuos explicaria o que acontecia, em 1987, na África do Sul, onde a doença se manifestou na maior parte dos casos em casais heterossexuais (MANN apud PAIVA, 1987).

Entre os anos de 1991 e 1992, o jornalista Andrew Morton, ao entrevistar uma das figuras mais icônicas e perseguidas do Século XX, a Princesa Diana de Gales, ouviu da própria Princesa em entrevistas secretas concedida por ela própria em sua residência no Palácio de Kensington, em Londres, Inglaterra, para seu livro que foi publicado pela primeira vez em 1992, “Diana – Her true story in her own words” (Diana – Sua verdadeira história em suas próprias palavras) que “Em qualquer lugar que eu vejo o sofrimento, é lá que quero estar, fazendo o que puder” (MORTON, 2014, p. 206).

Diana Frances Spencer, mundialmente conhecida como Princesa do Povo e Lady Di, mesmo depois do divórcio com o Príncipe Charles de Gales em 1996, se tornou um ícone da ajuda humanitária lutando por causas como a luta contra a AIDS e o preconceito e solidão que ela trazia às pessoas contaminadas pelo vírus do HIV. Diana, em 1987, inaugurou o primeiro centro de tratamento do Reino Unido para pessoas com a doença, e chocou o mundo ao apertar a mão e abraçar pessoas contaminadas pelo vírus da AIDS, sem qualquer tipo de proteção física. Ao fazer isso, ela quebrara um tabu existente até o final dos anos 1980, de que a AIDS podia ser transmitida também pelo mais simples dos toques.

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Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 5, n. 11, p. 23971-23981 nov. 2019 ISSN 2525-8761 A homossexualidade sempre foi uma questão difícil de ser tratada para mim. Nessa perspectiva, como então estudante do Curso de Graduação em Música: Licenciatura, em 2017, resolvi expressar minha identidade gay, através de um recital de piano.

Sempre me senti exposto a frases tais como: “quando tu arrumares uma namorada”, “tu tens de arrumar uma mulher trabalhadeira”, dentre outras, resolvi unir a Música a uma forma elegante e sincera, a meu ver, de expressar minha sexualidade. Essa maneira se traduziu na organização de um recital.

Para construir esse espetáculo, elaborei uma relação entre a cronologia da História da Música com minha própria história familiar. Mesmo receoso, pois este tipo de espetáculo, ainda naquela época, estava sujeito a represálias, elaborei o recital, nomeando-o Recital Memorial. Trabalhei com atores, representando algumas das gerações mais antigas de minha família, tanto paterna, quanto materna. Além disso, utilizei filmagens que dispunha, apresentando diversos momentos vividos por mim e parte de minha família. Devo informar apenas alguns membros das minhas famílias materna e paterna sabiam de minha sexualidade. Este foi, portanto, outro desafio, além do inerente à performance artístico-musical.

No final do Século XIX, época em que as gerações mais antigas de minhas famílias, De Carli e Silva, representadas no Recital Memorial nasceram, foi criado o termo homossexualidade, com vistas a identificar as causas desta patologia. Em 1892 surgiu o termo “homossexual” (VIEIRA, 2009). Anteriormente a essa época, desde os tempos antigos da história humana, homens se relacionavam com homens, e mulheres com mulheres (VIEIRA, 2009). Em algumas épocas e lugares, a homossexualidade era considerada como algo comum, como na Grécia Antiga, por exemplo. Porém, em outros lugares e épocas, a homossexualidade era tida como algo profano, a exemplo da Idade Média. Portanto, a homossexualidade está presente na vida e na cultura humana.

Cabe salientar que, ao tornar público este artigo, não se pretende instaurar ou preconizar uma verdade absoluta sobre a homossexualidade. Entretanto, entendo que esta seja uma forma de ser, e não é imoral. Concordo com Louro (2007), que opina:

Desprezar alguém por ser gay ou por ser lésbica é, para mim, intolerável. No entanto, na nossa sociedade, essa parece ser uma atitude comum, corriqueira, talvez mesmo “compreensível”. Conviver com um sistema de leis, de normas e de preceitos jurídicos, religiosos, morais ou educacionais que discriminam sujeitos porque suas práticas amorosas e sexuais não são heterossexuais é para mim intolerável. Mas esse quadro parece representar, em linhas mais ou menos gerais, a sociedade brasileira. Por isso, sinto-me autorizada a afirmar que a sexualidade ou as tensões em torno da

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sexualidade constituem-se numa questão que vale a pena colocar em primeiro plano. (LOURO, 2007, p. 203).

A partir de Louro (2007) e de minhas próprias concepções, entendo que “ser” gay, não é uma identidade que deva ofender as pessoas, pois se trata de uma forma de viver a vida do modo como se sente confortável e, principalmente, da maneira como se identifica.

2. O RECITAL

O espetáculo musical que levou aproximadamente um ano para ser produzido foi apresentado no dia 1º de dezembro de 2017. Durante a apresentação foram projetados em uma tela imagens de momentos de minha vida, para cada uma das quatorze peças musicais apresentadas.

Siedlecki (2016), em sua tese, investigou licenciandos em Música, tratando de questões de gênero, nas quais a mulher é objeto de pesquisa. A autora focou a inserção da mulher no meio da performance musical, objetivando saber as opiniões sobre instrumentos destinados a homens e mulheres. A manifestação de mulheres atuando como regentes também foi foco de análise da autora, através do questionamento dirigido aos entrevistados na pesquisa, tendo como foco suas opiniões sobre o que pensavam sobre uma manchete veiculada através de um jornal brasileiro, que afirmava: “A regente que roubou a batuta”.

Em sua análise, a autora analisou em torno de outras regentes, pois o caso não foi o único. Fazendo uma relação com meu recital de piano, uma das compositoras incluídas foi Francisca Edwiges Neves Gonzaga (Brasil/1847-1935), mais conhecida como Chiquinha Gonzaga, que foi um marco na história musical brasileira, por ter sido compositora, maestrina e uma pianista muito à frente de seu tempo por além de ter composto peças musicais memoráveis como, por exemplo, “O abre alas” (1899), foi a uma mulher à frente de seu tempo, por viver da música. Dessa forma, ela foi privada de criar seus filhos e foi expulsa de casa pelo próprio marido.

Pelo fato de meu recital tratar de questões de preconceito quanto à homossexualidade e, tendo em vista que Chiquinha Gonzaga viveu à época de meus antepassados, escolhi a música “Gaúcho”, mais conhecida como “Corta-Jaca”. Esta música foi apresentada pela primeira vez no ano de 1895. A apresentação trouxe, por meio de uma apresentação artístico-teatral, meus ancestrais: Miguel Arcanjo De Carli (1878-1921) e sua esposa Maria Domenica Pioner (1880-1861), o casal Thomaz João da Silva (1871-1944) e sua esposa, Isaltina

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Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 5, n. 11, p. 23971-23981 nov. 2019 ISSN 2525-8761 Francisca Calapati da Rosa (18??-1953). O primeiro casal são meus trisavós por parte de Mãe, e o segundo casal, meus bisavós por parte de pai.

A apresentação ocorreu comigo executando a obra de Chiquinha Gonzaga ao piano, ao mesmo tempo em que meus colegas encenavam um tango, caracterizados como os antepassados de minha família. Juntamente à cena, fotografias dos antepassados foram projetadas, ao fundo do palco, oportunizando ao público o entendimento de como eram as pessoas daquela época. Ao todo, cinco casais foram apresentados, sendo eles meus trisavós por parte de mãe, meus bisavós por parte de pai, e meus pais. Os dois outros casais tinham características heterossexuais e homossexuais.

Na sequência do programa do recital, o último movimento da “Sinfonia nº 9, em Ré Menor, Opus 125 – Coral”, de Ludwig van Beethoven (Alemanha/1770-Áustria/1827), apresentada pela primeira vez no ano de 1824, em Viena/Áustria, foi executada apenas por mim, ao piano. O tema principal dessa obra de Beethoven foi apresentado logo após um trecho do casamento religioso de meus pais, ocorrido em 11 de julho de 1992. Na encenação, minha mãe, Ângela Maria Benetti de Carli da Silva (1965) foi representada, sendo conduzida ao altar da igreja por meu avô materno, Orlando de Carli (1939-2013). Na cena, minha mãe é “entregue” a meu pai, Pedro José da Silva (1954), pelo meu avô materno, Orlando de Carli (1939-2013). Enfatizo que meu pai é uma pessoa negra, o que, na época, também significou, até certo ponto, o rompimento de uma barreira étnico-racial. Como muitos relacionamentos entre pessoas brancas e negras, o relacionamento dos meus pais teve resistências de âmbito racista. Contudo, persistiram.

Executei um trecho utilizando o canto para essa obra de Beethoven, traduzida da língua alemã (original) para a língua portuguesa, com adaptações minhas. Além de destacar a questão racial, a frase adaptada da tradução para o português da parte cantada do coro da “Sinfonia nº 9, em Ré Menor, Opus 125 – Coral”, “Todas as formas de amor serão iguais, onde tua suave paixão se repousar”, trouxe no texto musical todas as formas de amar, pois, como dito anteriormente, havia sobre o palco dois casais, além dos casais que representaram meus parentes mais antigos, ainda vivos, e já falecidos na época do recital, e outro casal, representando meus pais. Além desses três casais, havia também sobre o palco, um casal caracterizado como heterossexual, que representou o que minha família pensava para mim, e um casal homossexual, representado por dois rapazes, que revelou como se dá minha própria identificação.

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Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 5, n. 11, p. 23971-23981 nov. 2019 ISSN 2525-8761 Na sequência das peças musicais, a canção “O Xote das Meninas” (1953), de Luiz Gonzaga (Brasil/1912-1989) e Zé Dantas (Brasil-1921-1962), adaptei para “O Xote dos Meninos”, que foi interpretada por mim, ao piano, e com o mesmo colega que cantou a última peça musical do recital comigo, sendo ele na voz e ao acordeon. Além dos cinco casais e eu atuando no palco, havia mais um colega que teve como função virar as páginas da partitura musical, ao piano. Além de exercer essa função, para não precisar ficar entrando e saindo do palco, e sim ficar durante todo o tempo do recital como os demais personagens, cerca de 60 minutos, sobre o palco, foi-lhe atribuído o papel de médico da família, para fazer parte da música a qual ele e a atriz que representava minha mãe interpretaram, parados ao lado do piano, a frase adaptada da música “O Xote dos Meninos”: - A Mãe leva ao “dotô” o filho adoentado.

Antes da interpretação e apresentação dessa canção adaptada, um vídeo de poucos segundos, gravado no ano de 2001, por minha mãe, quando eu tinha sete anos de idade, foi projetado sobre uma tela de projeção ao fundo do palco. Nele, eu apareço, à época de infância, brincando que eu era uma menina, penteando os cabelos que criei na época com uma peça de roupa sobre minha cabeça. Nessa época, mesmo brincando de ser do gênero oposto, minha família jamais percebera minha identidade oposta ao comum, antes do ano de 2008, quando contei à minha mãe que sou gay. Eu tinha quase 14 anos de idade quando esse fato aconteceu. Já à época do vídeo (2001) eu sabia que havia algo de diferente comigo, pois, conforme fui crescendo e entrando na adolescência e na puberdade, nunca me senti atraído por meninas, mas sim por meninos. Mesmo que eu tentasse gostar de meninas, para não ser vítima de preconceito e humilhações, eu não conseguia mudar meu modo de ser.

Para concluir o recital, a peça musical que escolhi para fazer o encerramento foi a música “Immortality”, gravada em 1997 e lançada em 1998. A canção interpretada originalmente pela cantora canadense Céline Dion (1968), com os irmãos Bee Gees, em 1999, ganhou uma versão em português, chamada “Imortal”, lançada junto ao álbum “As Quatro Estações”, da dupla de irmãos Sandy e Junior. O refrão da canção de Sandy e Junior, Imortal, expressa a seguinte letra:

Eu cresci agora sou mulher

Tenho que encarar com muita fé, seria o bastante. Eu vou seguir o meu caminho e te esquecer

Pensar um pouco em mim tentar viver, seria o bastante. (SITE VAGALUME, 2018).

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Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 5, n. 11, p. 23971-23981 nov. 2019 ISSN 2525-8761 Essa canção foi interpretada por mim através da voz, e não ao piano, como nas demais 13 músicas do recital. Eu, juntamente com um de meus colegas, que fazia parte do casal gay, a interpretamos a duas vozes, enquanto o rapaz do casal heterossexual fazia o acompanhamento ao piano, e o outro rapaz do casal gay, que no cenário me representava, acompanhava ao violão. Para a execução dessa canção, a adaptação do refrão da letra foi a seguinte:

Eu cresci e agora sou um homem

Tenho que encarar com muita fé, seria o bastante. Eu vou seguir o meu caminho ao lado dele

Pensar um pouco em mim tentar viver, seria o bastante.

Durante a execução dessa canção adaptada houve alguns erros rítmicos, a ponto do público ajudar para que eu, por sofrer de ansiedade quando me apresento artisticamente, não saísse mais do ritmo do que já havia saído, prejudicando a qualidade do trabalho.

No final, senti-me muito aliviado em conseguir realizar meu recital de piano desse modo, com esforço, comprometimento e, principalmente, com a ajuda dos colegas. Os onze atores, meus colegas, que ajudaram muito no espetáculo, tiveram ações no palco, na recepção ao público, na gravação prévia do material a ser projetado durante o recital, nos bastidores, enfim, todo o trabalho não teria sido possível sem esta importante participação dos colegas do curso de Música e de outros cursos das Artes.

Do mesmo modo, a ajuda também ocorreu por parte de professores do curso, de instituições que possibilitaram a realização do espetáculo, bem como de outros colegas, cedendo suas residências e outros espaços físicos para a realização dos ensaios preparatórios do espetáculo.

3. RESOLUÇÕES DO RECITAL MEMORIAL

Após o recital acontecer, todos vieram parabenizar a mim e meus onze colegas pelo feito, pois eles ajudaram, interpretando as passagens de minha vida com a música e os demais quatro colegas que cuidaram da passagem das imagens e vídeos, bem como da recepção aos convidados e filmagem do evento. Todos nós fomos elogiados e parabenizados.

Mesmo receando não ser muito bem aceito por algumas pessoas de minha família, o que, para mim, não importava - pelo fato de eu não estar fazendo nada de errado - ninguém deixou de conviver comigo por esse motivo.

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Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 5, n. 11, p. 23971-23981 nov. 2019 ISSN 2525-8761 Cheguei a convidar alunos de uma escola em que atuava na ocasião, por meio de um projeto de iniciação à docência (PIBID), da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS); porém, a maioria não pôde comparecer. Um fato ocorreu antes da apresentação, e que se relaciona à presença do convite feito a esses alunos. No projeto inicial do recital havia uma cena em que meus colegas interpretavam um beijo. Esse beijo, um pouco longo, ocorria entre dois rapazes, sendo executada a “Valsa Op. 39, n.º 15, em Lá Bemol Maior”, de Johannes Brahms (Alemanha/1833-Áustria/1897), ao piano. No entanto, após ponderar a respeito, optei por não realizar exatamente como estava pensado anteriormente, a fim de não causar estranhamentos e constrangimentos maiores. Dessa forma, o beijo longo foi trocado por um beijo bastante curto.

Ao final do recital observei que apenas um de meus alunos do 8º ano conseguiu comparecer ao recital. Mesmo assim, senti-me satisfeito com o resultado do evento, que teve a presença de cerca de oitenta pessoas. Para mim, o recital de piano foi uma forma livre de apresentar meus sentimentos, o que se expressou no palco.

Quanto à organização e ao ensaio do recital, um dos apontamentos levantados pelo próprio elenco, em uma avaliação posterior, relacionou-se às reuniões para os ensaios, pois os horários e as agendas pessoais de todos eram diferentes para cada integrante do elenco. Foi possível apenas um ensaio, ocorrido dois meses e meio antes de o recital acontecer, sendo que todos os onze atores, músicos e bailarinos conseguiram, junto de mim, como o décimo segundo integrante do elenco, ensaiar a passagem do recital, no palco.

Em se tratando do fato de eu ser gay, minha motivação naquela época (2008) em contar à minha mãe sobre minha real sexualidade, foi após ter participado de uma dinâmica durante um encontro da turma da crisma, na igreja local onde eu a realizava. A catequista pediu-nos que escrevêssemos em um pedaço de papel, algum segredo nosso que gostaríamos de contar à nossa família. Após, ela pediu-nos que queimássemos esse pedaço de papel e o fizemos.

Na sequência dos fatos naquele mesmo dia do inverno de 2008, cheguei a minha casa de infância, a casa da minha Nona (avó em italiano), mãe da minha mãe, pedi que minha mãe viesse até o quarto de hóspedes para contar à ela meu segredo. Eu estava com tanta vergonha que desliguei a luz do quarto para não olhar em seu rosto. Dessa forma, eu contei a ela que aceitou normalmente, contudo deduziu que eu estava confuso e pediu-me para frequentar a psicóloga. Eu acabei aceitando apenas pelo fato de eu já conhecer a psicóloga desde minha infância.

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Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 5, n. 11, p. 23971-23981 nov. 2019 ISSN 2525-8761 Sempre me senti muito sozinho devido à minha sexualidade. Não é meu caso, mas me identifico muito com as pessoas portadoras do HIV, por naquela época, durante a década de 1980, serem marginalizadas, não tendo ninguém ao seu lado. A Princisa Diana é, para mim, um marco muito importante da história moderna, por ter se oposto ao preconceito e a homofobia mundial daquela época.

Fico imaginando quantos homens e mulheres sofreram ao longo da história e que ainda sofrem devido ao fato de terem de se portar como a sociedade dita. As pessoas têm o direito de viver como desejam desde que não interfiram na vida do próximo. Ao contrário de Boswell (1980, apud CASTRO, 2010), observo na sociedade em que vivemos que a religião, sim, limita, separa e impede a felicidade de muitas pessoas. É importante lembrar, também, que a Bíblia cristã foi escrita por pessoas que reproduziram e interpretaram nela, fatos de acordo com o modo de pensar de suas respectivas épocas e locais da história humana.

Dessa forma, é importante observar que somos livres para vivermos e sermos felizes.

REFERÊNCIAS

BOSWELL, J. Cristianismo, tolerncia social y homosexualidad (Los gaysen Europa occidental desde el comienzo dela Era Cristiana hasta el siglo XIV), 1989 [ed. Orig.: Chicago, 1980]. IN: CASTRO, Fernando Bruquetas de. Reis que amaram como rainhas. Lisboa: A Esfera dos Livros, 2010.

CASTRO, Fernando Bruquetas de. Reis que amaram como rainhas. Lisboa: A Esfera dos Livros, 2010.

LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e educação: das afinidades políticas às tensões teórico-metodológicas. Educação em Revista. Belo Horizonte. n. 46, p. 201-218, dez. Disponível em<http://www.scielo.br/pdf/edur/n46/a08n46>. Acesso em 29/12/2018.

MANN, Jonathan. AIDS: O que é? 1987. IN: AIDS: AIDS: O que é? Como evitar? São Paulo: Paulinas, 1987.

MORTON, Andrew. DIANA: Sua verdadeira história em suas próprias palavras. 3 ed. BestSeller: Rio de Janeiro, 2014.

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Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 5, n. 11, p. 23971-23981 nov. 2019 ISSN 2525-8761 PAIVA, Marcelo Whately. AIDS: O que é? Como evitar? São Paulo: Paulinas, 1987.

SIEDLECKI, Vivian. A diversidade de gênero e sexualidade na perspectiva de

licenciandos/as em música. 2016, 181 f. Tese de Doutorado. Universidade Federal do Rio

Grande do Sul, Porto Alegre, 2016. Disponível em:<https://lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/150804/001009610.pdf?sequence=1> . Acesso em 29/12/2018.SITE VAGALUME. Imortal. Disponível em:

<https://www.vagalume.com.br/sandy-junior/imortal.html>. Acesso em 29/12/2018.

VIEIRA, Luciana Leila Fontes. As múltiplas faces da homossexualidade na obra freudiana.

Revista Mal-Estar Subj. Fortaleza. v.9, n.2, jun, 2009. Disponível em:

<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1518-61482009000200006>. Acesso em 29/12/2018.

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