EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES,
DD. RELATOR DA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 6.547/SC
O
GOVERNADOR DO ESTADO DE SANTA CATARINA vem, à ilustre presença
de Vossa Excelência, em atenção ao despacho prolatado nestes autos, apresentar as
INFORMAÇÕES que entende pertinentes para o julgamento da presente ação direta de
inconstitucionalidade, com base nos fatos e fundamentos que passa a expor:
1. DA SÍNTESE FÁTICA
Trata-se de ação direta ajuizada pela Procuradoria-Geral da República,
questionando a constitucionalidade da Lei Complementar Estadual n. 606/2013 - que
disciplinou a concessão de subsídio para plano de assistência à saúde no Judiciário e, por
arrastamento – e da Resolução n. 12/2014 do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que
regulamentou a parcela, conferindo-lhe natureza assistencial e indenizatória. Este é o teor
da lei impugnada:
Art. 1º O Tribunal de Justiça poderá conceder subsídio para plano de assistência à saúde aos seus membros e integrantes do seu corpo funcional, ativos e inativos, na forma de regulamento aprovado pelo Tribunal, observada a conveniência orçamentária e financeira.
Art. 2º As despesas necessárias à execução da presente Lei Complementar correrão à conta das dotações próprias do orçamento do Tribunal de Justiça.
Na petição inicial, a PGR sustentou que as normas violam o regime
remuneratório por subsídio fixado em parcela única (artigo 39, parágrafo 4º, da
Constituição) e ferem a competência privativa da União para dispor sobre o regime jurídico
remuneratório da magistratura nacional, sob o argumento de que a LOMAN já cuidou de
estabelecer as parcelas, verbas ou vantagens que devem ser concedidas a magistrados, e
nada dispôs sobre a possibilidade de recebimento de auxílio-saúde ou de gratificação
semelhante.
Ante esse quadro, o Governador do Estado de Santa Catarina foi instado a
se manifestar.
2. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
2.1. DA INEXISTÊNCIA DE OFENSA DIRETA À CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
Verdadeiro controle de legalidade entre as disposições previstas na lei complementar
estadual e a LOMAN
Na petição inicial, a Procuradoria-Geral da República sustentou que a
LOMAN, enquanto lei orgânica nacional que rege a carreira da magistratura, já delimitou
quais as verbas e as vantagens que devem ser concedidas a magistrados e que não violam
o regime de pagamento por meio de subsídio.
Ora, a análise deste argumento pressupõe o cotejo entre as disposições da
lei complementar estadual com as disposições da lei nacional da magistratura,
circunstância que evidencia não haver ofensa direta ao texto constitucional apta a justificar
o julgamento de mérito da presente ação direta.
A propósito, esta é a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que
entende ser inviável o manejo de ação abstrata para questionar ofensas meramente
reflexas ao texto constitucional. Confira-se:
EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade: descabimento: caso de inconstitucionalidade reflexa. Portaria nº 001-GP1, de 16.1.2004, do
Presidente do Tribunal de Justiça de Sergipe, que determina que o pagamento por via bancária dos emolumentos correspondentes aos serviços notariais e de registro - obtidos através do sistema informatizado daquele Tribunal - somente pode ser feito nas agências do Banco do Estado de Sergipe S/A - BANESE. Caso em que a portaria questionada, editada com o propósito de regulamentar o exercício de atividade fiscalizatória prevista em leis federais (L. 8.935/94; L. 10.169/2000) e estadual (L.est. 4.485/2001), retira destas normas seu fundamento de validade e não diretamente da Constituição. Tem-se inconstitucionalidade reflexa - a cuja verificação não se presta a ação direta - quando o vício de ilegitimidade irrogado a um ato normativo é o desrespeito à Lei Fundamental por haver violado norma infraconstitucional interposta, a cuja observância estaria vinculado pela Constituição. (ADI 3132, Relator(a): SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 15/02/2006, DJ 09-06-2006 PP-00004 EMENT VOL-02236-01 PP-00096 RTJ VOL-00199-03 PP-00946 LEXSTF v. 28, n. 332, 2006, p. 33-49)
Diante disso, ante a inexistência de ofensa direta à Carta da República, a
presente ação direta não merece ser conhecida.
2.2. DA CONSTITUCIONALIDADE DO DIPLOMA IMPUGNADO. Possibilidade
de acumular verbas indenizatórias com subsídio
A questão posta nos autos cobra analisar a compatibilidade da ajuda de
custo para despesa com saúde, intitulada de “auxílio-saúde”, com o regime remuneratório
insculpido no art. 39, § 4º, da Constituição Federal.
Com efeito, a Emenda Constitucional nº 19, de 1988, ao acrescentar o § 4º
ao art. 39 do Texto Magno, impôs aos membros de Poder, aos detentores de mandatos
eletivos, os Ministros de Estado e aos Secretários Estaduais e Municipais a remuneração
exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, sendo vedado o acréscimo de
qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou
outra espécie
remuneratória. Esta também é a conclusão a que chegou a Ministra Cármen Lúcia Antubes
Rocha (Princípios Constitucionais dos Servidores Públicos - São Paulo: Saraiva, 1999, p.
303/314):
Tem-se na norma constitucional em estudo (art. 39, p. 4) que aqueles titulares do direito ao subsídio terão nele a sua fonte exclusiva de pagamento (“serão remunerados exclusivamente por subsídio” e que ele se forma por uma parcela única, vedando-se outros acréscimos.
Há de interpretar aquela norma considerando-se a inovação positivada com a utilização de um rótulo jurídico que, anteriormente, ostentava conteúdo inteiramente diverso, mesmo em sua composição administrativa e pecuniária, e em sua natureza jurídica.
Em primeiro lugar, há de se inteligir que o subsídio é a forma de remuneração exclusiva daqueles agentes no sentido de que não se lhes há de admitir tal pagamento como uma espécie remuneratória acrescendo-se a ela um vencimento ou qualquer outra espécie de pagamento pela contraprestação devida em razão do exercício do cargo ou da função.
A exclusividade da espécie de remuneração sob a forma de subsídio há de ser considerada, pois, no sentido de que seu padrão de valor pecuniário devido pelo cargo ou função correspondente é ele e não outro e não pode ser acrescido de outros padrões, no caso daqueles ocupados pelos agentes descritos na norma do art. 39, p. 4 ou do p. 8, se vier e como vier a ser legalmente definido.
Da mesma forma que ao criar cargo qualquer do quadro da Administração Pública a lei descreve o seu nome jurídico, o seu nível, o seu grau, o seu status no quadro de cargos e de carreiras, se for o caso, e o padrão de vencimento a ele correspondente, a lei que vier a cuidar do valor-padrão referente ao cargo ou função constitucionalmente referido na norma do art. 39, p. 4, haverá de ser fixado, e ele será nomeado subsídio. Quer dizer, o subsídio devido ao agente político, membro de Poder e demais agentes aos quais se confere aquela espécie remuneratória corresponde ao vencimento definido para o agente público ou o servidor público em geral. O vencimento compõe, ao lado do subsídio, espécies remuneratórias. Um como o outro compõem, a sua vez, a remuneração, a que se chega pela sua soma a outras parcelas constitucional e legalmente estabelecidas em determinados casos e para determinados cargos, funções e empregos públicos.
De igual parte, a dicção constitucional é impositiva ao estabelecer que o subsídio é fixado em parcela única. Interprete-se essa característica segundo o conjunto harmonioso das normas constitucionais, a finalidade da norma considerada e o quanto se pretende nela escoimar de dúvidas, especialmente tendo-se o conteúdo que prevalecia e que não mais pode preponderar na matéria. (…) O subsídio é fixado em parcela única, mas a remuneração não necessariamente. Não há qualquer vedação constitucional a que os demais direitos dos agentes públicos, aí incluídos aqueles definidos na norma do art. 39, p. 4, venham a ser espoliados ou excluídos do seu patrimônio. (…) O que não se pretende permitir, na norma constitucional em epígrafe, é tão-somente que o padre subsidiado e destinado à remuneração básica dos agentes públicos, aos quais ele se destina, componha-se de parcela fixa e outra variável, parcela referente ao exercício e outras formas de gratificação, parcela
fixa e outra pelo exercício de representação etc. Mas não se há vislumbrar vedação ao reconhecimento e direito dos agentes públicos, aos quais se confere subsídio, não vencimento, de lhe serem pagas as parcelas que lhe são devidas por força de sua condição de trabalhador público.
Nota-se, assim, que
não há, no texto constitucional, vedação ao
recebimento de verbas de natureza indenizatória.
Ainda, a possibilidade de percepção, por servidores remunerados por
subsídio, de outras verbas de natureza indenizatória, decorre da própria Constituição, que,
ao fixar o teto remuneratório do serviço público, expressamente exclui de seu cômputo as
verbas de natureza indenizatória, conforme se verifica no art. 37, §11, da Constituição
Federal, in verbis:
§ 11. Não serão computadas, para efeito dos limites remuneratórios de que trata o inciso XI do caput deste artigo, as parcelas de caráter indenizatório previstas em lei. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005)
Na doutrina publicista, também é pacífica a compatibilidade entre as verbas
de natureza indenizatória e o regime de subsídios. Nesse sentido, leciona Zanella Di Pietro:
Também não se pode deixar de ser pagas as vantagens que têm caráter indenizatório, já que se trata e compensar o servidor por despesas efetuadas no exercício do cargo; é o caso das diárias e das ajudas de custo.Não se pode pretender que o servidor que faça gastos indispensáveis ao exercício de suas atribuições não receba a devida compensação pecuniária. Trata-se de aplicação pura e simples de um princípio geral de
direito que impõe a quem quer que cause prejuízo a outrem, o dever de indenizar. (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella de. Direito Administrativo. 17 ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 451-452).
Na mesma linha, Celso Antônio Bandeira de Melo:
Assim, na vedação estabelecida só não se incluem as verbas indenizatórias (…). O disposto no art. 39, p. 4, tem que ser entendido com certos temperamentos, não se podendo admitir que os remunerados por subsídio, isto é, por parcela única, fiquem privados de certas garantias
constitucionais que lhes resultam do p. 3 do mesmo artigo, combinado com diversos incisos do art. 7, a que ele se reporta. Por esta razão, quando for o caso, haverá de lhes ser aditados tais acréscimos, deixando, em tais hipóteses, de ser única parcela que os retribuirá. (MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 17 ed. - São Paulo: Malheiros, 2004, p. 249/251).
Assim, seja pela ausência de vedação constitucional, seja com base na
doutrina publicista, é de se concluir que
o regime de subsídio comporta o acréscimo de
verbas de caráter indenizatório, as quais objetivam cobrir ou reembolsar despesas
necessariamente efetuadas pelo agente público, não cabendo a este arcar com esse ônus,
sob pena de haver, indiretamente, redução no subsídio a que faz jus.
Nessa linha, vale mencionar que, no julgamento da medida liminar na ADI
4941, constou do voto condutor do acórdão que o objetivo do modelo constitucional foi o
de impedir que funções inerentes ao cargo, já remuneradas pelo subsídio, o fossem
também por outra vantagem pecuniária. Na ocasião, concluiu-se que a lei impugnada não
seria inconstitucional porque “o pagamento nela previsto retribuiria atividades que
extrapolariam às próprias e normais do cargo pago por subsídio”. O relator afirmou, ainda,
que as atividades, “a serem retribuídas por parcela própria, deteriam conteúdo ocupacional
estranho às atribuições ordinárias do cargo”, culminando por afirmar que o art. 39, § 4º,
da CF, pretenderia impedir “que o subsídio fosse cumulado com outras verbas destinadas
a retribuir o exercício de atividades próprias e ordinárias do cargo”.
Diante disso, a verificação da constitucionalidade do pagamento da verba
denominada de “auxílio-saúde” no caso em tela cobra que se examine a natureza jurídica
do benefício.
Sobre o tema, va
le citar a recente edição da Resolução n. 294, de 18 de
dezembro de 2019, do Conselho Nacional de Justiça, que regulamenta o programa de
assistência à saúde suplementar para magistrados e servidores do Poder Judiciário,
trazendo regras homogêneas a serem observadas por todos os tribunais pátrios.
Do paradigmático voto condutor da aprovação da sobredita normativa –
aprovada por unanimidade do CNJ – extrai-se o esclarecedor excerto:
“7. A edição de um ato normativo tratando sobre a matéria se insere dentro da política pública de atenção integral à saúde de magistrados e servidores do Poder Judiciário, conforme os ditames da Resolução CNJ no 207/2015, que tem por objetivo, consoante o art. 1o, inc. II, a coordenação e a integração de ações e programas nas áreas de assistência à saúde, perícia oficial em saúde, promoção, prevenção e vigilância em saúde de magistrados e servidores a fomentar a construção e a manutenção de meio ambiente de trabalho seguro e saudável e, assim, assegurar o alcance dos propósitos estabelecidos no Plano Estratégico do Poder Judiciário.
. A saúde de servidores e magistrados não pode ser vista como fator
dissociado das funções ordinárias e institucionais do quadro humano que compõe o tribunal. Deve ser compreendida em um espectro de
maior envergadura com o fim de ser apta a proporcionar ideais condições psíquicas e físicas para o desempenho das funções dos cargos.
Ademais, ao imputar foco na saúde de magistrados e servidores, este Conselho passa a clara mensagem de que o ser humano prolator de cada despacho, decisão, acórdão, minuta, parecer, etc., é a peça mais importante dessa engrenagem chamada de devida prestação jurisdicional, fim único e último do Poder Judiciário. Tenho para mim que uma pessoa com uma boa saúde é uma pessoa apta a desempenhar as suas funções da melhor maneira possível.
. A preocupação com a saúde de magistrados e servidores é uma crescente de todas as organizações envolvidas com o Judiciário brasileiro. A título de exemplo, segundo informação da AMB (Id 3733144), recente pesquisa por ela realizada, “na qual se indagou do magistrado se eles atualmente estão mais estressados do que no passado e, neste aspecto, no primeiro grau da justiça estadual percentual supera 97,6% e na justiça do trabalho 96,3%; na justiça federal 92,7% e na justiça militar 100% dentre os que concordam muito ou pouco com a afirmação”.
. Já a Fenajud e a Fenajufe (Id 3730594, fls. 118/131) apontam a necessidade de o tema da saúde ser priorizado “pela administração do Poder Judiciário, considerando que vivemos uma situação limite o que torna imprescindível a tomada de posição e adoção de medidas efetivas de redução de dano e combate as causas do agravamento dos sintomas de adoecimento físico e mental dos servidores e magistrados”. . Com isso, é importante destacar que o mesmo CNJ que estabelece metas também é aquele que deve olhar para a saúde daqueles que irão realizá-las. Ademais, melhores condições de trabalho não se limitam (a despeito da importância) a maquinários e recursos tecnológicos.
8. Neste contexto, a partir dos dados analisados pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias (Id 3730596), verificou-se que os órgãos do Poder Judiciário não apresentam uma homogeneidade quer quanto aos recursos financeiros destinados à temática da saúde de magistrados e servidores, quer quanto às próprias medidas institucionais efetivadas. 9. Uma política pública de atenção integral à saúde de servidores e magistrados passa necessariamente pela destinação específica de recursos financeiros à área de assistência interna correspondente.
Contudo, a proposta de resolução deixa a cargo do próprio tribunal a escolha política sobre a forma de efetivar a assistência à saúde de magistrados e servidores; isto é, nos termos do art. 4o da proposta, pode-se optar por convênio com operadoras de plano de assistência à saúde, organizadas na modalidade de autogestão, inclusive com coparticipação; contrato com operadoras de plano de assistência à saúde; serviço prestado diretamente pelo órgão ou entidade; auxílio de caráter indenizatório, por meio de reembolso; ou outra modalidade prevista pelo respectivo tribunal. (...)” (original sem destaques). (Ato Normativo - 0006317-77.2019.2.00.0000. Relator: Conselheiro VALTÉRCIO DE OLI-VEIRA. 296a Sessão - j. 10/09/2019).