Processamento de Sinais Usando Quat´
ernios
Diogo Pelaes, L´ucio T. Santos,Departamento de Matem´atica Aplicada, IMECC, UNICAMP, 13083-859, Campinas, SP
E-mail: ra011719@ime.unicamp.br, lucio@ime.unicamp.br.
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Introdu¸c˜
ao
A filtragem de sinais ´e muito importante no trabalho de processamento de sinais e para isso ´e usado a transformada de Fourier, pois filtrar um sinal nada mais ´e que multiplicar uma fun¸c˜ao filtro no dom´ınio de Fourier pelo sinal tamb´em no dom´ınio de Fourier. Considerando sinais em duas dimens˜oes ´e usado a transfor-mada de Fourier bidimensional para fazer a filtragem como j´a descrita. Nesse contesto, ´e poss´ıvel aplicar uma nova ferramenta, a transformada quaterniˆonica de Fourier (QFT) como [2], que nada mais ´e do que um caso particular das transformadas hipercomplexas de Fourier apresentadas em [5]. O conjunto dos quat´ernios foi inicialmente apresentado por Hamilton [4] e usando o conceito de transformadas hipercomplexa [5] ´e definida a transformada quaterniˆonica de Fourier.
A QFT tem sido explorada na an´alise de cores de imagens como por exemplo em [7], [9] e [1]. Outra abordagem foi feita por [3], que descreve a fun¸c˜ao quaterniˆonica de sinal bidimensional, uma fun¸c˜ao derivada das propriedades da QFT e que pode substituir a tradicional fun¸c˜ao anal´ıtica de sinal bidimen-sional, mostrando-se muitas vezes mais eficaz para an´alise do comportamento do sinal.
Na pr´atica os sinais s˜ao discretos e por isso a QFT deve ser tratada no caso discreto, como feito em [8], explorando ao m´aximo o que j´a ´e conhecido da transformada cl´assica de Fourier, ajudando muito o trabalho computacional como mostrado na item 6.
Este trabalho tem como objetivo analisar as fases quaterniˆonicas da QFT, para isso foi
realizado um exemplo utilizando uma imagem simples e alterando cada fase separadamente, para uma simples compara¸c˜ao e tentar com-preender qual informa¸c˜ao cada fase carrega.
Antes de mostrar este exemplo ´e apresentado de maneira mais simples e objetiva poss´ıvel a teoria para compreender o assunto abordado.
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Quat´
ernios
Para entender a transformada quaterniˆonica de Fourier (QFT) ´e preciso conhecer o conjunto dos quat´ernios, aqui ser´a feito uma simples apresenta¸c˜ao, para maiores detalhes ver em [5].
Considere os elementos i, j e k tais que,
ij = −ji = k,
i2= j2 = k2 = −1. (1) ´
E chamado de quat´ernios o conjunto
H = {q = q0+q1i+q2j+q3k : q0, q1, q2, q3∈ R}
munido das opera¸c˜oes de adi¸c˜ao usual, multi-plica¸c˜ao por escalar, tamb´em usual, e com o produto entre dois elementos deste grupo (q e
v), dado por:
qv = (q0v0− q1v1− q2v2− q3v3)
+ i(q0v1+ q1v0+ q2v3− q3v2)
+ j(q0v2+ q2v0− q1v3+ q3v1) + k(q0v3+ q3v0+ q1v2− q2v1). (2)
Observe que H n˜ao ´e comutativo. Tamb´em ´e definido o conjugado de um quat´ernio
q = q0+ q1i + q2j + q3k como sendo:
E a norma de um quat´ernio q = q0+ q1i + q2j + q3k: |q| =pqq = q q2 0+ q21+ q22+ q23. (4)
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Fases do Quat´
ernio
´E comum quando se trabalha com n´umeros complexos escrever estes n´umeros em coorde-nadas polares, z = Aeiθ, sendo A a amplitude e θ a fase. Um quat´ernio q tamb´em pode ser escrito de forma parecida, mas com trˆes fases, como descrito no teorema abaixo, apresentado em detalhes em [2]:
Teorema 3.1. Todo quat´ernio q pode ser
es-crito como:
q = |q|eiφekψejθ, (5)
sendo φ ∈ [−π, π), θ ∈ [−π/2, π/2) e ψ ∈ [−π/4, π/4].
Prova: Ver [2]. Para demonstrar este resul-tado, ´e usado o fato de que todo quat´ernio unit´ario representa uma rota¸c˜ao em R3, ou
seja, existe um homomorfismo sobrejetivo dos quat´ernios unit´arios para o grupo SO(3)
(spe-cial orthogonal group). Este homomorfismo ´e
dado pela matriz de Rodriguez, muito utilizada no estudo de rota¸c˜ao utilizando quat´ernios.
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Transformada quaterniˆ
onica
de Fourier (QFT)
A transformada quaterniˆonica de Fourier ´e uma transformada bidimensional e (em geral) pode ser aplicada em fun¸c˜oes quaterniˆonicas, (sobre certas condi¸c˜oes, assim como a transfor-mada de Fourier), por´em considera-se apenas sinais reais. A QFT ´e um caso particular das transformadas hipercomplexas de Fourier [5].
Seja f um sinal bidimensional, f : R2 → R,
ent˜ao a QFT de f ´e definida por
Fq(w1, w2) = Z R2 e−ix1w1f (x 1, x2)e−jx2w2dx1dx2. (6)
Sua inversa (IQFT) ´e dada por
f (x1, x2) = 1 4π2 Z R2 eix1w1F q(w1, w2)ejx2w2dw1dw2. (7)
Observe que para calcular a IQFT, ´e fundamental que Fq esteja envoluida pelas exponenciais, nesta ordem, pois caso contr´ario n˜ao estaria bem definida.
Uma propriedade da QFT importante ´e a seguinte:
Propriedade 4.1. Seja f um sinal separ´avel,
f (x1, x2) = g(x1)h(x2), e Fq = Aqeiφekψejθ.
Ent˜ao ψ = 0.
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Vantagens da QFT
Seja F a transformada de Fourier de um sinal real unidimensional f R → R. Como
F (w) = F (−w), basta conhecer F (w), w ≥ 0
para recuperar todo o sinal, ou seja, ´e necess´ario 50% da informa¸c˜ao no dom´ınio da freq¨uˆencia.
Da mesma maneira para o caso bidi-mensional, seja F a transformada de Fourier de um sinal real bidimensional
f R2 → R, como F (w
1, w2) = F (−w1, −w2)
e F (−w1, w2) = F (w1, −w2) basta conhecer F no primeiro e no segundo quadrante do
dom´ınio de Fourier para recuperar todo o sinal
f , ou seja, ´e necess´ario 50% da informa¸c˜ao no
dom´ınio de Fourier para recuperar f .
Um resultado da QFT que a torna mais efi-ciente neste sentido ´e:
Teorema 5.1. Seja Fq a transforma
quaterniˆonica de um sinal bidimensional f , ent˜ao
−jFq(w1, w2)j = Fq(−w1, w2), (8) e
−iFq(w1, w2)i = Fq(w1, −w2). (9)
Prova: Ver [3]. Assim basta conhecer Fq no primeiro quadrante para recuperar o sinal todo, ou seja, 25% da informa¸c˜ao.
O fato da QFT poder ser escrita como (5) tamb´em pode ser explorado para criar filtros
em cada fase (filtros quaterniˆonicos), que at-uam com uma sensibilidade diferente do con-vencional. O exemplo tomado neste trabalho mostra como as fases se comportam, dando uma id´eia de como os filtros quaterniˆonicos po-dem funcionar.
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FQFT
Os sinais s˜ao freq¨uentemente discretos e, por isso, deve-se trabalhar com a QFT disc-reta como descrito em [8] e assim implemen-tar tal modelo. A transformada cl´assica de Fourier tem sua representa¸c˜ao discreta muito bem implementada pela famosa FFT (Fast Fourier Transform), cujo algoritmo tem com-plexidade O(N log N ). Por essa raz˜ao a im-plementa¸c˜ao da QFT deve ser feita usando a FFT (por isso FQFT). Para tanto, basta de-compor as integrais da QFT de forma a se obter a transformada cl´assica de Fourier (ao fazer este processo deve-se tomar cuidado com a n˜ao comutatividade dos quat´ernios). Ao fi-nal, verifica-se que para calcular a FQFT de um sinal real ´e necess´ario calcular trˆes vezes a FFT, enquanto usando a FFT2 (FFT bidi-mensional) ´e necess´ario aplicar duas vezes a FFT. Para a IFQFT ´e necess´ario quatro vezes a FFT, pois a IFQFT ´e aplicada em uma fun¸c˜ao quaterniˆonica, enquanto a IFFT2 uti-liza duas vezes a IFFT. Assim, verifica-se que o acr´escimo no custo computacional e insignif-icante, j´a que se espera obter informa¸c˜oes que a transformada de Fourier cl´assica n˜ao oferece.
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Exemplos
O objetivo deste t´opico ´e comparar difer-entes fases da transformada quaterniˆonica de Fourier. Como exemplo foi utilizada a Figura 1, gerada usando a figura flujet do Mat-lab. A fun¸c˜ao que descreve esta imagem n˜ao ´e separ´avel e portanto n˜ao se aplica a Pro-priedade 4.1.
Seja f a fun¸c˜ao que descreve a imagem e as transformadas:
Transformada de Fourier
F (w1, w2) = Aeiα, (10)
com A e α dependendo de w1 e w2.
Figura 1: Imagem flujet do Matlab. Transformada quaterniˆonica de Fourier
Fq(w1, w2) = Aqeiφekψejθ, (11) com Aq, φ, ψ e θ dependendo de w1 e w2.
Agora para fazer a compara¸c˜ao, ´e consider-ado uma atenua¸c˜ao de 20% das fases. A Figura 2 mostra a inversa de (10), com fase 0, 8α a es-querda, e fase nula a direita. O mesmo proced-imento ´e realizado para as fases φ, (Figura 4),
ψ, (Figura 3), e θ, (Figura 5).
Figura 2: Esquerda: 80% da fase α. Direita: Fase α nula.
Para fases φ e θ quando anuladas, (Figuras 3 e 5), pode-se notar uma simetria na vertical e na horizontal respectivamente. J´a a Figura 4, sugere pouca influencia da fase ψ, na im-agem. O mesmo fato pode ser visto utilizando a Figura 6, um tabuleiro, alterado no canto in-ferior esquerdo.
Figura 3: Esquerda: 80% da fase φ. Direita: Fase φ nula.
Figura 4: Esquerda: 80% da fase ψ. Direita: Fase ψ nula.
Figura 5: Esquerda: 80% da fase θ. Direita: Fase θ nula.
Utilizando o mesmo procedimento realizado para a Figura 1, foi obtido um resultado simi-lar com respeito a fase ψ, como pode ser visto
Figura 6: Tabuleiro alterado.
na Figura 9. De fato n˜ao h´a diferen¸ca alguma, pois a fun¸c˜ao que descreve esta imagem ´e quase separ´avel.
Com rela¸c˜ao as outras fases (φ e θ), nota-se a influˆencia sim´etrica da fase φ na horizontal e da fase θ na vertical, como pode ser visto nas Figuras 8 e 10. Fica claro que manipular a imagem usando as fases quaterniˆonicas ´e mais sens´ıvel, pois como exibe a Figura 7 esse tipo de altera¸c˜ao na fase α gera uma grande distor¸c˜ao na imagem.
Figura 7: Esquerda: 80% da fase α. Direita: Fase α nula.
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Conclus˜
ao
A transformada quaterniˆonica de Fourier tˆem diversas propriedades semelhantes, por´em outras tantas n˜ao s˜ao nada parecidas. Algumas destas propriedades s˜ao apresentadas em [2].
Figura 8: Esquerda: 80% da fase φ. Direita: Fase φ nula.
Figura 9: Esquerda: 80% da fase ψ. Direita: Fase ψ nula.
Figura 10: Esquerda: 80% da fase θ. Direita: Fase θ nula.
Em grande parte a diferen¸ca das pro-priedades derivam da n˜ao comutatividade dos quat´ernios, como pode ser visto em [6]. Uma
destas diferen¸cas foi observada na se¸c˜ao 5, o fato da QFT precisar apenas de 25% da informa¸c˜ao no dom´ınio de Fourier para recu-perar o sinal original, enquanto a transformada cl´assica de Fourier precisa de 50%. Entretanto, o fato mais interessante ´e o fato de a QFT ter trˆes fases, permitindo diversos resultados como, o apresentado no exemplo e em [3], [1] e [9], dentre outros.
O custo computacional da QFT, como visto na se¸c˜ao 6, n˜ao difere da transformada cl´assica de Fourier de forma consider´avel, pois o aumento foi linear. Assim, do ponto de vista computacional, a QFT pode ser aplicada sem problemas.
Nos exemplos aqui exibidos verificou-se que a fase quaterniˆonica ψ n˜ao sofreu quase nen-huma altera¸c˜ao, enquanto a fase da transfor-mada cl´assica de Fourier modificou-se comple-tamente, tais como as fases φ e θ.
Referˆ
encias
[1] P. Bas, N. Bihan and J.-M Chassery, Color image watermarking using quater-nion Fourier transform, Acoustics, Speech,
and Signal Processing, 2003. Proceedings. (ICASSP ’03). 2003 IEEE International Conference, 3, pp. 521-524, 2003.
[2] T. B¨ulow, “Hypercomplex spectral sig-nal representations for the processing and analysis of images”, Inst. Comput. Sci. Appl. Math., Christian-Albrechts-Univ. Kiel, Kiel, Germany, 1999.
[3] T. B¨ulow, and G. Sommer, Hypercom-plex signals: A novel extension of the an-alytic signal to the multidimensional case,
IEEE Transactions on Signal Processing,
49 (2001) 2844-2852.
[4] W. R. Hamilton, “Elements of Quater-nions”Longman, London, 1866.
[5] I. L. Kantor and A. S. Solodovnikov, “Hy-percomplex Numbers”, Springer-Verlag, Berlin, 1989.
[6] S-C. Pei, Efficient Bit and Digital Rever-sal Algorithm Using Vector Calculation,
[see also Acoustics, Speech, and Signal Processing, IEEE Transactions, 55 (2007)
1173-1175.
[7] S. J. Sangwine, Fourier transforms of colour images using quaternion, or hyper-complex, numbers, Electronics Letters, 32 (1996) 1979-1980.
[8] S. J. Sangwine, The discrete quaternion Fourier transform, Image Processing and
Its Applications, 1997., Sixth Interna-tional Conference, 2, pp. 790-793, 1997.
[9] S. J. Sangwine and T. A. Ell, Hypercom-plex Fourier transforms of color images,
Image Processing, IEEE Transactions, 16