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AS IMPLICAÇÕES DA DOENÇA MENTAL GRAVE NO COTIDIANO FAMILIAR E A IMPORTÂNCIA DA PSICOEDUCAÇÃO NESSE CONTEXTO

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AS IMPLICAÇÕES DA DOENÇA MENTAL GRAVE NO COTIDIANO

FAMILIAR E A IMPORTÂNCIA DA PSICOEDUCAÇÃO NESSE

CONTEXTO

Moniéle Barbosa dos Santos¹; Cibeli Paganelli de Freitas²

RESUMO

A doença mental sempre foi um tabu não apenas na sociedade, mas também no contexto familiar. No decorrer da história a família passou de causadora à cuidadora dos transtornos mentais. Diante desses conflitos surgiram questões como a sobrecarga familiar dos cuidadores de pacientes psiquiátricos, assunto que tem grande discussão no presente trabalho. Com o objetivo de verificar a importância da psicoeducação nesse contexto, utilizou-se nesse trabalho, livros e artigos científicos retirados da base de dados Google Acadêmico, que levaram à conclusão de que a família sofre pelo contato diário com a doença, sofrimento que é acentuado por não receber as informações necessárias sobre a doença e o manejo adequado.

PALAVRAS-CHAVE: Doença Mental Grave (DMG); Sobrecarga Familiar; Psicoeducação.

ÁREA DE CONHECIMENTO: Humanas. ABSTRACT

Mental illness has always been a taboo not only in society but also in the family context. Throughout history, the family has passed from cause to the caregiver of mental disorders. In the face of these conflicts, issues such as the burden on the family of psychiatric patients' caregivers have arisen, a subject that has a great deal of discussion in this work. In order to verify the importance of psychoeducation in this context, scientific books and articles taken from the Google Scholar database were used, which led to the conclusion that the family suffers with daily contact with the illness, suffering that increases for not receiving necessary information about it, and proper handling.

KEYWORDS: Mental illness, Family burden, psychoeducation

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho visa investigar as implicações da doença mental grave no cotidiano familiar e a importância da psicoeducação nesse contexto.

Sobre Doença Mental Grave (DMG), partiremos da definição do Decreto-Lei n° 08 de 28 de janeiro de 2010: doença psiquiátrica, que, pelas características do quadro clínico afeta a funcionalidade da pessoa de forma prolongada ou contínua. Assim, podemos considerar DMG os seguintes transtornos: esquizofrenia, transtorno esquizotípico, transtorno delirante persistente, transtorno esquizoafetivo, outros transtornos psicóticos não orgânicos, transtorno afetivo bipolar, depressão maior com sintomas psicóticos e transtorno obsessivo compulsivo (FELÍCIA, 2016).

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A história das famílias de pacientes psiquiátricos, sempre foi um tanto conturbada. No período pós Revolução Francesa, por exemplo, a família foi banida do acompanhamento do doente, pois eram consideradas causas da doença mental a hereditariedade, o desregramento do modo de viver e educação corrompida (ALENCASTER e MORENO, 2003).

Atualmente, a família é protagonista nos cuidados no portador de DMG e corresponsável pelo processo de reabilitação, conforme afirmam Pereira e Bellizzoti, 2004.

Conforme Soares e Munari (2007), o processo de desinstitucionalização promoveu a família como parceira no tratamento de pessoas com sofrimento psíquico, no entanto nem a sociedade em geral, nem a própria família estão preparadas para lidar com tal situação.

Esse fator acaba afetando não só o paciente, mas também os seus cuidadores, resultando no que é conhecido como burden ou sobrecarga, que surge pelas dificuldades em lidar com comportamentos do paciente e com os sentimentos pessoais relacionados ao ato de cuidar, conforme nos apresenta Soares e Munari (2007).

Acredita-se que, conforme relatam Alencaster e Moreno (2003), a psicoeducação, por seu caráter educativo, oferece suporte aos familiares. Ela compreende uma técnica que combina elementos psicológicos e pedagógicos com o intuito de ensinar sobre uma determinada doença e seu tratamento.

Apesar disso, Yacubin e Neto(2001) afirmam que, ainda que a responsabilidade por cuidar dos pacientes tenha ficado com a família após a reforma psiquiátrica, dificilmente informações básicas da doença ou formas de como manejá-la são ensinadas ou discutidas pelos profissionais com a família, além disso, os familiares não tem espaço para compartilhar suas dificuldades nem para expor seu ponto de vista.

Soares e Munari (2007) explicam que, intervenções intrafamiliares devem ser feitas, não para profissionalizar o familiar como um cuidador, mas, como um indivíduo que também precisa de apoio e cuidados. Dessa forma, seriam necessários espaços que além de comportarem o tratamento ao paciente psiquiátrico, comportem também a facilitação para troca de experiências e o compartilhamento das dúvidas e angústias.

2 DESENVOLVIMENTO

2.1 TRAJETÓRIA DA LOUCURA: DOS PRIMEIROS CONCEITOS DE “LOUCO” ATÉ SUA REINSERÇÃO DA SOCIEDADE

A forma como tem sido realizado o tratamento da loucura mudou muito com o passar do tempo. Atualmente, o paciente permanece inserido no seio familiar, local considerado essencial para superar práticas tradicionais de internação, conforme afirma Soares (2003). No entanto, os chamados “loucos”, nem sempre foram considerados aptos a viver em comunidade, e a percepção de que eles significavam risco à sociedade, inaugurou, segundo Amarante (1998), a institucionalização da loucura.

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Conforme Soares (2003), no período da Antiguidade, o louco era considerado um sábio, dotado de poderes divinos, mas, a partir do século XV, período

correspondente aos últimos anos da Idade Média1, o louco passou a ser visto como

alguém possuído por demônios, ou ainda, praticante de bruxaria.

Ainda que vistos dessa forma, os loucos eram cuidados pela família ou comunidade ao qual pertenciam, ou abrigados em hospitais gerais. Essa postura se justificava porque, nessa época, esse tipo de cuidado era considerado um caminho para alcançar a salvação divina (ORNELLAS, 1997).

Para Silveira e Braga (2005), a exclusão social que permeava os leprosos durante toda a Idade Média cedeu espaço para a loucura. Com o fim da lepra,

justificado pelo término das Cruzadas2 e consequente diminuição do contato com o

ocidente, foco de contágio, grandes leprosários ficaram vazios e sem utilidade.

No século XVI, apareceram as doenças sexualmente transmissíveis, e esses estabelecimentos foram direcionados para abrigar os indivíduos com esse tipo de doença, inicialmente considerada merecedora de atenção médica, mas, no século seguinte, tornou-se alvo de exclusão, junto com a loucura (FOUCAULT, 1978).

A França, em 1656, foi pioneira na fundação dos Hospitais Gerais, que aos poucos, foram se espalhando por toda a Europa. Essas instituições, explica Soares (2003), não correspondiam a locais reservados para tratamentos médicos, mas, como medida correcional a loucos, idosos e pobres, que não eram capazes de contribuir economicamente.

Com o advento da Revolução Francesa, no século XVIII, ideais de exclusão social não eram mais convenientes. No entanto, os loucos deveriam permanecer presos, visto que, eram considerados violentos e perigosos, então seria um risco mantê-los em sociedade (SOARES, 2003).

No final do século XVIII, a loucura passou a ser compreendida como doença mental e objeto do saber médico, considerando-se possibilidades de cura (FOUCAULT, 1979 apud SILVEIRA L.C, BRAGA V.A.B, p. 593).

O pioneiro em buscar técnicas de tratamento para a loucura, foi o psiquiatra Philippe Pinel, a partir de 1793, na França. Conforme Amarante (1998) e Pessotti (1996), Pinel não descartava causas orgânicas, mas ressaltava outros fatores: hereditariedade, perca da razão por uma educação corrompida e desregramento do modo de viver.

Por conta disso, de acordo com Pessotti (1996), o doente mental seria submetido à internação para receber uma reeducação moral e transmissão de bons costumes. Dessa forma, a família não teria mais contato com o familiar portador de transtorno mental.

1 Período que compreendido entre os séculos V e XV, marcado por uma sociedade

hierarquizada, pouca mobilidade social, economia baseada na agricultura e grande influencia da Igreja Católica (RAMOS, 2005).

2 Movimento de caráter religioso e militar, com o objetivo de resolver vários conflitos existentes

da Europa Medieval. Além de expulsar os muçulmanos da Terra Santa, buscavam conquistar novas terras para atender às necessidades do crescimento econômico europeu (SOUSA, 2017).

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Amarante (2009) explica que o tratamento proposto por Pinel se realizava em instituições fechadas por conta de favorecer a observação do indivíduo sem influências do meio social, as quais eram consideradas causas da loucura. Para o autor, essa forma de trabalho deu origem ao conceito de alienação mental e consolidou as práticas de internação.

Pessotti (1996) considera que o século XIX pode ser chamado de século dos manicômios, pois foi marcado pela proliferação dessas instituições. Considera também que Pinel teve uma grande contribuição para esse cenário e para o crescimento de tratamentos morais inadequados com práticas repressivas.

Uma vez campo do saber psiquiátrico, a loucura passou a ser considerada uma doença cerebral e, aos poucos, foram surgindo novas formas de tratamento, como,

por exemplo, a insulinoterapia3, as intervenções cerebrais4 e as

eletroconvulsoterapias5, intervenções que tornavam os indivíduos apáticos (KINKER,

1995 apud SOARES, 2003 p. 11).

Segundo Amarante (1998), as práticas violentas dos hospitais psiquiátricos, foram aos poucos sendo vistas de forma negativa, principalmente no período posterior à Segunda Guerra Mundial, por conta de maior sensibilidade da população que não tolerava mais práticas violentas e que desrespeitassem os direitos humanos. Também Silveira e Braga (2005) afirmam que, a partir desse período foram surgindo, em vários países, críticas ao modelo hospitalar vigente, demonstrando necessidade de reformulação.

Surge então o movimento de Reforma Psiquiátrica, difundido em cada país com estratégias diferentes. O país que teve papel fundamental em impulsionar a Reforma Psiquiátrica, foi a Itália, liderada por Franco Basaglia. Para ele,

A Reforma Psiquiátrica propõe transformar o modelo assistencial em saúde mental, construir um novo estatuto social para o louco - o de cidadão como todos os outros e eliminar a prática do internamento como forma de exclusão social dos indivíduos portadores de transtornos mentais. Portanto, propõe-se a substituição do modelo manicomial pela criação de uma rede de serviços territoriais de atenção psicossocial e de base comunitária (BARRIGIO, 2010, p. 27).

No Brasil, a reforma psiquiátrica teve características distintas. Inclusive, o próprio histórico da psiquiatria e atenção à loucura foram conduzidos de forma particular.

O olhar aos doentes mentais apareceu no Brasil após a chegada da Família Real no início do século XIX. Esse acontecimento trouxe a necessidade da criação de

medidas de controle para retirar do convívio social aqueles que “atrapalhavam a

ordem” (SILVEIRA; BRAGA, 2005).

3Insulinoterapia consistia em induzir o paciente ao coma através da administração de insulina (KINKER, 1995 apud SOARES, 2003 p. 11).

4Também conhecida como lobotomia ou trepanações, procedimento cirúrgico que retirava uma parte do lobo pré-frontal, pois acreditava-se que ali estava localizada a doença mental, no entanto o resultado de tal procedimento deixava os pacientes em estado vegetativo, quando não resultavam no óbito. (GOMES, 2013).

5Eletrocolvulsoterapia era a indução de convulsões por eletrochoques (KINKER, 1995 apud SOARES, 2003 p. 11).

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Segundo Fonte (2012), a partir deste contexto, os indivíduos considerados loucos ficavam reclusos e amarrados nos porões das Santas Casas de Misericórdia, sem condições adequadas de higiene e cuidados. Mais tarde, esse modelo recebe críticas de cunho higiênico e disciplinar, então, em 1930 começou um movimento pró hospício, junto com a criação Sociedade de Medicina e Cirurgia e o advento da psiquiatria brasileira que se mostra objeto de controle social.

A partir de 1889, a loucura vai aos poucos, se transformando em objeto do saber médico, no entanto o caráter de controle social e exclusão não desaparecem. Um instrumento para manter os indivíduos afastados da sociedade foi a vinculação dos manicômios às colônias agrícolas, o que funcionava como terapia ocupacional para os loucos considerados passíveis de cura (PASSOS, 2009 p. 107 apud FONTE, 2012 p. 7).

A visão crítica sobre o modelo manicomial brasileiro ganhou reforços em 1978, com a visita de alguns ícones da reforma psiquiátrica na Europa: Franco Basaglia, Felix Guattari, Robert Castel e Erwing Goffman (AMARANTE, 1998).

O primeiro serviço alternativo aos manicômios, surgiu em São Paulo no ano de 1986, o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) Professor Luiz da Rocha Cerqueira e três anos depois, nasceu o Núcleo de Atenção Psicossocial (NAPS) em Santos. Esses serviços intermediários entre regime ambulatorial e internação hospitalar, foram aos poucos se difundindo por vários municípios e modificando o modelo assistencial, além de diminuir o número de internações (BRASIL, 2004).

No entanto, foi no século XXI que a política de saúde mental pode ser solidificada, através de duas leis: a Lei Federal n° 10.216 de abril de 2001, inspirada no projeto de Paulo Delgado, sobre a extinção dos manicômios e a criação de serviços substitutivos, e a Lei 10.708 de julho de 2003 que instituiu o Programa de Volta para Casa (FONTE, 2012).

O Programa de Volta para Casa é uma estratégia de reintegração social que potencializa a emancipação das pessoas com transtorno mental que passaram pelo processo de desospitalização.

Os serviços substitutivos à hospitalização obtiveram avanços significativos, segundo Soares (2003), no ano de 2001 e 2002 por conta das portarias ministeriais que contribuíram para a regulamentação e implementação desses serviços.

Todo esse processo de reforma psiquiátrica e implantação de serviços substitutivos conferem à família parte da responsabilidade nos cuidados ao portador de transtorno mental, cuidados que são necessários para a transformação do modelo psiquiátrico tradicional, no entanto, muitas famílias ainda se sentem em uma posição de despreparo para assumir tal responsabilidade (SOARES, 2003).

2.2 FAMÍLIA E DOENÇA MENTAL GRAVE: PRINCIPAIS DESAFIOS DO COTIDIANO

A família caracterizada pela relação intensa e afetuosa entre pais e filhos e pelo aumento da privacidade, é uma estrutura moderna de família, que foi surgindo na Europa a partir do século XVII (MELMAN, 2001).

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Ariés (1986) relata que, na Idade Média, a falta de afeto fica ilustrada quando, ao completar entre sete e nove anos, as crianças eram enviadas, por sua família, à casa de outras pessoas, para executarem tarefas domésticas, e lá permaneciam até os catorze ou dezoito anos, como aprendizes. Melmam (2006) conclui então, que a transmissão dos valores, conhecimentos e a socialização das crianças não era responsabilidade da família.

No entanto, a partir do século XV, junto com o maior acesso à escola, surge um novo sentimento entre as famílias, uma maior aproximação e concentração em torno da criança (ARIÉS, 1986).

Melmam (2006) relata que, além dos pais se começarem a ser considerados agentes constituintes da família nuclear sentimental, passaram também a ser considerados, causadores das psicoses, desvios do sexo e do desenvolvimento infantil insatisfatório.

O modelo de família ainda teve uma segunda transição, além de família medieval para família moderna, mas o conceito atual de família pode ser explicado de diversas formas, incluindo questões individuais, biológicas, regulamento legal e religioso, conforme cita Felícia (2016).

A autora explica que devido a mudanças econômicas, políticas, sociais e culturais não tem como apresentar uma definição única para família. Rede complexa de relações e emoções, onde diversos sentimentos e comportamentos emergem, as famílias podem ter vários tipos de organizações, porém, essas organizações estão sempre baseadas na definição de papéis e funções que atendem a expectativas sociais (RELVAS, 2004 p. 14 apud FELÍCIA, 2016).

Com essa nova perspectiva de família, seu papel em relação à doença mental tornou-se mais ativo. A partir do século XX ela começou a ser inserida no tratamento do paciente psiquiátrico, e começaram a surgir diferentes compreensões sobre a relação entre família e “loucura” (PEGORARO, 2009).

O novo modelo de assistência psiquiátrica é baseado no acolhimento, na humanização e na reabilitação social. A família é a principal parceira dos serviços de saúde na promoção desses cuidados, ela é parte integrante do processo reabilitativo, que busca a promoção dos indivíduos e o aumento de suas habilidades, conforme explica Pereira e Belizzoti (2004).

Araújo et al. (2015) explica que a responsabilidade de lidar diretamente com o transtorno mental, traz uma série de mudanças para o cotidiano dos familiares exigindo adaptações constantes e modificando toda a estrutura familiar.

Alguns autores relatam os desafios da família ao se deparar com um membro acometido por DMG. Melman (2001), explica que a sobrecarga familiar aparece do acompanhamento e cuidado, e é uma questão multifatorial, já que acontece por fatores econômicos, físicos e emocionais. Assim, a convivência com o paciente é um peso material, subjetivo, organizacional e social.

Barroso (2006), por sua vez, relaciona o termo sobrecarga às consequências negativas que abrangem diversos aspectos da vida familiar, diante da presença de um transtorno psiquiátrico. No entanto, frisa que esse termo não é utilizado para referir-se ao paciente psiquiátrico como uma carga, nem como culpado pelas

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alterações no cotidiano familiar, mas para referenciar o acréscimo de tarefas, preocupações e responsabilidades no cotidiano da família.

No primeiro momento, a questão que perturba a família é o diagnóstico, visto que, segundo Soares (2003), constatar uma doença crônica é uma experiência de luto e crise. Além disso, a crise se intensifica, conforme explica Yacubin e Neto (2001), por conta de a família receber poucas informações sobre a doença e as formas de manejá-la, e também não ter espaço para discutir dificuldades e pontos de vista.

Soares e Munari (2007) consideram que o preconceito que se estabelece em torno da doença mental resulta em rejeição, estigma e marginalização afetiva e social por pessoas com DMG. Inclusive, a marginalização se estende aos familiares, que por vergonha e/ou sobrecarga acabam tendo uma redução na interação social.

O sentimento de vergonha vem acompanhado de outro sentimento: a culpa. Diante de um surto psicótico é muito frequente, segundo Melman (2001), que familiares se sintam responsabilizados e culpados pelo aparecimento da doença, dessa forma, o sofrimento causado pelas dificuldades e encargos no cuidado do paciente pela família, é intensificado pela culpabilização.

Felicia (2016) explica que o sentimento de culpa pode levar à depressão, além de contribuir para a perca da autoestima, sentimentos que paralisam os familiares diante das situações que precisam enfrentar todos os dias.

Outra dificuldade trazida pela convivência se expressa em situações como desde auxiliar na higiene, alimentação e medicamentos a ter que vigiar o familiar o tempo todo, intervindo nos momentos em que emitem comportamentos mais intensos (CAVALHERI, 2010).

Melman (2001) observou que existe grande dificuldade em lidar com comportamentos diferentes e a família acaba por não saber agir diante deles, não sabem se devem confrontar, brigar ou impor limites. Essa confusão e insegurança se dão porque, segundo Melman, ninguém nos ensina a lidar com doentes mentais, a não ser a agir com rejeição e indiferença.

Outro fator que intensifica a sobrecarga, segundo Yacubin e Neto, (2001) é o tempo e energia gastos com a busca de tratamento e tentativas de convencer o familiar a aceitar se tratar, além disso, a interação com os serviços de saúde mental também não é confortável, já que muitas vezes causa frustração e confusão.

Fatores econômicos também afetam os cuidadores do paciente psiquiátrico, uma vez que, acometido por uma doença que o incapacite para o trabalho, o paciente não pode contribuir financeiramente, mas possui necessidades básicas que são custeadas pelos seus cuidadores (PEGORARO, 2009).

Ademais, não só os gastos adicionais afetam a família financeiramente, visto que, conforme lembra Furegato e Koga (2002) em muitos casos o familiar também tem que deixar de trabalhar para dedicar tempo integral ao paciente, ou ainda, abandonar suas atividades para assumir responsabilidades que anteriormente estavam sob o domínio do familiar acometido pela doença.

Segundo Barbosa (2011), a sobrecarga familiar não é estável, mas cíclica, se manifestando de formas diferentes em momentos de crise e em momentos de remissão. Dessa forma,

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O processo de adaptação não é estático, provavelmente a família adota diferentes formas de lidar com as demandas da doença ao longo do tempo, de acordo com a própria evolução da doença, do doente e da vida familiar. Assim também, a sobrecarga que o cuidado cotidiano impõe à família deve variar ao longo do tempo. (JUNGBAUER et al., 2004 apud BARBOSA, 2011, p. 16)

Diante de toda essa gama de dificuldades e sentimentos, a família tenta ao máximo atender às necessidades do doente mental, deixando de lado as próprias necessidades. No começo alcançam sucesso, no entanto, aos poucos vão surgindo as limitações, e as dificuldades em resolver os problemas acabam prejudicando as relações familiares (FELICIA, 2016).

Mielke et al. (2010) explicamque com orientações adequadas e a oportunidade

de compartilhar suas dificuldades os familiares se tornam mais comprometidos com os cuidados, por isso a importância de espaços de atenção à família, promovendo sua inserção no processo de reabilitação e corresponsabilizando aos cuidados.

Saraceno (2001) considera claro que a intervenção familiar voltada para o alívio da sobrecarga pelo convívio com psicóticos membros da família, é uma ferramenta importante, que deve ter como objetivo a redução dos riscos de recaída, melhora na qualidade de vida de familiares e pacientes, ensino sobre maneiras de se lidar com a situação e minimizar os sintomas.

2.3 COMO A PSICOEDUCAÇÃO PODE DIMINUIR OS NÍVEIS DE SOBRECARGA

Cuidar de um paciente psiquiátrico é um trabalho complexo que exige muito, por conta disso, é necessário que haja capacitação de quem dedica esses cuidados, no sentido de desenvolver competências para cuidar, não só de seu familiar, mas de si mesmo, uma vez que, dedicando-se ao seu familiar acaba ficando de lado, situação que pode provocar danos ao bem-estar físico e emocional (CASTRO E SOUZA, 2016).

Barbosa (2011) considera que, sendo a família um núcleo cotidiano de convívio social, também precisa ser assistida pelos serviços de promoção à saúde.

Essa assistência é importante para que a família possa gerir melhor, a doença, a final, quando bem informada, consegue desenvolver capacidades para identificar sinais de recaídas, auxiliar no reequilíbrio do paciente e prevenir crises. Essa capacitação produz um sentimento de controle à família, contribuindo para melhorar a relação intrafamiliar (FELICIA, 2016).

Yacubin e Neto (2001) explicam que a educação sobre os transtornos psiquiátricos pode trazer o alívio dos sentimentos desagradáveis que acompanham os familiares no dia-a-dia com a doença, e que muitas vezes estão relacionados ao pouco conhecimento sobre a doença. A psicoeducação é uma intervenção que serve de ferramenta para transmitir os conhecimentos necessários a esses familiares.

Psicoeducação é um tipo de intervenção que abrange fatores educacionais e psicossociais do indivíduo, levando em consideração sua totalidade (BROWN, 2011 apud CASTRO e SOUZA, 2016). Seu foco não tem relação com a cura de uma

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doença, mas em atender às necessidades e objetivos dos indivíduos (AUTHIER, 1997 apud LEMES e NETO, 2017).

Lemes e Neto (2017) explicam que a psicoeducação alcançou a prevenção da saúde através das alterações comportamentais, sociais e emocionais no tratamento para doenças mentais. O caráter educativo da psicoterapia trouxe aos pacientes e cuidadores, informações sobre o tratamento possibilitando maior consciência e capacidade para enfrentar mudanças, através de estratégias de enfrentamento e fortalecimento de comunicação e adaptação (BHATTACHARJEE et al., 2011 apud LEMES E NETO, 2017).

Os mesmos autores relatam a eficácia da psicoeducação ao citarem um trabalho realizado em 2015 por Rahmani, Ranjbar, Ebrahimi e Hosseinzadeh, com familiares de portadores de Alzheimer, cujo objetivo era investigar a eficácia da psicoeducação. A ferramenta utilizada foi um questionário, intitulado Questionário OMI, que avaliava as atitudes diante das pessoas com transtorno psiquiátrico. A pesquisa foi realizada com dois grupos: o primeiro respondia o questionário antes e depois da psicoeducação, enquanto no segundo grupo, o questionário foi aplicado sem a realização da técnica psicoeducativa.

No primeiro grupo ocorreu um aumento de 80% das respostas positivas frente ao paciente com Alzheimer após a intervenção, enquanto no segundo grupo, apenas 28,57% aumentaram as respostas positivas.

O modelo psicoeducativo proposto por Melman (2001) se estrutura em três etapas: primeiramente atividades psicoeducativas que forneçam informações sobre o transtorno, a importância da medicação, o estresse no curso do tratamento e as possibilidades de recaída, através de uma linguagem simples e acessível; em seguida, intervenções que proporcionem melhora na forma de lidar com o estresse; e por fim, intervenções em situações de crise.

Barbosa; Costa; Melo (2015) explica que são variadas as formas de promover a psicoeducação, dentre eles temos: cartilhas, vídeos, sites e intervenções grupais, que possibilitam a troca de informações com profissionais da saúde.

A psicoeducação, no contexto das DMG, deve ser orientada em dois segmentos: primeiramente ensinar para pacientes e familiares tudo o que for necessário sobre a doença e a pensar novas maneiras de conviver com ela e com os problemas que possam surgir; e também reduzir os níveis de estresse, produzir suporte social e encorajar para a visão de perspectivas futuras (PEREIRA et al., 2006).

Pereira et al.(2006) cita os objetivos da abordagem psicoeducativa pela perspectiva do consenso patrocinado pelo World Schizophrenia Fellowship, em 1998, que se baseiam em conseguir os melhores resultados clínicos para pessoas com doença mental, integrando profissionais, familiares e pacientes, e aliviar o sofrimento dos membros da família oferecendo apoio no processo reabilitativo.

Mueser e Glynn (1995) apud Gomes (2014) tratam os objetivos da psicoeducação de forma mais abrangente, sendo eles: legitimar a doença mental, promover aceitação familiar, reconhecer os limites que a doença impõe ao doente, desenvolver expectativas realistas acerca da doença, reduzir a culpabilidade sobre o doente, reduzir as emoções negativas dos membros da família, diminuir culpa,

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ansiedade, depressão, raiva e isolamento, mostrar para pacientes e familiares que eles não estão sozinhos, fornece um espírito colaborador na luta contra a doença, promover a cooperação dos membros da família como parte do tratamento, explicar intervenções farmacológicas e psicológicas, ajudar os familiares a reforçarem a participação do doente no tratamento, melhorar as habilidades dos familiares no monitoramento da doença, reconhecer sinais precoces de recaída, saber os comportamentos mais adequados para impedir recaídas, e por fim, monitorar a adesão ao tratamento e os efeitos colaterais das medicações.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Foi possível constatar que, agente fundamental nos cuidados ao paciente psiquiátrico, a família ainda sofre pelo cotidiano com a doença, uma vez que, na maioria dos casos não tem espaço para compartilhar suas dificuldades, nem recebe informações necessárias sobre a doença e os comportamentos atrelados à ela, situação que colabora para o aumento da sobrecarga e dos prejuízos psicossociais, interferindo diretamente na qualidade de vida desses familiares e também dos pacientes.

Verificou-se, de acordo com o objetivo geral deste trabalho, que a psicoeducação é muito importante na redução da sobrecarga, visto que ela é responsável por capacitar os familiares para os cuidados e amenizar sentimentos que estão diretamente relacionados a falta de conhecimento.

Verificou-se também que, ainda que já existam pesquisas sobre o tema, existe uma deficiência de profissionais da psicologia engajados nesse assunto. Uma hipótese, que abre espaço para uma nova investigação, seria a atuação do psicólogo ainda muito focada no modelo clínico e individual, que restringe a atuação desse profissional.

Acredita-se que para uma reforma psiquiátrica eficiente, colocar a família em uma posição de destaque é primordial, no entanto, essa atenção não refere-se apenas à atribuição da responsabilidade dos cuidados, mas também ao devido amparo, à abertura de espaços para que ela possa compartilhar experiências e dificuldades, e receber informações claras que colaborem com a qualidade de vida de todos os envolvidos.

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Referências

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