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I - A evolução da Psicanálise

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Academic year: 2021

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Necessidades e cuidados no setting

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Rosa M. C. Reis.

Membro Efetivo da SPRJ - Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro FEBRAPSI – Federação Brasileira de Psicanálise IPA - International Association Psychoanalytical “É preciso que haja no analista uma crença na natureza humana e nos processos de desenvolvimento para que algum trabalho possa ser feito, e isto é rapidamente percebido pelo paciente”.

(Winnicott 1954)

I - A evolução da Psicanálise

A teoria de Winnicott se baseia no desenvolvimento emocional enfatizando a importância do ambiente no desenvolvimento saudável do bebê.

O ambiente pode facilitar e o bebê se desenvolver em direção à saúde, surgindo um self com possibilidade de ser. Entretanto especialmente no início quando o ambiente falha, através da mãe ou de quem faça sua função, o que ocorre é um desenvolvimento instável em direção à doença.

A Psicanálise inicialmente, apesar de valorizar a importância da mãe, se preocupava mais com o bebê e seu mundo interno.

Nesta fase ela privilegiava as pulsões, a neurose de transferência e a interpretação, porém à medida que foi entrando em contato com patologias mais graves - patologias que se estabelecem no início do desenvolvimento, quando o bebê está na fase de dependência absoluta - passou a valorizar a adaptação do setting às necessidades do paciente.

Mesmo não tendo tratado deste tipo de paciente, Freud percebeu a importância em criar um ambiente acolhedor e previsível para que o processo analítico ocorresse.

Winnicott em (1954) resume sua compreensão do processo analítico da seguinte forma:

“A análise não consiste apenas no exercício de uma técnica. É algo que nos tornamos capazes de fazer quando alcançamos um certo estágio na aquisição da técnica básica. Aquilo que passamos a fazer é cooperar com o paciente no segmento de um processo, processo este que em cada paciente possui o

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aspectos importantes deste processo originam-se no paciente, e não em nós como analistas.

Tenhamos em mente, portanto, tão claramente quanto possível, a diferença entre a técnica e a realização de um tratamento. É possível realizar um tratamento possuindo apenas uma técnica limitada, e se possível, de posse de uma técnica muito sofisticada, fracassar completamente “.

II - Interpretação, manejo e transferência.

Winnicott vai dividir as patologias em três categorias: 1º. Grupo: psiconeuróticos

Pessoas que alcançaram um self integrado por terem tido um bom ambiente no início de seu desenvolvimento e consequentemente apresentaram um desenvolvimento satisfatório nos estágios iniciais - “funcionam em termos de pessoas inteiras”. Entretanto suas dificuldades aparecem nas relações interpessoais dentro e fora da família. Apresentam patologias que foram cuidadas pela psicanálise desenvolvida por Freud.

2º. Grupo: deprimidos

Análise vai lidar com os primeiros vínculos, com a aquisição do status de unidade, junção amor e ódio e reconhecimento incipiente da dependência e da análise do estágio de preocupação (posição depressiva de Melanie Klein).

A personalidade começou a se integrar, tem diferenciação eu/não-eu, por isso a técnica não difere muito do 1º. Grupo. O elemento fundamental é a sobrevivência do analista.

3º. Grupo: esquizofrênicos, esquizóides, falso self, borderline. Neste último grupo não estamos diante de pessoa solidamente integrada, por isso a ênfase recai, durante um tempo, no setting e no manejo, pois a análise destes pacientes precisa lidar inicialmente com os estágios iniciais do desenvolvimento emocional -, anterior à aquisição de unidade.

A técnica clássica não atende às necessidades destes pacientes. Em Formas clínicas de transferência (1955), Winnicott fala da diferença que existe entre estes dois tipos de trabalho:

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Sempre que há um ego intacto e o analista pode ter certeza sobre a qualidade dos cuidados iniciais o setting é de menos importância que a interpretação.

Com o paciente regredido, ou num momento de regressão, o setting é mais importante que a interpretação. O analista precisa ser “suficientemente bom” em matéria de adaptação às necessidades do paciente.

Isto é gradualmente percebido, pelo paciente, como algo que suscita esperança de que o verdadeiro self possa finalmente correr riscos em experimentar a viver.

A regressão faz parte do processo de cura.

Winnicott correlaciona os cuidados iniciais da relação da mãe que, identificada com seu bebê, atende às necessidades dele com a relação do analista que se preocupa em atender também às necessidades do seu paciente no decorrer do processo analítico, especialmente nos momentos de regressão.

Em O papel de espelho da mãe e da família no desenvolvimento infantil (1967), Winnicott diz:

“O vislumbre do bebê e da criança vendo o self no rosto da mãe e, posteriormente, num espelho, proporcionam um modo de olhar a análise e a tarefa psicoterapeutica. Psicoterapia não é fazer interpretações argutas e apropriadas; em geral, trata-se de devolver ao paciente, a longo prazo, aquilo que o paciente traz. É um derivado complexo do rosto que reflete o que há para ser visto. Essa é a forma que me apraz pensar em meu trabalho, ter em mente que, se o fizer suficientemente bem, o paciente descobrirá o seu próprio self e será capaz de existir e sentir-se real. Sentir-se real é mais do que existir; é descobrir um modo de existir como si mesmo, relacionar-se aos objetos como si mesmo e ter um self para o qual retirar-se, para relaxamento”.

Adiante neste texto, ele diz que o bebê passa a olhar em volta e olha o rosto da mãe. Então, se pergunta: ”O que o bebê vê quando olha o rosto da mãe?” Winnicott sugere que o bebê vê a si mesmo ou, então, vê uma mãe que reflete o próprio humor ou a rigidez de suas defesas.

Nestes dois últimos exemplos muitos bebês vivem uma longa experiência de não receber de volta o que estão dando. Eles

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Em sua prática clínica descobre que para estes pacientes a provisão e a manutenção do setting são mais importante que o trabalho interpretativo. Ele diz que caso o analista se sinta desafiado por causa das necessidades do paciente, o melhor a fazer é encerrar o tratamento, pois o analista não está sendo capaz de atender as necessidades do paciente.

Pacientes que necessitam mais de manejo foram os que não receberam os cuidados necessários no início de sua vida.

Em Formas clínicas da transferência (1955), inicia falando que os primeiros casos tratados pela psicanálise foram de pacientes que tiveram um cuidado suficientemente bom, portanto pessoas com um ego com possibilidade de ser.

Através da observação mãe-bebê a psicanálise foi se dando conta de um período anterior ao ego do bebê como uma entidade estabelecida, na fase da dependência absoluta (identificação primária, quando não há diferença entre mãe e bebê).

Características da transferência neste estágio:

O presente retorna ao passado e é o passado (o analista se

confronta com o processo primário do paciente da forma como ocorreu no passado). O passado do paciente se torna presente.

Na psicanálise clássica através da neurose de transferência

o passado vem ao consultório.

O analista que consegue oferecer uma boa maternagem o presente vai ao passado e corrige o passado possibilitando ser vivido o que não foi vivido e continuava lá esperando para ser vivido. Pela primeira vez há desenvolvimento e integração do ego, repúdio ao ambiente externo dando início às relações com os objetos, o ego podendo viver impulsos do id e sentir-se real também ao descansar dessas experiências.

O passado deixa de ter a importância que tinha inicialmente depois que é vivido na sessão com o analista. O ódio ajuda o paciente a sair do aniquilamento virando agressividade integrada a sua forma de ser.

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Desta forma o analista não está saindo do seu papel, está apenas seguindo a liderança do inconsciente do paciente assim como faz no tratamento de uma neurose.

A partir deste momento podemos falar em análise normal das defesas do ego contra as ansiedades. O paciente se torna capaz de aproveitar a adaptação do analista podendo relembrar as falhas originais todas bem gravadas. Falhas que naquela época causaram ruptura da continuidade do ser.

Isso ocorre após um longo caminho quando o paciente pode se apoderar da falha original e zangar-se. Assumidas no tratamento, uma repressão primária recai sobre as lembranças primárias. O passado deixa de ter importância depois de ter sido vivido com o analista.

III - Aspectos do manejo no setting

Masud Khan elenca três tipos básicos de manejo que são fundamentais para Winnicott:

1- A qualidade do setting analítico: o silêncio e a ausência de intrusões sobre o paciente;

2 - O analista fornecer o que o paciente necessita: a ausência de intrusões pela interpretação fora de hora, a presença física atenta do analista e a liberdade na sessão para o paciente sentar, andar ou fazer o que realmente ache importante;

3 - O manejo pode ser fornecido pelo ambiente social ou familiar, e pode incluir hospitalização e os cuidados que a família e os amigos podem oferecer.

Alguns cuidados são fundamentais e, por isso, alguns são combinados pela dupla e outros ficam a cargo do analista:

Estabelece-se o número de sessões e o horário de acordo com

a disponibilidade do analista e do paciente;

O analista tem que ser confiável, pontual, presente e estar

bem;

◊É estabelecido o tempo da sessão e neste período o analista

estará atento ao que se passa na sessão através da comunicação verbal e não-verbal do paciente;

◊Amor e ódio são expressos na relação:

Amor quando o analista mostra seu interesse;

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O local também é estabelecido e deverá ser tranquilo,

aconchegante, com temperatura e iluminação adequadas;

O analista afasta qualquer julgamento moral e não deve falar

de sua vida particular, nem deve se intrometer na vida pessoal do paciente dando conselhos e nem tomando partido, mesmo em situações compartilhadas em termos locais, políticos, religiosos etc.

Entretanto o analista não se mostrará desinformado em caso de uma situação social realmente mobililzante: enchentes, violência etc, pois isto poderá dar ao paciente a sensação que o analista é indiferente ou alienado;

O analista deve ser confiável, não terá acessos de raiva

facilmente, nem se envolverá na vida do paciente e nem se apaixonará compulsivamente;

O analista deve ter clareza da diferença entre fato e fantasia.

Isto inclui não se sentir atingido por um sonho erótico ou agressivo ou uma transferência delirante;

O analista precisa ao final de cada sessão sobreviver.

Quando o processo analítico acontece, diz Winnicott (1954),

“ocorre uma sequência de eventos:

1- O fornecimento de um setting que proporciona confiança.

2 - A regressão do paciente à dependência, com a devida percepção do risco envolvido.

3 - O paciente sente o self de um modo, e o self até aqui oculto é entregue ao ego total. Novo progresso do indivíduo a partir de onde o processo havia parado.

4- Descongelamento da situação da falha original.

5 - A partir da nova posição de força do ego, raiva relativa à situação da antiga falha, sentida como presente e explicitada. 6 - Retorno da regressão à dependência, num progresso organizado em direção à independência.

7 - Necessidades e desejos instintivos tornados realizáveis com vigor e vitalidade genuínos.”

Essa sequência irá se repetir várias vezes ao longo do processo. Ele diz que refletir o paciente é emocionalmente exaustivo, mas recompensa. Mesmo que o paciente não se cure ele fica agradecido, porque foram vistos como são.

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Entretanto, conclui, não podemos garantir que vamos corrigir as consequências do que foi vivido ou do que não pôde ser vivido na época adequada, pois as exigências feitas agora são muito sérias.

Nem sempre o paciente necessita de uma fase longa de regressão, às vezes, ele necessita de alguns momentos de regressão dentro da sessão.

IV – Finalizando

Se o paciente se sente seguro no setting significa que o analista deu a sustentação necessária para o surgimento da confiança fazendo-o, aos poucos, entrar em contato com sentimentos que não haviam sido integrados em sua personalidade total.

Desta forma se sente seguro para vivê-los podendo mostrá-los para o analista (“imagina como eu pude pensar ou dizer isto

agora”,... “isto nunca tinha me ocorrido...”; “nunca disse isto para ninguém”; ou às vezes com uma ponta de autocensura:

“não devia ter dito isto”).

Nestes momentos é fundamental que o paciente não se sinta julgado, aconselhado ou dirigido para seguir algum caminho. Sempre procuro lembrá-lo que estamos ali para compreender o que se passa com ele e porque essas sensações e sentimentos apareceram e não para julgarmos se ele está certo ou errado. A interpretação, segundo Winnicott, muitas vezes, serve para o paciente saber até onde foi nossa compreensão do que foi dito por ele.

Chegar atrasado, sair antes do final da sessão, faltar, ficar em silêncio são comunicações que antes eram interpretadas como resistência. Entretanto, para Winnicott, a capacidade de estar só é um dos sinais mais importantes de amadurecimento do desenvolvimento emocional.

Clinicamente podemos evidenciar essa capacidade através de um período de silêncio, ou uma sessão silenciosa (silêncio que não é resistência, mas uma conquista do paciente).

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Compreendendo a solidão desta forma estamos entendendo e valorizando a solidão como um fenômeno altamente sofisticado e não como uma resistência.

O paciente pode ficar sem falar por resistência, ou por estar se retraindo, mas também pode estar num momento de reflexão ou querendo ficar sozinho na presença do analista, como a criança que precisa da presença da mãe para ficar só.

Durante o processo analítico ocorrem momentos de regressão ao período de dependência quando ocorre uma fusão entre analista e paciente, da mesma forma como o bebê se sentia um só com a mãe; depois ocorre uma separação dolorosa quando o analista, assim como a mãe naquela época, é colocado fora do controle onipotente.

Se o analista sobrevive à destrutividade, que sempre se segue a esta vivência, o paciente passa a poder usar o analista.

Sem flexibilidade e possibilidade de se identificar com o sofrimento e as necessidades do paciente o analista acaba impondo suas teorias sem compreender qual o sentimento que está sendo experimentado pelo paciente naquele momento, correndo o risco de virar um simples tradutor. Sem ajudar o paciente a se ver e se aceitar acaba fazendo como a mãe insuficiente: não espelhar o rosto do bebê/paciente, mas suas rígidas defesas (mãe/ analista).

O paciente regredido se torna sensível a cada detalhe do settting. Por isso, Winnicott aconselha a se conduzir de dois a três casos, no máximo, ao mesmo tempo, pois estamos entrando em contato com o fragmento enfermo do paciente.

Apenas se sentindo aceito o paciente poderá se mostrar verdadeiramente e se aceitar. Se aceitar inclui conhecer as próprias fraquezas, possibilitando aceitar também a falha nos outros através da capacidade de empatia e da conquista da capacidade de se preocupar com o outro.

O processo terapêutico bem sucedido é o que leva o paciente à experiência de ser e de se sentir integrado. A espontaneidade da dupla aparece quando há um clima de confiança e ela é que permitirá uma comunicação significativa e autêntica.

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Algumas intervenções e interpretações podem levar o paciente a se sujeitar mais uma vez e esta nova intromissão poderá levar a uma falsa análise e a um falso self (fazendo o paciente se adaptar ao que ele pensa que o analista deseja que ele seja) ou a um retraimento, já que não se sente entendido.

Quando o analista percebe que o paciente tem um ego intacto ele pode ter certeza que este paciente recebeu os cuidados iniciais necessários e por isto o setting analítico - tudo que se refere a manejo - se torna menos importante que o trabalho interpretativo.

Nos casos em que a adaptação do ambiente não foi adequada, não há estabelecimento de um self, mas o desenvolvimento de um falso self baseado em reações devido a uma série de falhas na adaptação.

Aqui a ênfase recai sobre o manejo e quando o analista tem uma boa adaptação às necessidades do paciente ele é percebido com esperança de que o self verdadeiro possa correr riscos em começar a experimentar a viver.

Percebemos, então uma diferença fundamental:

Na psicanálise clássica o passado vem ao presente, enquanto para Winnicott o presente retorna ao passado, e é o passado possibilitando o que estava lá para ser vivido e não foi vivido, agora ser vivido. O passado deixa de ter a mesma importância depois de ser vivido com o analista.

Depois desta fase, o que ocorre é o trabalho analítico normal trabalhando as defesas do ego contra a ansiedade.

A preocupação de Winnicott é estudar os critérios para o analista saber quando deve mudar a ênfase do trabalho.

rosamcreis@terra.com.br

Consultórios:

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